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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.35 no.88 São Paulo jan. 2015

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

Crenças associadas ao uso de álcool em populações alcoolista e não alcoolista

 

Beliefs associated with the alcohol use in an alcoholic and in a non-alcoholic population

 

Las creencias asociadas al uso de alcohol en una población de alcohólicos y no alcohólicos

 

 

Margareth da Silva Oliveira1; Ana Paula Rassier de Azambuja2; Ariane Peres dos Santos3

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

Objetivo: O presente estudo visa verificar as principais crenças que se contribuem para o consumo do álcool em uma população alcoolista (Grupo Clínico) e não alcoolista (Grupo não Clínico). Métodos: Trata-se de um estudo quantitativo, transversal com de comparação de grupos. A amostra constitui-se por 130 sujeitos adultos do sexo masculino, destes, 70 dependentes do álcool e de 60 não dependentes. Na pesquisa utiliza-se uma ficha contendo os dados sociodemográficos, o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) para verificar a capacidade cognitiva, o questionário The Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) para diferenciar as zonas de risco do consumo de álcool dos pacientes, e o Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do Álcool (IECPA). Resultados: O Grupo não Clínico apresenta 48,3% para o uso de risco do álcool e o Clínico obteve 68,8%, salientando uma provável dependência relacionada ao álcool. A partir dos resultados observa-se alto grau de risco para o consumo da bebida alcoólica nas duas populações. A dependência do álcool está relacionada de forma significativa com as crenças e expectativas positivas acerca da substância. O fator que mais influencia os indivíduos da pesquisa para o consumo da bebida é a "Diminuição e/ou fuga de emoções negativas". Conclusões: Devido ao alto número relacionado ao uso de risco do álcool e a influência de crenças e expectativas no consumo da substância, é necessário que os profissionais da área da saúde intervenham com o objetivo de esclarecer a população quanto às consequências do uso de álcool, desfazendo crenças errôneas e desenvolvendo estratégias de enfrentamento saudáveis para lidar com os eventos estressores. Além disso, políticas públicas de saúde podem alertar a população quanto aos malefícios do álcool, bem como desenvolver estratégias preventivas para diminuir o número de consumidores de risco e evitar que os indivíduos se tornem dependentes.

Palavras-chaves: Alcoolismo, Fatores de Risco, dependência.


ABSTRACT

Objective: This study intends to investigate the main beliefs that contribute to alcohol consumption in an alcoholic population (Clinical Group) and non-alcoholic population (Non-Clinical Group). Methods: This is a quantitative cross-sectional study with comparison groups. The sample consists of 130 male adults subjects, 70 are alcoholic dependent and 60 are non-alcoholic. In the survey It is use a sheet containing socio-demographic data; the Mini - Mental State Examination (MMSE) to check the cognitive ability, a questionnaire The Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT), to contrast patients risk areas about the alcohol consumption; and the Inventory of Personal Beliefs and Expectations about Alcohol (IECPA). Results: Non-Clinical Group shows 48.3% of risk alcohol use, but the Clinical Group achieve 68.8% pointing to a probable dependence related to alcohol. From the results, we observe high degree of risk for alcohol consumption in the two populations. Alcohol dependence is significantly associated with positive beliefs and expectations about the substance and the factor that most influenced the research subjects to seek drink consumption was "Decrease and/or escape of negative emotions". Conclusions: Due to a high numbers related to the use and risk of alcohol and the influence of beliefs and expectations in the substance consumption, it is necessary that health professionals explain to the population about the consequences of alcohol use, disposing of erroneous beliefs and developing healthier strategies to deal with stressful events. Besides that, health public policies could alert the population about the alcohol's harm, as well as, create prevent strategies to decrease the number of risk consumers and prevent individuals of becoming dependents.

Keywords: Alcoholism, Risk Factors, Psychology, dependency.


