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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.21 no.1 São Paulo abr. 2016

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i1p133-151 

DOI: http//dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i1p133-151

ARTIGO

 

Relação ensino-aprendizagem e a impossibilidade da educação

 

Teaching-learning relationship and the impossibility of education

 

La relación de enseñanza-aprendizaje y la imposibilidad de la educación

 

 

Julia Maria Borges AnacletoI

IEducadora. Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), São Paulo, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O artigo põe em questão o discurso pedagógico hegemônico e sua busca por uma adequação do ensino à "realidade do aluno" a fim de garantir a aprendizagem, realidade essa apresentada ora como cognitiva, ora como social, e, ainda, como afetiva. Visando sustentar a aprendizagem como efeito de um (des)encontro entre o mestre e o aprendiz, recorre-se à psicanálise como discurso capaz não de reiterar a ilusão de adequação (como se constata em diversas tentativas de aplicação da psicanálise à educação), mas no sentido de afirmar o caráter impossível do educar e, com isso, paradoxalmente, instigar o professor a não renunciar à educação.

Descritores: relação ensino-aprendizagem; psicanálise e educação; educação impossível; Piaget.


ABSTRACT

This article questions the hegemonic pedagogical discourse and its search for adapting the teaching process to the "student reality" in order to guarantee their learning. Such reality is now presented as cognitive, then as social, and also as affective. Aiming at sustaining the learning process as an effect of the (dis)encounter between master and pupil, we have taken psychoanalysis as a discourse capable not of reinforcing the adapting illusion (as seen in many attempts to apply psychoanalysis to education), but in the sense of affirming the impossible character of educating, and thus paradoxically instigating teachers not to renounce education.

Index terms: teaching-learning relationship; psychoanalysis and education; impossible education; Piaget.


RESUMEN

Este artículo pone en cuestión el discurso pedagógico hegemónico y su busca por una adecuación de la enseñanza a la "realidad del alumno" con fines de garantizar el aprendizaje, realidad presentada, ora como cognitiva, ora como social, y más aún afectiva. Con la finalidad de sostener el aprendizaje como efecto de un (des)encuentro entre el maestro y el aprendiz, se recurre al psicoanálisis como discurso capaz no de reiterar la ilusión de adecuación (como se constata en diversas tentativas de aplicación del psicoanálisis a la educación), sino de afirmar el carácter imposible del educar y, con esto, paradoxalmente, instigar al maestro a no renunciar a la educación.

Palabras clave: relación enseñanza-aprendizaje; psicoanálisis y educación; educación imposible; Piaget.


 

 

A pedagogia se caracteriza por ser um campo de conhecimento marcado pela crença no controle racional e consciente da ação educativa (Camargo, 2006), buscando assim incessantemente métodos mais naturalmente adequados aos fins que determina para a educação (Lajonquière, 1992/2010b).

A relação ensino-aprendizagem ocupa lugar especial no discurso (psico)pedagógico hegemônico (Lajonquière, 1999) e tem sido objeto de estudos e reflexões pedagógicas amparados pela psicologia. O norte que orienta esse debate gira em torno das melhores condições para se garantir que essa relação se dê de modo mais adequado. Afinal, supõe-se que todos desejem que as crianças aprendam mais e melhor!

Entre os diversos esforços contemporâneos para embasar a prática pedagógica a partir dos referenciais da psicologia, destacamos, em primeiro lugar, a derivação, a partir da epistemologia genética piagetiana, de uma concepção pedagógica construtivista. Nela, a educação escolar seria aquela que visa a promoção da atividade mental construtiva do aluno. Segundo Coll e Solé (2004, p. 18), a prática educativa se caracteriza por ser uma "intervenção planejada e sistemática, destinada a promover determinados aspectos do desenvolvimento de meninos e meninas". A fim de promover tal desenvolvimento, essa prática deve recorrer a teorias que "colaboram no empenho de conseguir um ensino mais ajustado às necessidades dos alunos e professores, mais eficaz, de maior qualidade" (p. 26). Nesse sentido, supõe-se que os conhecimentos sobre os estágios de desenvolvimento cognitivo da criança possibilitem estabelecer práticas de ensino que se adequem a esses estágios, contribuindo para o desenvolvimento natural da inteligência infantil.

