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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.16 no.2 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Psicologia e tecnologia: a atuação do psicólogo nas organizações1

 

Psychology and technology: the psychologist practice in organizations

 

 

Denise Alves GuimarãesI, 2; Odair SassII, 3

IUniversidade Federal de São João Del Rei (Divinópolis, MG)
IIPontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, SP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Psicologia aplicada ao trabalho tem sido alvo de diversas críticas. Isso advém do fato de suas práticas estarem voltadas principalmente à manutenção da sociedade atual e do sistema produtivo, o que faz que ela se configure como um instrumento de controle social e dominação dos indivíduos. Com o objetivo de analisar as contradições dessas práticas, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa empírica, realizada com 106 psicólogos, acerca da relação entre Psicologia aplicada ao trabalho e ideologia da racionalidade tecnológica, mediante as respostas dos sujeitos a um Questionário de Dados Pessoais e Profissionais e um Escala de Atitudes. Os resultados permitem ao menos duas constatações importantes. Primeiramente, constatou-se que os profissionais parecem se encontrar em uma espécie de aprisionamento devido à impotência do pensamento e da ação para ir além da atual configuração de sua realidade. Por outro lado, a pesquisa aponta também a possibilidade de resistência aos elementos que promovem a fixidez do atual conjunto de relações sociais.

Palavras-chave: Tecnologia, Psicologia organizacional, Teoria crítica.


ABSTRACT

Psychology applied to work has been the subject of diverse criticism, as it is presented as it is focused, mainly, on the maintenance of current society and the productive system, becoming, therefore, an instrument of social control and domination of individuals. In order to analyze the contradictions of these practices, this paper presents the results of an empirical study, conducted with 106 psychologists, about the relationship between Psychology applied to work and the ideology of technological rationality, according to the subjects' responses to a Questionnaire of Personal and Professional Data and an Attitudes Scale. The results allow, at least, two important observations. First, it was observed that the professionals seem to be in a sort of imprisonment due to the impotence of thought and action, for going beyond the reality the way it is currently organized. On the other hand, the research also points out to the possibility of resistance to the elements that promote the fixity of the current set of social relations.

Keywords: Technology, Organizational psychology, Critical theory.


 

 

Introdução

O tema central da pesquisa que serve como base para este artigo foi a atuação de psicólogos em organizações. Em nossa análise, utilizamos conceitos pertinentes ao processo do esclarecimento – tal como é investigado pela teoria crítica da sociedade –, em especial a racionalidade tecnológica e a ideologia que lhe dá sustentação. Procura-se mostrar que a técnica, a ciência e a tecnologia não são neutras; ao contrário, elas se articulam e representam uma expressão do período histórico em que predomina a indústria como modo de produção – cuja lógica expande-se para a organização da sociedade, da cultura e da formação dos indivíduos.

A pesquisa teve como objetivo geral verificar a existência de relações entre a atuação de psicólogos nas organizações e a ideologia da racionalidade tecnológica. Em um plano mais específico, buscou: a) caracterizar a atuação profissional na área de Psicologia organizacional e do trabalho; b) verificar o grau de concordância dos psicólogos com as exigências do sistema produtivo em relação ao controle dos trabalhadores nas atividades de recrutamento e seleção, qualificação profissional, acompanhamento de pessoal e avaliação de desempenho; c) identificar a posição dos psicólogos frente ao trabalho nesta sociedade em que predominam as exigências e a lógica da indústria.

Foram consideradas as discussões sobre a história da Psicologia aplicada ao trabalho no Brasil, bem como as críticas apresentadas em pesquisas contemporâneas que tratam da atuação de psicólogos nas organizações, enfatizando-se a função ideológica assumida por esse ramo da psicologia.

A hipótese central da pesquisa afirma que a atuação do psicólogo nas organizações está significativamente associada à ideologia da racionalidade tecnológica. Tal afirmação encontra seu fundamento no fato de que a Psicologia aplicada ao trabalho apresenta-se, prioritariamente, como tecnologia que, na sociedade industrial, conforme concluem diversos estudos, desde o século XIX, se volta para a reprodução do sistema produtivo capitalista e à manutenção do controle social e dominação do trabalhador, exercidos por intermédio da dinâmica psíquica. As hipóteses derivadas são: a) a atuação dos psicólogos é caracterizada predominantemente pelos compromissos que estes estabelecem com a manutenção e a reprodução dos interesses da sociedade administrada; b) os psicólogos tendem a concordar com as exigências do sistema produtivo em relação ao controle dos trabalhadores; c) os psicólogos aderem aos padrões que caracterizam a sociedade administrada em relação ao significado do trabalho, aos critérios de competência e aos critérios de adequação do comportamento dos trabalhadores.

Em contrapartida à formulação negativa das hipóteses acima, este estudo procura evidenciar que a atuação do psicólogo, contraditoriamente, tanto se apresenta como conhecimentos científicos e práticas que visam beneficiar o desenvolvimento humano, quanto se apresenta como conhecimentos científicos e práticas que se voltam ao incremento da produtividade e conformação do trabalhador às exigências do sistema produtivo. Entendida como tecnologia voltada ao aumento de produtividade, a Psicologia aplicada ao trabalho estabelece compromissos com o sistema produtivo por meio da implementação de mecanismos de controle e dominação da conduta, os quais, por sua vez, exigem, de cada um e de todos os trabalhadores, a consecução de ações que visam à adaptação e subordinação do pensamento, da consciência, da linguagem, dos comportamentos e dos padrões de relacionamentos entre indivíduos e grupos de trabalho, de sorte a garantir a lógica da produção e do incremento da produtividade.

Os compromissos com o sistema produtivo estão subjacentes a valores, atitudes e padrões de conduta que devem ser assumidos pelos trabalhadores caso queiram manter-se no emprego. Tais requisitos se relacionam à apologia ao trabalho; ao incentivo à competitividade; à participação do trabalhador no alcance das metas e objetivos organizacionais; ao comprometimento e à responsabilidade do trabalhador com a empresa; ao modelo de profissionalismo que se confunde com agressividade, indiferença e frieza em relação às pessoas e às coisas, a par da coesão em torno de valores de união e cooperação dos trabalhadores para o cumprimento da missão organizacional.

