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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.31 Rio de Janeiro out. 2015

 

RESENHAS

 

Lacan lecteur de Joyce

 

Lacan, a Joyce's reader

 

 

Marc Strauss*

Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - EPFCL
Analista Membro da Escola - AME
Collège de Clinique Psychanalytique de Paris

Endereço para correspondência

 

 

O elo perdido?1

Inicialmente, gostaria de agradecer a Colette Soler a proposta para fazer aqui a apresentação de seu livro recém-lançado, Lacan lecteur de Joyce [Lacan leitor de Joyce], publicado pelas Presses Universitaires de France (PUF). Não vou referir aqui o percurso meticuloso que ela desenvolve nesse livro, nem me debruçar sobre uma ou outra formulação, seja ela esclarecedora ou enigmática. Vou apresentá-lo a vocês e dizer, então, aquilo que, a meu ver, parece-me importante, e até mesmo essencial. E como Colette Soler está presente, perguntar-lhe-ei na sequência o que ela pensa de alguns pontos que dele deduzo.

Ao ler Lacan lecteur de Joyce, uma questão se apresentou para mim, a mesma que tinha em seus livros anteriores, questão essa que não deixa de ter seu lado avesso de inquietação. Formulo-a assim: "Mas para onde é que ela está nos levando...?". É certo que Colette Soler apresenta-se resolutamente como uma leitora de Lacan, mas segui-la leva a consequências inesperadas, para não dizer incômodas. Se seus livros se contentassem em nos esclarecer aquilo que mais ou menos já sabíamos, eles não levantariam problemas, e certamente seriam mais bem acolhidos. As reações de meus colegas na ocasião das publicações de seus livros anteriores mostraram que eu não era o único a reagir assim. Mais uma vez, esse é um livro que nos convida a questionar nossas referências analíticas adquiridas e, portanto, nos desafia a ousarmos nos dizermos lacanianos.

Tomemos como exemplo o inconsciente. Todos nós sabíamos que ele era simbólico, e eis que nos foi necessário consentir vê-lo como real, pois, relendo Lacan, isso se sustentava.

Em seguida, os afetos. Eles eram imaginários e inconsistentes, e ei-los, por causa dela, quase mais reais do que a própria linguagem. Mas, aí ainda, por que não, já que isso ainda se sustenta?

Com sua última obra, Colette Soler vai ainda mais longe, a contrapelo: ela toca em nossa fronteira mais sagrada, aquela na qual tudo se sustenta: a estrutura.

A estrutura é, no entanto, o nosso mínimo necessário para nos considerarmos lacanianos. É nela que se fundamenta o corte significante, aquele que permite que o branco não seja um preto, que o sim não seja um não. A estrutura é a oposição fonemática no próprio princípio da lógica do significante e suas consequências para aquele que fala.

Para o nosso campo, o do sujeito às voltas com seu ser vivente e falante, a estrutura se distingue e se formaliza, como sabemos, a partir do Nome-do-Pai (NdP). Com ele distinguem-se a neurose e a psicose, a perversão ficando reduzida a um divertículo – isso lhe convém – da neurose. Para a psicose, a foraclusão do NdP necessita de uma suplência, e esta última pode, então, fazer objeto de uma clínica brilhante por sua fineza. Uma clínica que ordena as formas pelas quais um sujeito psicótico se sustenta, apesar de seu impossível encontro com a perda, se, é claro, ele não se abandonar a isso de corpo e alma, como faz o melancólico.

Há outros benefícios para a clínica estrutural lacaniana: os casos-limite, os estados-limite, os borderlines e a ampla literatura que a eles é dedicada tanto na psiquiatria quanto na psicanálise, tudo isso pode ser ignorado. O talento de um bom clínico lacaniano é saber identificar o signo distintivo irrefutável que permite distinguir um sujeito, tão difícil de entender como esse, de um lado ou do outro da fronteira entre a neurose e a psicose.

É inútil objetar Joyce a um clínico tão bom. Lacan certamente nunca disse que este último era psicótico. Mas ele não fez senão poupar a sensibilidade de seu público, deixando passar àqueles bem sabidos, indícios suficientes com os quais eles se orientam. Devo confessar que, às vezes, me ocorre pensar que sou um bom clínico?

Eis então que Colette Soler surge com esse pequeno livro, que, em sua apresentação, faz-se o mais discreto possível, teríamos quase pena disso por ela. Ela vem nos dizer neste momento: não, não, Lacan levou as consequências clínicas de sua reflexão sobre a estrutura até sair da oposição binária entre a neurose e a psicose.

Já em 1945, com seu texto sobre o tempo lógico, ele havia mostrado que uma estrutura era sempre ternária, e até mesmo duplamente ternária. Em seguida, passou seu tempo tentando aplicar isso à psicanálise. Ele começou trazendo os três termos Imaginário, Real e Simbólico. Após um longo caminho, deu a cada um deles a melhor definição possível, a partir da chave enunciada em ...ou pior: uma palavra só se define a partir de três termos e pela exclusão dos outros dois.