Conforme a concepção pedagógica construtivista ganhou força no meio educacional, outros estudos começaram a apontar os limites da teoria piagetiana em dar conta de explicar a relação ensino-aprendizagem. Como exemplo, temos pesquisas que buscaram questionar o peso excessivo dado ao fator de déficit no desenvolvimento cognitivo como causa do fracasso escolar entre as crianças brasileiras. Esses trabalhos apontavam para a importância da questão cultural ligada à aprendizagem e deslocavam a investigação sobre as causas do fracasso escolar do aluno para a escola. Decorre daí a ideia de que o que está em jogo no fracasso escolar é uma realidade social que precisa ser adequada. Ou seja, os conteúdos escolares não levariam em conta a "realidade sócio-cultural" dos alunos de classe baixa.

Carraher, Carraher e Schliemann (1982) realizam um estudo que lhes permite encontrar crianças com competências matemáticas "na vida", porém não "na escola". Essa constatação leva a implicações pedagógicas, na medida em que as dificuldades na escola passam a ser vistas como decorrentes de diferenças no modo de pensar. O programa de formação de professores construído a partir desses resultados científicos visa a "instrumentação" das professoras para "reconhecerem as capacidades reveladas pelas crianças quando estas fogem às suas expectativas, e motivá-las para uma busca criativa de meios de aproveitamento sistemático pela escola dessas capacidades desenvolvidas informalmente" (Carraher, Carraher, & Schliemann, 1986).

Em ambas as perspectivas, domina a crença de que o ensino deve se adequar à "realidade do aluno", seja ela cognitiva ou social. Adequação essa que viria a garantir melhores resultados no polo da aprendizagem.

O que vemos subjacente a esses estudos é algo de fundamental importância e se revela na posição de Grossi (1990) para quem é preciso buscar uma "explicação" para a aprendizagem que subsidie "uma proposta de ensino" cada vez mais adequada. Visto a importância de se levar em conta todos os aspectos implicados na aprendizagem, a autora sustenta que uma "reconceituação pedagógica" deve partir de uma apropriação das "descobertas de vários ramos científicos" (p. 50). Assim, temos uma multiplicação infinita de referências teóricas que vão se tornando imprescindíveis na construção de uma proposta de ensino cada vez mais adequada, advindas da psicologia, sociologia, antropologia, filosofia e, não obstante, também da psicanálise.

A psicanálise passa, portanto, a comparecer nessa série, convocada como mais uma dessas referências teóricas capazes de contribuir para o aprimoramento da relação entre ensino e aprendizagem. Trata-se de convocá-la para tratar de um novo aspecto dessa relação, ao lado do cognitivo e do sociocultural: o aspecto afetivo.

Na mesma medida em que a relação ensino-aprendizagem insiste em não se realizar a contento, os famigerados problemas de aprendizagem surgem como o avesso do modelo. Para dar conta desse resto, entra na jogada a "realidade afetiva" do aluno. Assim sendo, o tema da afetividade vem compor o quadro dessas tentativas de caminhar no sentido da relação adequada entre ensino e aprendizagem.

 

A psicanálise a serviço da psicologia do desenvolvimento: uma teoria da afetividade?

Os afetos ou emoções foram considerados pela psiquiatria do século XIX como obstáculos ao pleno exercício da razão (Kupfer, 2003). Nessa linha, os afetos seriam entraves ao desenvolvimento cognitivo. Cognição e afeto seriam não apenas aspectos diferentes do funcionamento mental, mas ainda estariam em oposição mútua.

Nos estudos contemporâneos que tomam o tema da afetividade no campo dos processos de aprendizagem, vemos uma contraposição a essa visão dicotômica da cognição e dos afetos. Pretende-se superar as visões dualistas quanto ao assunto (Arantes, 2002) e propor uma complementariedade (Souza, 2006). O tema da afetividade aparece, pois, no âmbito da busca por uma "visão integradora do ser humano" (Almeida, 1993).

Souza (2006) toma inicialmente como ponto de ancoragem para sua proposta de complementariedade a própria teoria piagetiana. Segundo ela, Piaget considera a afetividade como implicada no funcionamento psicológico enquanto energia, impulso e motivação das condutas. Ela seria responsável pelo ritmo do desenvolvimento das estruturas lógicas, assim como influiria sobre os conteúdos do pensamento e da ação.

La Taille (2002), também tendo como referência a obra piagetiana, aborda a ação moral como formada por uma dimensão cognitiva (conhecer regras, princípios e valores) e uma dimensão afetiva (responsável pela motivação). Assim, enquanto a dimensão cognitiva daria conta do "saber fazer", o afeto seria responsável pelo "querer fazer", influindo sobre as escolhas e decisões.