No entanto, observa-se que essas exigências não são acompanhadas por melhorias das condições de trabalho. O controle e a dominação dos indivíduos e grupos expressam-se, de um lado, pela supressão de discordâncias, oposições e conflitos que apontam para as contradições da relação capital versus trabalho, e, de outro, pelo esforço empreendido para a manutenção da irracionalidade presente na sociedade contemporânea. Combinados, controle e dominação convertem a submissão do homem ao trabalho no destino dos indivíduos no capitalismo tardio.

Não se pretende afirmar que as atividades desempenhadas pelos psicólogos nas organizações sejam as únicas referências que definem seu vínculo com a ideologia da racionalidade tecnológica. Antes disso, o que determina esse vínculo são as formas pelas quais as atividades são conduzidas e as bases ideológicas que as estruturam; a esfera psicológica é mais propriamente uma manifestação subjetiva determinada pela objetividade daquelas formas. Consideram-se como indicadores da prática profissional com a racionalidade tecnológica: a) o recrutamento e a seleção – que, pautados pelo princípio do adjustement, procuram a "pessoa certa para o lugar certo" ao mesmo tempo que mostram dar pouca importância a situações concretas advindas da organização do trabalho e a seus possíveis efeitos sobre o sofrimento psíquico; b) a qualificação para o trabalho, que geralmente considera a formação do homem como equivalente à formação para o trabalho e, por isso, privilegia as formas de pensamento, de linguagem e comunicação, de comportamento individual e social que sejam desejáveis, adequadas e relevantes para o sistema produtivo; c) o acompanhamento de pessoal, que privilegia registros funcionais que se dispõem e são indispensáveis para a administração das pessoas e grupos no ambiente de trabalho a fim de minimizar, controlar, administrar ou negar os conflitos existentes nas relações de trabalho, com vistas à manutenção ou ao aumento dos índices de produtividade; d) a avaliação de desempenho, que atribui valor positivo à máxima concordância de indivíduos e grupos às metas de produtividade definidas pelo sistema produtivo. Ao mesmo tempo, atribui-se valor negativo a toda forma de discordância, conflito e desadaptação em relação às exigências da produção e da hierarquia.

 

Psicologia e ideologia da racionalidade tecnológica

A racionalidade tecnológica e a ideologia que lhe dá sustentação foram amplamente discutidas pelos autores da teoria crítica. Elas expressam um conjunto de transformações sociais que caracterizam a sociedade contemporânea, decorrentes da expansão da tecnologia para as esferas da produção material e da cultura.

Nessa perspectiva teórica, a sociedade contemporânea caracteriza-se como uma sociedade administrada, e, como tal, expressa a ideia de totalitarismo de uma sociedade que se estrutura com base na padronização de pensamentos, comportamentos, de formas de se expressar e de se relacionar com o outro, bem como na reiteração sistemática de que a realidade tal como se apresenta é fixa, imutável e passível apenas de aperfeiçoamentos. Certamente, essa estrutura está baseada em instituições compatíveis com o sistema vigente, que garantem as mediações necessárias para sua reprodução.

Para Marcuse (1967), a sociedade capitalista é propriamente uma sociedade industrial, cuja principal característica é reduzir o pensamento bidimensional – que possibilita ao sujeito distinguir entre o que é real e efetivo daquilo que é ideia e imaginação – ao pensamento unidimensional. Este impõe à consciência, à ação e à linguagem a aceitação e a subordinação do indivíduo. Exige-se que cada um admita a realidade existente como a única possível e que não pode ser modificada. Esse imperativo implica, para o sujeito, a paralisia da crítica, a obliteração do pensamento reflexivo e da consciência crítica, cujo efeito mais evidente pode ser atestado, sob a atual forma de apresentação da vida e da existência, pela incessante e ininterrupta luta do homem pela sobrevivência. É incontestável que a "sociedade da abundância", segundo a nomenclatura da sociologia e da economia, alcançou tal grau de produção da riqueza material e cultural que permitiria eliminar a fome e a miséria, material e espiritual, em todo o planeta. No entanto, contraditoriamente, assistimos, a par do aumento da riqueza e das potencialidades humanas obtidas pela ciência e pela tecnologia, ao incremento acelerado da miséria e à irradiação planetária da irracionalidade. Nem o mais pueril dos homens acredita mais na promessa "vamos deixar o bolo crescer para depois dividi-lo".

A racionalidade imanente à sociedade industrial é discutida por Marcuse (1999). Esse autor dedica-se a examinar a técnica e a tecnologia moderna como produtoras de novas formas de controle social. A tecnologia apresenta-se prioritariamente como uma forma de totalitarismo. Diferentemente do que por vezes alegam os críticos mais apressados, não se pode afirmar que a teoria crítica é retrógrada porque defende a volta ao passado, abrindo mão da tecnologia. O problema histórico apontado pela teoria é que, desde os primórdios da sociedade capitalista, a tecnologia desenvolvida para supostamente reduzir o tempo de labuta do homem resultou até o presente no contrário.

A tecnologia, seu desenvolvimento, bem como suas repercussões para os indivíduos e para a sociedade, só podem ser pensados a partir da compreensão de que toda produção de conhecimento e modos de vida é indissociável do caráter social e histórico de realização das formas de existência humana. Assim, no modo de produção capitalista, a tecnologia condiciona e é condicionada pela lógica da acumulação de riqueza, do lucro, da exploração e da dominação.

Em contrapartida, sendo um processo social no qual a técnica (aparato técnico da indústria, dos transportes e da comunicação) é um fator parcial, a tecnologia "por si só pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento quanto a abolição do trabalho árduo" (Marcuse, 1999, p. 74). Os indivíduos também são parte integral e fator da tecnologia, não só como inventores ou operadores das máquinas, mas como grupos sociais que direcionam sua aplicação e utilização. Rigorosamente, a tecnologia institui novos padrões de individualidade. Como processo social, ela é ao mesmo tempo: modo de produção; totalidade dos instrumentos, dispositivos e inovações que caracterizam a era da máquina; instrumento de controle e dominação; forma de organizar, perpetuar ou modificar as relações sociais; e manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes (Marcuse, 1999).

