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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975
Psicol. educ. no.31 São Paulo ago. 2010
Psicologia da educação: perspectivas de futuro*
Psychology of education: future perspectives
Psicología de la educación: perspectivas de futuro
Maria Regina Maluf
Professora titular da PUC-SP. E-mail: marmaluf@gmail.com
RESUMO
O texto reproduz uma apresentação feita por ocasião da comemoração dos 40 anos da criação do Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Depois de recordar alguns marcos históricos, faz considerações de caráter teórico-metodológico sobre a Psicologia atual e suas perspectivas de futuro. Aponta direções para a formação de pesquisadores em Psicologia da Educação.
Palavras-chave: Psicologia da Educação; novas perspectivas; pós-graduação.
ABSTRACT
The text reproduces a presentation built for the anniversary of 40 years of creation of Post-Graduation in Psychology of Education at Pontifícia Universidade Católica of São Paulo. After recalling some historical landmarks, it makes considerations of theoretical- methodological character about Psychology nowadays and its future perspectives. It indicates directions for the formation of resarchers in Psychology of Education.
Keywords: Educational Psychology; new perspectives; graduate studies.
RESUMEN
El texto reproduce una presentación realizada por ocasión de la conmemoración de los 40 años de la creación del Curso de Posgrado en Psicología de la Educación en la Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tras recordar algunos marcos históricos, hace consideraciones de carácter teórico-metodológico sobre la actual Psicología y sus perspectivas de futuro. Apunta direcciones para la formación de investigadores en Psicología de la Educación.
Palabras clave: Psicología de la Educación; nuevas perspectivas; posgrado
O curso de Pós-Graduação em Psicologia da Educação na PUC-SP foi um dos primeiros do País. Foi criado em 1969 pelo professor Joel Martins e teve a importante colaboração do professor Casimiro dos Reis Filho. Joel Martins faleceu em 1992; era Reitor desta Universidade, eleito por expressiva maioria de professores, alunos e funcionários. No final da década de 60, quando no Brasil era criada a legislação referente à pós-graduação e muitas universidades reformavam sua estrutura e organização - uma delas era a PUC-SP -, Joel Martins tomou as iniciativas que convenceram a Reitoria da Instituição sobre a necessidade e importância de incluir-se entre os pioneiros que criavam o nível da pós-graduação. Assim foram criados os primeiros cursos de mestrado e posteriormente os de doutorado, voltados para a formação de pesquisadores e de docentes para o ensino superior. Os três primeiros cursos de pós-graduação criados na PUC-SP foram: Psicologia da Educação, Teoria Literária e Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas.
Os primeiros cursos pautaram-se pelo Parecer 977, que era uma tradução dos programas norte-americanos de mestrado, e pela Portaria 77/69, que regulamentou os Mestrados no Brasil. O nível de doutorado em Psicologia da Educação na PUC-SP foi criado em 1982. A partir de então, os cursos passaram a constituir um "Programa" de Pós-Graduação em Psicologia da Educação.
O Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação na PUC-SP comemorou, em 1989, seus 20 anos de existência (1969-1989). Dessa comemoração participou o professor Joel Martins, quando fez uma conferência histórica na qual relatou com detalhes a experiência dos primeiros anos de pós-graduação no Brasil. Essa conferência foi transcrita sob o título de "Vinte Anos de Pós-Graduação em Psicologia da Educação - 1969-1989. Conquistas e Perspectivas". Foi publicada no volume intitulado 30 Anos de Pós-Graduação em Psicologia da Educação. Dissertações e Teses.
Esse volume a que nos referimos, 30 Anos de Pós-Graduação em Psicologia da Educação. Dissertações e Teses, foi organizado pela professora Melania Moroz com a colaboração de um grupo de alunos, para comemorar os 30 anos do Programa, em 1999.
Estamos nos 40 Anos.
Vamos falar um pouco de Futuro.
O ser humano está sempre em confronto com duas dimensões das realidades vividas, o espaço e o tempo. Os objetos se situam no espaço e os acontecimentos se sucedem e duram no tempo. No interior dessa estrutura espaço-temporal, os indivíduos nascem e morrem e a humanidade conserva e amplia a sabedoria das idades.
