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Winnicott e-prints
versão On-line ISSN 1679-432X
Winnicott e-prints vol.4 no.1e2 São Paulo 2009
ARTIGOS
Os casos clínicos como exemplares do paradigma winnicottiano*
Clinical cases as exemplars of Winnicott's paradigm
Zeljko Loparic
Pontifícia Universidade Católica
Universidade de Campinas
Resumo
De início, o presente trabalho explicitará a concepção kuhniana da natureza e do ensino de exemplares de paradigmas científicos. Em seguida, será mostrado que essa concepção se aplica aos casos clínicos descritos por Winnicott. Por fim, examinarei criticamente uma posição diferente da minha sobre os casos clínicos na psicanálise em geral e em particular na obra de Winnicott.
Palavras-chave: Winnicott, Kuhn, paradigma, caso clínico, exemplar.
Abstract
This paper begins by laying out Kuhn's view of the nature and of the teaching of exemplars of scientific paradigms. It then shows that that conception can be applied to the clinical cases described by Winnicott. The paper ends with a critical examination of a view that differs from the present author's concerning clinical cases in psychoanalysis in general, and in Winnicott's work in particular.
Key-words: Winnicott, Kuhn, paradigm, clinical case, exemplar.
1. Os paradigmas kuhnianos e seus exemplares
A expressão "exemplar de um paradigma" de Kuhn refere-se a exemplos concretos de soluções bem-sucedidas de problemas de uma disciplina científica, que servem de modelos para o ensino e para a resolução de novos problemas, considerados da alçada dessa disciplina. Os exemplares, diz Kuhn, são "soluções concretas que os estudantes encontram desde o início da sua formação nos laboratórios, nas provas ou no final de capítulos de textos científicos" (Kuhn, 1970, p. 187).
Kuhn compara os problemas formulados e resolvidos nos quadros de paradigmas científicos a quebra-cabeças. Um quebra-cabeça é um problema que tem solução assegurada pelo paradigma e que pode ser encontrada, se não efetivamente – procedendo passo a passo –, pelo menos em princípio, e cuja aceitabilidade pode ser avaliada por regras previamente estabelecidas. Um problema só é considerado científico se for solúvel por meios disponibilizados à comunidade científica pelo paradigma aceito.
Quebra-cabeças existem também na vida cotidiana e são formulados como charadas, cartas enigmáticas, jogos de cartas ou palavras cruzadas, problemas sem muita importância real, mas que nos divertem e, ao mesmo tempo, testam a nossa engenhosidade ao exigirem que consigamos compor um todo, que pode ser uma figura, uma frase, um texto etc., combinando peças já dadas. Em certos casos, contudo, as peças necessárias para a solução precisam ser reencontradas por estarem perdidas (extraviadas, esquecidas, danificadas etc.). Em outros casos, precisam ser criadas, de acordo com certos critérios1.
Exemplos de quebra-cabeças científicos são todos os problemas que pedem que se encontre, com base em compromissos teóricos compartilhados e em dados fornecidos, um objeto que satisfaça certas condições impostas à incógnita (ou às incógnitas). Por exemplo, pode-se pedir que se calcule o número que satisfaça à condição de ser a raiz quadrada de 2 ou que se preveja a data exata do próximo eclipse solar.
Na nossa época, dominada pela tecnologia de base científica, a práxis humana em geral tende, de modo crescente, a ser concebida na forma de solução de problemas formulados como quebra-cabeças. É bem possível, contudo, que grupos inteiros de problemas socialmente significativos nunca possam ser formulados como quebra-cabeças, o que revela os limites da atividade de resolução de problemas do tipo científico. Como observa Kuhn, o problema médico de cura para o câncer ou o problema sociopolítico de realização da paz perpétua talvez nunca sejam transformados em quebra-cabeças, por não ser possível criar tradições de pesquisa nas quais existiria uma solução para eles no sentido explicitado (ver Kuhn, 1970, cap. 4).
