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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.2 São Paulo ago. 2013

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

O perfil da produção científica sobre identidade no campo da teoria das representações sociais

 

The profile of the scientific production of knowledge about identity in the field of social representations theory

 

El perfil de la producción de científica sobre la identidad en el campo de la teoría de las representaciones sociales

 

 

Rene Santos Spezani; Denize Cristina Oliveira

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de revisão sistemática, de natureza exploratório-descritiva, com abordagem quali-quantitativa, cujo objetivo foi identificar o perfil da produção científica veiculada por teses, dissertações e artigos no que concerne ao conceito de identidade relacionado à teoria das representações sociais. Os dados foram coletados nos portais virtuais da Capes, Bireme, Bdenf, USP, UFRJ e Uerj, em obras publicadas no recorte temporal de 2000 e 2011, que apresentavam em seus resumos os termos descritores identidade e representação social/representações sociais ou seus sinônimos em inglês ou espanhol. Os resultados indicam que as representações sociais podem ser partilhadas entre indivíduos diferentes, corroborando a compreensão da construção de identidades sob diferentes perspectivas. Conclui-se que a abordagem da problemática da identidade a partir da teoria das representações sociais evidencia faces complexas e profícuas, caracterizando-se como fenômeno de típica (re)construção humana e, portanto, em constante evolução.

Palavras-chave: construção de conhecimento; identidade; pesquisa científica; relações interpessoais; representação social.


ABSTRACT

The present study is about an exploratory-descriptive systematic review - with a quali-quantitative approach - which aimed to identify the profile of the scientific production conveyed in theses, dissertations and articles regarding the concept of identity related to the social representations theory. The data used in this research were collected in the virtual portals of the institutions Capes, Bireme Bdenf, USP, UFRJ and Uerj; from papers published in the time frame from 2000 till 2011, which presented in theirs abstracts the descriptors terms identidade (identity) and representação social/representações sociais (social representation(s)) or theirs equivalents in English or Spanish. The results indicate that social representations can be shared among different individuals, corroborating so, for the understanding of the construction of identities under different perspectives. We conclude that the approach to the problem of the identity - on the bases of the social representations theory - shows complex and productive faces, which can be characterized as a typical human (re)construction phenomenon; and therefore, in constant evolution.

Keywords: construction of knowledge; identity; scientific research; interpersonal relationships; social representation.


RESUMEN

Este estudio trata de una revisión sistemática, de naturaleza exploratorio-descriptiva - con enfoque cuali-cuantitativo - cuyo objetivo era identificar el perfil de la producción científica transmitida por tesis, disertaciones y artículos relacionados al concepto de identidad en relación con la teoría de las representaciones sociales. Los datos utilizados para esta investigación fueron colectados en los portales virtuales de las institutiones Capes, Bireme, Bdenf, USP, UFRJ y Uerj, en trabajos publicados en el período de tiempo de 2000 hasta 2011 y que presentaban en sus resúmenes los términos descriptores identidade (identidad) y representação social/representações sociais (representación social/ representaciones sociales) o sus equivalentes en español o inglés. Los resultados indican que las representaciones sociales pueden ser compartidas entre diferentes individuos, corroborando así, para la comprensión de la construcción de identidades hacia perspectivas diferentes. Se puede concluir entonces que el enfoque del problema de la identidad - partiendo de la teoría de las representaciones sociales - evidencia facetas complejas y productivas, caracterizándose como um típico fenómeno de reconstrucción humana; y por tanto, en constante evolución.

Palabras clave: construcción de conocimiento; identidad; investigación científica; relaciones interpersonales; representación social.


 

 

Atualmente a era globalizada confere à noção de indivíduo um lugar preponderante na história, despertando a atenção dos pesquisadores sobre o estudo e debate de questões que envolvem a identidade (Deschamps & Moliner, 2009).