Em comum a esses estudos está a ideia de que ao contrário de atrapalhar, a afetividade caminha lado a lado com a cognição, inclusive desenvolvendo-se passo a passo com a inteligência. Novamente, temos a apropriação desses estudos no interior do discurso pedagógico como um imperativo endereçado aos professores: cabe à escola e ao professor incluir entre suas preocupações a "realidade afetiva" do aluno.

Nesse debate, vemos a psicanálise ser convocada a título de teoria da afetividade. Enquanto teoria, ela forneceria um modelo de desenvolvimento da realidade afetiva das crianças, dividida em estágios evolutivos, podendo-se estabelecer um paralelo entre esta e a teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo e afetivo (Souza, 2011; Garbarino, 2012).

A entrada da psicanálise nesse debate, como suporte à psicologia do desenvolvimento, coloca-a como uma teoria capaz de contribuir para a construção do projeto pedagógico – subsidiado pela psicologia – de conhecer a natureza do desenvolvimento do funcionamento mental da criança, a fim de oferecer a ela uma educação sob medida.

No entanto, esse modo como a psicanálise é tratada por esses autores pode ser contestada por um duplo aspecto: a psicanálise não é propriamente uma teoria da afetividade, nem tampouco pode ser situada ao lado das psicologias do desenvolvimento. Nesse sentido, o que pretendemos sustentar é que a psicanálise pode orientar a reflexão sobre a educação num sentido contrário a esse. Mais especificamente, temos trabalhado no sentido de que se possa pensar numa concepção de aprendizagem a partir do referencial psicanalítico que aponte para uma desvinculação da ação educativa em relação à prática pedagógica.

 

Psicanálise na educação: do possível ao impossível

A psicanálise tomada como uma vertente da psicologia do desenvolvimento é aquela praticada por muitos seguidores de Freud que tomaram sua obra como orientadora de um possível fortalecimento progressivo do Ego, capaz de controlar o aparelho psíquico e evitar o adoecimento advindo do inconsciente. Nessa linha encontram-se, inclusive, as primeiras tentativas de aplicação da psicanálise ao campo da educação.

Apresentando o adoecimento neurótico como decorrente do processo civilizatório, Freud em diversos momentos aborda a questão da educação dada às crianças como parte desse processo. A possibilidade de que o estudo das causalidades do sofrimento psíquico pudesse levar a psicanálise a se ocupar da prevenção e não apenas do tratamento da neurose chegou a ser alimentada por Freud (Freud, 1908/1976c). Isso fez que o pai da psicanálise incentivasse o interesse de pedagogos pela psicanálise, levando ao surgimento de uma pedagogia psicanalítica que buscasse prevenir, via educação, o sofrimento psíquico. Revela-se nessa proposta a pretensão de prevenir as neuroses graças a uma suposta educação adequada, baseada, segundo Lajonquière (2002), numa leitura dos textos freudianos desconhecendo a estrutura paradoxal do desejo.

Outra será, no entanto, a psicanálise a partir do advento do "retorno a Freud" encabeçado por Lacan. É tomando esse autor como referência que Catherine Millot (1979/1987) fala de Freud como antipedagogo, apontando para uma leitura de seus textos que enfatize o posicionamento sobre a impossibilidade da profissão de educar, ao lado da de governar e de psicanalisar. Com isso, Millot finca as bases de uma nova leitura desse campo de investigação na fronteira entre psicanálise e educação justamente na natureza estrutural dessa impossibilidade nomeada por Freud.

Como primeiro efeito, o estudo de Millot implicou certa recusa da conexão entre psicanálise e educação. Contudo, o cruzamento entre ambas insiste e nesse sentido cumpre importante papel Mireille Cifali (1982) que, segundo Lajonquière (1998, p. 27) "conclui que o fato da psicanálise ser não conclusiva em matéria de educação, como bem apontara Millot, não implicaria, necessariamente, uma renúncia ao trabalho no contexto da conexão".

É nesse ensejo que diversos autores apostam naquilo que a psicanálise tem a dizer sobre a educação, com destaque justamente para aquilo que a dita polêmica aponta, a saber, o modo como Freud revela, em seus escritos, viver essa tensão mesma da impossibilidade da educação.

Contrariamente à tese de que se poderia distinguir um primeiro de um segundo Freud, localizando um corte em torno de 1920, quando este reformula sua teoria pulsional, a partir da noção de pulsão de morte, os textos freudianos localizados em diversos momentos de sua obra atestam seus impasses diante das constatações da irredutibilidade do desprazer psíquico (Lajonquière, 2002; Voltolini, 2011).

