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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.29 São Paulo dez. 2009

 

Formação universitária e flexibilidade curricular: importância das atividades obrigatórias e não obrigatórias

 

University degree and curricular flexibility: the importance of mandatory and non-mandatory activities

 

Formación universitaria y flexibilidad curricular: la importancia de las actividades obligatorias y no obligatorias

 

 

Camila Alves FiorI; Elizabeth MercuriII

IDoutora em Educação, Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/campus Poços de Caldas. E-mail: cfior@hotmail.com
IIDoutora em Educação, Professora Colaboradora da Faculdade de Educação - Unicamp. E-mail: emercuri@unicamp.br

 

 


RESUMO

O princípio de flexibilização curricular pressupõe inovações nos projetos pedagógicos, os quais incorporam, junto às atividades obrigatórias, experiências não obrigatórias. Considerando que ambas têm destaque no desenvolvimento do universitário, este estudo buscou compreender, a partir da percepção dos estudantes, a importância atribuída a cada uma dessas experiências. Os dados foram obtidos junto a 16 universitários matriculados em uma instituição de ensino superior pública, por meio de entrevistas e foram analisados qualitativamente. Dos relatos salienta-se que o mérito das experiências obrigatórias vincula-se ao seu conteúdo enquanto o caráter optativo é descrito como elemento fundamental na valorização das atividades não obrigatórias. Os resultados sugerem a necessidade de integração entre as experiências, ao invés da primazia de um ou outro grupo de atividades.

Palavras-chave: universidades e faculdades; estudantes universitários; educação superior; currículo; atividades extracurriculares.


ABSTRACT

The principle of curricular flexibility foresees innovations in pedagogical projects, which incorporate, along with the mandatory activities, non-mandatory experiences. Considering the fact that both are essential in the academic development, this study sought to understand, from the students' perspective, the importance assigned to each of these experiences. The data was obtained from 16 university students enrolled in a public institution of higher education, analyzed qualitatively though interviews. Based on their results, it can be highlighted that the merit of the mandatory experiences is connected with their contents, whereas the optional character is described as a fundamental element in the estimation of the non-mandatory activities. The data suggests the need for integration between the experiences, as opposed to the prominence of one over either group of activities.

Keywords: universities and colleges; university students; higher education; curriculum; extracurricular activities.


RESUMEN

El principio de flexibilización curricular presupone innovaciones en los proyectos pedagógicos, los cuales incorporan, juntamente a las actividades obligatorias, experiencias no obligatorias. Considerando que las dos tienen destaque en el desarrollo del universitario, este estudio buscó comprender, a partir de la percepción de los estudiantes, la importancia atribuida a cada una de esas experiencias. Los datos fueron obtenidos a partir de 16 universitarios matriculados en una institución de enseñanza superior pública, a través de entrevistas y fueron analisados de forma cualitativa. De los relatos se destaca que el mérito de las experiencias obligatorias se vincula a su contenido, mientras que el carácter optativo es descrito como elemento fundamental en la valorización de las actividades no obligatorias. Los resultados sugieren la necesidad de integración entre las experiencias, en detrimento de la primacía de uno u outro grupo de actividades.

Palabras clave: universidades; estudiantes universitarios; educación superior; curriculum; actividades extracurriculares.


 

 

A legislação educacional e as universidades

Em comparação a outros países latino-americanos, como Chile e México, o ensino superior brasileiro pode ser considerado jovem, ao se constatar que os primeiros cursos não teológicos surgiram no século XIX e a primeira universidade brasileira foi criada no século XX (CUNHA, 1980). Entretanto, da fundação da primeira universidade brasileira ao contingente de 2281 instituições de ensino superior presentes no país, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2007), um amplo movimento de transformações, decorrentes de legislações e políticas educacionais, acompanhou a história da educação superior brasileira.

De maneira particular, este artigo inicia-se com uma reflexão sobre modificações nas propostas de formação do universitário decorrentes de uma legislação específica, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96).

Sabe-se que essa nova legislação educacional acompanha a tendência pela democratização do país no aspecto político, iniciada na década de 80 do século XX e que culminou na elaboração da nova Carta Constitucional de 1988. Os princípios de democratização presentes na Constituição nacional encontram-se também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, a qual buscou superar a tradição autoritária da legislação anterior. No âmbito curricular e de formação do estudante, observa-se um movimento de superação de propostas pautadas em currículos mínimos1 para ações que viabilizam os princípios da autonomia didática, além de financeira e administrativa.

O artigo 53 da Lei 9394/96 faz referência ao exercício da autonomia pela universidade, prevendo, como atribuições desta instituição, a possibilidade de criar, organizar e extinguir cursos e programas de educação superior previstos pela lei, além de fixar os currículos dos seus cursos e programas, observando as diretrizes gerais pertinentes (BRASIL, 1997a).

Pereira e Cortelazzo (2003) sinalizam a importância de se refletir sobre o termo flexibilidade, visto que, no contexto acadêmico, o mesmo não deve ser entendido como adaptação e conformismo. Contrário à visão de que a flexibilidade é sinônimo de passividade e obediência, no contexto educacional "o termo vem significar um tempo em que a instituição não se curva mais ante o inflexível, não assume mais a obediência servil, não coloca em outras fontes o poder da decisão, da ação e da responsabilidade mútua" (PEREIRA e CORTELAZZO, 2003, pp. 118-119).

Porém, ressalta-se que a flexibilidade curricular não significa a flexibilidade profissional, tal como pressupõe uma visão neoliberal de universidade, a qual concebe o capital e o mercado como reguladores das instituições educativas (GOERGEN, 2001). Numa concepção neoliberal de universidade, a flexibilidade é associada a uma ótica empresarial de competitividade e empregabilidade, sendo priorizadas formações mais rápidas que produzam subjetividades coerentes com o consumismo, com a produção e com a competitividade, características essenciais da ordem econômica pautada na lógica do capital (BASTOS e PEREIRA, 2005; DIAS SOBRINHO, 2000). Além disso, Chauí (2001) atenta ao fato de que a flexibilidade curricular não é sinônimo de adaptação dos currículos às necessidades profissionais e às demandas das empresas, sobrepondo as questões empresarias às sociais.