Ao longo do processo histórico moderno, o desenvolvimento tecnológico e sua disseminação pela sociedade implicou uma nova racionalidade e novos padrões de individualidade. Antes, os padrões e valores vinculados aos indivíduos relacionavam-se à liberdade do pensamento e ao desenvolvimento das faculdades e habilidades do homem guiado e controlado pelo pensamento autônomo. Com o predomínio da sociedade industrial, o princípio do individualismo põe o indivíduo contra a sociedade, submetendo-o à lógica da produção e do consumo em massa, destituindo-o da pouca autonomia de que era dotado e empurrando-o para o isolamento. Desses novos padrões de racionalidade e individualidade que impulsionam os indivíduos ao isolamento e à adoção de pensamentos e comportamentos padronizados voltados à manutenção do aparato técnico-social, pode-se depreender que a realidade objetiva enfrentada pelo indivíduo o faz perder progressivamente suas capacidades de crítica, reflexão e resistência à atual forma de existência, conformando-o à luta pela sobrevivência.

A história da humanidade é também um empreendimento em busca de conhecimentos que possam libertar o homem das forças que ele não domina, mas, contraditoriamente, os conhecimentos que possibilitam a libertação do homem convertem-se em formas de seu aprisionamento, culminando em uma ciência positiva que expressa o poder de dominação de uns sobre os outros e da natureza extra-humana. A sociedade, guiada pelos interesses econômicos privados de acumulação desenfreada de riqueza, promoveu o esclarecimento desprovido da autorreflexão e, por isso, regrediu à ideologia, ou seja, à justificação do controle social e da dominação dos homens pelo trabalho diante da ameaça à autoconservação. Ainda prevalece o princípio de que cada um deve dar sua cota de sacrifício agora para usufruir depois. A sociedade guiada pela ideologia da racionalidade tecnológica e pela ciência positiva como expressão de seu tempo volta-se à perpetuação dos interesses do capital. Para isso, promove insistentemente a padronização de pensamentos, comportamentos, formas de se expressar e de se relacionar; a manutenção da fixidez da realidade; a crença no sacrifício e a transformação de processos sociais em elementos da natureza. Linguagem, pensamento e ação regridem como expressão de concordância com a realidade atual e perdem seu potencial de oposição. O progresso técnico e científico deixa de ser um instrumento capaz de promover o bem-estar e o desenvolvimento humano livre; ao mesmo tempo, tanto a ciência quanto a técnica atestam sua utilidade e importância para a manutenção dos interesses econômicos privados. A ciência útil à acumulação do capital exerce função tecnológica à medida que nega as contradições e antagonismos dos elementos que compõem a realidade, perpetuando a ordem social calcada na divisão social do trabalho alienado e na dominação como forma de organização da vida.

A função atenuadora das contradições sociais exercida pela ciência moderna também é abordada por Adorno (1994). Ele conclui que vivemos um enfraquecimento da capacidade teórica sob a sociedade administrada. Tal enfraquecimento se relaciona tanto ao fato de que a doutrina econômica desfruta de um quase monopólio acadêmico como também ao fato de que a atual estrutura social impede a formulação de uma teoria coerente sobre si mesma que permita pensar em outras formas de existência.

Quanto ao progresso, Adorno (1995) propõe que não se pode restringi-lo às técnicas, tampouco vale insistir na convicção de que o avanço técnico por si só sustentaria a certeza do progresso das habilidades e conhecimentos como sinônimo de desenvolvimento da humanidade. Ao contrário, a atual sociedade apresenta-se plena de tendências regressivas reais e o incontestável progresso de habilidades e conhecimentos está divorciado de um progresso que promova a autonomia dos indivíduos e da humanidade.

O caráter regressivo do progresso se expressa pela exigência de conformação da vida à razão esclarecida que lhe dá sustentação. Como consequência disso, quanto maior o controle e a conformidade gerados pela crença no atual modelo de progresso, menores são as possibilidades de liberdade dos homens, que acabam afastados de si mesmos e da natureza. Na atual sociedade, na qual o progresso é ideologia, regridem, portanto, a consciência dos indivíduos, suas possibilidades de resistir ao que lhes é imposto, suas possibilidades de reconciliação consigo mesmos e com a natureza e suas possibilidades de emancipação. Entretanto, considerando o caráter dialético do progresso, nele estão presentes tanto os elementos regressivos da sociedade quanto as possibilidades de resistência e de geração da humanidade.

A racionalidade tecnológica representa o imperativo categórico da adaptação ao aparato e às formas padronizadas de existência; imperativo assumido também pela Psicologia aplicada ao trabalho, em seu intento de classificar os homens segundo seu desempenho e sua produtividade, de acordo com a lógica da produção, e de formá-los para o trabalho, exercendo sobre eles o controle e a adaptação exigidos pelo capital. Da perspectiva da teoria crítica, as possibilidades de transcender o existente implicam a necessidade de conhecer as condições históricas e sociais que promovem a regressão de todo conhecimento humano – incluindo aquele acumulado pela Psicologia – em conhecimento útil à manutenção do aparato e que aprisionam o pensamento e a ação humana às formas de vida e existência padronizadas pelos interesses econômicos.

 

Apresentação e discussão dos resultados

A pesquisa de campo foi realizada com 106 psicólogos que atuam na área de Psicologia organizacional e do trabalho, em Belo Horizonte, Contagem e Betim, utilizando um questionário de dados pessoais e profissionais e uma escala de atitudes – nomeada de "Psicologia do Trabalho e Tecnologia", elaborada especialmente para esta pesquisa e composta por quatro subescalas, a saber: Ideologia da Racionalidade Tecnológica (RT), Atuação de Psicólogos (AP), Controle de Trabalhadores (CT) e Concepção de Trabalho e de Trabalhador (T).

Caracterização dos sujeitos

Em relação ao sexo, a amostra é constituída por 92 mulheres e quatorze homens, o que equivale a 87% e 13%, respectivamente – proporção relativa ao trabalho do psicólogo no Brasil observada ao longo dos anos pelo Conselho Federal de Psicologia – CFP (1988, 1992, 2000) –, e, recentemente, por Bastos e Gondim (2010), nas principais áreas de atuação desse profissional.

Segundo a faixa etária, os sujeitos concentram-se entre 26 e 30 anos de idade (39%), seguida pela faixa dos 31 a 40 ano (26%). A média de idade é de 36 anos, o que reafirma a predominância de profissionais jovens, pois 73% têm até 40 anos. Isso confirma os dados informados pelo CFP (2000) e por Bastos e Gondim (2010).

Quanto ao município em que trabalham, a maioria dos psicólogos da amostra – 96, ou 90% dos profissionais – atua em Belo Horizonte, seguidos de 6 (ou 6%) que atuam em Contagem e 4 (ou 4%) em Betim.