Assim, não se deve interpretar a estrutura como uma alternativa em torno do NdP, uma vez que há uma foraclusão de partida para todo ser falante, a do Um da relação sexual. Uma foraclusão que impõe a qualquer um que fala fazer suplência a ela, relacionando o real, o simbólico e o imaginário, de tal forma que eles possam coexistir. Não estamos mais, de forma alguma, no esquema de uma oposição dual que daí apela para o terceiro que é Outro para que ele dê o passo, já que os três devem se deslocar com um mesmo movimento.

Lacan, então, encontrou os nós borromeanos, cuja representação permite distinguir os enodamentos borromeanos daqueles que não o são, estes últimos rompendo a simultaneidade temporal. E Lacan também encontrou Joyce, que lhe permitiu formalizar o terceiro tipo clínico que logicamente faltava à série neurose e psicose.

Então, partimos da alternativa do NdP para na chegada, lendo Colette Soler, e sob reserva de que eu não tenha feito contrassenso, nos encontrarmos com uma foraclusão para todos, mas também com uma alternativa, diferente da primeira, aquela entre a dimensão borromeana ou não da suplência. Ora, esta última partição não se sobrepõe à primeira. Com efeito, é isso que Joyce prova: a suplência borromeana não necessita do NdP. Em Joyce, o filho necessário, a foraclusão do NdP vai até mesmo ser reivindicada. Ele não produz daí menos uma suplência borromeana, é preciso e basta que haja um dizer; um dizer que faz pai do nome, PdN, já que o dizer é pai. O PdN pode dispensar o NdP, e é ele que é o operador verdadeiro da função borromeana. Com efeito, Joyce, por sua art-dire [arte-dizer] que faz sinthoma borromeano se distingue de um Schreber, o qual a paixão pelo sentido condena a uma suplência não borromeana. Entre a neurose e a psicose, portanto, somos obrigados a fazer lugar a um tipo clínico intermediário, no qual há foraclusão do NdP, mas não do PdN. Isso faz da suplência pelo NdP um simples caso particular da suplência pelo PdN.

Uma tal radicalidade na leitura de Lacan nos leva a precisar pôr em questão muitos de nossos hábitos, não apenas teóricos, mas também práticos. Ela não pode deixar de ter consequências sobre nossa forma de considerar aqueles que se dirigem a nós, desde o diagnóstico até aquilo que temos a oferecer-lhes.

Primeira questão, portanto, que este livro nos coloca: acompanhamos Colette Soler nessa nova clínica que ela oferece a partir de sua leitura de Lacan, ou, antes, nesse complemento pós-joyceano à clínica? Responder a isso é uma questão individual, e por isso é preciso ler o livro e reler Lacan. De minha parte, aquilo que tive tempo de ler dele reteve meu interesse, por sua promessa de esclarecimentos novos sobre a prática, e, mais precisamente, acerca de certos impasses até então mais sentidos que explicitados, inclusive com as neuroses.

É sobre esse ponto que me dirijo a Colette Soler agora: se a existência deste terceiro tipo clínico é revelada, inúmeras questões clínicas se colocam. Inicialmente, encontramos tais casos e em quais circunstâncias? Eles têm um ou mais sintomas suscetíveis de fazê-los dirigir-se a nós? Qual é então o âmbito de nossa intervenção e quais são seus limites? Faço essas perguntas de bom grado, ainda mais porque a própria Colette Soler remete, no fim do livro, ao mal-estar do sujeito contemporâneo do capitalismo.

Uma terceira questão, por fim: já que esse terceiro tipo faz nó com a psicose com a qual ele compartilha a foraclusão do NdP, e já que ele faz nó também com a neurose com a qual ele partilha a suplência borromeana, não haveria então para cada falasser uma parte joyceana, ao lado das versões que dão as suplências neuróticas e psicóticas? Essa parte joyceana não seria o inconsciente real? E, por fim, essa parte joyceana não pode ser, para todo falasser, um apoio mais firme do que todas as suplências já repertoriadas, inclusive aquela do NdP? Com efeito, não se trata para nós, de ajudar o falasser a se dizer, de ajudar, portanto, o neurótico a largar um pouco seu sonho edipiano para, lastreado com sua parte de solidão, tomar seu lugar na vida; de ajudar também o psicótico a encontrar uma forma sustentável de se fazer reconhecer como exceção?

Enfim, uma última questão, a mais inquietante: esse terceiro tipo clínico, se ele faz nó com os outros dois, não poderia permitir uma passagem de um ao outro desses tipos menos impossível do que parece?

Agradecemos, para concluir, a Colette Soler, e também graças a ela o ensino de Lacan está longe de ainda nos ter entregado todos os seus recursos.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: strauss.m@wanadoo.fr

 

 

Tradução: Cícero Oliveira
Revisão da tradução: Dominique Fingermann
* Psiquiatra, psicanalista. Ex-residente dos Hopitaux Psychiatriques de la Région Parisienne. Ex-assistente de Consultas no Hospital Sainte-Anne (Paris). Membro Fundador da EPFCL, AME, Docente no Collège de Clinique Psychanalytique de Paris.
1 Apresentação do livro de Colette Soler, realizada na livraria Tschann, em Paris, em 16 de junho de 2015.

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