Mas, ao contrário, a flexibilidade pressupõe "outra teoria educacional e uma opção filosófica que valoriza os atores educativos, o desenvolvimento contextualizado das práticas educativas, a autonomia da instituição, do professor e do aluno" (PEREIRA e CORTELAZZO, 2003, p. 119). Em síntese, a autonomia universitária e a flexibilidade curricular abrem a possibilidade, entre outros aspectos, para a construção e implementação de um projeto pedagógico no qual estejam presentes concepções inovadoras e diferenciadas de graduação do estudante (MANCEBO, 1997; VEIGA, 2000).

O entendimento de formação superior, em particular a universitária, não é consenso na literatura e as próprias discussões sobre os fins da educação formal não são recentes. Tem-se como pressuposto que as finalidades da educação superior não são simples nem unidimensionais, mas operam com um conjunto bastante definido de fins que contam com ampla aceitação. Bowen (1977) já apontava que se busca, com o conjunto intencional de ações educativas, uma formação mais abrangente que garanta o desenvolvimento integral do estudante.

A fim de viabilizar os princípios de um crescimento nos aspectos acadêmicos, profissionais e culturais dos estudantes, as universidades têm apresentado um conjunto diversificado de propostas de trabalho, compondo os projetos político-pedagógicos dos cursos. Com isso, amplia-se o entendimento de currículo, não o restringindo à grade de disciplinas dos cursos. A seguir, ilustram-se algumas ações desenvolvidas por universidades que contemplam os princípios da flexibilização curricular.

 

Relatos de experiências sobre novas configurações curriculares

Dentre as instituições que tem trazido sugestões diferenciadas, pode-se apontar a experiência da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, uma universidade pública, localizada no interior do estado de São Paulo. Pereira e Cortelazzo (2003) apresentam que, com a finalidade de oferecer aos alunos um currículo mais flexível e que possibilite a articulação entre diversos campos do saber, a comunidade acadêmica da universidade propôs a criação de Atividades Multidisciplinares (AM). Estas são experiências que visam oferecer uma formação mais ampla aos estudantes e que possibilitam ao aluno escolher livremente aquelas que atendam a seus interesses intelectuais e sociais. Tais experiências são desenvolvidas em duas a quatro horas semanais ao longo do semestre letivo e contam com a participação de especialistas convidados para discutir temas como: ética, meio ambiente e práticas de saúde. A participação nestas experiências reverte-se em créditos ao aluno.

Dentro do conjunto dessas atividades, Pereira e Cortelazzo (2003) destacam as atividades de Trabalhos Comunitários que visam à atuação dos estudantes em projetos na área social. O graduando pode optar por participar de projetos já desenvolvidos pela universidade ou apresentar o planejamento de uma atividade comunitária. Além dessas experiências, a instituição valoriza a formação do estudante para além do seu espaço universitário, ofertando a possibilidade de realizar disciplinas em outras instituições públicas.

Na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, uma universidade confessional localizada no interior do estado de São Paulo, constata-se um movimento de flexibilização curricular, com a incorporação de atividades denominadas Práticas de Formação. As mesmas são experiências que ampliam a graduação do estudante, acrescentando o contato com diversas áreas de conhecimento e experiências. Nesta universidade, as Práticas de Formação são parte integrante dos currículos e devem ser cursadas, obrigatoriamente, pelos alunos em todos os semestres do curso, sendo ofertada ao estudante a oportunidade de escolha sobre qual atividade realizar2.

Além disso, ainda com base no princípio da autonomia e da flexibilização curricular, muitas universidades têm trazido, junto à composição de seus cursos, um conjunto de atividades denominadas complementares. A flexibilização curricular, prevista na Orientação para as Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação, homologada através do parecer nº CNE/CES 776/1997 (BRASIL, 1997b), aprovado em 03/12/1997, ganha um aspecto particular nas Diretrizes Nacionais específicas de cada curso, através da sugestão de serem realizadas as atividades complementares. Portanto, o currículo de diversos cursos passa a valorizar e contabilizar créditos a um conjunto de vivências que extrapolam os limites das grades de disciplinas dos cursos e que asseguram, entre outros aspectos, um dos princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais que se refere à prática de estudos e atividades independentes com características interdisciplinaridades e opcionais, a fim de enriquecer e implementar o perfil profissional do formando.

Desta breve exposição sobre experiências que ilustram os pressupostos da flexibilização curricular, salienta-se que as propostas de cursos incorporam a possibilidade de o estudante escolher, dentre um conjunto de atividades, algumas experiências previstas pela instituição como relevantes para a conclusão do curso e que, muitas vezes, entram no cálculo dos créditos para a integralização do mesmo. Neste sentido, estas propostas de formação extrapolam a concepção de currículo como o conjunto de disciplinas centradas na área básica e específica do curso, rígidas e construídas sob a lógica do controle técnico (GERALDI, 1994; PEREIRA e CORTELAZZO, 2003) e passam a valorizar a liberdade de o universitário escolher, dentre uma gama de experiências, aquelas que passarão a compor sua trajetória acadêmica.

Assim, as propostas atuais incorporam uma maior flexibilidade na composição dos cursos, e a vivência universitária extrapola o âmbito das experiências fixas e predeterminadas. Isso ocorre pela valorização, inclusive com a contabilização de créditos, de um grupo mais amplo de atividades que compõe o currículo. Ampliar o entendimento da formação universitária passa pela compreensão destas experiências, tema a ser desenvolvido a seguir.

 

As atividades presentes no ensino superior

A partir do entendimento de currículo "como o conjunto das aprendizagens vivenciadas pelos alunos, planejadas ou não pela escola, dentro ou fora da aula e da escola, mas sob a responsabilidade desta, ao longo de sua trajetória escolar" (GERALDI, 1994, p. 117), observa-se que os estudantes também compõem sua trajetória acadêmica com experiências que têm sido denominadas na literatura como complementares, eletivas, extramuros, extracurriculares e não obrigatórias. Estas são atividades que encontram apoio da instituição ou estão sob responsabilidade direta dela, mas têm em comum o oferecimento de experiências diversificadas para os diferentes estudantes de um mesmo curso ou de toda uma universidade, e que se caracterizam pela maior liberdade de escolha, por parte do aluno, sobre as atividades a serem desenvolvidas.