No tópico referente ao tipo de instituições em que trabalham, predominaram as empresas de prestação de serviços, públicas e privadas, com 74 sujeitos ou 70%, seguidas das empresas comerciais, com 17 profissionais (16%), das empresas industriais, com dez sujeitos (9%), e das empresas financeiras com cinco sujeitos (5%).

Segundo a natureza jurídica das organizações, a atuação concentra-se significativamente em organizações privadas (90 – ou 85% – dos 106 psicólogos), enquanto dezesseis (ou 15%) vinculam-se às organizações públicas, tendência já observada também por Bastos (1990) e por Bastos e Gondim (2010). Esses autores apontam o setor privado como o maior empregador de psicólogos em empresas industriais, comerciais e de serviços, ou seja, psicólogos que atuam na área de Psicologia aplicada ao trabalho.

Considerando o tempo de conclusão da graduação em Psicologia, os sujeitos podem ser distribuídos em dois grupos distintos: 1) inclui 50 psicólogos (ou 47%) formados há até seis anos; 2) inclui 56 (ou 53%) dos profissionais formados há mais de seis anos. Ressalte-se que isoladamente os profissionais formados há mais de quinze anos aparecem em primeiro lugar (30 dos 106 psicólogos, ou 28% da amostra).

Já relativamente ao tempo de atuação na área de Psicologia organizacional e do trabalho, são distinguidos três grupos: 1) 19 sujeitos (ou 18%) com até dois anos de atuação; 2) 22 sujeitos (ou pouco mais de 20%) que atuam há mais de dois anos e menos de cinco anos; e 3) 65 sujeitos (ou 61%) que atuam há cinco anos ou mais.

A jornada de trabalho, por sua vez, pode ser considerada intensa. Quarenta sujeitos (ou 38%) declaram cumprir 40 horas semanais, enquanto 36 (ou 34%) informam cumprir jornada superior a 40 horas, em tendência similar àquela observada por Bastos e Gomide (1989).

Em relação ao tipo de vínculo empregatício, destaca-se, em primeiro lugar, o grupo de 57 sujeitos, ou 54%, que declaram ter contrato de trabalho por tempo indeterminado, resultado que reafirma a tendência constatada em pesquisas anteriores (CFP, 1988; Bastos & Gondim, 2010). Em segundo lugar, aparece o grupo de 30 sujeitos (28%) que trabalham sob a forma de consultoria. Note-se que a predominância de trabalhos por tempo indeterminado em relação ao trabalho de consultoria inverte a tendência registrada pela pesquisa do CFP (2000), quando 59,1% de profissionais declararam a condição de profissionais liberais e 37,3% de assalariados.

Da amostra total, 11 sujeitos assinalaram a opção "funcionário público – vínculo estatutário"; cinco sujeitos assinalaram a opção "tempo determinado"; dois, a opção "proprietário/sócio"; e apenas um sujeito assinalou a opção "outros", sem especificar o tipo de vínculo. Mencione-se que, dos dezesseis psicólogos que declararam atuar em organizações públicas, onze são funcionários públicos em regime estatutário e cinco identificaram seu vínculo empregatício como consultoria.

Quanto à área em que o psicólogo está formalmente vinculado à organização, 78 sujeitos (74%) declararam a área de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas, exatamente aquelas que tradicionalmente mais absorvem o trabalho dos psicólogos, conforme aponta a literatura consultada. Registre-se que sete sujeitos vinculam-se à presidência ou à diretoria, cinco à área de ensino e pesquisa, três à administração e dois ao planejamento. Além disso, dos onze sujeitos (10%) que marcaram a opção "outros", seis especificaram vínculos com as atividades de saúde do trabalhador ou saúde mental e trabalho.

Quase a metade dos sujeitos da amostra (cinquenta sujeitos, ou 47%) ocupa cargo técnico de nível superior na área de recursos humanos ou gestão de pessoas. Seguem-se vinte psicólogos, ou 19%, que ocupam o cargo de consultor. Apenas quatro sujeitos, cerca de 4%, ocupam cargo de psicólogo, o que parece evidenciar a pouca importância dada à especificidade da Psicologia. Mais do que vinculado a um cargo específico de sua profissão, o psicólogo permanece vinculado a um cargo genérico, que se reporta a distintas áreas de conhecimento e práticas profissionais sem se ligar a nenhuma delas de forma específica.

Em relação à formação complementar, solicitou-se aos sujeitos que indicassem, dentre as opções apresentadas, quais cursos julgam indispensáveis à área. Os sujeitos foram orientados a assinalar quantas opções considerassem necessárias para contemplar tais cursos. Os três cursos mais assinalados pelos sujeitos referem-se respectivamente às atividades de Treinamento e Desenvolvimento (55 sujeitos, ou 52%), à área de Psicologia Organizacional e do Trabalho (54 sujeitos, ou 51%) e à atuação em RH ou Gestão de Pessoas (53 sujeitos, ou 50%). Assinale-se ainda a predominância de cursos de curta duração, mencionados 445 vezes, seguidos de especialização (360 horas), mencionados 161 vezes, e do mestrado, mencionado 47 vezes. Destes, os mestrados acadêmicos foram mencionados 24 vezes e os profissionalizantes foram mencionados 23 vezes. O doutorado em Psicologia social e do trabalho é mencionado uma vez, para indicar a qualificação de um psicólogo que atua como docente do ensino superior. Todos os sujeitos mencionaram ter concluído mais de um curso de formação complementar para atuar na área, diferentemente dos dados obtidos pelo CFP (2000), que informa haver cerca de 47% dos entrevistados sem nenhum curso de atualização ou pós-graduação. Por outro lado, o resultado se aproxima da constatação de Bastos e Gondim (2010), que indicam que à época 60,3% dos psicólogos tinham alguma forma de pós-graduação lato ou stricto sensu e 80% possuía cursos de curta duração concluídos ou em andamento.

Considerando-se as atividades desempenhadas pelos psicólogos nas organizações, os sujeitos também foram orientados a assinalar, em um rol de opções, aquelas que melhor expressam as atividades que realizam. Destacam-se como atividades principais o recrutamento e a seleção, que, agrupadas, atingem 76%, e as atividades de qualificação profissional, com 71%, tendência observada desde a pesquisa do CFP (1988). Note-se que, das atividades realizadas pelos psicólogos nas organizações, aquelas ligadas às condições de trabalho e saúde do trabalhador foram mencionadas por metade dos sujeitos e as atividades vinculadas ao desenvolvimento de programas de qualidade de vida no trabalho foram mencionadas por 44 psicólogos.