Pensar sobre o futuro foi o que fiz quando decidi empreender minha tese de doutorado sobre o tema da perspectiva temporal do futuro, sob a orientação de Joseph Nuttin, na Universidade Católica de Louvain, Bégica. Tratava-se então de pesquisar como os indivíduos organizam seu comportamento em torno da motivação que os conduz a elaborar planos e projetos localizáveis no tempo: no presente estendido e no futuro próximo ou distante. Desde então, embora meus problemas de pesquisa se situem no campo da educação e do desenvolvimento, mantenho um especial interesse pelas reflexões acerca do que é e para onde vai a Psicologia.
Refletir sobre o futuro da Psicologia como disciplina envolve preferências epistemológicas e escolhas de janelas às quais nos assomamos para tentar prever o que pode vir a ser. Foi o que fiz quando aceitei ser entrevistada por Rubén Ardila, que recolheu entrevistas de psicólogos dos mais diferentes países e regiões para compor seu livro, agora publicado em português, sobre A Psicologia no futuro (ARDILA, 2011).
A janela a partir da qual tentar entender o passado e antecipar o futuro é aquela que se abre para mim quando reflito sobre as relações entre ciência e sociedade.
A Psicologia se constituiu como ciência inserida na racionalidade do século XIX. Adotou os métodos que, na época, permitiam a aproximação dos fenômenos a serem estudados, sendo o mais livre possível dos dogmatismos e argumentos de autoridade. Esse modo de estudo se resumia então nos métodos experimentais e nas observações sistemáticas. Tais métodos se distanciavam do conhecimento vulgar baseado na pura experiência imediata, porque exigiam manifestações externas verificáveis e controle de variáveis. Nessa perspectiva, as análises capazes de incorporar a quantificação e a redução da complexidade foram vistas como indispensáveis para a produção de conhecimento científico. O conhecimento novo deveria ser necessariamente causal.
Hoje vivemos uma transição epistemológica, que traz consigo novos modos de conhecer que estão relacionados às mudanças nas formas de organização das sociedades. Essa transição se reflete na Psicologia através da diversidade de enfoques teóricos e metodológicos e das novas formas de atuação do profissional da Psicologia.
O conhecimento psicológico, para ir além das fragmentações reducionistas que caracterizaram a modernidade, até fins da primeira metade do século XX, necessita ser local, porém mantendo em seu horizonte a totalidade do universal, de tal modo que lhe seja possível projetar-se em direção ao futuro sem determinismos.
A Psicologia atual que se projeta no futuro já não busca um saber objetivo e neutro, que exclui valores humanos, como, por exemplo, a justiça e a emancipação social. Minha projeção da Psicologia para os anos que se anunciam é a de uma ciência que produz conhecimento útil, incorporando uma profunda relação com a prática, para a geração de bem-estar para indivíduos e grupos, nas diferentes culturas e na domesticação da tecnologia para fazê-la servir ao fator humano.
Gosto de pensar, com otimismo, que as tendências emergentes na Psicologia nos conduzirão a avanços que produzirão melhores e mais efetivas integrações entre a teoria e a prática.
A Psicologia é por natureza uma disciplina que tem tudo a ver com a produção de condições de bem-estar para os indivíduos e grupos. Nesse sentido ela deverá ser cada vez mais uma fonte de conhecimentos e práticas voltadas para o bem-estar humano em seus diversos âmbitos, como são a saúde, a educação, o trabalho e todas as áreas emergentes de atuação do psicólogo.
No entanto, habitamos um mundo desigual e distante da riqueza partilhada entre as nações. Na medida em que essa desigualdade persistir, acho provável que o futuro da Psicologia seja distinto nos países ricos e nos países pobres.
Nos países ricos se desenvolverão as neurociências do comportamento, com suas promessas de desvendar o ainda misterioso funcionamento cerebral e de todo o sistema nervoso, glandular e genético. Neles o estudo das bases biológicas e neurais do comportamento encontrará potente desenvolvimento.
Nos países não-hegemônicos e economicamente dependentes, a Psicologia passará por inovações de outra natureza. Surgirão novas propostas teórico-metodológicas, que permitirão a abordagem de questões emergentes e específicas a contextos socioculturais ainda pouco explorados pela ciência normal. Talvez nessas novas propostas se encontre o berço do resgate de valores indispensáveis para a vida humana feliz, como a generosidade, o cuidado, a ajuda, a acolhida, a partilha.