Termo de origem grega, o conceito de identidade revestiu-se de inúmeras acepções ao longo da história, segundo os determinismos do pensamento de cada época. Da perspectiva estática, proposta inicialmente por Parmênides no século VI a.C., até os dias atuais, verifica-se a instituição de um dinamismo sobre sua definição, alterando o seu significado e conclamando aqueles que se dispõem a utilizá-lo a compreendê-lo como resultado de um processo psicossocial (Branco, 2011). Sob tal concepção, a identidade tem sido objeto de interesse e investigações por parte de inúmeras ciências humanas e, em contrapartida, referência para uma pluralidade de apropriações.

Para Erikson (1976), identidade significa uma concepção de si mesmo, um elemento importante que define quem a pessoa é de fato e, de maneira solidária, os valores que norteiam sua vida e os rumos que deseja seguir. Por sua vez, a leitura eminentemente psicossocial de Deschamps e Moliner (2009) permite compreender que a identidade é um sentimento, um conjunto de características as quais um indivíduo pensa ser e/ou ter, que se define no seio das interações humanas, diretamente vinculado à ideia de representação. Nesse sentido, é um "fenômeno subjetivo e dinâmico, que resulta de uma dupla constatação, tanto de semelhanças quanto de diferenças entre o si próprio, os outros e certos grupos" (Deschamps & Moliner, 2009, p. 9).

A concepção da identidade como fenômeno processual dinâmico ratifica a necessidade de se interrogar acerca da elaboração dos conhecimentos e das crenças sobre os quais se alicerça (Deschamps & Moliner, 2009). Diante desse panorama, a incorporação da perspectiva teórica que abarca o campo das representações sociais mostra-se relevante para subsidiar o debate sobre como a temática vem sendo tratada na atualidade, pois constitui uma importante ferramenta para que se possa compreender, com efeito, a vida cotidiana.

Para Jodelet (2001, p. 36), uma representação social consiste em "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social". Nesse caso, como construção e expressão dos sujeitos, a representação social pode ser considerada sob os pontos de vista epistêmico, psicodinâmico, social, coletivo e ainda como uma forma de saber (Jodelet, 2001). Destaca-se que "o termo representações sociais identifica tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando um vasto campo de estudos psicossociológicos" (Sá, 2002, p. 29). Observa-se também que a incorporação de conceitos advindos da teoria das representações sociais verifica-se em expansão em diversas áreas de conhecimento, constituindo um referencial consistente para a pesquisa, composto por instrumentos conceituais e metodológicos próprios (Jodelet, 2001).

Essa teoria foi desenvolvida e posteriormente reformulada pelo autor romeno Serge Moscovici (2003). Para Sá (1993), os conceitos trabalhados por Moscovici reforçam a ideia de que as representações sociais devem ser estudadas mediante a articulação de objetos de representação com elementos mentais, afetivos e sociais, que interagem e se integram juntamente com a cognição, linguagem e comunicação. Para o referido aspecto, confere-se às interações sociais um papel de extrema importância, pois são molas propulsoras para oportunizar aos indivíduos a elaboração e manutenção de conhecimentos relativos a si próprios, aos grupos a que pertencem e com os quais se mantêm em contínua relação (Zavalloni & Louis-Guérin, 1984; Zavalloni, 2001).

Considerando a existência de referenciais, na literatura, que apontam que a construção da identidade estabelece nexos teóricos diretamente vinculados com a noção de representação (Deschamps & Moliner, 2009), bem como a importância das teorias para elucidação dos objetos de pesquisa nos campos de investigação científica, essas concepções orientaram preliminarmente a motivação para a elaboração do presente estudo, que tem por objeto de investigação o perfil da produção científica sobre identidade relacionada à teoria das representações sociais. Dessa forma, o objetivo deste estudo consiste em identificar o perfil da produção científica veiculada por teses, dissertações e artigos no que concerne à identidade relacionada à teoria das representações sociais.