Bastos (1990) havia descrito o trabalho da área de psicologia organizacional como aquele desempenhado prioritariamente em empresas privadas, em tempo integral e voltado às atividades de seleção, recrutamento e treinamento, tendência que se mantém, de acordo com os resultados desta pesquisa – corroborados por Bastos e Gondim (2010).

Relações entre Psicologia, trabalho e tecnologia: os resultados da escalas geral e das subescalas

A escala, composta por quatro subescalas, foi validada por meio da fidedignidade dos itens com cada subescala e da análise da consistência interna das subescalas entre si, antes que ela fosse respondida pela amostra de 106 psicólogos.

As relações quantitativas das variáveis, analisadas com base na correlação de postos de Spearman (Levin, 1987; Siegel & Castellan Jr., 2006), apresentaram qualidade satisfatória – tanto em relação ao seu conteúdo, conclusão sustentada pelas correlações obtidas entre o resultado de cada item e o total da escala, quanto em relação às correlações positivas entre as subescalas, tomadas duas a duas, para o nível de significância α=0,01. Assim, pode-se concluir que há correlações positivas e significantes (H1: rs > 0) entre as subescalas Ideologia da Racionalidade Tecnológica, Atuação de Psicólogo, Controle de Trabalhadores e Concepção de Trabalho e de Trabalhador. Isso significa que, quanto maior o escore da subescala de ideologia da racionalidade tecnológica – indicado pelas características de uma atuação profissional voltada à manutenção e ao desenvolvimento dos interesses da sociedade administrada –, maior é o grau de concordância dos psicólogos com as exigências do sistema produtivo, o controle das atividades de seleção e qualificação para o trabalho, bem como com o acompanhamento de desempenho de pessoal. Significa também maior adesão do psicólogo aos estereótipos que caracterizam a posição da sociedade administrada em relação ao significado do trabalho, bem como aos critérios de competência e adequação do comportamento dos trabalhadores.

A consistência interna entre os itens de cada subescala e da escala geral foi aferida pelo coeficiente Alpha de Cronbach (Cooper & Schindler, 2003). Considerando-se que as subescalas são interdependentes e articuladas – pois, como já se disse, os temas tratados são interdependentes e avaliam em conjunto a maneira como os psicólogos que atuam nas organizações se posicionam frente à ideologia da racionalidade tecnológica –, calculou-se o Alpha de Cronbach da escala geral, com base na amostra de 106 sujeitos, obtendo-se o valor de 0,88, indicativo de uma consistência interna satisfatória.

As respostas dos psicólogos à escala geral apresentaram um equilíbrio entre concordâncias e discordâncias em relação às afirmativas preparadas para verificar uma possível associação entre a atuação de psicólogos nas organizações e a ideologia da racionalidade tecnológica, conforme o objetivo geral da pesquisa. Tal equilíbrio relaciona-se às alterações de percepção da realidade provocadas pela racionalidade imanente à tecnologia. Conforme Crochík (1999), as principais características da ideologia da racionalidade tecnológica provocam a falta de percepção das contradições e antagonismos presentes na sociedade e imobilizam o pensamento em relação a essa mesma realidade, o que dificulta o estabelecimento de resistência aos modelos estabelecidos para o pensamento, a ação, a linguagem, os comportamentos e os relacionamentos.

A análise das subescalas apontou que os psicólogos manifestam ao mesmo tempo discordâncias e concordâncias em relação às assertivas cujos conteúdos explicitam características da ideologia da racionalidade tecnológica, o que evidencia a dificuldade de perceber a realidade e estabelecer resistência aos padrões de comportamento e pensamento difundidos. Em contrapartida, as discordâncias expressas pelos sujeitos sugerem também as possibilidades de resistência em relação à realidade atual guiada pela racionalidade técnica.

A Tabela 1 resume a composição e as medidas estatísticas de tendência central e de dispersão das escalas. É importante esclarecer que a escala elaborada é do tipo Likert, com quatro pontos: 1 e 2 indicam concordância e 3 e 4 discordância relativamente ao conteúdo de cada item (Guimarães, 2010). A média em torno de 2 é índice de equilíbrio; valores inferiores a 2 representam concordância e superiores significam discordância (em um item ou em um conjunto deles).

Observa-se que a média da escala geral é de 2,6 e o desvio padrão é igual a 1 ponto, o que aponta uma tendência à discordância dos sujeitos, na escala geral. A subescala Concepção de Trabalho e de Trabalhador, com média 2,8, evidencia que os profissionais discordam dos estereótipos atribuídos ao trabalho e ao trabalhador. Há uma tendência similar de discordância parcial dos sujeitos em relação aos itens que representam adesão aos princípios da ideologia da racionalidade tecnológica, cuja subescala correspondente obteve média 2,7. Ainda que mais suave, a discordância também é verificada quanto ao controle das atividades dos trabalhadores, com média 2,5. As discordâncias são visivelmente atenuadas na escala que trata da atuação do psicólogo, cuja média, 2,1, aproxima-se do ponto de equilíbrio, o que parece denotar seus compromissos com a manutenção e reprodução dos interesses da sociedade administrada.

Tomados em conjunto, os resultados sugerem que há uma resistência que provavelmente está associada à consciência dos profissionais acerca das condições do trabalho e do trabalhador. Por outro lado, revelam as dificuldades de percepção das contradições da realidade atual e da inserção ambígua da psicologia junto à esfera da produção. Mais importante ainda é o fato de que a percepção das contradições da realidade e a discordância em relação aos padrões que caracterizam a sociedade administrada em relação ao significado do trabalho, aos critérios de competência e aos critérios de adequação para o comportamento dos trabalhadores não são suficientes para transformar a atuação profissional dos psicólogos nas organizações.

A fim de destacar os principais resultados específicos da pesquisa, são apresentados os resultados das subescalas e das hipóteses vinculadas. A análise pormenorizada, incluindo os testes estatísticos, encontra-se em Guimarães (2010).