O postulado da antinomia entre pulsões de vida e pulsão de morte viria coroar a corrosão da "ilusão profilática" de Freud.

Assim, trata-se de localizar ao longo de sua obra a construção de um aparato teórico capaz de dar conta desse impasse em que o próprio Freud estava metido, na medida em que almejava a cura de seus pacientes sem, contudo, deixar de apontar incessantemente os limites do inconsciente em ser elucidado.

A partir da formulação do psiquismo como formado por pulsões de vida e pela pulsão de morte (Freud, 1920/1976d) – forças irreconciliáveis cujo conflito é incontrolável –, Freud irá formular o mal-estar como intrínseco à vida humana (Freud, 1930/1974). No entanto, como nos alerta Lajonquière (2006), mal-estar e sofrimento psíquico não são sinônimos, o que implica que afirmar o primeiro como irremovível não significa apelar ao cinismo relegando a espécie humana ao sofrimento eterno.

Com a ênfase que Lacan dará ao estatuto de linguagem do inconsciente e, portanto, afirmando o sujeito como dependente do significante, o impossível alçado ao nível estrutural pode ser apresentado como efeito da sujeição do homem ao campo da palavra e da linguagem. Essa sujeição é inescapável, restando-nos, no entanto, nos havermos com o desejo que decorre justamente dessa barra que separa significante de significado (Lacan, 1998).

Por esse mesmo caminho, ou seja, afirmando a função significante na estruturação do sujeito como decorrente dessa divisão entre significante e significado, pode-se apreender a impossibilidade não apenas de remover o mal-estar na civilização, mas também de se prevenir o adoecimento psíquico. Os efeitos subjetivantes das inscrições significantes são incontroláveis.

Lajonquière (2006) aponta que as profissões impossíveis elencadas por Freud, a saber, educar, governar e psicanalisar, têm em comum o fato de serem profissões da fala. Mobilizam, portanto, como instrumento a palavra, tendo que se haver com a sujeição do falante ao campo da linguagem e à função significante. É precisamente por isso que são impossíveis, na medida em que são profissões da falta. O que isso significa? Precisamente que seus resultados sempre deixam a desejar, e aí reside justamente sua essência. Curiosamente, a feliz expressão da língua portuguesa é capaz de captar a presença do desejo como efeito dessa falta.

Dessa forma, o impossível se apresenta como um inalcançável estrutural (Voltolini, 2011), como a certeza de resultados sempre insatisfatórios. A psicanálise, ao afirmar a educação como compondo o campo das profissões impossíveis, poderia assim contribuir com a aceitação do mal-estar como presente também no próprio ato educativo (Kupfer, 2000).

Por esse caminho, a psicanálise se apresenta de outro modo convocada no campo da educação, principalmente quando se trata de fazer contraponto ao discurso pedagógico. Importante lembrar a distinção entre educação e pedagogia, sendo que, de um lado, a educação é entendida num sentido amplo como parte da constituição do sujeito ou, nas palavras de Lajonquière (2002), como "efeitos subjetivantes ou formativos derivados para a criança de sua relação com os adultos", enquanto a pedagogia seria o "conjunto dos saberes positivos sobre uma suposta adequação entre os meios e os fins da educação" (p. 124).

A pedagogia é o efeito justamente da pretensão propriamente moderna de racionalização da aprendizagem e tem como ideal o controle do processo educativo através de métodos de ensino precisos (Camargo, 2006). Vemos, portanto, a crescente pedagogização da educação e, mais ainda, a (psico)pedagogização da educação – na medida em que é tomando a psicologia como campo legítimo de conhecimento sobre o desenvolvimento natural do psiquismo da criança que a pedagogia busca construir métodos capazes de controlar e garantir a aprendizagem. No entanto, o que a psicanálise aponta ao ser mobilizada para analisar tal situação é justamente que essa (psico)pedagogização tem como efeito a renúncia ao ato educativo (Lajonquière, 1999), pois visa a anulação do desejo. A ilusão (psico)pedagógica põe em cheque a distância entre o sujeito e os ideais na medida em que acredita na possibilidade de vir a alcançar os resultados previamente estabelecidos. A anulação do desejo resulta, pois, da anulação dessa distância, pois é nessa fenda entre o sujeito e o ideal que se constitui o desejo (Lajonquière, 2002).