Assim, ampliando a definição de Geraldi (1994) sobre currículo, entende-o como o conjunto das atividades vivenciadas pelos alunos e que possam ter características tanto obrigatórias, quando pertencerem ao conjunto de atividades que são previamente definidas como essenciais à conclusão do curso, quanto não obrigatórias, caracterizadas pelas atividades vivenciadas pelos alunos dentro ou fora da sala de aula ou do espaço físico da universidade, nas quais existe uma maior autonomia do estudante na seleção das experiências com as quais se envolverá. Essas atividades podem ser ilustradas pela participação em monitoria, iniciação científica, nos órgãos de representação estudantil, em congressos e eventos científicos, entre outros.

Dados da literatura apontam que o envolvimento dos alunos em diversas atividades contribui para uma série de mudanças nos mesmos (KUH, 1995; TERENZINI, PASCARELLA e BLIMLING, 1996). Dentre as principais características das mudanças pelas quais passam os estudantes durante o período de graduação inclui-se o desenvolvimento nas áreas cognitiva, social e afetiva, com ganhos nas habilidades intelectuais, domínio de conhecimentos específicos e nas dimensões atitudinal, psicossocial e moral (ASTIN, 1993; KUH, 1995; PASCARELLA e TERENZINI, 1991, 2005).

Mais especificamente, a participação em atividades não obrigatórias desencadeia diversas contribuições aos estudantes como: maior satisfação com o curso, aprimoramento das habilidades de liderança, facilidade nos relacionamentos interpessoais, desenvolvimento de valores altruísticos. Estes dados demonstram que os benefícios das experiências não obrigatórias se refletem em diversos aspectos, que podem auxiliar no desenvolvimento do estudante como um todo (PASCARELLA e TERENZINI, 1991, 2005; BAXTER- MAGOLDA, 1992).

O envolvimento nas atividades não obrigatórias pode favorecer ainda a construção do compromisso com o curso, sendo esta uma variável importante para a permanência no ensino superior (BRIDI e MERCURI, 2000). De acordo com Astin (1993), os estudantes que participam de quaisquer tipos de atividades não obrigatórias têm menor probabilidade de evadir e têm maiores chances de estarem satisfeitos com suas experiências na universidade. Almeida e colaboradores (2000) também afirmam que o envolvimento nestas atividades contribui ainda para uma melhor integração no contexto universitário, elemento importante para o rendimento acadêmico do estudante e para o seu desenvolvimento psicossocial.

A importância das atividades não obrigatórias tem sido reconhecida na literatura desde a década de 90, com os estudos de Kuh, Schuh, Whitt e cols. (1991), que buscaram compreender as experiências realizadas fora da sala de aula, e, atualmente, na produção acadêmica internacional, estas atividades ainda se constituem como foco de diversos estudos (BAKER, 2008; KEEN e HALL, 2009).

Além disso e ainda com o intuito de contextualizar a presença das atividades não obrigatórias no decorrer da graduação, Kuh (1993, 1995) realizou um amplo estudo com universitários de 12 instituições norte-americanas, com o objetivo de verificar quais experiências fora da sala de aula eram associadas a aprendizagens e desenvolvimento pessoal. Dentre as principais experiências descritas pelos estudantes destacam-se a vivência nas atividades de liderança, interação com os pares, atividades acadêmicas, contato com os professores,trabalho,viagens e contexto institucional geral.

Embasando-se nas contribuições apresentadas por Kuh (1995), no contexto nacional, Capovilla e Santos (2001) investigaram as influências das atividades extramuros no desenvolvimento do estudante de Odontologia. O trabalho foi realizado com alunos concluintes e apontou que os mesmos participavam de várias atividades extramuros, as quais foram associadas a mudanças no raciocínio reflexivo, competência social, noção de propósito, habilidades acadêmicas, autonomia, competência vocacional e raciocínio reflexivo. Utilizando-se a mesma taxonomia de respostas de Kuh (1993, 1995), Fior e Mercuri (2003) realizaram um estudo exploratório com estudantes matriculados em uma universitária pública brasileira visando analisar as contribuições das atividades não obrigatórias para a formação do estudante. De maneira mais específica, o estudo buscou identificar as relações que os universitários estabeleciam entre a participação nas atividades não obrigatórias e as mudanças pessoais, e a participação nestas atividades foi associada a um conjunto amplo de mudanças que contemplam aspectos ligados à competência interpessoal, complexidade cognitiva, humanitarismo e conhecimentos e habilidades acadêmicas.

Os dados desses estudos sinalizam a importância das atividades não obrigatórias na formação do estudante e demonstram que os benefícios destas experiências se refletem em amplos aspectos que podem favorecer o desenvolvimento do estudante como um todo (BAXTER-MAGOLDA, 1992; PASCARELLA e TERENZINI, 1991).

Porém, conforme apontam Huang e Chang (2004), persiste um questionamento sobre a quantidade de envolvimento vivenciada pelos estudantes, buscando-se identificar se a participação mais intensa em determinada área poderia diminuir a probabilidade de os estudantes se envolverem em outra. Ainda que os dados não sejam conclusivos, Davis e Murrell (1993) e Pike (1995) fornecem evidências indiretas sobre a importância da integração entre as diversas experiências ao longo da formação do estudante, mas pesquisas que investiguem essa integração são menos prevalentes.

Entretanto, sabe-se que o caminho para a ampliação da aprendizagem passa pela criação de condições que motivem e inspirem os estudantes a investirem seu tempo e energia nas atividades com propósitos educacionais, tanto obrigatórias como não obrigatórias. Diante disso, este estudo se propôs a compreender, a partir da percepção dos universitários, a importância associada às atividades obrigatórias e não obrigatórias para o processo de formação universitária.