Das doze assertivas da subescala de ideologia da racionalidade tecnológica (RT), sete receberam a discordância dos psicólogos acerca da adesão à ideologia da racionalidade tecnológica; três obtiveram um equilíbrio entre concordâncias e discordâncias e duas receberam a concordância. Na análise estatística da subescala e de conteúdo dos itens não foi comprovada a hipótese de que "os psicólogos atuantes em organizações tendem a aderir à ideologia da racionalidade tecnológica", pois os psicólogos manifestam mais frequentemente (sete discordâncias) uma resistência aos estímulos que caracterizam a ideologia da racionalidade tecnológica apresentados nas afirmativas. No entanto, manifestam também certa ambiguidade, sugerida pelas respostas neutras e concordantes com os itens da escala.

A resistência, indicada pelas discordâncias, incide sobre a adequação do sistema capitalista, tendência inata do ser humano para a competição e a ideia de que, em algumas ocasiões, os fins justificam os meios. Os participantes da pesquisa percebem que o avanço científico e tecnológico não tornou o trabalhador mais livre; que o capitalismo não contém maior possibilidade de liberdade para os indivíduos; que, sob o capitalismo, o homem não é dono de seu próprio destino, nem depende principalmente dele o sucesso na vida.

A ambiguidade relacionada à adesão ou resistência à ideologia da racionalidade tecnológica é constatada pela associação das respostas aos itens. Assim, uma parcela concorda que "o problema do trabalhador brasileiro é a sua falta de qualificação" (média 2,7), e considera que "a responsabilidade pela qualificação do trabalhador é dele próprio" (média 2,0). Outra parcela diverge, respondendo que a "atuação profissional nas organizações acaba por promover uma separação entre teoria e prática" (média 2,8), mas concorda que "a sociedade capitalista exige ações mais rápidas e práticas do psicólogo, o que acaba por distanciá-lo das teorias" (média 2,3). Note-se ainda o equilíbrio de respostas discordantes e concordantes (média 2,5) em um item que atribui à Universidade a culpa pelos "maiores problemas da atuação dos psicólogos nas organizações".

Quanto à subescala de atuação do psicólogo (AP), constata-se que, de suas seis assertivas, quatro recebem concordância, parcial ou plena, nos itens que sugerem haver uma associação entre atuação profissional e os compromissos dos psicólogos com a manutenção e a reprodução dos interesses da sociedade administrada; uma indica equilíbrio entre concordância e discordância e uma assertiva é assinalada frequentemente com discordância. A partir da análise estatística das respostas à escala e da análise de conteúdo dos itens, conclui-se que a hipótese: "a atuação dos psicólogos é caracterizada prioritariamente pelos compromissos que estabelece com a manutenção e reprodução dos interesses do capital" é aceita. O índice de concordância dos sujeitos nessa subescala tem significância estatística relativamente aos itens afirmativos de que tal atuação está voltada predominantemente à manutenção da realidade atual.

Embora os profissionais discordem de que "o psicólogo deve motivar os indivíduos para o trabalho, mesmo que as condições de trabalho não sejam as mais adequadas" (média 3,3), concordam que as atividades voltadas para a saúde do trabalhador são estratégias para combater os eventos que trazem prejuízos à produtividade e às organizações (média 1,7). Por isso, tanto os acidentes de trabalho quanto as faltas dos trabalhadores não são associados pelos psicólogos à saúde dos indivíduos, mas à produtividade. Ainda que as atividades vinculadas à saúde do trabalhador desenvolvidas por psicólogos nas organizações brasileiras sejam até hoje incipientes, como apontou Zanelli (1994), ou a área esteja se constituindo, conforme anotam Sampaio (1998) e Zanelli (2002), é certo que a relação da Psicologia com a saúde no trabalho e do trabalhador e com a produtividade é encontrada há muito tempo, como argumenta Walther (1953). Para esse autor, a ligação da Psicologia com a saúde do trabalhador é um elemento importante de incremento da produtividade – tema também destacado por Silva (1992) e Motta (2004).

Concordar que o psicólogo é um profissional que "busca promover a conciliação entre objetivos individuais e organizacionais" (média 1,6) é admitir a possibilidade de convergência entre objetivos individuais e objetivos organizacionais e, em decorrência disso, tomar para si a tarefa de conciliação entre capital e trabalho como parte de sua atuação profissional. Aliás, a pretensão de promover a conciliação dos objetivos do patrão e do empregado também não é recente. No Brasil, está tardiamente formalizada na obra de Walther (1953). Além disso, a concordância com a afirmativa de que "a atuação dos psicólogos está prioritariamente voltada para a busca de melhoria das condições e relações de trabalho" (média 1,9) sugere as dificuldades dos profissionais para perceber suas próprias limitações em promover tais melhorias, uma vez que, como trabalhadores, também se encontram submetidos às mesmas condições de exploração do trabalho. Tais condições podem ser inferidas dos dados pessoais e profissionais registrados no questionário. Esses dados apontam que a maioria de psicólogos participantes da pesquisa possui vínculos empregatícios permanentes, atuam em jornada de trabalho de 40 horas ou mais e ocupam principalmente cargos técnicos, mais frequentemente ligados às áreas de recursos humanos ou de gestão de pessoas, conforme discutido anteriormente. Em contrapartida, aparecem em número reduzido profissionais vinculados à área de planejamento (2,0% da amostra), à presidência ou diretoria das organizações (7,0%), áreas que proporcionam, em princípio, maiores possibilidades de promover mudanças sobre as condições e relações de trabalho, justamente pela inserção não estritamente técnica ou psicológica que elas exigem.

A função social da Psicologia nas organizações é tratada de modo variado pela literatura consultada; vale destacar a posição que, a exemplo de Zanelli (1994), considera o psicólogo nas organizações como agente de mudança, sem, no entanto, discutir suas condições de trabalho e as condições concretas para conduzir tal empreitada. Nesse sentido, é possível supor que a pretensão de promover a melhoria das condições e relações de trabalho, se distanciada das condições concretas que promoveriam a mudança na realidade, apresenta-se como um voluntarismo abstrato, índice de falsa consciência, e, portanto, como ideologia (Horkheimer & Adorno, 1973).