RESUMEN

Objetivo: Este estudio tiene como objetivo verificar las creencias fundamentales que contribuyen al consumo de alcohol en una población de alcohólicos (grupo clínico) y de no alcohólicos (Grupo no clínica). Métodos: Se trata de un estudio cuantitativo, transversal, con grupos de comparación. La muestra consiste en 130 sujetos adultos de sexo masculino, de los cuales 70 son dependientes del alcohol y 60 son no dependientes. En la investigación se utiliza un formulario que contiene datos sociodemográficos, el Mini Examen del Estado Mental (MMSE) para verificar la capacidad cognitiva, el cuestionario The Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) para diferenciar las zonas de riesgo de consumo de alcohol de los pacientes, y el Inventario de Expectativas y Creencias Personales sobre el Alcohol (IECPA). Resultados: Los participantes del Grupo no clínico obtuvieron 48,3% para el uso riesgoso de alcohol, mientras que el Grupo clínico un 68,8%, destacando probablemente dependencia al alcohol. A partir de los resultados puede observarse un alto grado de riesgo de consumir alcohol en las dos poblaciones. La dependencia del alcohol está relacionada significativamente con las creencias y expectativas positivas sobre la sustancia. El principal factor que explica la tendencia de los sujetos hacia el consumo de la bebida es la "disminución y / o escape de las emociones negativas." Conclusiones: Debido a los altos números relacionados con el uso de riesgoso de alcohol y la influencia de las creencias y expectativas en el consumo de la sustancia, es necesario que los profesionales de la salud intervengan con el fin de informar al público acerca de las consecuencias del consumo de alcohol, disipar falsas creencias y el desarrollo de estrategias de afrontamiento saludables para lidiar con situaciones estresantes. Además, las políticas de salud pública pueden alertar al público sobre los daños causados por el alcohol y el desarrollo de estrategias preventivas para reducir el número de consumidores de riesgo y prevenir la dependencia al alcohol.

Palabras clave: Alcoholismo, factores de riesgo, dependencia.


 

 

Introdução

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o álcool tem relação causal significativa com 60 tipos de doenças diferentes e está relacionado à morte de 3,3 milhões de pessoas anualmente. Estima-se que em torno de 6% do total de mortes, em todo o mundo, têm relação total ou parcial com o consumo de álcool (World Health Organization [WHO], 2014).

Referentes às doenças e prejuízos relacionados ao uso de álcool, além dos transtornos relacionados a ele e a síndrome alcoólica fetal, destacam-se a cirrose hepática (30%), a pancreatite (25%), o câncer na laringe (23%), o câncer no esôfago (22%) e a violência interpessoal (22%). No Brasil, os índices de cirrose hepática aumentam para 63% em homens e 60% em mulheres. Quanto aos transtornos relacionados ao uso de álcool é estimado que 3% das mulheres e 8% dos homens brasileiros abusam ou são dependentes do álcool (WHO, 2014).

Segundo a Organização Pan-americana da Saúde (OPS) , a nível mundial o álcool está entre os fatores mais sérios e de maior risco para a saúde. Na América do Sul e na América do Norte, o consumo é em torno de 40% maior que a média mundial(Monteiro, 2007).

A substância psicoativa mais antiga e mais extensamente utilizada no mundo é o álcool. Entende-se por substância psicoativa qualquer substância, seja qual for a via de administração, que aja no sistema nervoso central e por consequência possa afetar o humor, a consciência, o senso de percepção, a cognição e a função cerebral (Pulcherio, Bicca, & Silva, 2002).

O álcool tem diversas funções e significados em todo o mundo. É visto em algumas religiões como simbólico, está presente em confraternizações e comemorações, é utilizado na fabricação de remédios, perfumes e florais. Porém, esta mesma substância que está presente em muitos momentos alegres, é estimulante de comportamentos agressivos e desavenças, desfazendo muitos laços, sejam eles familiares, de trabalho ou de amizade, e também é responsável por afecções clínicas graves (Gigliotti & Bessa, 2004).

O consumo de bebidas alcoólicas faz parte da cultura brasileira, é socialmente aceito e frequentemente reforçado, mesmo sendo um facilitador de situações de risco e um dos maiores fatores de adoecimento (Amaral & Saldanha, 2009).

São inúmeros os fatores de risco ao que o consumidor é exposto com o uso de álcool, um deles é o desenvolvimento de dependência. De forma geral, existem fatores internos e externos que interagem, e quanto maior forem os fatores presentes, maior será a intensidade do uso. Entre os principais destacam-se: uso de drogas por pais e amigos; desempenho escolar insatisfatório; relacionamento deficitário com os pais; baixa autoestima; sintomas depressivos; ausência de normas e regras; pouca religiosidade; antecedente de eventos estressantes e uso precoce de álcool (Diehl, Cordeiro, & Laranjeira, 2011).

Segundo a National Institute on Drug Abuse (NIDA, 2011), há uma diferença entre o uso nocivo e a dependência do álcool. O padrão de consumo nocivo do álcool pode causar problemas psicológicos (depressão) e físicos (pancreatite aguda). Os bebedores nocivos podem, como já foi dito, em partes, vir a desenvolver pressão alta, cirrose, doenças cardíacas e alguns podem desenvolver câncer. A dependência do álcool é caracterizada pelo desejo, tolerância e preocupação com o álcool, continuidade do ato de beber apesar das consequências prejudiciais. A dependência também está associada ao aumento da atividade criminosa, da violência doméstica e da taxa de significativos problemas físicos e mentais.

Em diversos países, notou-se que diminuir o valor do álcool e baixar a restrição ao seu fornecimento aumenta o consumo, comprovando assim que causas econômicas e facilidade de acesso são componentes de forte influência no consumo de álcool. Os valores sociais e culturais também podem influenciar o consumo, tanto para o encorajamento ou não do uso, quanto para a abstinência total; e muitas vezes, podem influenciar o comportamento do indivíduo mesmo estando intoxicado. Problemas relacionados ao trabalho, tais como carga horária excessiva, falta de supervisão, pressão social e estresse podem desencadear o consumo de álcool(Edwards, Marshal, & Cook, 2005).

O indivíduo que tem problemas com o álcool apresenta um sistema de crenças equivocadas e distorcidas com relação à substância. Essas crenças que foram ensinadas ao indivíduo, são reforçadas e mantidas por ele. A identificação e modificação dessas crenças errôneas acerca do álcool é um dos primeiros e mais importantes passos da intervenção terapêutica na abordagem cognitiva (Ramos, 1990).

As expectativas acerca do álcool nos indivíduos dependentes ou não da substância, têm papel fundamental para melhor compreensão sobre o consumo e os transtornos relacionados ao abuso, bem como para o tratamento da dependência e estratégias para a prevenção de recaídas (Oliveira, Werlang, & Wagner, 2006).

Mesmo alguns indivíduos que não fizeram uso do álcool podem ter expectativas de como se sentiriam se fizessem uso. Enquanto alguns imaginam que o seu consumo poderia ajudar na socialização, outros acreditam que o álcool não traria consequências desejáveis. Além disso, as expectativas podem ser desenvolvidas a partir de aprendizagem social, e as crenças individuais podem ser modificadas a partir dos efeitos causados pelo consumo do álcool, em curto ou longo prazo (Agrawal, Dixk, Bucholz; Madden, Cooper, Sher & Hetah , 2008).

O ato de beber é influenciado pelas expectativas do indivíduo quanto às consequências relacionadas ao consumo, que representam contingências que supõem associações aprendidas com o consumo da bebida. As crenças relacionadas ao álcool apresentam domínios que incluem maior socialização, relaxamento, cognição alterada, aumento do desejo sexual, afirmação e mudança afetiva(Young; Connor, Ricciaderlli & Sanders, 2005).

Segundo Knapp e Júnior (2008), tanto estímulos externos de pessoas, lugares e objetos relacionados com o uso da droga; quanto aos internos, referentes a estados psicológicos positivos e negativos tais como euforia, desejo, depressão, ansiedade e frustração; podem ativar crenças disfuncionais sobre o uso de substância. As crenças que facilitariam o comportamento aditivo seriam as crenças antecipatórias, relacionadas à estimativa de que o uso da substância produziria recompensa. As crenças de alívio, relacionadas à expectativa afastariam algum sofrimento; e as crenças permissivas ou facilitadoras, aceitariam o comportamento do consumo da substância apesar das consequências.

As situações chamadas de estímulo ou gatilho são as que ativam crenças permissivas diante de certas situações que anteriormente eram neutras, mas que ao longo do tempo obtiveram para o indivíduo um significado especial relacionado ao consumo da substância química. Portanto, quanto maior for a relação com a droga maior será o número de situações associadas a ela. Cada indivíduo teram crenças permissivas de acordo com a sua história de vida, podendo ser ativada por situação de pressão social, fatores sexuais e comemorações festivas (Oliveira, Freire & Laranjeira, 2011).

As consequências como estado emocional eufórico, relaxamento em atividades sociais e diminuição da tensão em eventos, tornam-se reforçadores do ato de beber, e acabam pesando mais que as consequências negativas que ocorrem em tempo considerável após o consumo, como sintomas de abstinência, depressão e ansiedade (Kadden & Cooney, 2009).

Os hábitos do consumo são mantidos pelo desejo de que o álcool produza os resultados desejados no indivíduo. As expectativas positivas e negativas são consistentes com as dimensões do afeto. O afeto positivo e negativo, formam um modelo bidimensional do humor e, embora possa ser esperado que variem inversamente, as pesquisas mostram que são independentes. Assim, o afeto negativo não é necessariamente equivalente à ausência de afeto positivo, e não são mutuamente exclusivos (Leigh & Stacy, 2004).

O estudo optou por usar o termo "alcoolista" e não "alcoólatra", pois, segundo Andrade e Espinheira (2006), o termo "alcoólatra" é dado ao indivíduo que bebe de forma abusiva e pode ser socialmente identificado como quem idolatra e tem culto ao álcool. O termo "alcoolista", não reduziria a pessoa a uma condição de "alcoólatra", mas sim de alguém que possui outras características além da dependência, ou seja, uma pessoa que não teria uma identidade única.

No entanto, entende-se que uma pessoa não estigmatizada e não reduzida a uma única condição poderá deixar de ser dependente do álcool. Uma das escolhas do nome da Associação que auxilia no tratamento de dependentes do álcool, deve-se a essa denominação menos ofensiva e que enfatiza a recuperação dos membros, por isso Alcoólicos Anônimos(AA). Conforme o dicionário Houaiss (2012), o termo "alcoólatra" é "aquele que se entrega à doença do alcoolismo" e o "alcoolista" é "aquele que é viciado em bebidas alcoólicas".

O presente trabalho objetivou realizar um estudo quantitativo, através da aplicação do AUDIT para avaliar em qual zona de risco os sujeitos da pesquisa se encontram e a utilização do Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais sobre o Álcool nas populações alcoolistas e não alcoolistas.Isto, com o objetivo de realizar uma correlação comparativa entre os grupos dos principais fatores das expectativas e crenças pessoais relacionados ao consumo da bebida alcoólica.

 

Método

Trata-se de estudo quantitativo, transversal, de comparação de grupos. A amostra foi constituída de 130 sujeitos adultos, entre 18 e 59 anos, do sexo masculino, no qual 70 eram dependentes de álcool e 60 não eram dependentes.

Os instrumentos já foram referidos compreendendo questionário, inventários e fichas sociodemograficas. Nas variáveis que a ficha contempla, incluem, ocupação e renda familiar de acordo com os critérios de classificação econômica do Brasil (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa [ABEP], 2013).

O MEEM foi traduzido por Bertolucci; Brucki; Campacci & Juliano (1994) e é utilizado na amostra com o objetivo de avaliar a capacidade cognitiva dos sujeitos dependentes. O instrumento contém 11 itens agrupados em sete categorias, cada uma delas planejada com o objetivo de avaliar as funções cognitivas específicas, como: orientação temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), registro de três palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), recordação de 3 palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto). As pontuações vairam, sendo 0 = grau de comprometimento cognitivo; e pontuação 30 = melhor capacidade cognitiva. A escala é simples de usar e pode ser facilmente administrada em cinco ou 10 minutos, inclusive por profissionais não habilitados. A escala demonstra boa consistência interna e confiabilidade no teste-reteste (Tombaugh & McIntyre, 1992).

O AUDIT foi validado e adaptado para versão brasileira por Pires e Webster (2011), com o objetivo de identificar indivíduos que fazem uso de risco de álcool. A partir da pontuação do sujeito, é possível identificar a classificação do uso da substância, no entanto deve-se responder a alternativa mais apropriada ao seu padrão de consumo, especificando qual a bebida que utiliza. O questionário possui 10 itens, cada um com margem de 0 a 4 pontos, possibilitando um espectro de pontuação de 0 a 40 pontos. Possui duas classificações, a categórica, que se divide em: Zona I (baixo risco) - 0 a 7 pontos; Zona II (uso de risco) - 8 a 15 pontos; Zona III (uso nocivo) - 16 a 19 pontos; Zona IV (provável dependência) 20 ou mais pontos; e a dicotômica, que diferencia as pontuações em zona de risco e zona fora de risco. Conforme validação e adaptação do inventário para a versão brasileira, o alfa de Crombach deve ser >0,80 (Figlie; Pillom; Laranjeira & Dunn 1997)

O IECPA foi desenvolvido por Gouveia, Ramalheira, Rabalo, Borges e Rocha-Almeida (1996) com o objetivo de avaliar as expectativas pessoais acerca dos efeitos positivos do álcool, que seriam mediadoras da vulnerabilidade ao alcoolismo. Trata-se de uma medida escalar, do tipo Likert, com 61 itens. Cada item consiste numa afirmação, que envolve expectativas e crenças a respeito dos efeitos do álcool, distribuídas em cinco fatores. O sujeito deve escolher uma dentre as 5 alternativas de resposta, sendo elas: Não Concordo, Concordo Pouco, Concordo Moderadamente, Concordo Muito e Concordo Muitíssimo. Estão divididos em 5 fatores: Fator 1: Efeitos globais e facilitadores de interações sociais; Fator 2: Diminuição e/ou fuga de emoções negativas; Fator 3: Ativação e prazer sexual; Fator 4: Efeitos positivos na atividade e no humor; Fator 5: Efeitos positivos na avaliação de si mesmo. Cada opção de reposta recebe um escore de um a cinco, o resultado final varia de zero a 305 pontos. Conforme a Validação e Adaptação do inventário para a versão brasileira foi apresentado excelente consistência interna, sendo o coeficiente (alfa de Cronbach = 0,9854. O instrumento também apresentou estabilidade temporal, por meio do teste-reteste - coeficiente de correlação=0,865 (Gouveia e outros, 1996).

O presente estudo está vinculado a um projeto maior, intitulado "Estudo das propriedades psicométricas do Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do Álcool", que foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS, sob o CAAE nº 09893712.1.0000.5336, e pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia. Os indivíduos foram convidados a participar da pesquisa, sendo livres para aceitar ou não e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), onde se encontram todas as informações sobre os procedimentos da pesquisa. Aos participantes foi garantido sigilo e anonimato, e a participação só teve efeito após a compreensão dos objetivos do projeto e o aceite em participar da pesquisa.

O estudo foi realizado com o Grupo Clínico (GC), composto por uma população alcoolista que estava internada em clínicas para tratamento de dependência química; e com o Grupo não Clínico (GNC), composto por uma população saudável, não alcoolista.

Para determinação do tamanho da amostra, considerou-se que a diferença entre grupos na comparação dos fatores IECPA variasse em média 30,0% [diferença mínima - Efeitos positivos na atividade e no humor (Clínico: 16,3±5,5 vs. Não clínico: 11,9±4,3) / diferença máxima: Efeitos globais e facilitadores das interações sociais (Clínico: 104,3±28,5 vs. Não clínico: 70,4±28,6)]. Com base nessa informação e assumindo um nível de significância de 5% (á=0,05) e um poder amostral de 90% (1-â), o tamanho mínimo de amostra por grupo deveria ser de 52 casos, totalizando o mínimo de 104 investigados.

O método de amostragem caracterizou-se como não probabilístico com a seleção caracterizada como "Bola de Neve", onde o entrevistador estabelece contato inicial com alguns sujeitos, previamente identificados como membros do grupo alvo, e esses sujeitos colocaram o investigador em contato com outros membros desse grupo, e assim sucessivamente. Todos os investigados residiam em uma capital de estado no sul do Brasil e região metropolitana.

Para o GC foi aplicado o MEEM como instrumento de exclusão dos participantes que apresentassem pontuação total abaixo de 23 pontos, demonstrando baixa capacidade cognitiva para realizar os instrumentos da pesquisa. Segundo uma pesquisa realizada por Almeida (1998), utilizando o MEEM como um instrumento para orientar a avaliação de pacientes com demência, revelou que o ponto de corte 23/24 do MMSE está associado à sensibilidade e à especificidade de 84% e 60%, respectivamente, para o diagnóstico de demência. Portanto, foram excluídos dessa pesquisa cinco participantes, que obtiveram escores baixos.

Foi utilizada uma ficha para identificar os dados sociodemográficos, logo após foi aplicado o instrumento AUDIT e, por fim, o IECPA, nos dois grupos da amostra.

Para os dados sociodemográficos foi utilizada a estatística descritiva (média, desvio padrão, frequência e percentual). Para a comparação de grupos e correlação entre os instrumentos, utilizou-se a estatística inferencial. Foi empregado o Test-t para a comparação dos grupos, e para testar a hipótese de correlação entre os instrumentos foi utilizado o coeficiente r de Pearson, com nível 95% de confiança.

 

Resultado

Dos 70 indivíduos do GC, a idade mínima de 18 anos e a máxima, de 56 anos; média de 34,0 anos e DP(10,10). A maioria solteiro (75,7%); nível socioeconômico B (52,8%), e com o ensino fundamental completo (44,3%). Dos 60 indivíduos do GNC, a idade mínima foi de 19 anos e a máxima, de 59 anos, média de 31,7 anos e DP(11,21). Os sujeitos investigados se apresentaram solteiros (66,7%); com nível socioeconômico B (53,4%) e, em sua maioria, haviam completado o ensino superior (71,7%). Os demais dados estão especificados na Tabela 1.

Resultados referentes ao instrumento AUDIT: o GC obteve média de 23,50 e DP(10,56); no GNC a média obtida foi de 8,62 e DP(4,80); referente à soma total das pontuações. A classificação dicotômica do AUDIT para o GC apresentou 6(8,6%) para a zona fora de risco; e 64(91,4%) representando a zona de risco. O GNC apresentou 26(43,3%) representando a zona fora de risco; e 34(56,7%) para a zona de risco.

 

 

Na classificação categórica do AUDIT para o GC, o maior escore foi na Zona de risco IV (provável dependência) com 48(68,6%), e o GNC apresentou maior escore na Zona de risco II (uso de risco) com 29(48,3%), e as demais informações estão descritas na Tabela 3.

Em relação ao IECPA, a média obtida no GNC foi de 114,32, com DP(42,13), e no GC a média foi de 168,17, com DP(42,28), referente à soma total de pontos.

A comparação dos 5 fatores entre os dois grupos apresentou diferenças significativas com o valor de p <0,001. Os resultados podem ser observados na Tabela 4.

Foi realizada a correlação r de Pearson entre os 5 fatores do IECPA. Resultados obtidos no AUDIT: em todos os fatores houve correlação positiva. O fator 1 (Efeitos globais e facilitadores das interações sociais) obteve correlação de r= 0,585; salienta-se que no fator 2 (Diminuição e/ou fuga de emoções negativas), houve uma alta correlação de r= 0,740; o fator 3 (Ativação e prazer sexual) obteve correlação de r= 0,518; o fator 4 (Efeitos positivos na atividade e no humor), apresentou correlação de r= 0,512; o fator 5 (Efeitos positivos na avaliação de si mesmo), teve a menor correlação r= 0,491.

 

Discussão

Conforme as variáveis sociodemográficas, os grupos foram homogêneos em relação à idade, estado civil e classe econômica; havendo discrepância quanto à escolaridade. Constatamos, através dos resultados, que o nível de escolaridade foi menor para o grupo clínico, ou seja, o baixo grau de instrução pode estar relacionado com os altos níveis de consumo alcoólico. Em pesquisa realizada com a população da zona urbana de uma cidade do interior de R.G. do Sul, quanto à prevalência dos fatores associados ao consumo do álcool pôde ser observada uma associação estatisticamente significativa de consumo abusivo no sexo masculino, com pouca escolaridade e de baixa classe social (Costa; Silveira; Gazalle; Oliveira; Halla; Menezes; Gigante; Olinto & Macedo, 2014).

Pesquisa realizada, segundo o consumo de bebida alcoólica em uma população adulta, constatou-se que a porcentagem do consumo engloba cerca de 90% da população. Destes, 10% utilizarão o álcool de forma nociva e outros 10% serão dependentes da substância(Andrade; Walters; Gentil & Laurenti, 2002). Esse estudo corrobora com os achados de que os níveis do consumo de álcool estão elevados na população. Os dados sugerem provável dependência do álcool para o grupo clínico, e uso de risco da bebida alcoólica para o grupo não clínico.

Em um estudo realizado com população do Estado do Rio Grande do Sul, de ambos os sexos, constatou-se alto grau de consumidores de risco quanto ao consumo de bebida alcoólica. Dos participantes, 44,2% apresentaram escore maior ou igual a 8 nos resultados do AUDIT(Peuker, Fogaça & Bizarro, 2006). Os dois grupos avaliados na pesquisa (GC e GNC) apresentaram risco elevado para o consumo de bebida alcoólica, o grupo clínico apresentou 23,4 e o grupo não clínico 8,62 nos resultados do AUDIT.

Segundo Peuker, Rosemberg, Cunha e Araujo (2010), o ponto de corte para a população geral do IECPA é de 121,82; no entanto, os sujeitos que apresentam um escore total de 122 ou mais, apresentam probabilidade de já serem ou de virarem dependentes do álcool. Maiores escores no instrumento significa que os participantes apresentam expectativas positivas mais elevadas e maior vulnerabilidade ao alcoolismo. Essa constatação aponta que, no presente estudo, os indivíduos do GC que adquiriram total de 168,17 do IECPA apresentaram média para provável dependência do álcool, já os indivíduos pertencentes ao GNC com total de 114,32, não apresentaram escore total para provável dependência, mas sugere atenção, pois esse escore pode significar maior vulnerabilidade à substância e maior risco para desenvolver expectativas positivas acerca do álcool, e com isso, aumentar as chances de dependência.

De acordo com o estudo realizado com a população de Bogotá sobre as expectativas positivas acerca do consumo do álcool, foi constatado que, em uma escala geral, as expectativas mostraram correlação direta e significativa quanto à frequência e intensidade do consumo. Observou-se maior nível do uso, entre aquelas pessoas que tinham expectativas enraizadas a resultados positivos com bebida alcoólica. Quanto maior foi o aumento progressivo das expectativas positivas, maiores foram os níveis de consumo da bebida alcoólica(Acero, 2005). A pesquisa colaborou para os achados encontrados no presente estudo, pois através dos dados obtidos do IECPA, foi constatado que o maior grau de ingestão de bebida alcoólica está relacionado a maiores expectativas e crenças positivas em relação ao álcool. Conforme a correlação feita a partir dos cinco fatores do instrumento e os resultados do AUDIT, destacou-se uma alta correlação (p=0,740) para o fator II: "Diminuição e/ou fuga de emoções negativas", o que indica que esse fator foi o que mais influenciou os indivíduos da pesquisa a buscar o consumo da bebida.

Segundo Cooper, Frone, Russel e Mudar (1995), a diminuição e/ ou fuga das emoções negativas pode ser experiência de várias formas. As pessoas fazem uso da bebida alcoólica para regular a qualidade da experiência emocional e para manejar o estado de ânimo. Quando um indivíduo está ansioso ou eufórico utiliza o álcool para diminuir as emoções negativas, e quando sente fadiga ou muito cansaço faz o uso da substância para aumentar as emoções positivas.

A literatura mostra que buscar a euforia e a redução de emoções negativas são razões iniciais e repetitivas para uso do álcool, mesmo naqueles que estão em tratamento. Cada pessoa possui modelos de motivação para o comportamento de beber e esta estrutura representa diferentes necessidades fenomenológicas. Portanto, este não é um problema unitário, representa múltiplos comportamentos psicológicos distintos, definidos a partir do estado emocional de cada um (Cooper e outros, 1995).

O indivíduo vulnerável apresenta-se inseguro diante da vida e sua percepção é de que está em perigo, de que não tem controle da situação. Esse estado de vulnerabilidade remonta à expectativa de que não conseguirá vencer os obstáculos, repercutindo em uma linha de pensamento pouco positiva quanto às situações que enfrentará no dia a dia, podendo influenciar diretamente no sucesso ou não do tratamento para dependência ou nas internações em decorrência do problema. As características que o indivíduo vulnerável possui com relação ao stress são: baixa tolerância à frustração, capacidade autoafirmativa diminuída, dificuldade na confrontação e resolução de problemas, preocupação demasiada com as situações do dia a dia e acentuada emocionalidade (Vaz-Serra, 2000).

Fundamentada na perspectiva da aprendizagem social, existe a premissa de que o álcool poderia ser usado para enfrentar situações estressantes e que, por consequência, produziria comportamentos de beber e abuso do uso. Beber para enfrentar é definido como a tendência de usar o álcool para escapar, evitar ou para regular as emoções desagradáveis. Segundo o autor, estudos experimentais sugerem que os indivíduos, consciente ou inconscientemente, bebem para lidar com estados internos negativos. No entanto, as pessoas que dependem da bebida para o enfrentamento de situações tendem a beber mais pesado e podem desenvolver síndromes de abuso (Cooper, Russell & George, 1988).

Em estudo realizado em Juiz de Fora, foi aplicado o Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais acerca do álcool em população alcoolista e não alcoolista. Os resultados mostraram relação entre crenças mais positivas acerca do álcool e seus dependentes. Os autores concluem que quanto mais pesado for o consumo de bebida alcoólica maiores serão as crenças positivas relacionadas aos seus efeitos(Scali & Ronzan, 2007).

Outro estudo sobre as expectativas em relação ao álcool em diferentes faixas etárias realizado nos Estados Unidos, concluiu que os indivíduos possuem expectativas de que o uso de álcool seja um tipo de enfrentamento positivo, já que a crença é de que o consumo representa o modo eficaz e apropriado para lidar com situações que geram tensão; funcionando assim como mantenedor da conduta do beber (Leigh & Stacy, 2004).

No presente estudo, também foi observada a forte influência das crenças positivas acerca dos efeitos do álcool. O alto consumo da bebida para diminuir e/ ou fugir de sentimentos negativos, demonstra um padrão de baixa tolerância à frustração e problemas para enfrentar situações estressantes. O nosso estudo é congruente com o de Miller e Rollnick (2001) sobre o fato de indivíduos utilizarem comportamentos adictivos para enfrentarem diversas situações difíceis ou desagradáveis, tais como esquecimento, interação com outras pessoas, sentirse bem consigo mesmo e conseguir relaxar; tornando a bebida uma aliada e dificultando ao longo do tempo a relação que o indivíduo faz do álcool com situações desagradáveis.

 

Conclusão

Conforme os dados obtidos em relação aos fatores do IECPA, foi verificada uma influência das expectativas e crenças positivas da população frente ao consumo de álcool. O instrumento pode ser considerado como um fator importante para avaliar o quanto a população (clínica ou não), está relacionando suas crenças pessoais ao reforço positivo de beber. Essa associação torna a situação alarmante, pois é percebido o grau de intolerância perante algumas situações e a tentativa de buscar "falsas" soluções para o problema.

O estudo apresentou limitação quanto ao sexo dos participantes, visto que foi avaliado o consumo de bebida alcoólica apenas em população do sexo masculino, sendo necessário estudos que contenham informações sobre a população do sexo feminino e o consumo de álcool. Outra limitação encontrada, foi relacionada ao fator 2 do IECPA, "Diminuição e/ou fuga de emoções negativas", no qual não foram encontrados estudos na literatura que tivessem o mesmo resultado considerado como crença positiva principal para a influência do consumo de álcool.

É necessário dedicarmos atenção especial ao risco que a população enfrenta frente ao consumo da bebida alcoólica, pois o estudo nos mostra conforme as altas taxas obtidas - que o risco para consumo abusivo é elevado. Sugere-se que os profissionais da área da saúde façam intervenções com o objetivo de esclarecer a população quanto as consequências do uso de álcool, desfaçam crenças errôneas e estratégias de enfretamento mais saudáveis para lidar com os eventos estressores. No tratamento do alcoolismo é necessário minimizar as crenças permissivas e expandir as de controle do paciente.

Podemos observar a importância das expectativas relacionadas ao uso do álcool como fator decisivo para o planejamento do tratamento e seu prognóstico. A ligação das crenças com o comportamento adictivo precisa ser compreendida, a fim de que essas crenças distorcidas sejam modificadas, pois foram adquiridas e sustentadas através de suas experiências e das emoções envolvidas decorrentes do uso da substância.

Algumas das características que devem ser trabalhadas, a fim de diminuir a vulnerabilidade dos pacientes são estimular a autoestima, a confiança, a esperança, a autonomia e a independência, para que assim possam ser implementados hábitos com o intuito de fomentar a resistência aos problemas, visando atitudes mais adaptativas para o enfrentamento.

É importante que sejam realizados mais estudos para um maior controle do consumo abusivo de álcool, visto que o número de consumidores de risco é alto. É necessário desenvolver políticas públicas relacionadas ao álcool e seus malefícios, bem como estratégias preventivas para o seu consumo abusivo. Direcionar redes de apoio, com uma equipe multidisciplinar para que possam trabalhar aptidões pessoais e sociais de cada indivíduo, com o intuito de fortalecer a resistência ao álcool, principalmente no período de a recaída.

 

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Recebido: 07/01/2015 / Corrigido: 27/03/2015 / Aceito: 30/03/2015.

 

 

1 Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo; Professora da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Contato: Avenida Ipiranga, 6681 - Prédio 11, sala 927, Partenon, 901609-900, Porto Alegre, Rio Brande do Sul, Brasil. Telefone: 5133203500 - ramal 7799. E-mail: marga@pucrs.br
2 Psicóloga (Universidade Católica do Rio Grande do Sul); Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Instituto WP de Porto Alegre. Contato: Rua da República, 62/302, Cidade Baixa, 90050-320, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Telefone: (51) 9665-2999. E-mail:anarassier@hotmail.com
3 Psicóloga (Universidade Católica do Rio Grande do Sul); Especializanda em Terapias Cognitivo-Comportamentais pelo Instituto de Terapias Cognitivo-Comportamentais (InTCC) de Porto Alegre. Contato: Rua Martim Aranha, 100/1204 A, Boa Vista, 90520-020, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Telefone: 5197480031. E-mail:arianeperessantos@gmaill.com

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