A possibilidade de compreensão das especificidades do conhecimento produzido sobre a temática e dos processos que sustentam e explicam tais contextos justifica a realização deste estudo. Nesse sentido, releva-se o caráter desta produção: as suas possibilidades de contribuição e aprofundamento sobre o assunto, à medida que possa ampliar a literatura existente sobre a temática e propiciar a geração de novos conhecimentos que possam consubstanciar argumentos necessários à sua compreensão no âmbito do ensino e da pesquisa, viabilizando novas formas de pensar e/ou fazer.

 

Método

Trata-se de revisão sistemática, de natureza exploratório-descritiva, com abordagem quali-quantitativa, realizada a partir da leitura crítico-reflexiva de artigos, dissertações e teses inerentes a correlações teóricas entre o conceito de identidade e a teoria das representações sociais.

A coleta e seleção do material foram realizadas no Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), nos acervos da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), por meio do Centro Latino-americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde - Bireme (Lilacs, Medline, SciELO), Base de Dados de Enfermagem (Bdenf) e nas bibliotecas virtuais da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A escolha por esses bancos de dados se justifica por constituírem lócus especializados em divulgação das informações produzidas em variadas áreas do conhecimento, fortalecendo o fluxo de informações sobre diversos assuntos.

A amostra constituiu-se de trabalhos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, no recorte temporal compreendido entre os anos 2000 e 2011. Nesse caso, empregou-se como critério de inclusão a apresentação simultânea das palavras identidade e representação social/representações sociais ou ainda seus sinônimos nos idiomas inglês ou espanhol (identity, identidad, social representation, social representations, representación social, representaciones sociales) no conteúdo de seus resumos. Com base nesses critérios, foram previamente selecionados 56 trabalhos para análise. Dentre as 56 produções selecionadas, apenas 48 eram disponibilizadas nas bases de dados na forma textual completa. Por essa razão, após a realização de sua leitura integral, apenas essas 48 obras foram selecionadas para fazer parte da análise crítica.

Após a leitura interpretativa das obras selecionadas, os dados foram analisados segundo as seguintes variáveis: área de conhecimento, país de publicação, tipo de estudo, campo de estudo, sujeitos do estudo e temática abordada.

Destaca-se que a variável temática abordada foi analisada à luz da análise de conteúdo temática (Bardin, 2004), considerando a vasta variedade de assuntos identificados nas pesquisas.

O tratamento e a apresentação dos dados foram decodificados textualmente e por meio de tabelas e analisados e discutidos de maneira crítico-reflexiva, articulando-se o pensamento com o de autores de expressão em diversas áreas do conhecimento, cuja produção demonstrou pertinência e relevância para a interpretação das temáticas em evidência.

 

Resultados e discussão

Foram verificadas produções inerentes a áreas distintas e com enfoques diferenciados. Isso possibilitou a ampliação do conhecimento acerca das articulações entre identidade e a teoria das representações sociais sob diferentes objetos, instrumentos de análise, objetivos e perspectivas.

De acordo com a Tabela 1, a psicologia foi a área de conhecimento que concentrou o maior número de trabalhos produzidos, totalizando 13 (27%) produções, acompanhada de perto pela enfermagem com 12 publicações (25%), pelas ciências sociais com 8 (16,6%), comunicação e artes com 4 (8,3%) e antropologia com 3 (6,3%). Essa significativa apropriação da teoria das representações sociais como suporte para subsidiar o entendimento de diferentes facetas identitárias em áreas que valorizam a subjetividade e as interações humanas denota o caráter essencialmente psicossocial atribuído ao termo e a natureza complexa dos nexos dessa correlação. Da mesma forma, caracteriza um processo de aceitação do referido modelo teórico no contexto científico, após a supressão de conflitos histórico-epistemológicos ao longo de sua afirmação (Almeida, 2009).

 

 

Caracterizando-se como uma transição paradigmática (Santos, 1989), essa mudança resultou do reconhecimento da noção de representação como fenômeno social maior, associada diretamente a um resgate da noção de sujeito como um ser "que não seria um indivíduo isolado no seu modo de vida, mas seria autenticamente social; um sujeito que interioriza, se apropria das representações ao mesmo tempo em que intervém na sua construção" (Jodelet, 2009, p. 683).

Como refere Jodelet (2009, p. 685), "essa inscrição ativa no mundo encontra eco em qualquer reflexão contemporânea que situa a questão do sujeito em uma perspectiva política e histórica". Assim, observou-se que os pressupostos dos estudos se estruturam em torno de discussões que valorizam simultaneamente a subjetividade e o pensamento como pilares necessários para compreender como são elaboradas as representações sociais e como são construídas as identidades diversas que se manifestam em espaços definidos. Mais precisamente, as discussões evidenciadas permitem compreender como essas mesmas representações e identidades podem ser utilizadas nos processos de orientação e reorientação de práticas cotidianas.

Da mesma forma, os estudos também permitem fortalecer o núcleo de criação de argumentos que ajudam a legitimar suas correlações com os comportamentos humanos. Com isso, ficou claro que o entendimento desses estudos não pode prescindir da compreensão do homem como um ser relacional, intimamente ligado ao contexto em que se insere, onde a influência dos fatores sociais sobre a cognição individual se cristaliza, dada sua capacidade de inferir e socializar (Zavalloni & Louis-Guérin, 1984).

De acordo com os estudos, a valorização da subjetividade corrobora a distinção entre o que é do domínio do conhecimento e o que é do domínio de um pensamento que se desenvolve a partir de experiências de vida concreta (Jodelet, 2009), resgatando e respeitando negociações que se processam no seio de interlocuções que contribuem para a transformação da realidade instituída. Assim, as ideias apresentadas nos textos convidam à reflexão sobre a importância da comunicação, como condição que torna viáveis a construção e a propagação das representações para a vida prática e afetiva das pessoas, uma vez que sobre estas incidem aspectos estruturais e formais do pensamento social (Moscovici, 2003).

Como pode ser visualizado na Tabela 2, 41 estudos (85,4%) foram realizados no Brasil. Outras 7 publicações (14,6%) foram identificadas em países como México, Argentina, Chile, Portugal e Venezuela, demonstrando que a temática também vem sendo abordada em outras sociedades.

 

 

Dentre os estudos selecionados, 31 (65%) foram desenvolvidos na modalidade de pesquisas de campo, sendo 28 (59%) realizados com abordagem qualitativa e 3 (6%) com abordagem quali-quantitativa.

O caráter predominantemente qualitativo evidenciado nas pesquisas analisadas ratifica o perfil essencialmente subjetivo que envolve a abordagem da teoria das representações sociais e a construção de identidade. Essa opção é respaldada na literatura, a qual aponta que essa estratégia teórico-metodológica "trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser realizados à operacionalização de variáveis" (Minayo, 2001, p. 20).

Uma vez que se considera que esse tipo de pesquisa é fundamentado na premissa de que os conhecimentos são somente possíveis por meio da descrição da experiência humana, tal como ela é vivenciada e definida por seus próprios atores (Pollit, Beck, & Hungler, 2004), acredita-se que possa fomentar a construção de argumentos para uma ação dos serviços e dos seus agentes, pautada no diálogo e no reconhecimento das distintas lógicas culturais que orientam suas práticas, fortalecendo a produção de conhecimentos e ampliando o horizonte de suas ações (Deslandes & Gomes, 2004).

Observou-se, também, que 17 estudos (35%) não foram realizados em cenários físicos. Trata-se de 12 pesquisas documentais, 2 estudos teóricos e 3 estudos de revisão bibliográfica, de igual maneira importantes para a (re)construção do conhecimento, tendo em vista serem derivados da análise de documentos retrospectivos ou contemporâneos considerados cientificamente autênticos.

 

 

As escolas públicas ou privadas, as universidades e unidades de saúde foram os cenários de coleta de dados privilegiados em 20 pesquisas (41,6%). Além da conveniência para a coleta de dados, ofertada pela grande circulação de pessoas nos respectivos cenários, acredita-se também que tais campos tenham sido escolhidos por tratar-se de centros formadores de opinião e importantes (no caso das escolas e universidades) para a transmissão e aquisição de conhecimento e por constituírem lócus privilegiados para efetivação de investigações psicossociais (no caso dos cenários de saúde), considerando o imaginário social elaborado acerca de fenômenos que envolvem o processo saúde/doença entre profissionais e usuários dos serviços (Oliveira et al., 2007).

Excetuando os estudos documentais e os de revisão, 12 pesquisas (25%) estiveram vinculadas a sujeitos em idade jovem, compreendendo estudantes universitários ou de nível médio, sobretudo na adolescência. A seleção desses sujeitos é relevante diante da compreensão da identidade, tendo em vista haver na literatura o endosso de que, apesar de se constituir em fenômeno de construção contínua ao longo da vida (Lepre, 2011), é na adolescência que ela se define, encaminhando-se para um perfil (Milani & Seron, 2011).

Nota-se também que os estudos focalizam a atuação de sujeitos diversificados que fazem parte de diferentes instâncias no universo social e interagem nelas. A exemplo, podem ser destacados os estudos de Bonomo, Trindade, Souza e Coutinho (2008), que envolvem a participação de grupos de mulheres ciganas e rurais, os estudos de Nobrega e Lucena (2004) e Mattos e Ferreira (2004), que tratam das representações sobre pessoas que vivem nas ruas, a pesquisa de Lemos (2003), que abarca representações sociais de idosos acerca da velhice, e a investigação de Schreiner (2009), sobre trabalhadores sem-terra no sul do Brasil.

Essas produções científicas traduzem o enfoque atribuído por Goffman (2008) à sociedade como produtora de identidades diversificadas. Ao mesmo tempo, exemplificam uma tendência para que sejam percebidos aspectos dinâmicos que envolvem o processo de construção identitária, uma vez que enfocam a realidade subjetiva em posição dialética com o contexto social em que é produzida (Branco, 2011).

Por tratar-se de tema polissêmico, os principais enquadramentos temáticos estabelecidos entre identidade e a teoria das representações sociais vinculam-se a aspectos sócio-histórico-culturais, a perspectivas de gênero, a questões profissionais e a perfis identitários veiculados pela mídia.

No que se refere às pesquisas envolvendo aspectos sócio-histórico-culturais, 27 trabalhos (56,3%) concentraram suas discussões em questões que abrangiam as pertenças e as características de grupos humanos (etnias, regionalidades, nacionalidades), assunção de papéis e status social, ou ainda afiliações ideológicas de determinados sujeitos ou grupos humanos. Nesses estudos, argumenta-se no sentido de que esses aspectos modulam as relações sociais, propiciando o aparecimento de assimetria, comparação, estereotipificação e/ou estigmatização entre diferentes sujeitos em suas interações intra ou intergrupais (Deschamps & Moliner, 2009).

Confirmando essa vertente, o estudo de Mora e Guillén (2007) ressalta que a representação da identidade latino-americana é fortemente influenciada por recursos e mecanismos sociodiscursivos diretamente relacionados a esquemas ideológicos, propagados pelo sistema educativo do estado.

Para Soto (2005), as representações sociais implícitas nos discursos de jovens chilenos possibilitam revelar determinadas crenças que, como coconstituintes de significados, se articulam a questões de status, poder, solidariedade e identidade.

Ponte (2007), por sua vez, procurou elucidar, pela teoria das representações sociais, as bases da identidade da população de Mendoza, na Argentina, remetendo-se à perspectiva histórica dessa região geográfica para esquadrinhar as origens reais ou míticas dela.

Em sentido próximo, Rajchenberg e Héau-Lambert (2007) chamam a atenção pa-ra a necessidade de enquadrar a representação social do território, enquanto se alavanca a construção de uma identidade nacional. De acordo com esses autores, a redução do sentimento de pertença, em determinadas áreas do México, tem contribuído para a elaboração de processos de estigmatização simbólica entre membros da população mexicana.

Para Castillo e González (2009), a compreensão da conformação da representação social do índio mexicano e as implicações socioculturais que dela derivam constituem circunstâncias que não podem ser menosprezadas num momento em que se busca a revitalização dos movimentos indígenas orientados ao reconhecimento de sua identidade cultural, bem como a legitimação de sua autonomia político-administrativa e a autogestão da vida comunitária.

No Brasil, cabe destacar a articulação entre a teoria da identidade social (Tajfel, 1983) e a teoria das representações sociais em algumas produções. Nesse universo, a pesquisa elaborada por Barros e Lordelo (2005), sobre a identidade social de paulistas e nordestinos, demonstrou que as representações sociais construídas pelos indivíduos do ingroup e outgroup mobilizam comparações que revelam estereótipos e preconceitos, ratificando que esses grupos diferem essencialmente em suas autoavaliações, como também nas avaliações intergrupais.

Da mesma forma, as respectivas teorias permitiram a análise das relações intergrupais estabelecidas entre mulheres de comunidades ciganas e rurais, elucidando o conhecimento dos significados e das práticas que orientam a dinâmica conflituosa das relações entre endogrupo e exogrupo, mediadas pela diferenciação identitária (Bonomo et al., 2008).

Outro estudo oportuno para destacar as interfaces entre a teoria das representações sociais e identidade remonta à pesquisa elaborada por Lopes (2010). Nesse trabalho, é possível apreender que as representações construídas nas falas de moradores de um bairro da cidade de Londrina a respeito do espaço social, considerando a história e o progresso local, projetam, nos referidos agentes, uma identidade de pertença arraigada na gênese de todo o processo desenvolvimentista.

Embora se atenha a situações distintas, o que se observa é que a variedade de estudos põe em destaque uma polaridade entre representações sociais e identidade. Como sinalizado por Branco (2011), isso denota a ocorrência de uma justaposição entre o psicológico e o social, tendo como pano de fundo a compreensão de que os sujeitos se estruturam em virtude de um contexto social, cultural e histórico específico.

No que se refere às correlações profissionais, 9 produções (18,8%) evidenciaram que as interações sociais podem mobilizar a construção simultânea de representações tanto do objeto de trabalho quanto da identidade profissional de uma dada categoria (Borges & Silva, 2010).

Inserindo-se nessa linha de produções, Fisher, Oliveira, Teixeira, Teixeira e Amaral (2003, p. 973), buscando analisar as consequências do trabalho para as condições de vida, saúde e desenvolvimento psicossocial de adolescentes, concluíram que "as representações do trabalho entre os jovens revelam contradição entre o seu reconhecimento como valor moral positivo para o desenvolvimento psicossocial e a construção da identidade".

Explorando as identificações entre o ethos do trabalho e do bem-estar, Gomes (2006) se utilizou dos conceitos de identidade social e representações sociais para demonstrar que é por meio destes que os indivíduos constroem e demonstram as suas subjetividades, em consonância com seus modos de ser, os valores morais e as posições éticas assumidas.

Segundo Oliveira (2006, p. 60), as representações sociais contribuíram para decifrar a identidade profissional de enfermeiras, sendo esta compreendida como "um processo dinâmico que, atualmente, desloca seu eixo principal para a auto-identificação e intersubjetividade da ação humana, em função do bem-estar social, da liberdade de expressão e da preservação do equilíbrio ecológico".

Nos relatos de Borges e Silva (2010), que pesquisaram o núcleo central das representações sociais acerca dos conceitos de cuidar e tratar dos profissionais de enfermagem, conclui-se que as representações desses atores afetam a definição de seu campo de prática e, da mesma forma, a sua identidade profissional. Nesse sentido, Borges e Silva (2010, p. 823) apontam para o desafio de aliar o tratamento ofertado ao cliente ao processo de cuidar, ressaltando que "o lugar e as contribuições dos cuidados de enfermagem nas práticas de saúde são insubstituíveis".