A concordância em administrar e resolver os conflitos entre pessoas e grupos nas organizações com o objetivo de evitar prejuízos ao processo de trabalho, é um importante aspecto da atuação do psicólogo, na medida em que incorpora os conflitos como elementos a serem administrados e manipulados para manter os objetivos do capital. A administração e a resolução de conflitos entre pessoas e grupos, foco da atuação do psicólogo nas organizações, estão diretamente relacionadas à ênfase na busca de soluções para problemas. Essa é uma das principais características da racionalidade tecnológica – encontradas por Crochík (1999) – assumidas pela Psicologia que se dispõe a trabalhar em favor do incremento do capital, conforme discutido por Motta (2004). A mesma Psicologia que trabalha para a manipulação da subjetividade, como denomina Heloani (2005), e tem uma função ideológica, na medida em que se volta para o controle social, encobrindo as contradições entre indivíduo e sociedade, tal como discute Sass (2011).

Quanto ao controle dos trabalhadores (subescala CT), a média de 2,5 evidencia um equilíbrio entre concordância e discordância, com tendência moderada para a divergência. Os resultados mostram que, do total de doze itens, houve concordância majoritária a favor do controle dos trabalhadores em seis deles. Em outros quatro, predominou a discordância – parcial ou plena – e dois indicam equilíbrio entre concordância e discordância. Com base na análise estatística da subescala e de conteúdo dos itens que a compõem, a hipótese nula de que "os psicólogos tendem a discordar das exigências do sistema produtivo em relação ao controle dos trabalhadores" não é rejeitada quando confrontada com a hipótese alternativa de que "os psicólogos tendem a concordar com as exigências do sistema produtivo em relação ao controle dos trabalhadores". Contudo, ainda que estatisticamente os resultados não sejam suficientes para afirmar a primazia do controle dos trabalhadores pelos psicólogos, o que por si só já é notável, do ponto de vista qualitativo é preciso discutir as tendências manifestadas.

A convergência das respostas dos psicólogos para o ponto médio da subescala expressa as ambiguidades de nossa maneira de perceber, analisar e avaliar a realidade atual. Assim, a par de discordarem de que: a) "a qualificação de trabalhadores faz apologia ao trabalho, aos interesses do sistema produtivo; estimula a competitividade e a luta pela sobrevivência"; b) "a Psicologia lança mão do aspecto relacional e afetivo como argumento para promover a motivação dos trabalhadores"; c) "os problemas nos processos de recrutamento e seleção estão ligados aos candidatos", eles concordam que: a) "a qualificação profissional deve promover o comprometimento dos trabalhadores com o trabalho, com os chefes e com o desenvolvimento organizacional"; b) "a avaliação de desempenho busca promover o alcance de padrões considerados ideais para o sistema produtivo"; c) "os problemas de avaliação de desempenho estão relacionados à falta de maturidade de trabalhadores"; d) "os testes psicológicos aplicados em seleções para o trabalho são instrumentos que evidenciam características do candidato" e "ajudam a prever seus comportamentos e desempenhos futuros"; e) "a avaliação dos trabalhadores ao longo de sua vida laboral é importante para identificar possíveis patologias e comportamentos desviantes que necessitam de correção e direcionamento para a execução do trabalho".

A subescala Concepção de Trabalho e de Trabalhador (T), com média 2,8, indica a tendência discordante. Os resultados mostram que, do total de nove assertivas, cinco indicam discordância dos psicólogos em relação aos padrões que definem o significado do trabalho, os critérios de competência e de adequação para o comportamento dos trabalhadores na sociedade administrada. Das demais assertivas, duas indicam equilíbrio entre concordância e discordância e duas indicam concordância.

A análise estatística e a análise do conteúdo dos itens permitem concluir a não aceitação desta hipótese: "os psicólogos atuantes em organizações tendem a aderir aos padrões que caracterizam a sociedade administrada em relação ao significado do trabalho, aos critérios de competência e de adequação para o comportamento dos trabalhadores". No entanto, há divergências nas respostas, concordantes e discordantes, relativas aos itens que descrevem os estereótipos de trabalho e de trabalhador da sociedade guiada pela ideologia da racionalidade tecnológica.

Por um lado, manifestam discordância em relação aos itens que afirmam a não adesão dos psicólogos aos estereótipos que definem os critérios de competência e adequação de comportamentos dos trabalhadores expressos na subescala pelas seguintes frases: a) "o trabalho realizado com sacrifício e esforço é o mais gratificante"; b) "na sociedade atual já não há mais a exploração do trabalhador"; c) "os bons trabalhadores não participam de movimentos grevistas, pois isso só prejudica a carreira"; d) "o trabalhador comprometido com o trabalho e com a empresa está disposto a exceder sua jornada diária de trabalho para atender às necessidades da organização"; e) "a obediência e a humildade são as melhores atitudes do trabalhador". Por outro lado, evidenciam a contradição de seus posicionamentos quando concordam com os dois itens que assinalam a disposição favorável à centralidade do trabalho para a vida do indivíduo: a) "o trabalho é a melhor forma de o indivíduo contribuir para a sociedade"; b) "o trabalho possibilita aos indivíduos amplas possibilidades de realização pessoal". Apesar do alto índice de discordância em relação à afirmativa de que "na sociedade atual já não há mais a exploração do trabalhador" (média 3,8), o aspecto contraditório dos posicionamentos assumidos pelos psicólogos mostra-se, por exemplo, também na tendência à neutralidade em face das sentenças: "o trabalhador que possui os melhores desempenhos é aquele que está preparado para lutar, competir com os colegas e se superar" (média 2,6) bem como "o trabalhador que tem maturidade é aquele que sabe separar problemas pessoais e problemas do trabalho para que sua vida pessoal não afete seu desempenho e sua produtividade" (média 2,4).

Se os valores obtidos não são suficientes para confirmar a hipótese apresentada, bastam para ressaltar a situação ambivalente experimentada pelos sujeitos na atual forma de organização da sociedade. Mesmo avaliando que na sociedade atual permanece a situação de exploração do trabalhador, ainda é válido o argumento que sustenta a importância fundamental do trabalho para a vida dos indivíduos. Nesse sentido, estão presentes tanto os elementos de crítica à realidade atual quanto a adesão à ideologia da racionalidade tecnológica que impulsiona o pensamento para a afirmação do existente.