Nestes países não-hegemônicos o desenvolvimento da Psicologia será impulsionado pelos campos de aplicação. No entanto, é preciso planejar para que se torne possível chegar à elaboração de teorias que possam surpreender pelo seu vigor e originalidade, porque estarão voltadas para o resgate de dívidas sociais e para o enfrentamento de adversidades.
Torço para que o avanço da Psicologia nos países pobres passe por inovações teórico-metodológicas que permitam explicar e compreender a formação da mente e do comportamento em condições adversas de vida, em situações de vulnerabilidade social, onde faltam a moradia, a escola, a saúde e mesmo o trabalho. Essa Psicologia poderá estar efetivamente a serviço da vida humana.
Uma das questões teórico-metodológicas que considero da maior importância é a que se refere às propostas de separação radical entre métodos quantitativos e qualitativos. É uma questão que ainda se apresenta em alguns desses contextos de pesquisa, e que julgo insuficiente e falaciosa. Todo procedimento utilizado em investigações de algum modo quantifica e qualifica. A separação entre procedimentos participativos e não participativos também me parece insuficiente para dar conta da diversidade dos problemas a serem investigados.
Necessitamos visões mais integradoras, procedimentos cruzados que se complementem na busca das melhores respostas, que serão aquelas que trouxerem consigo os melhores resultados diante dos objetivos antecipados.
Gosto de referir palavras do astrônomo Carl Sagan quando escreveu The demon-haunted world, publicado em português sob o título de O mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como uma vela no escuro (SAGAN, 1996). Sagan vê a ciência como uma vela no escuro, porque o mundo sem ciência é como um lugar assombrado por demônios. Essa comparação tem sua origem no livro A candle in the dark, que Thomas Ady escreveu em 1656, como uma das pouquíssimas vozes que se ergueram no silêncio que envolveu a febre da caça às bruxas na Europa do século XVII.
Como em todo conhecimento científico os resultados obtidos pelos pesquisadores da Psicologia exigem o confronto, a crítica, o debate. Busca-se conhecimento que em alguma medida seja baseado em evidências e possa ser verificado, confrontado, criticado, discutido. Esse tipo de conhecimento só pode ser encontrado na convivência com a diversidade metodológica, distante de consensos falaciosos.
As imensas desigualdades sociais, em prejuízo da grande maioria da população, são nossa realidade vivida.
Entre os muitos temas de pesquisa psicológica que se revestem de relevância social, estão os que tratam dos processos educacionais escolares. Dentre estes, a aprendizagem da linguagem escrita. Em muitos países o ensino que garante o acesso à linguagem escrita já é uma conquista. Em nosso País, esse é ainda um dos maiores problemas da educação.
Não há dúvida de que se trata de uma questão de políticas públicas, uma vez que as desigualdades escolares estão fortemente associadas às desigualdades sociais. No entanto, o psicólogo da educação precisa ir mais longe no enfrentamento dessa questão.
A ciência psicológica fez grandes progressos, sobretudo nos últimos 35 anos, no conhecimento dos processos por meio dos quais se aprende a ler e a escrever. O conhecimento desses processos tem gerado revisões profundas nas políticas e práticas de alfabetização em diversos países. É preciso que isso aconteça também em nosso País, onde um número excessivamente alto de crianças ainda permanece durante anos na escola sem aprender a ler e a escrever.
Cabe ao psicólogo da educação agir para revelar o potencial de aprendizagem dos alunos, que permanece oculto e mesmo negado, devido a crenças teóricas alienantes e a práticas inadequadas. Isso pode ser feito no contexto da formação de novos pesquisadores e docentes em todos os níveis do ensino.
Essas são perspectivas de futuro para a pesquisa em Psicologia da Educação.
Referências
Ardila, R. (2011). A Psicologia no futuro. São Paulo, Vetor Editora. [ Links ]
Sagan, C. (1996). O mundo assombrado pelos demônios: a ciência visita como uma vela no escuro. São Paulo, Companhias das Letras. [ Links ]
* Apresentado no evento comemorativo dos 40 Anos de Psicologia da Educação na PUC-SP, em 17 de agosto de 2010.