Em Portugal, o trabalho de Mendes e Mantovani (2010), cujo objetivo era identificar as representações de enfermeiros acerca das dinâmicas atuais da enfermagem, marcos atuais de sua evolução e perspectivas futuras, indicou que a formação acadêmica e a Ordem dos Enfermeiros foram representadas como alavancas para a construção da identidade profissional. O referido estudo também comprovou que a identidade em questão é permeada por situações que abarcam autonomia, relações de poder, conflitos, esperanças e incertezas perante o mercado de trabalho.

Na pesquisa de Alves-Mazzotti (2007), a abordagem estrutural da teoria das representações sociais em torno da identidade profissional de professores da rede pública de ensino fundamental, da cidade do Rio de Janeiro, indicou que o núcleo central das representações dos participantes que lecionavam da primeira à quarta série era constituído apenas pelo elemento dedicação, ao passo que o das representações dos que lecionavam entre a quinta e oitava séries associavam-se aos termos dificuldade e luta.

Com base nessas produções científicas, verifica-se que, como atividade humana, o trabalho suscita a produção de representações que balizam e/ou comprometem a definição do campo de práticas e o estabelecimento de identidades profissionais inerentes às especificidades do saber e fazer. Essa configuração se estabelece por intermédio de um dinamismo que envolve identificação, intersubjetividade, liberdade e equilíbrio.

Por sua vez, os oito trabalhos (16,7%) que envolvem perspectivas de gênero refor-çam as interposições das representações sociais acerca de fenômenos que demarcam os universos feminino e/ou masculino, como sexualidade, gravidez, violência sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, os quais contribuem para fomentar a construção de identidades e subjetividades específicas de adolescentes e homens/mulheres adultos.

No estudo de Queiroz e Rangel (2008, p. 780), por exemplo, destacam-se as influências do nível socioeconômico-demográfico, em uma representação de boa parte das adolescentes sobre a gravidez, como "uma identidade natural do feminino".

De forma parecida, o delineamento psicossociológico proposto na pesquisa elaborada por Saraiva e Coutinho (2008), acerca do sofrimento psíquico no puerpério, comprovou, entre outros achados, que a maternidade é ancorada nas mudanças de identidade da mulher ao se tornar mãe, permitindo compreender um pouco mais sobre como a mãe puérpera deprimida se sente em relação a si e como pensa acerca dos eventos da vida cotidiana, da experiência materna e do ambiente social.

Trata-se, portanto, de trabalhos que consideram as relações de poder, a importância da experiência, da subjetividade e do saber concreto, e que superam as tensões epistemológicas de paradigmas dominantes de conhecimento veiculados até muito pouco tempo atrás. Em sentido prático, reforçam perspectivas relacionais, nas quais se infere não ser possível conhecer sem o estabelecimento de relações entre o tema, o objeto e o contexto em que se inserem (Arruda, 2002).

Finalizando a síntese dos estudos que correlacionam representações sociais e identidade, Alles (2008), Sudo, Sudo e Vasconcelos (2004) e Swain (2001) envidaram esforços no sentido de clarificar o entendimento de perfis identitários veiculados por meio de revistas e/ou jornais no Brasil. Nessas 3 produções (6,2%), ratificam-se o poder e as influências dos meios de comunicação como disseminadores de informações. Como referem Goetz, Camargo, Bertolo e Justo (2008), o conhecimento difundido pelos referidos veículos de comunicação mostra-se capaz de infiltrar, mobilizar e transformar o pensamento social, contribuindo para a formação de elementos e mecanismos sociodiscursivos potencialmente habilitados para estabelecer representações sociais constitutivas de configurações identitárias e corpóreas.