 

Educação impossível X renúncia à educação

Podemos perceber, a partir do exposto acima, por quais caminhos a psicanálise é convocada no campo educativo num sentido contrário àquele que, ao tomá-la como teoria da afetividade, contribuiria para sustentar a ilusão (psico)pedagógica, para a qual a educação seria resultado de uma adequação do ensino à realidade da criança.

Buscando pôr em suspeita a ilusão (psico)pedagógica em sua pretensão de controle racional e científico do ato educativo, visa-se reafirmar o saber do professor como mais importante do que o conhecimento dos especialistas em psicologia do desenvolvimento e em metodologias de ensino. No entanto, o efeito desse discurso muitas vezes alcança o alvo contrário, cristalizando a afirmação da educação como impossível e fazendo crescer a angústia de professores cada vez mais destituídos de seu suposto saber.

Quando o discurso psicanalítico se debruça no campo da educação, aportando sua teorização desta como transmissão de marcas simbólicas e, portanto, tomando parte na constituição do sujeito, faz frente ao discurso pedagógico dominante. Isso faz que, de certa forma, a psicanálise tome como seu papel apontar, no avesso do que faz a (psico)pedagogia, o que não se deve fazer na educação.

No entanto, há que se levar em conta o duplo caráter do impossível do ato de educar. Voltolini (2011) recorda que a impossibilidade de controle está tanto do lado do que o professor enuncia quanto do lado do que o aluno apreende. Assim, quando a psicanálise pretende apontar para aquilo que não se deve fazer na educação, talvez seja pertinente perguntar se faz isso aos moldes das prescrições, apenas invertendo-a de sinal, ou se, pelo contrário, alcança em última instância um único e preciso ponto, qual seja, o de instigar o professor a não renunciar à educação.

Não renunciar à educação é equivalente a não renunciar ao desejo. Isso implica aceitar que sua fala, seu endereçamento da palavra ao aluno, carrega uma divisão estrutural, entre o que se quer dizer e o que se diz. Assim, afirma Voltolini (2011):

Toda pretensão de mestria educativa esbarra nesse fato de estrutura, suportado, como desenvolverá Lacan com densidade ao longo de toda a sua obra, na própria estrutura da linguagem. Em todo ato de fala há uma dupla emissão: aquela que tem a ver com o que queremos emitir e aquela que transmitimos à revelia de nossa vontade, mas que igualmente influi na comunicação com o outro e é ponto decisivo na questão educativa. (p. 36)

A impossibilidade de controle sobre a própria enunciação não tem a ver com uma falha, mas precisamente com uma falta estrutural. Mais ainda, isso não significa que devamos então nos contentar com a miséria de nossa existência, porque é exatamente nessa fissura entre o dizer e o dito que se aninha o desejo, capaz de lançar o sujeito, inclusive, ao campo do conhecimento.

Nunca é demais reiterar que a distância entre o sujeito e o ideal que anima sua existência, sendo aquela que possibilita a existência do desejo, sustenta-se sobre uma outra distância, que é aquela da assimetria entre o adulto e a criança. Nas palavras de Lajonquière (1999, p. 36), o desejo é o "mistério que desponta por trás de toda arbitrariedade, de toda assimetria, de toda falta de relação ou adequação". Assim é que o impossível pode e deve passar longe da impotência geradora de angústia por parte do professor, na medida em que se possa vinculá-lo à própria constituição do desejo como aquilo que move o sujeito inclusive em direção ao conhecimento.

É, portanto, no sentido de desdobrar ainda mais a possibilidade de que a sustentação da impossibilidade da educação venha a operar no sentido de uma educação possível, que se pretende avançar na consideração de como o conhecimento pode ser considerado o efeito da (não) relação ensino-aprendizagem, na medida em que a última é decorrência não exatamente de uma adequação entre os polos em questão, mas sim de um mal-entendido.

 

As teorias sexuais infantis e a enganação

Afirmamos acima que, diferentemente do que aparece em alguns estudos, a psicanálise não é uma teoria da afetividade. Kupfer (2003) pontua que Freud não versa sobre o desenvolvimento afetivo, mas antes sobre a constituição do sujeito do inconsciente. Assim, as emoções, na psicanálise, formam a dimensão fenomênica do que se passa no inconsciente, sendo, portanto, produto e não causa. Paín (1989/1999), por seu lado, sustenta que "o sentido do afeto deve ser buscado mais como efeito de uma estrutura que como causa de comportamentos" (p. 71). Assim, os afetos não se confundem com o inconsciente, mas possuem uma "função material de sinalização" na medida em que fornecem qualidade a uma representação.