 

Caminhos metodológicos

Participaram deste trabalho 16 estudantes, de ambos os sexos e com idades variando entre 20 a 24 anos, matriculados em cursos de graduação de uma universidade pública brasileira, localizada na região sudeste do País e que se caracteriza por forte tradição na pesquisa. Ressalta-se que todos os participantes eram voluntários e interessados em participar do estudo. Buscou-se, durante a seleção dos universitários, um equacionamento do período de funcionamento do curso, ou seja, se diurno ou noturno. Em função da natureza da informação desejada, foi necessário que o estudante, participante da pesquisa, tivesse uma vivência universitária de, pelo menos, cinco semestres. Com esta condição, pretendeu-se interagir com alunos que já vivenciaram tempo suficiente na graduação e tenham se deparado com diversas possibilidades de realização de atividades no contexto universitário.

Considerando a natureza exploratória do presente estudo, optou-se pelo uso de entrevistas, baseadas no autorrelato. De acordo com Pike (1995), o autorrelato constitui um procedimento válido e confiável do envolvimento do estudante nas atividades acadêmicas e do seu desenvolvimento.

As entrevistas foram embasadas em um roteiro dividido em duas etapas: a) dados de identificação (sexo, idade, curso, período de estudo) e b) aspectos referentes à experiência universitária, mais especificamente sobre: (i) atividades que contribuíram para a formação; (ii) identificação da natureza destas atividades (obrigatórias/não obrigatórias); (iii) importância atribuída às atividades obrigatórias e às atividades não obrigatórias para a formação.

A análise de conteúdo foi o conjunto de técnicas utilizado para análise dos dados. Neste estudo, o tema foi a unidade de significação obtida através do relato dos entrevistados, partindo-se dos referenciais teóricos anteriormente apresentados. A partir da análise de conteúdo das transcrições dos relatos, buscou-se inicialmente destacar as atividades que contribuíram para a formação do estudante. Para esta análise, foram inicialmente estabelecidas duas categorias: atividades obrigatórias e atividades não obrigatórias. Posteriormente, foi analisada a importância destas atividades e, neste caso, não havia conjuntos prévios de categorias a serem utilizadas, e as mesmas emergiram a partir dos dados.

Inicialmente são descritas as atividades ou experiências que, segundo os estudantes, contribuíram para sua formação. Na seqüência, merecerá ênfase o estudo da percepção dos universitários sobre a importância das atividades obrigatórias e não obrigatórias. Trechos com falas dos participantes são utilizados para favorecer a compreensão dos aspectos que se apresentam. Esses trechos são seguidos pela inicial do nome do estudante e também é feita menção à área de conhecimento na qual se situa o curso no qual o aluno está matriculado.

 

A vivência universitária: o convívio entre as experiências obrigatórias e não obrigatórias

Do conjunto dos relatos individuais salienta-se o fato de que todos os estudantes entrevistados citam, entre as atividades ou experiências que mereceram destaque, aquelas de natureza não obrigatória. Houve casos extremos em que elas são as únicas atividades mencionadas na avaliação. De qualquer modo, também as experiências obrigatórias foram sinalizadas pelos participantes.

Com relação à natureza das atividades descritas, observou-se que, entre as obrigatórias, os estudantes percebem um grupo variado de experiências que vão desde a vivência do próprio curso como um todo até algumas atividades específicas. Dentre essas experiências mais pontuais, encontram-se as aulas que, como entendidas por Cunha (1997), constituem o momento de concretização do ensino, o encontro entre professor e alunos, ou um processo contínuo de construção coletiva de conhecimentos. Estas atividades acompanham todos os níveis educacionais e, segundo a percepção dos estudantes universitários, tiveram um papel central no seu processo de formação "Digamos que a aula é uma coisa fundamental" (O., C. Exatas), pois possibilitam o contato com novos conteúdos e a explicitação de eventuais dificuldades que acontecem no decorrer do processo de aprendizagem "a aula contribuiu para a formação (...) porque expõe a matéria e [esclarece] dúvidas que surgem durante as aulas" (O., C. Exatas). Este relato corrobora informações de Tinto (1997), segundo o qual a aula cria condições para que a experiência de educação, no sentido formal, seja vivida, em especial para os estudantes que viajam diariamente ou aqueles que têm muitas obrigações fora da universidade.

Outras atividades que aconteceram sob exigência das disciplinas obrigatórias estão presentes nos relatos dos participantes como importantes na sua trajetória acadêmica. Incluem-se as leituras de referenciais bibliográficos, a produção de sínteses, textos e resenhas e as apresentações de debates, conforme ilustrado no seguinte excerto "as atividades que contribuíram foram as atividades acadêmicas (...) as aulas e o que eu li, o que tive que ler e escrever" (T., C. Humanas).

Ainda presente como elemento obrigatório, as atividades com características práticas são destacadas pelos estudantes, pois criam condições para assumir o papel de aluno/profissional, vivenciando aspectos do cotidiano laboral. O estágio, como uma atividade obrigatória, foi valorizado pelos estudantes, pois possibilitou a aquisição de experiências práticas na área de formação, como ilustrado pela fala a seguir: "O estágio é obrigatório e [está contribuindo] para minha formação porque lá eu treino as habilidades manuais e ajudam a fixar os conteúdos teóricos aprendidos nas aulas teóricas" (C., C. Biológicas).

Com relação às atividades de natureza não obrigatória, as quais, segundo a percepção dos alunos, contribuíram para sua formação, salienta-se a participação nos projetos de iniciação científica, conforme manifesto no relato a seguir "No meu caso eu faço iniciação científica e eu acho que contribuiu bastante" (R., C. Exatas). Além disso, sob a denominação de empresa-júnior, há organizações, sem fins lucrativos e administradas pelos próprios estudantes, que viabilizaram a realização de diversas atividades práticas, conforme ilustrado pelo seguinte trecho: "eu posso destacar que trabalhei durante meus dois primeiros anos de graduação na [nome da empresa], que é a Empresa-júnior de computação. Trabalhei em um monte de coisas. Trabalhei como gerente de projetos, como consultor" (R., C. Exatas).