Considerando os dados apresentados, constata-se que a teoria das representações sociais contribui para a compreensão das identidades, expressões dos grupos e transformações que se processam no universo social. Percebe-se que a interação dialética expressa entre o indivíduo e a sociedade oportuniza a discussão e o entendimento das articulações sobre a teoria das representações sociais e identidade como formas de conhecimento que se originam e se legitimam a partir da experiência pela qual é produzido.

Diante desse panorama, ratificam-se os apontamentos evidenciados na literatura de que a problemática da identidade não pode prescindir da noção de representação (Deschamps & Moliner, 2009). Esse universo emerge sob as influências do pensamento e das modificações que o condicionam e impulsionam, sendo, portanto, dependente de uma relação contextual e uma produção veementemente social (Moscovici, 2003). Nesse sentido, reafirma-se a importância das relações humanas e de seus nexos com a construção da estrutura psíquica das diversas pessoas que se inter-relacionam em sociedade, como seres individualizados e, ao mesmo tempo, como parte de uma coletividade que reflete sobre o que vive, de modo permanente e contínuo.

A forma como a pessoa representa o outro e, simultaneamente, se representa nesse intercâmbio pode ser determinante para que se defina como essa mesma pessoa se posicionará (ou não) nos nichos em que se insere e no seu grupo de pertença. Assim sendo, a compreensão da imbricação entre a teoria das representações sociais e a identidade mostra-se oportuna, pois ratifica heuristicamente o valor dessa teoria como contribuinte para a elaboração de instrumentos conceituais para pensar criticamente e conhecer de maneira mais aprofundada a realidade e as relações sociais.

Por resgatar, reabilitar e articular saberes advindos do senso comum e do conhecimento científico, a imbricação entre a teoria das representações sociais e a identidade possibilita aproximações entre razão e subjetividade, demonstrando que a realida-de é socialmente construída e que o saber é uma construção dos sujeitos inerente à sua inscrição social (Arruda, 2002).

Por tratar-se de um tema contemporâneo, abrangente e complexo, percebe-se que, para que suas diferentes perspectivas possam ser adequadamente compreendidas e discutidas, sob a luz de diferentes enfoques e referenciais, o exame da construção da identidade admite e, ao mesmo tempo, evoca uma abordagem psicossocial. Nessa direção, as articulações estabelecidas entre a teoria das representações sociais e identidade se acentuam justamente porque permitem integrar os diversos indivíduos e a sociedade a partir da compreensão do universo simbólico que permeia suas relações intra e interpessoais.

Como construção que permite aos indivíduos expressar sua condição humana, esse caminho constitui uma via aberta para conceber sua forma de ser e estar no mundo (Alves & Francisco, 2009). Essa possibilidade pode fomentar a abertura de espaços para a reflexão e para a crítica em torno dos entraves que permeiam esse processo e, ao mesmo tempo, a abertura de espaços para uma escuta mais analítica e atenta de suas realidades, potencializando ações que promovam a transformação do pensamento, a desconstrução de preconceitos e a socialização.

O presente estudo possibilitou identificar que a teoria das representações so-ciais pode contribuir para o entendimento da construção de identidades diversas na sociedade.

O perfil das pesquisas evidencia que a construção da identidade mantém-se afinada à coexistência de representações sociais que ora a definem, ora são por ela instrumentalizadas, caracterizando uma relação de imbricação e reciprocidade com estimado poder para a instituição de práticas e modulação de relações entre os indivíduos.

O estudo desses processos é relevante para a compreensão das relações humanas ante o panorama atual, visto que oportuniza aos indivíduos a elaboração e manutenção de conhecimentos relativos a si próprios, aos grupos a que pertencem e com os quais se mantêm em relação num mundo em constante transformação.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rene Santos Spezani
Faculdade de Enfermagem
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Boulevard 28 de Setembro, 157, sala 816, Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ - Brasil. CEP: 20551-030
E-mail: renespezani@gmail.com

Submissão: 23.02.2012
Aceitação: 28.02.2013