Para Voltolini (2006a), há um "mito" que situa Freud como autor do campo do afetivo e que gera um desconhecimento sobre o impacto dos pressupostos freudianos sobre a questão do conhecimento. Um desses impactos diz respeito à análise freudiana das teorias sexuais infantis, as quais permitem, inclusive, compreender como o conhecimento pode ser pensado como efeito de um (des)encontro educativo, ou melhor, entre um adulto e uma criança.

As teorias sexuais infantis aparecem em diversos escritos de Freud (1907/1976a; 1908/1976b; 1909/1969; 1910/1970), revelando o interesse do autor por isso que considera ser um divisor de águas no atravessamento do complexo de Édipo, assim como o berço do interesse da criança pelo conhecimento. "Cedida" a certeza do sujeito de ser o falo, ou seja, aquilo que ao Outro falta, a criança se lança a uma investigação com a finalidade de desvendar um saber sobre o sexual, ponto em que residiria um saber sobre o desejo em causa na chegada de um bebê. Trata-se de formulações infantis acerca da origem dos bebês e, consequentemente, acerca da relação sexual e da falta de proporção entre homens e mulheres que é subjacente a essa relação e que tem a ver, em última instância, com o enigma do desejo que permeia a chegada de todo ser humano ao mundo.

O interesse de Freud pelas teorias sexuais infantis se relaciona, entre outras coisas, com a tentativa do autor de correlacionar o adoecimento neurótico com a repressão moral à curiosidade sexual das crianças. Assim, em diversos escritos de Freud sobre o assunto, revela-se aquela ilusão profilática através da busca de uma educação ideal, em que a moral sexual civilizada fosse contida em seus excessos de controle.

Por um lado, pode-se dizer que esse posicionamento de Freud o faz participante de uma visão de mundo, ou seja, trata-se de um posicionamento no campo do imaginário. No entanto, ao tomar posição nesse campo, Freud se distancia da psicanálise propriamente dita. Isso porque ele mesmo irá afirmar que a psicanálise não deve se confundir com uma visão de mundo (Freud, 1933/1976e). Enquanto esta tem caráter histórico e é, portanto, datada, a psicanálise, por seu lado, busca sustentar-se no universal.

Voltolini (2011) chama a atenção para o fato de que essa separação que Freud busca operar se dá a ver no plano dos procedimentos. Assim, enquanto uma visão de mundo baseia-se num procedimento de síntese, sustentando um "dever ser", a psicanálise, como marcado no próprio nome, opera um procedimento analítico, ou seja, seu interesse repousa sobre como as coisas são. Assim, também na incidência da psicanálise no campo da educação, é preciso preservar seu caráter de "não propor soluções ou procedimentos, mas questões que só ela pode descortinar ou instalar de outra maneira" (Lajonquière, 2013, p. 38).

Propondo uma leitura das teorias sexuais infantis sob esse viés, pode-se perguntar o que elas revelam. Para além das opiniões positivas de Freud quanto ao modo dos adultos tratarem o tema da sexualidade, aparece em seus escritos a constatação de que, de um lado, mesmo convencidos quanto à importância de esclarecer as crianças em suas dúvidas, os adultos se embaraçam na resposta; e, de outro lado, as crianças, mesmo recebendo respostas claras às suas perguntas, preferem formular suas próprias teorias sobre o assunto, muitas vezes em franca oposição ao esclarecimento ofertado.

A importância desse aspecto das teorias sexuais infantis para a formulação psicanalítica da constituição do sujeito é central. Trata-se de apontar para os limites do esclarecimento em relação justamente à tese do inconsciente. Ademais, as teorias sexuais infantis apontam para a impossibilidade da educação sexual na medida em que a investigação levada a cabo pelas crianças se dá sobre o pano de fundo da única pergunta que não se explicita, que é aquela sobre o desejo em causa na sua existência.

O sujeito se constitui sobre a pergunta: "o outro, o que quer de mim?". Essa pergunta sobre o desejo do outro endereçado ao sujeito – pedra fundamental de sua entrada no campo da linguagem – possui toda a sua força constitutiva em seu caráter inconclusivo. Isso porque as possíveis respostas a ela implicam precisamente colocar em risco a constituição do sujeito do desejo. De um lado, saber o que o outro quer de mim me obriga a estar aprisionado na condição de objeto do desejo do outro, enquanto saber que o outro nada quer de mim, lança o sujeito no "gozo da solidão pulsional", impedindo-o de se enlaçar no campo da linguagem (Lajonquière, 1999).