 

Considerações finais

Partindo do princípio de que o conjunto de atividades desempenhadas por psicólogos nas organizações não é suficiente para definir os compromissos desses profissionais com o sistema produtivo, buscou-se analisar o conjunto de atividades desenvolvidas pelos profissionais sob dois aspectos: 1) o tipo e a frequência de realização das atividades; 2) as bases ideológicas que sustentam a prática profissional. Por esse motivo, além de investigar as atividades desenvolvidas pelos profissionais, utilizando para isso o Questionário de dados pessoais e profissionais, formulou-se um rol de sentenças afirmativas, apresentadas sob a forma de uma escala de atitudes do tipo Likert. Esse processo buscou contemplar os objetivos da investigação e compor uma amostra representativa do que se faz em Psicologia nas organizações, a fim de mostrar e discutir a aproximação da prática profissional com a ideologia da racionalidade tecnológica.

A partir das pesquisas e discussões desenvolvidas por profissionais da área e pelos conselhos profissionais, ressalta-se o conjunto de atividades agrupadas como funções realizadas pelos psicólogos nas organizações. Tais listagens e levantamentos expressam uma preocupação maior com os aspectos quantitativos da atuação profissional, associando-se o aumento de atividades arroladas com a expansão e o crescimento da área. Além disso, procuram demonstrar a utilidade da Psicologia para responder às demandas crescentes das organizações e do sistema produtivo.

Com base nessas pesquisas e discussões, ainda não se pode visualizar claramente um interesse pela análise qualitativa das atividades realizadas pelos profissionais. Na medida em que se fizer presente, tal análise deve refletir criticamente sobre o que representa um conjunto vasto de atividades diferentes e, por vezes, contraditórias, que apontam distintos posicionamentos assumidos pelos profissionais frente às exigências do sistema produtivo. Certamente essas reflexões e críticas poderão auxiliar na avaliação objetiva acerca das circunstâncias e das maneiras sob as quais se apresenta a atuação de psicólogos nas organizações. Se essa atuação se apresenta como conjunto de conhecimentos científicos e práticas que podem beneficiar o desenvolvimento humano, ou, ao contrário, se ela se mostra como um conjunto de conhecimentos científicos e práticas a serviço do incremento da produtividade.

A frequência com que se mencionaram as atividades vinculadas às condições de trabalho, à saúde do trabalhador e ao desenvolvimento de programas de qualidade de vida no trabalho certamente representa uma mudança em relação às pesquisas anteriores. No entanto, considera-se igualmente importante a realização de investigações que contribuam para elucidar de que maneira tais atividades vêm se estruturando: como estratégias de incorporação dos elementos saúde e qualidade de vida ao sistema de administração e controle da produtividade ou como atividades que buscam o desenvolvimento humano?

Como a Psicologia aplicada ao trabalho faz parte do conjunto de elementos que compõe a atual forma de organização da sociedade, sua relação com a ideologia da racionalidade tecnológica se tanto expressa pela adesão dos psicólogos aos valores e padrões que esta impõe quanto pelas discordâncias desses profissionais em relação a tais valores e padrões. Portanto, permanecem as possibilidades potenciais de resistência, reflexão e crítica. A dificuldade com que eles se defrontam para analisar e avaliar criticamente o conjunto de relações sociais foi evidenciada pelo equilíbrio entre concordância e discordância nas questões relacionadas às exigências do sistema produtivo no que se refere ao controle exercido sobre os trabalhadores.

É importante ressaltar que o imperativo de adaptação ao aparato técnico-social reduz as possibilidades de desenvolvimento livre e autônomo do pensamento, da linguagem e da ação dos indivíduos. A ideologia da racionalidade tecnológica tanto promove a ampla difusão dos padrões que mantém o aparato quanto faz a formação do homem regredir à formação para o trabalho, valendo-se inclusive da identificação do dominado com os interesses do dominador. O psicólogo que atua em organizações, em sua condição de trabalhador e consumidor, também sofre a pressão para se adaptar ao aparato, para colocar sua formação a serviço da manutenção e da reprodução do capital. Mais uma vez, os resultados da subescala Atuação dos Psicólogos permitem afirmar que há uma adaptação dos psicólogos aos ditames do aparato, tanto no que diz respeito à sua manutenção e reprodução quanto à identificação destes com os interesses do capital, aspectos que apontam para uma formação profissional reduzida à formação para o trabalho.

É importante indicar as possibilidades de sequência de estudos a respeito do tema da pesquisa. É necessária uma revisão do instrumento de pesquisa aqui sumariamente apresentado; é imperativo avançar os estudos sobre a saúde do trabalhador e as contribuições da ciência para refletir e se contrapor ao aumento irracional da produtividade, à dominação do homem sobre si mesmo e sobre outros homens, à perda da liberdade e da autonomia dos indivíduos. A esse respeito, Horkheimer afirma que a saúde seria a ausência do exercício da violência sobre o indivíduo. Reafirma-se assim a importância da inserção da Psicologia nas organizações e de suas contribuições possíveis para atenuar a violência exercida sobre os indivíduos que nelas trabalham. Para que isso aconteça, é preciso que os psicólogos se disponham a se questionar sobre o tipo de relação que tem sido estabelecida e fomentada entre saúde e trabalho: a saúde do trabalhador é um fim em si mesmo ou um instrumento para a manutenção dos interesses do mundo administrado? Analisar criteriosamente a maneira como os psicólogos respondem a essas questões é também o que cria possibilidades de resistência aos imperativos da forma de organização social contemporânea, principalmente em relação ao princípio de desempenhos úteis ao sistema produtivo.

Por fim, pondera-se que, se há interesse efetivo em cuidar da Psicologia como ciência e profissão, tornam-se imprescindíveis a coragem e a disposição para se abrir para a autocrítica. Concordando com Martín-Baró (1997), a Psicologia e os psicólogos não devem se esquivar da empreitada de refletir criticamente sobre o papel que desempenham na sociedade. Tal reflexão certamente o ajudará a compreender as consequências históricas concretas que sua atividade produz.

 

Referências

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Endereço para correspondência
guiclara@bol.com.br, odairsass@yahoo.com.br

Recebido em: 28/02/2013
Revisado em: 17/06/2013
Aprovado em:18/06/2013

 

 

1 Trabalho baseado na Tese de Doutorado intitulada Psicologia aplicada ao trabalho e ideologia da racionalidade tecnológica: um estudo sobre a atuação do psicólogo nas organizações, defendida no ano de 2010, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A pesquisa completa, incluindo os instrumentos aplicados à coleta de dados, encontra-se disponível em: http://www.sapientia.pucsp.br. Este projeto recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
2 Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste Dona Lindu, Divinópolis, MG. Professora do Curso de Medicina.
3 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade.