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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.19 no.3 São Paulo dez. 2017

https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n3p139-148 

ARTIGOS
PSICOLOGIA SOCIAL

 

Participação social e subjetividade: vivências juvenis em uma comunidade vulnerável

 

Participación social y subjetividad: vivencias juveniles en una comunidad vulnerable

 

 

Danilo de Miranda AnhasI; Carlos Roberto de Castro e SilvaII

IUniversidade Federal de São Paulo, SP, Brasil
IIUniversidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetivou analisar a influência dos fatores psicossociais na construção e no fortalecimento de processos de participação social entre jovens moradores da Vila dos Pescadores, em Cubatão, SP, que frequentavam uma ONG e um grupo de capoeira na comunidade. Para a construção dos resultados, foram feitas observações participantes e entrevistas semiestruturadas, tendo os jovens e adultos que trabalhavam com o público dos espaços mencionados como os entrevistados. Os resultados foram analisados segundo a Hermenêutica de Profundidade e apontam não apenas as dificuldades dos jovens em viver em uma comunidade de alta vulnerabilidade, marcada pela exclusão, mas também as estratégias de enfrentamento dessas circunstâncias a partir da participação nos projetos de uma ONG e em um grupo de capoeira.

Palavras-chave: participação social; comunidade; afetividade; juventude; subjetividade.


RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo analizar la influencia de los factores psicosociales en la construcción y fortalecimiento de procesos de participación social entre jóvenes habitantes de la Vila dos Pescadores, en Cubatão, SP, que frecuentaban una ONG y un grupo de capoeira en la comunidad. Para la construcción de los resultados, fueran hechas observaciones participantes y entrevistas semiestructuradas, siendo los jóvenes y adultos que trabajan con el público de los espacios mencionados, los entrevistados. Los resultados fueron analizados según la Hermenéutica de Profundidad ya puntúan no sólo a las dificultades de los jóvenes en vivieren en una comunidad de alta vulnerabilidad, marcada por la exclusión, pero también estrategias de enfrentamiento de esas circunstancias a partir de la participación en los proyectos de una ONG y del grupo de capoeira.

Palabras-claves: participación social; comunidad; afectividad; juventud; subjetividad.


 

 

Introdução

A participação social é um conceito caro para a democracia e está associada a questões históricas, culturais, econômicas, entre outras, portanto, está fundamentalmente associada a questões objetivas e subjetivas (Sawaia, 2001). O desafio de tratar essa temática é justamente não dissociar indivíduo de sociedade, pois a participação social ocorre por meio de relações intersubjetivas que, no contexto atual, estão fortemente marcadas por processos de exclusão social e desigualdades construídos historicamente no país (Carvalho, 2016).

Este artigo visa tratar o tema da participação social do ponto de vista da Psicologia Sócio-Histórica, abarcando, assim, suas dimensões subjetivas e objetivas. Essa vertente arrisca-se a compreender as relações entre indivíduo e sociedade de modo a romper a determinação de psicologismos e sociologismos (Martin-Baró, 2017). Essa vertente da Psicologia enxerga o homem como produto e produtor do seu contexto, uma vez que os indivíduos existem em relação, ou seja: ao transformar o meio com sua atividade, o homem transforma a si próprio (Lane, 2004).

A participação social, construída no cotidiano e nas relações que os indivíduos estabelecem entre si e com o contexto no qual estão inseridos, é considerada uma possibilidade de impulso às transformações sociais e à consolidação da democracia (Bordenave, 1994). Assim, é importante compreender aspectos dessa construção, sobretudo em contextos marcados pela exclusão social.

Sawaia (2001), baseando-se no filósofo Espinosa, debruça-se sobre o tema da participação, designando-a como potência de ação. Nessa visão, o sujeito, constituído a partir das relações estabelecidas nas intersubjetividades, quando afetado por paixões alegres, tende a ter sua potência de agir aumentada; quando atingido e movido por paixões tristes, a potência tende a diminuir. O sujeito, com sua potência de ação aumentada e conhecedor dos afetos que a aumentam ou diminuem, torna-se causa de si, ou seja, torna-se livre.