Tanto as ações desenvolvidas a partir da iniciação científica, como da empresa-júnior, podem ser consideradas como importantes na trajetória acadêmica do estudante, principalmente pela possibilidade de o aprendiz ter uma leitura, tanto do campo científico como profissional de seu curso, favorecendo a construção de indagações essenciais ao processo de aprendizagem (CUNHA, 1997).

Outras experiências não obrigatórias, as quais se caracterizam pela presença de colegas estiveram presentes nas verbalizações dos estudantes. As atividades informais de grupos de estudo, reunião de alunos para a resolução de exercícios e dúvidas exemplificam estas ações "[Contribuíram os] encontros com amigos meus do curso de música. Eu conheci muita gente que tem um bom domínio do instrumento, bom conhecimento musical e eu creio que estão me enriquecendo muito" (L., Artes). Assim, a construção de grupos de apoio ou aulas extras, bem como a participação em experiências, dirigidas por professores ou pelos próprios alunos, a exemplo das monitorias, mereceram ênfase nas verbalizações realizadas pelos universitários, apontando a presença do outro, seja seus pares ou docentes, no processo de aprendizagem.

Os estudantes também relataram uma variedade de atividades que vão desde freqüência à biblioteca, centros de estudos e pesquisa, laboratórios de informática até atividades musicais, participação em agremiações e órgãos colegiados, organização de eventos como congressos e semanas específicas dos cursos como experiências não obrigatórias que se sobressaíram na trajetória acadêmica.

Além disso, os relacionamentos interpessoais vivenciados no ambiente universitário, as conversas, discussões e participações em atividades desportivas foram exemplos da diversidade de experiências presentes no contexto universitário, desenvolvidas sob responsabilidade da instituição e que foram mencionadas pelos estudantes.

Diante disso, ao se considerar que ambas as atividades possuem um espaço significativo na graduação do estudante, tornou-se essencial, ao analisar aspectos referentes à formação universitária, a busca pelo entendimento da percepção do estudante sobre a importância atribuída a cada uma destas atividades: obrigatórias e não obrigatórias, com a finalidade de compreender a ação dessas experiências.

 

A importância das atividades obrigatórias e não obrigatórias

Quanto às justificativas apontadas pelos alunos para a importância das distintas atividades, observa-se que se organizam em torno de dois elementos principais: os associados ao conteúdo das atividades e os relacionados ao caráter não obrigatório ou opcional das mesmas. Por um lado, as atividades obrigatórias têm seu valor determinado pelos temas e conteúdos inerentes a essas experiências. Por sua vez, as experiências não obrigatórias têm a sua importância vinculada à liberdade de escolha, que se mostrou como componente motivacional para a realização das mesmas.

Ao analisar os aspectos associados à importância das atividades obrigatórias, verificou-se que estavam essencialmente relacionados aos conteúdos por elas veiculados. No geral, os estudantes apontaram que as contribuições das atividades obrigatórias se relacionam ao fato de possibilitarem aquisição de conhecimentos, envolvendo assuntos fundamentais para sua formação "As obrigatórias são importantes, pois envolvem o que é básico" (P., C. Biológicas). Os conhecimentos apresentados nas experiências obrigatórias, entendidos como essenciais, também proporcionaram elementos que nortearão os caminhos a serem seguidos pelos estudantes "As obrigatórias te dão um respaldo que é técnico. Dão os elementos de ordem técnica (...) para você se guiar" (M., C. Exatas). Deste modo, conforme percepção de um estudante, as atividades obrigatórias tiveram uma função primordial no contexto de formação profissional do estudante "As obrigatórias têm uma função muito nobre: te formar como profissional"(F., C. Exatas). Também forneceram elementos para que o estudante conseguisse ampliar sua própria formação, atuando como componente preparatório às novas experiências que se seguirão após a trajetória acadêmica inicial "As disciplinas obrigatórias são fundamentais. Não tem como atuar e não tem como você poder fazer umas disciplinas, vamos dizer que seja complementar, uma especialização se você não tiver a base" (L., C. Biológicas).

Também presente nos relatos sobre a importância das atividades obrigatórias, esteve a crença de que os conteúdos vinculados nestas experiências poderiam ser importantes em algum momento: "Não tem como você falar: quero fazer meia dúzia de matérias porque são mais importantes (...) Eu acho que tudo pode não contribuir no momento, mas numa hora contribui" (K., C. Humanas). Neste sentido, observou-se que as atividades obrigatórias têm seu reconhecimento na formação do estudante determinado pela percepção da necessidade de certos conteúdos, independente do interesse ou envolvimento pessoal, como afirma um estudante "As atividades obrigatórias, mesmo você não gostando, acho melhor fazer" (P., C. Biológicas). Assim, a situação de obrigatoriedade de algumas disciplinas é aceita pelos alunos baseada na perspectiva de necessidades profissionais futuras e pela condição de pré-requisito. Os relatos acima remetem às colocações de Kuh (1993) segundo o qual muitos estudantes entendem as atividades obrigatórias como um recurso primário para as suas experiências de aprendizagem e desenvolvimento. Tal afirmação explica o reconhecimento, por parte dos universitários do presente estudo, das contribuições das atividades que ocorrem nos cenários mais formais para o seu desenvolvimento acadêmico.

Com relação à importância das atividades não obrigatórias observou-se que esteve fortemente associada ao seu caráter optativo. O envolvimento dos participantes nessas atividades pareceu ser decorrente da possibilidade de escolha, e a disposição pessoal para vivenciar tais experiências foi enfatizada pelos estudantes "[as não obrigatórias] você faz porque você quer fazer e o que eu acho que é o importante no caso, eu faço porque eu quero fazer" (E., Artes). Coerente com tais colocações, outro universitário menciona que o valor das experiências não obrigatórias esteve atribuído à possibilidade de poder escolher e de buscar as atividades que lhe despertavam interesse "(...) as não obrigatórias é (...) o que te motiva aquilo, de querer viver aquilo, de estar buscando, de estar conhecendo" (Y., C. Humanas).

Esses dados sugerem que o caráter optativo de tais experiências atua como componente motivacional, que impulsiona os estudantes a se envolverem com as atividades não obrigatórias. Bzuneck (2001) sugere que no contexto educacional, os efeitos imediatos da motivação do aluno consistem no envolvimento ativo nas tarefas relacionadas ao processo de aprendizagem. Além disso, Neves e Boruchovitch (2004) acrescentam que no ambiente escolar os aspectos motivacionais estão fortemente associados à disposição do aluno para estudar e para iniciar tarefas acadêmicas e concluí-las.

Apesar de genericamente a motivação ser compreendida como todo o conjunto de fatores que predispõem uma pessoa para uma determinada ação (BZUNECK, 2001), sabe-se que numa concepção contemporânea de motivação há possibilidade de se compreender a razão ou os motivos pelos quais os estudantes se envolvem em determinadas tarefas, principalmente pela análise das cognições individuais, que incluiriam crenças, pensamentos, expectativas e sentimentos associados à realização de determinadas ações (WEINER, 1979).

Além disso, para a compreensão da dinâmica motivacional, especificamente numa perspectiva sociocognitiva, há necessidade de se considerar o papel que as cognições individuais exercem sobre as orientações motivacionais dos estudantes, e estas últimas, por sua vez, influenciam de maneira direta o envolvimento dos estudantes com as mais distintas experiências. Ryan e Deci (2000a) sinalizam a existência de duas orientações motivacionais: extrínseca e intrínseca. A motivação extrínseca refere-se à mobilização do indivíduo para realizar algum trabalho com o intuito de obter recompensas materiais, sociais, externas à tarefa. No contexto acadêmico tais recompensas podem ser expressas pela nota e ausência de reprovações (AMABILE, HILL, HENNESSEY e TIGHE, 1994; NEVES e BUROCHOVITCH, 2007). Segundo essas mesmas autoras, a motivação intrínseca tem se caracterizado como uma disposição particular do indivíduo para buscar novas experiências e desafios, visto que o aluno "se mantém na tarefa pela atividade em si, por esta ser interessante, envolvente e geradora de satisfação" (NEVES e BUROCHOVITCH, 2007, p. 406).

Apesar de estudos recentes apontarem que a motivação extrínseca não é necessariamente negativa para a aprendizagem (RYAN e DECI, 2000a), destaca-se que no contexto escolar há um conjunto de evidências que possibilitam afirmar que a motivação intrínseca atua como facilitador da aprendizagem e rendimento acadêmico dos estudantes (NEVES e BORUCHOVITCH, 2004).

Contudo, a compreensão das relações entre motivação e o envolvimento nas atividades não obrigatórias sugere lacunas que necessitam de maiores esclarecimentos. De Charms (1976), citado por Tapia e Montero (2004), já assinalava que exercer atividades sem a presença de obrigatoriedade e, em particular, em projetos nos quais o indivíduo se sente autônomo e é capaz de exercer o controle da própria conduta é favorável ao aluno e cria condições para a autorregulação da própria aprendizagem e, consequentemente, para o desenvolvimento de orientações motivacionais intrínsecas. Por sua vez, Ryan e Deci (2000b) acrescentam que a disposição dos estudantes para buscarem a independência e assumirem o controle da própria formação é decorrente da valorização das tarefas pelos seus valores intrínsecos e não pelas recompensas externas.

Nas colocações dos universitários do presente estudo parece evidente que, com relação às atividades não obrigatórias, a liberdade de escolha permite aos estudantes vivenciarem um papel mais ativo na sua formação e fornece condições para modificações nas expectativas e crenças, o que pode contribuir para o aluno permanecer intrinsecamente motivado com seu percurso acadêmico. Porém, sabe-se que o aluno intrinsecamente motivado também tem um papel mais autônomo na sua aprendizagem (AMABILE, HILL, HENNESSEY e TIGHE, 1994; NEVES e BUROCHOVITCH, 2007), sendo esta característica essencial para o envolvimento nas atividades não obrigatórias.

Tais afirmações coincidem com as afirmações de Mackinnon-Slaney (1993), segundo o qual as experiências não obrigatórias proporcionam aos estudantes aprendizagem autodirigida. Quando se pensa nos objetivos das ações educativas, o rompimento com um paradigma tradicional pressupõe outro olhar para as atividades realizadas pelos estudantes. De meros receptores passivos de informações previamente preparadas pelo professor, atualmente exige-se um papel mais ativo dos estudantes no processo de construção do conhecimento. Com isso, há de se esperar uma postura diretiva e autônoma do estudante na sua própria graduação, através da seleção sobre quais atividades vivenciar. Nos relatos a seguir constata-se que a liberdade de escolha, componente de destaque das atividades não obrigatórias, também imprimiu um significado ímpar na trajetória acadêmica do aluno "As não obrigatórias é onde você está mais livre para viver e é a vida que te modifica e não os livros" (T., C. Humanas). Segundo a percepção dos estudantes, o valor das experiências não obrigatórias está na disposição pessoal para vivenciá-las, conforme manifesto no trecho a seguir: "[as atividades não obrigatórias é] o que depende de você, depende do seu interesse (Y., C. Humanas).

Esses achados remetem a uma postura do aluno que reflete a adoção de uma perspectiva autônoma sobre sua aprendizagem. Apesar de o desenvolvimento da autonomia do estudante ser uma finalidade das ações educativas, este é um termo sob o qual recaem diversas definições o que deixa lacunas na compreensão da área (SPEAR e KULBOK, 2004). A fim de superar incompreensões, tais autores sugerem que a autonomia envolve aspectos emocionais, comportamentais e cognitivos, e diz respeito às crenças que o indivíduo tem sobre os controles que consegue estabelecer na própria vida e sobre a noção de ser capaz de tomar decisões, sem a necessidade de uma expressiva aprovação social.

Neste sentido, é provável que a busca pelas atividades não obrigatórias exija uma característica mais autônoma do estudante, expressa pela capacidade de escolher sobre quais atividades desempenhar, sem a necessidade de imposições institucionais. Por outro lado, apesar de a autonomia ser algo construído no decorrer da vida dos indivíduos, Chickering e Reisser (1993), ao buscarem compreender o desenvolvimento psicossocial de jovens adultos, afirmam que o mesmo ocorre através de um conjunto de vetores, cada qual com exigências e necessidades específicas, porém interligados, que seriam: desenvolver um sentido de competência; administrar as emoções; desenvolver a autonomia em direção à interdependência; estabelecer relações interpessoais maduras; constituir a identidade; desenvolver um propósito de vida e, finalmente, desenvolver a integridade.

A partir desta teoria, considera-se que a vivência no ensino superior é contexto que favorece o desenvolvimento do estudante, inclusive com relação ao terceiro vetor, denominado desenvolver a autonomia em direção à interdependência. Uma das principais características deste vetor está na ampliação da capacidade de o estudante ser livre de necessidades contínuas e urgentes de segurança, afeto e aprovação, o que reflete uma independência emocional, intimamente relacionada com a instrumental. Esta refere-se a habilidade do estudante realizar ações por conta própria, sendo autossuficiente. Isso se evidencia através da participação nas diversas experiências acadêmicas, e o próprio estudante torna-se capaz de decidir e escolher as atividades com as quais se envolverá. Porém, a autonomia requer um olhar para o contexto social. Por isso, este vetor incorpora o desenvolvimento da interdependência entre os estudantes, visto não ser possível conceber um indivíduo autônomo, desconsiderando os aspectos do contexto social e comunitário no qual se insere.

Ainda com relação ao desenvolvimento da autonomia rumo à interdependência, Chickering e Reisser (1993, p. 142) afirmam que o envolvimento com as atividades extracurriculares atua como um laboratório para o desenvolvimento da mesma, visto que a autonomia, no plano acadêmico, refere-se à capacidade de o estudante implementar as próprias atividades, visando satisfazer suas necessidades e desejos.

Contudo, a passagem da autonomia para a interdependência pressupõe que o aluno reconheça que a ajuda de pares e professores é necessária em alguns contextos, mas deve-se saber a maneira mais adequada de buscar esses auxílios. Com isso, a transição de uma dependência para a interdependência sugere a emergência de uma nova dinâmica interativa entre professor e aluno, também possibilitada pelas experiências não obrigatórias. O relato a seguir expressa a mudança na relação entre professor e alunos "[Na iniciação científica, uma atividade não obrigatória] esse relacionamento com o professor passa a ser algo totalmente diferente. Ele deixa de ser só professor e passa a ser seu orientador. Qualquer problema você liga para ele, tira dúvidas" (M., C. Biológicas).

Tais colocações sinalizam que a interdependência também possibilita uma modificação nas relações entre professores e alunos, que se tornam mais simétricas. Porém, de acordo com Davis, Silva e Espósito (1989, p. 53) o "novo conceito de simetria não decorre, pois, de uma pretensa igualdade entre os membros do grupo", e o mérito no estabelecimento de relações mais simétricas entre professores e alunos não está, neste sentido, associado à eliminação das desigualdades. Mas refere-se à garantia de participação, por meio de contribuições praticamente igualitárias, entre professores e alunos, com vistas a se atingir um objetivo comum. Isso fica evidente na participação dos professores nas atividades não obrigatórias, quando o papel do docente, caracterizado por práticas tradicionais, como a transmissão das informações, modifica-se para uma dinâmica mais interativa com os alunos pautada na colaboração, compreensão mútua, sendo estes elementos indispensáveis para o processo ativo de aprendizagem. A presença das relações interpessoais, como auxiliares no desenvolvimento da interdependência, sugere a necessidade de novos estudos que busquem compreender o papel das atividades não obrigatórias na trajetória acadêmica do estudante, pela compreensão das mudanças nas interações entre professores e alunos, desencadeadas por tais experiências.

Ainda com relação à importância das atividades não obrigatórias, sabe-se que a construção da autonomia e o caminhar para a interdependência são um processo contínuo, e Chickering e Reisser (1993) reconhecem ainda que o ambiente universitário é um constante desafio ao estudante, com função de fornecer suporte ao seu desenvolvimento. Para este autor, o desenvolvimento da identidade, como qualquer um dos vetores, como a autonomia, não é algo espontâneo, mas influenciado, singularmente, pelas modificações ocorridas nos aspectos psicológicos e biológicos e pela riqueza dos contextos e vivências universitárias, incluindo as práticas pedagógicas, os currículos e a cultura estudantil (FERREIRA, MEDEIROS e PINHEIRO, 1997). Neste sentido, a própria participação dos estudantes nas mais distintas atividades, tanto obrigatórias como não obrigatórias podem também favorecer o desenvolvimento da autonomia.

Em síntese, apesar de o valor das experiências obrigatórias e não obrigatórias, segundo a percepção do estudante, estar relacionado a aspectos distintos: conteúdo ou aspecto opcional, sabe-se que a integração de ambas experiências parece ser fundamental para o desenvolvimento do estudante o que, de acordo com Pascarella e Terenzini (1991), requer a participação ativa em uma diversidade de experiências, tanto acadêmicas quanto sociais. É provável que na integração dessas atividades, como um esforço para se vivenciar o que é aprendido em diferentes cenários, resida a contribuição para os estudantes.

 

Considerações finais

A diversidade de atividades desenvolvidas pelos estudantes confirma que o processo educacional, sob responsabilidade da instituição universitária, envolve experiências de natureza obrigatória, como também atividades que ultrapassam os limites da sala de aula e das exigências das atividades curriculares formais. Nesse sentido, compreender a extensão da vivência no Ensino Superior incita que se amplie o olhar dos programas de cursos e notas escolares para outros aspectos da vida acadêmica que procurem revelar a totalidade de ações, visto que "muitas experiências fora da sala de aula possuem potencial para contribuir na valorização dos resultados da universidade" (KUH, 1995, p. 145).

O relato espontâneo dos estudantes mencionando a importância das atividades não obrigatórias na sua formação sinaliza o reconhecimento, por parte dos universitários, de que diversas experiências vivenciadas durante os quatro ou cinco anos da universidade têm um impacto na sua formação.

Por sua vez, o mérito das atividades obrigatórias em viabilizar o acesso aos conteúdos necessários para a formação superior do estudante e consequente desenvolvimento profissional reafirma colocações de Blake (1979), segundo o qual o currículo formal é a razão pela qual muitos estudantes valorizam as experiências acadêmicas.

Já no que se refere às atividades não obrigatórias, a importância atribuída ao próprio componente optativo, que possibilita o exercício da escolha por parte do aluno, incita questionamentos sobre a adequabilidade de políticas educacionais que almejam tornar obrigatórias todas as atividades desenvolvidas pelos estudantes. Infere-se, a partir dos dados obtidos no presente estudo, que o valor principal de tais experiências resida na ausência de sua obrigatoriedade. Portanto, é provável que, no ensino superior, o limite às opções de escolha pelas atividades desenvolvidas pode levar ao não envolvimento do estudante nessas experiências, o que não é desejável. Relembrando Astin (1984), a efetividade de qualquer política ou prática educacional é diretamente relacionada à capacidade de a mesma aumentar o envolvimento do estudante.

Também, mesmo não tendo sido propósito do presente estudo analisar a natureza das atividades, em especial das não obrigatórias, pode-se inferir que muitas delas apresentam características que se aproximam dos princípios descritos por Chickering e Gamson (1987) como fundamentais para a criação de um ambiente de envolvimento dos estudantes. Dentre alguns destes princípios encontrados no presente estudo citam-se a relação professor-aluno, a cooperação dos estudantes com os seus pares e a aprendizagem ativa, como elementos norteadores de uma prática educacional que vise promover o desenvolvimento do universitário.

Ainda com relação às experiências não obrigatórias, sua presença nos relatos dos estudantes indica a concretização de algumas das condições que caracterizam um currículo orientado pelo princípio da flexibilização. Pereira e Cortelazzo (2002, 122) apontam que o princípio da flexibilização se baseia, entre outros, no "entendimento de que o processo acadêmico de formação extrapola as disciplinas centradas na área básica e específica do curso" e salientam a importância de se buscar estruturas curriculares que permitam novas formas de aprendizagem à formação universitária e que possibilitem "não só o crescimento profissional, mas também o desenvolvimento pessoal do estudante". A flexibilidade do currículo, ao criar condições para a vivência de atividades não limitadas aos núcleos comuns dos cursos, tem como um dos seus benefícios a liberdade para o aluno compor a sua formação com experiências que mais se aproximem de seus interesses pessoais. No presente estudo, a oportunidade de o estudante escolher em quais experiências participar foi descrita como muito significativa e um dos elementos principais que o leva a optar pela realização das atividades não obrigatórias. O prazer em aprender, elemento indispensável para que o ensino superior seja vivido com alegria (SNYDERS, 1995), parece ser resgatado com a participação nestas experiências. Além disso, é provável que a disposição para aprender, rememorada pelas experiências não obrigatórias, tenha um impacto positivo nas obrigatórias, reafirmando a ligação entre as mesmas. Supõe-se que sejam estes os fatores que contribuem para que as propostas de flexibilização curricular favoreçam resultados mais específicos, os quais auxiliam na ampliação da formação do estudante para além dos aspectos cognitivos.

Contudo, a ausência de obrigatoriedade no conjunto de atividades descritas não possibilita entendê-las como de ocorrência casual ou esporádica. O caráter não obrigatório destas atividades não isenta a universidade da responsabilidade para com o acompanhamento e suporte dessas práticas.

Merece ênfase, ainda, a constatação de que a presença das atividades não obrigatórias não extinguiu as experiências obrigatórias e nem teve o papel de substituí-las. O que se observa é uma interação destas experiências, contribuindo de maneira direta para a formação do estudante, reafirmando a necessidade de ambas as atividades nos currículos universitários. Esses dados incitam reflexões sobre os contextos promotores de uma aprendizagem significativa e reafirmam os cenários obrigatórios e não obrigatórios como facilitadores desse processo (ASTIN, 1993; KUH, 1995; PASCARELLA e TERENZINI, 1991). Também sinalizam a importância de diversas atividades ao longo do processo de formação, sugerindo um balanceamento entre as diversas experiências, ao invés da primazia de uma em detrimento de outra. Neste processo de integração deveria residir o eixo principal das práticas universitárias (FLOWERS, 2004).

Contudo, deve-se pensar que apesar da grande contribuição das experiências não obrigatórias, principalmente com a vinculação que conseguem realizar com a própria atividade de sala de aula, Kuh, Schuh, Whitt e cols. (1991, p. 9) destacam que "a relação entre envolvimento com atividades fora da sala, aprendizagem e crescimento pessoal é, provavelmente, curvilínea". Isso significa que estudantes que gastam muito tempo com as atividades não obrigatórias ou aqueles que não se envolvem com a mesma, se beneficiam pouco desta experiência quando comparado aos estudantes que se envolvem num nível moderado.

Entretanto, dentre as limitações do presente estudo, esteve a impossibilidade de verificar se o envolvimento em uma atividade poderia limitar o desenvolvimento de outras experiências. Conhecimentos mais pontuais sobre a atuação do conjunto de atividades obrigatórias e não obrigatórias são importantes e sugerem a necessidade de novos estudos sobre esta temática. Além disso, outros estudos que se proponham a compreender o papel das diversas experiências na formação do estudante, em especial utilizando-se metodologias distintas, tornam-se pertinentes. Novos conhecimentos ajudarão a compor um conjunto maior de dados que consiga apoiar as políticas e práticas de instituições de ensino superior que visem encorajar e promover o envolvimento dos estudantes tanto nas atividades obrigatórias como não obrigatórias.

 

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2 Informações disponíveis em http://www.puc-campinas.edu.br/graduacao/saiba_mais_praticas_formacao.asp

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