As teorias sexuais infantis são precisamente o efeito do caráter inconclusivo da pergunta sobre o desejo do Outro. Diante da ausência de resposta ou da oferta de respostas insatisfatórias, a criança formula suas próprias teorias. E as respostas são insatisfatórias justamente porque qualquer esclarecimento que os adultos possam vir a oferecer necessariamente está impossibilitado de dar conta do saber sobre o desejo, ou do saber de que não há saber sobre o desejo. É por isso que Dunker (2005) enfantiza tratar-se da experiência do "adulto enganador", que desencadeia a suposição da criança de que ela também pode enganá-lo, usando "a linguagem para se separar do outro, criando intimidade e segredo" (p. 150).

As teorias sexuais infantis se colocam, portanto, no lugar de uma resposta. No entanto, trata-se de respostas que visam encobrir a verdade sobre o desejo. Mais ainda, são respostas marcadas pela resistência ao esclarecimento, o que Dunker (2005) aponta como um movimento subjetivo de separação do outro, baseado na constatação de que o outro engana e que, portanto, é possível enganá-lo também.

A questão do engano é tematizada por Voltolini (2006b) num texto em que procura discutir o papel da angústia para o desenrolar da cognição. Partindo da afirmação lacaniana (Lacan, 2005) de que "a angústia é um afeto que não engana", Voltolini afirma: "Dizermos que a angústia é o afeto que não engana permite-nos conjecturar que há algo que nos engana e que buscamos deliberadamente fazer-lhe face, a face de horror que ela implica" (2006b, p. 287). Assim, as investigações infantis estariam relacionadas à tentativa de evitar a angústia através do engano, na forma das teorias sexuais infantis.

O alvo do engano seria aquele da dimensão da verdade enquanto resposta ao enigma do desejo. Dessa forma, as teorias sexuais infantis tendem a ser recalcadas como efeito da divisão mesma que faz que o inconsciente seja o lugar do desconhecimento, enquanto, por outro lado, abre-se a possibilidade da construção do conhecimento como contorno dessa falta estrutural na dimensão do saber.

No entanto, a divisão do sujeito é estrutural. Portanto, não se trata de partir uma unidade ao meio, formando dois. A construção do conhecimento carrega as marcas dessa divisão, seja no estilo ou nas fraturas do aprender (Kupfer, 2000). Ou seja, o sujeito do inconsciente comparece no processo de aprendizagem.

 

Formulações infantis entre o desejo e a inteligência

A fim de explorar esse comparecimento do sujeito no processo de aprendizagem, recorremos a uma interpretação da teoria piagetiana a partir de referenciais psicanalíticos. Trazer para a investigação no campo da fronteira entre psicanálise e educação a referência piagetiana nos permite problematizar o discurso (psico)pedagógico no ponto em que ele supõe suas bases. Para tanto, é importante apoiar-se em trabalhos que exploram a possibilidade de leitura da teoria piagetiana da construção do conhecimento através dos subsídios psicanalíticos (Paín, 1989/1999; Lajonquière, 1992/2010b). A partir dessas referências, aposta-se num possível paralelo entre as teorias sexuais infantis e as hipóteses cognitivas.

A hipótese cognitiva – aspecto central na construção da teoria piagetiana acerca da gênese do conhecimento na criança – é comumente tomada no campo da educação como fenômeno empírico capaz de subsidiar o diagnóstico dos níveis de desenvolvimento cognitivo alcançado por cada criança. Dessa forma, a referência piagetiana é tornada método de verificação de estágios, levando à naturalização do desenvolvimento, tomado como maturação, restando aos adultos ou esperar que isso se dê ou programar atividades de exercício e reforço adequadas à realidade cognitiva do aluno.

Lajonquière (1992/2010b) propõe uma leitura da teoria piagetiana que privilegie o aspecto construtivo em detrimento do evolutivo. O autor aborda essa contraposição entre uma leitura evolutiva e outra construtiva das ideias piagetianas, enfatizando que, enquanto na primeira delas Piaget passa a se aproximar das ideias pré-formistas, das quais buscou durante toda sua trajetória se afastar, na segunda delas, o a priori da inteligência passa a ser não uma capacidade inata material, mas um pressuposto formal construído e revelado a posteriori (Lajonquière, 1992/2010b, p. 36). Assim, sustenta que "a reflexão piagetiana merece ser pensada como sendo uma epistemologia dos efeitos de uma gênese, tanto imprevisível quanto não aleatória" (1997, p. 108). Nesse sentido, seria pertinente afirmar que a "maquinaria piagetiana" possa ser lida no sentido da reafirmação da tese freudiana da educação impossível.

Essa possibilidade nos coloca ao menos duas questões centrais: como poderia se interpretar a tese dos esquemas de assimilação como aquilo que se interpõe entre o ensino e a aprendizagem, sem com isso necessariamente recorrer ao inatismo e à referência biológica? É possível ler essa tese sem recorrer ao princípio da evolução natural da inteligência?

A aposta aqui sustentada é a de que isso seja possível através do paralelo entre as hipóteses cognitivas e as teorias sexuais infantis, na medida em que ambas sejam tomadas como formulações infantis marcadas pelo estranhamento em relação ao discurso do Outro e, portanto, marcadas por posicionamentos discursivos no campo do Outro.

Os objetos de conhecimento são aqui pensados como efeitos de práticas discursivas, na medida em que considera-se que a linguagem tem o "poder de estruturar um campo especificamente humano no interior do qual uma subjetividade, bem como um conjunto de objetos (de conhecimento) não são mais que produtos pontuais do funcionar discursivo ou de permutações significantes" (Lajonquière, 1992/2010b, p. 242).

A partir desse entendimento, a psicanálise, especialmente no que tange à análise das teorias sexuais infantis, pode subsidiar a interpretação das formulações infantis acerca dos objetos de conhecimento no sentido de apontar a presença de movimentações subjetivas no funcionar da inteligência. Para desdobrar essa hipótese tem-se apostado no paralelo entre as teorias sexuais infantis e as hipóteses cognitivas piagetianas, no sentido de que ambas as noções podem ser tomadas como formulações infantis marcadas pelo estranhamento em relação ao discurso do Outro.

Dunker (2005), ao estabelecer um cruzamento das teorias sexuais infantis com a teoria lacaniana dos discursos, propõe tratar-se de "narrativas sexuais infantis" que têm uma função na mudança de posição do agente do discurso, passando de "narrador-ator" a "narrador-autor". Mais ainda, tomando como desafio o estudo sobre a formação da narrativa atrelado à conjunção entre a teoria da constituição do sujeito e a teoria da construção do discurso, propõe que a utilidade da psicanálise para o processo de ensino e aprendizagem possa ser pensada a partir da "afinidade contingencial da noção de discurso e consequentemente de narrativa, envolvida na experiência de aprendizagem e tematizada pela psicanálise" (p. 139).

Tomar a experiência de aprendizagem como narrativa implica, nesse sentido, afirmar que ela comporta uma dimensão discursiva. Se "nenhuma produção subjetiva ou produto da atividade humana pode ser pensada como acontecendo fora do campo do Outro" (Lajonquière, 1992/2010b, p. 243), parece pertinente interpretar a aprendizagem, enquanto construção do conhecimento, como efeito de movimentações subjetivas no campo da linguagem. Interpretar dessa maneira as hipóteses cognitivas aponta para a possibilidade de que aquilo que se interpõe entre o ensino e a aprendizagem seja pensado não como uma determinação maturacional, mas como a dimensão do enigma que está por trás de todo impulso ao conhecimento.

Construir esse caminho interpretativo das hipóteses cognitivas – apontadas por Piaget como fundamentais na construção do conhecimento – visa o sentido contrário ao da biologização da inteligência e é o que tem impulsionado nossos esforços investigativos no campo da educação. A perspectiva de que o processo de aprendizagem implique a falta de proporção põe em cheque a ilusão (psico)pedagógica não só na suposição de que seja possível alcançar uma adequação entre ensino e aprendizagem, mas também de que essa adequação seja desejável. Assim, reafirma-se a pertinência da psicanálise na educação como forma de contraposição à máxima pedagógica de um ensino adequado à realidade do aluno, seja essa cognitiva, social e, inclusive, afetiva. Se há uma realidade para a qual a educação possa se dirigir, ela necessariamente é a realidade do desejo.

 

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Endereço para correspondência
Rua Célio Manoel Vieira, 98
05593-020 – São Paulo – SP – Brasil.
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Recebido em outubro/2015.
Aceito em março/2016.

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