Dallari (2001) lembra que o ser humano é associativo, atua em grupos (na coletividade); não apenas vive, mas convive. Remete ao conceito de politikon zoon, de Aristóteles, que diz que o homem é um animal da pólis - da cidade -, ou seja, um ser da relação. Destaca-se que é na convivência com outros sujeitos que os membros de uma sociedade ou de determinado grupo podem lutar para transformar suas reivindicações em realidade. Essa postulação implica afirmar que o processo de participação social está relacionado a diversos fatores sociais, culturais, econômicos, éticos, subjetivos etc. Ou seja, está relacionado, ao mesmo tempo, a questões contextuais e (inter)subjetivas (Dallari, 2001). Gohn (2008) apresenta a participação como tipo de vivência que imprime sentido e significado às experiências dos sujeitos, que, quando se apropriam da própria história e cultura, se tornam autônomos.

Castro (2009), ao estudar a participação de jovens, afirma que a qualidade da participação dos jovens está relacionada às vivências do indivíduo em determinado contexto, como se reconhece nele e em que medida se sente responsável por ele. No caso de jovens, a autora salienta, ainda, a dificuldade de superar uma visão que considera esses atores sociais como pré-políticos - ou pré-cidadãos -, devendo-se superar a ideia de que essa etapa da vida seria mera preparação para o exercício futuro da participação. O que estudos sobre participação parecem indicar, conforme lembra Alencar (2010), é uma tentativa de compreender processos psicossociais e estratégias de transformação da sociedade e possibilidades de consolidação da democracia criadas pelos indivíduos.

Ayres (2005) observa que o conceito de vulnerabilidade propicia uma aproximação interessante de questões individuais e sociais no âmbito da saúde, permitindo estudar as respostas encontradas pelas pessoas na superação da própria vulnerabilidade ao levar em consideração aspectos intersubjetivos, institucionais e políticos. Assim, contextos marcados pela desigualdade e exclusão sociais delineiam situações de vulnerabilidade que podem enfraquecer processos de construção da participação social. Em um país como o Brasil, com um passado e um presente de notórias injustiças sociais, e onde o neoliberalismo (Carvalho, 2016) e seus valores, como o individualismo e a competitividade, encontraram terreno fértil, é preciso tentar compreender como algumas vivências ensejam ou impedem a participação social.

Desse modo, o objetivo deste artigo é discutir aspectos da construção da participação social de jovens moradores da Vila dos Pescadores (VP), em Cubatão, SP. Este artigo apresenta um recorte da pesquisa de mestrado intitulada Participação Social e Subjetividade: as vivências de jovens moradores da Vila dos Pescadores em Cubatão/SP, cujo objetivo era compreender a influência dos fatores psicossociais na construção da participação social desses mesmos indivíduos.

 

Método

Este artigo é uma pesquisa exploratória e descritiva de abordagem qualitativa (Minayo, Desalandes, Cruz Neto, & Gomes, 1994). A pesquisa teve o parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unifesp da Plataforma Brasil, em 29 de novembro de 2013, com o número 473.514. O estudo foi realizado na Vila dos Pescadores, localizada no município de Cubatão, SP. Entrevistas semiestruturadas e observação participante em uma Organização Não Governamental (ONG) e em um grupo de capoeira no ano de 2014, entre os meses de janeiro e maio, foram os instrumentos para a construção dos resultados.

Na ONG, foram entrevistados dois adolescentes (J2 e J3) e duas profissionais (A2 e A3), uma delas (A3) era a psicóloga da instituição. No grupo de capoeira, foram entrevistados um aluno (J1) e o professor de capoeira (A1). Todos os entrevistados eram moradores da comunidade, com exceção da psicóloga. O presidente da Associação de Moradores e Líder Comunitário (A4) também foi entrevistado. As entrevistas semiestruturadas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra, e tinham como objetivo aprofundar certos aspectos das histórias de vida dos participantes do estudo, assim como compreender suas vivências na comunidade.

A partir de cada observação foi produzido um diário de campo, totalizando 19 ao final do estudo. Os resultados foram analisados segundo a Hermenêutica de Profundidade (HP) proposta por Thompson (2011). A HP é composta por três patamares de análise, os quais contemplam o que o autor chama de Análise Sócio-Histórica, que abarca a compreensão e a investigação do contexto no qual se insere o objeto de estudo. O outro chama-se Análise Formal, que propõe a investigação e a compreensão do discurso dos indivíduos e suas formas simbólicas, apreendendo seus sentidos e significados. O último patamar se chama Interpretação/Reinterpretação, no qual são produzidas novas interpretações de modo crítico e embasadas na teoria.

 

Discussão e resultados

A Vila dos Pescadores foi construída sobre uma região de várzea. É uma das mais populosas comunidades do município de Cubatão. Sua história começa em 1960, quando a cidade passou por intensos fluxos de migração devido à industrialização, atraindo trabalhadores, principalmente do Nordeste. Na época, grupos de pescadores se instalaram na região para a exploração do Rio Casqueiro, fazendo da pesca artesanal seu meio de subsistência (Novo Milênio, 2014).

Dados do censo de 2006 mostram que quase 40% da população vivia com menos de um salário mínimo. Os dados extraídos do site Novo Milênio (2014) (consultado devido à falta de documentos e dados oficiais da cidade) mostram que, em 2006, moravam na comunidade 10.502 pessoas e que 19% das residências possuía rede de esgoto. O site aponta que 58% dos adultos não havia concluído o ensino fundamental e 5,3% não foi alfabetizado. Na comunidade, 17,8% dos adultos completou o ensino médio. Muitos migraram do Nordeste e outros estados do Sudeste, como Minas Gerais, e apenas 21% é de São Paulo. Como o bairro foi construído às margens do Rio Casqueiro, em região de várzea, 44% das moradias é palafita.

Na VP, no que concerne à convivência e aos processos de exclusão referidos neste artigo, pode-se pensar na própria localização geográfica do bairro. Localizado sobre o mangue e às margens da Rodovia Anchieta, é polarizado e dividido em dois bairros de classes sociais distintas, e à frente está o Jardim Casqueiro, um bairro de classe média. Essa parece ser a objetivação de uma divisão social entre aqueles que têm e aqueles que têm pouco ou quase nada. Ser morador da VP é se deparar cotidianamente com essa realidade.

As vivências na comunidade e as condições objetivas do bairro delineiam, para os sujeitos entrevistados, certo desgosto pelo lugar, uma depreciação. Em linhas gerais, os jovens não gostam de morar no bairro, uma vez que não se identificam e não se sentem responsáveis por ele. A falta de lazer e de opções culturais, a violência e a criminalidade, as drogas, a infraestrutura e a ausência de saneamento básico, e a própria localização do bairro, que é afastado do centro da cidade, parecem fazer minar e agredir o sentimento psicológico de comunidade (SPC).

Amaro (2007), baseando-se nos estudos de McMillan e Chavis, define o sentimento psicológico de comunidade como se sentir pertencente a uma coletividade em que os indivíduos preocupam-se uns com os outros e com o próprio grupo e onde há um compartilhar de uma crença de que todas as necessidades poderão e serão satisfeitas se todos continuarem juntos. Destacamos alguns trechos pertinentes das entrevistas realizadas, como quando uma jovem fala sobre como se sente morando na comunidade: "É porque, tipo assim, quanto tu me pergunta quais são as coisas boas, são tão minúsculas que é como uma parede, tu passa e não percebe, porque teu foco vai mais nas coisas ruins" (Trecho da entrevista com J3, 16 anos, aluna da ONG). A desestima pela VP parece diminuir a potência de ação desses sujeitos (Sawaia, 2001), repercutindo em diferentes formas de participação social. A comparação que a adolescente faz das coisas boas do bairro com uma parede indica a dificuldade na percepção de aspectos positivos do bairro e da circulação destes no cotidiano das pessoas. Uma parede não se move, fica apenas no mesmo lugar, dura, não circula.

A falta de lazer e de projetos na comunidade destinados aos jovens fez com que o líder comunitário (A4) os considerasse como abandonados. Esse abandono parece refletir um sentimento de humilhação social (Gonçalves Filho, 1998), constituindo, como será visto a seguir, um terreno fértil para o tráfico de drogas. Segundo o autor: "A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a partir do enigma da desigualdade de classes. Angústia que os pobres conhecem bem e que, entre eles, inscreve-se no núcleo de sua submissão" (Gonçalves Filho, 1998, s/p).

A visão de outra comunidade, o vizinho Casqueiro, por exemplo, como um local com inegáveis melhores condições de vida e infraestrutura parece exacerbar o sentimento de humilhação social (Gonçalves Filho, 1998) e a sensação de impotência de que nada pode ser feito para melhorar as condições de vida na comunidade. Além disso, o tráfico de drogas configura outros afetos, como o medo e a sensação de insegurança. Destaca-se a fala da psicóloga da ONG, que disse já ter perdido adolescentes para o tráfico:

Como já perdemos alguns adolescentes para o tráfico, porque a gente tenta oferecer alguma coisa aqui, mas aí a gente sabe que o tráfico, a violência lá fora, né... Você trabalha um dia e vai ganhar. Aqui você fica a tarde toda e não vai ganhar nada. Eles acham, né? (Trecho da entrevista com A3, psicóloga da ONG).

O trabalho dos profissionais da ONG é sempre de combate ao tráfico e contra as forças locais que atuam no sentido de dirimir a participação social dos jovens. Entretanto, esse combate é feito pela negação, cindindo sujeito e sociedade ou, no caso específico da instituição, os jovens do seu local de moradia, dado que a localização da ONG é o Jardim Casqueiro, justamente com o intuito de afastar os jovens das coisas da comunidade que "os levam para trás".

Há de se considerar o envolvimento com o tráfico de drogas não como uma derrota, indicada pelo uso do verbo "perder" pelos trabalhadores da ONG e também do grupo de capoeira. Faria e Barros (2011) apontam o tráfico como uma opção entre escolhas escassas. Embora em sociedades meritocratas, como a brasileira (em que predominam valores individualistas), as escolhas sejam atribuídas aos indivíduos, é preciso cautela e contextualização.

Na comunidade, os jovens se deparam com uma escolha binária entre o que chamam de caminho do bem e caminho do mal. O caminho do bem refere-se, em suas concepções, à busca da inclusão na sociedade por meio do trabalho formal e/ou legal, dos estudos, da capacitação etc. Mesmo no momento em que fazem a escolha pelo caminho do bem, têm de lidar com o estigma de viver em uma comunidade considerada violenta. O caminho do mal é representado pelo envolvimento com a criminalidade.

O contexto da VP, marcado pela exclusão e desigualdade sociais, delineia o que Sawaia (2011) tem chamado de sofrimento ético-político. Esse conceito busca romper a dicotomia entre indivíduo e sociedade, politizando o sofrimento na medida em que o considera como configurado em relações sociais desiguais e injustas. O caso de A2 (monitora da ONG), que perdeu o irmão assassinado por membros do tráfico de drogas, exemplifica esse sofrimento. Muito emocionada em sua entrevista, fez questão de continuar seu relato para que mais pessoas soubessem de sua história. A ONG aparece para ela como uma possibilidade de salvaguardar-se da violência na comunidade, uma das formas possíveis de enfrentamento dessas condições de vida e de ajuda aos jovens - a partir de sua experiência -, a superar o sofrimento de viver em um local de cotidianas humilhações e constrangimento de direitos.

As experiências vivenciadas nessas condições de existência ensejam formas de participação social a partir da inserção dos participantes desse estudo nos projetos da ONG e do grupo de capoeira. Cabe lembrar que ONG e Grupo de Capoeira foram iniciativas de pessoas da própria comunidade nos anos 1980. Constituem-se como espaços de socialização e refúgio nos quais os indivíduos participantes podem se relacionar com outros atores sociais que vivem nas mesmas condições, como relata o fragmento: "É, então, quando a gente vem para cá, como a nossa vida é difícil, porque todo mundo aqui mora na Vila, aqui é mais como um refúgio" (Trecho da entrevista com J3, 16 anos, aluna da ONG).

Com relação ao motivo de praticar capoeira, J1 (21 anos) associou-o diretamente a uma forma de ficar afastado da violência, tráfico, drogas, sendo ainda uma maneira de incentivar seus irmãos mais novos, que também estavam presentes, a seguir o mesmo caminho. (Diário de Campo, 26.02.2014).

Diante de contextos adversos, os indivíduos começam a buscar e criar estratégias de enfrentamento dessas situações. Como mencionado, a ONG e o grupo são espaços de aprendizagem e troca de vivências, havendo, entretanto, a necessidade de maior articulação desses grupos com outras instituições, como acontece na unidade de saúde. São iniciativas isoladas tanto de outros grupos quando da comunidade.

Há um desafio constante de considerar as condições do bairro, sobretudo da criminalidade, não como produtos da maldade humana, engendrando situações diante das quais os indivíduos só reagem, mas não agem potentemente. A própria capoeira, que foi uma estratégia de luta e resistência nos tempos da escravização, não pode ser apenas um momento de lazer. A ONG e o grupo de capoeira, iniciativas potentes na comunidade, precisam se articular no sentido de produzir relações politizadas e não cindidas desse contexto, uma vez que as duas instituições representam espaços de refúgio. A participação nos projetos parece tornar possível, em alguns momentos, a publicização, a problematização e o compartilhamento de vivências e experiências, que, em alguns casos, podem ser semelhantes, reforçando a empatia e a solidariedade.

J3 (16 anos, aluna da ONG), então, novamente se manifestou, dizendo que não ganhará nada em seu aniversário, em julho. Referiu-se a seu aniversário como uma data triste, lembrando-se do incêndio ocorrido na VP, no ano anterior, no dia do seu aniversário. (Diário de Campo, 16.04.2014).

O problema do lixo, por exemplo, poderia ser uma questão importante para todos na comunidade, pois é uma situação que afeta a coletividade. Um dos jovens entrevistados relatou o problema do lixo e como se considera uma pessoa sem atitude para tentar resolver essa situação por meio de um mutirão de adolescentes, o que demonstra a potência de padecimento referida por Sawaia (2011):

Eu já pensei, mas eu não tenho muita atitude. [...] Assim, e também, mas isso daí não saiu da minha cabeça. Eu pensei em falar, mas não saiu. Tá, tá, mas, para pôr em prática, é meio difícil. Acho que os meus amigos mesmo não iam querer. (Trecho da entrevista com J1, 21 anos, aluno do Grupo de Capoeira).

Engajar-se na execução do mutirão é, ou deveria ser, um compromisso construído na convivência entre as pessoas que vivem o mesmo problema. Trata-se de um jovem que pensou em uma possível solução e acabou esbarrando em várias questões, como a sensação da própria impotência e o suposto desinteresse de outras pessoas.

Observa-se que parece estar se perdendo de vista que a transformação social se faz em meio a lutas. O imediatismo e o foco nos resultados, típicos de um mundo globalizado, tecnológico e capitalista, parecem, aos poucos, minar o sentido de luta constante por transformações sociais.

Apesar de o Grupo de Capoeira e da ONG se constituírem como potentes espaços de socialização e problematização da realidade em que vivem os jovens, tais instituições têm trabalhado no sentido de cindir sujeito e contexto, prejudicando a politização de suas vivências. Essa postura acaba causando um isolamento, tal como as pessoas se isolam em suas residências na comunidade por medo da criminalidade, sendo os espaços públicos do bairro tomados pelo tráfico e pela polícia.

O tráfico parece propiciar um tipo de inclusão perversa ou marginal, segundo Faria e Barros (2014), atuando como um poder simultâneo que o poder público não tem alcançado. O tráfico torna-se uma possibilidade de ascensão financeira e econômica e de aquisição de status, vislumbrando nos jovens uma possibilidade de inseri-los na sociedade do consumo (Castro, 1998).

Tal como lembra Carvalho (2016, p. 228): "Se o direito de comprar um telefone celular, um tênis, um relógio da moda consegue silenciar ou prevenir entre os excluídos a militância política, o tradicional direito político, as perspectivas de avanço democrático se veem diminuídas". Parecem ser formas de sair do anonimato e da invisibilidade social. Assim, os indivíduos buscam alternativas para aparecer para a sociedade, culminando em alguns tipos de participação, seja na ONG, seja na capoeira. Essas parecem ser alternativas para o enfrentamento da angústia de ser invisível, excluído.

 

Considerações finais

Estudar a participação social e entendê-la como processo dinâmico, configurado por relações sociais e fatores subjetivos e objetivos, exige um esforço metodológico de superação da dicotomia indivíduo-sociedade. Este estudo se propôs a árdua tarefa de não recair nas armadilhas dos psicologismos e sociologismos que reduzem a realidade a determinados aspectos, naturalizando-a.

Ademais, ao destacar a participação social a partir as vivências subjetivas dos jovens, ampliam-se as possibilidades de compreender o fenômeno para além de suas manifestações consagradas e, de certo modo, cristalizadas, como o engajamento em partidos políticos, sindicatos etc. As vivências dos jovens participantes do estudo ensejam diferentes tipos de participação social nas quais a ONG e o grupo de capoeira aparecem como locais de refúgio, mas também de enfrentamento da exclusão e da desigualdade, propiciando a circulação de afetos e a promoção de bons encontros.

Considerou-se, durante o percurso da pesquisa, que, para conhecer e compreender os aspectos psicossociais da construção da participação social desses jovens, era preciso possuir vivências dentro da própria comunidade. Dessa forma, compreendê-la em profundidade significou implicar-se com o objeto de estudo escolhido e o cuidado ético de não se misturar com ele; além de ouvir os participantes do estudo e o resgate de suas vivências.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Danilo de Miranda Anhas
Rua Sete de Setembro, 223 - Vila Nova
Cubatão/SP. CEP: 11520-020
E-mail: danilo-anhas@hotmail.com

Submissão: 28.5.2017
Aceite: 22.8.2017

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