Originariamente, Kuhn usava o termo "paradigma" para se referir apenas a quebra-cabeças (1977, p. 307), entendendo que a ciência não tem como objetivo primeiro e essencial criar uma imagem do mundo verdadeira, mas garantir a viabilidade e desenvolver a atividade de resolução desse tipo de problema, tese que sepultava a concepção contemplativa do saber científico. A ciência não trata de determinar o que o mundo é – seus componentes e sua constituição – por meio de uma teoria que pretenda ser verdadeira, mas de representar, com base no que sabemos do mundo, aquilo que não sabemos, de maneira que possamos achar ou mesmo produzir essas incógnitas de acordo com as regras do jogo da ciência e da tecnologia, objetivo que, em certos casos, também realiza nossos interesses práticos. Muito rapidamente, Kuhn ampliou esse sentido inicial do termo "paradigma", passando a usá-lo para referir-se também ao conjunto de saberes desse tipo, isto é, aos compromissos doutrinais compartilhados temporariamente pelos membros de grupos científicos, que governam sua atividade corriqueira de resolução de problemas. Kuhn chamou de "pesquisa normal" essa atividade de resolução de problemas que vem sendo desenvolvida num quadro provisoriamente estável.
Compromissos doutrinais compartilhados temporariamente pelos membros de grupos científicos, que governam sua atividade corriqueira de resolução de problemas. Kuhn chamou de "pesquisa normal" essa atividade de resolução de problemas que vem sendo desenvolvida num quadro provisoriamente estável. De onde vem o primado dos exemplares? Todo estudante de física, com algum conhecimento de matemática (álgebra, trigonometria e cálculo diferencial), aprende facilmente, observa Kuhn, a operar com as diferentes fórmulas matemáticas de grande complexidade que possam vir a ser usadas para expressar as leis físicas, por exemplo, a da segunda lei de Newton, que na sua expressão esquemática não técnica, simplificada, F = ma, afirma a igualdade entre a força motora e a massa do corpo movido, multiplicada pela aceleração que lhe foi impressa. Mesmo assim, quando confrontado com situações experimentais concretas, o estudante geralmente continua a ter dificuldade de encontrar as fórmulas matemáticas exatas para forças, massas e acelerações relevantes. De fato, esses termos podem ser referidos a entidades físicas muito diferentes: ao corpo em queda livre sem atrito, ao pêndulo simples composto de um ponto de massa suspenso em uma corda sem massa, a osciladores harmônicos ou a giroscópios. Sem aprender a identificar forças, massas e acelerações, nessa variedade de situações físicas, o estudante não aprenderá, diz Kuhn, a achar a versão matemática apropriada de F = ma mediante a qual ele poderia relacionar esses casos uns com os outros e resolver os problemas relativos a cada um deles (1970, p. 189). Ou seja, sem aprender a ver em todos esses casos o mesmo problema básico que, no presente contexto, é o de um corpo em queda livre, o estudante não adquire a capacidade de resolver também os problemas adicionais mencionados. Os exemplares servem para ajudá-lo nessa tarefa. Na ausência de exemplares, a fórmula matemática da segunda lei de Newton e, em geral, as leis e teorias aprendidas de maneira abstrata têm, para os novatos, pouco conteúdo empírico (1970, p. 188).
2. Classificação de exemplares
Poucos discordariam da afirmação de que Kuhn, ao introduzir o conceito de paradigmas como soluções exemplares de problemas que orientam a pesquisa científica – no sentido de darem conteúdo aos conceitos e enunciados da disciplina a que pertencem e de exibirem procedimentos apropriados para a resolução de problemas ainda abertos dessa disciplina –, mudou a concepção da atividade científica dominante na segunda parte do século XX. Contudo, o conceito original kuhniano de exemplar, assim como o seu conceito ampliado de paradigma, tem uma variedade de acepções, que não são necessariamente exclusivas, mas que exigem qualificações adicionais, várias delas explícitas e outras apenas implícitas em Kuhn2.
Em primeiro lugar, Kuhn autoriza a distinção entre exemplares positivos e negativos. Os primeiros são aqueles que apresentam tentativas bem-sucedidas de resolução de problemas e podem servir ou de fato servem de modelos a seguir na pesquisa normal. Os exemplares negativos remetem a pesquisas malsucedidas e podem ser divididos em dois grupos. No primeiro grupo estão as soluções erradas, isto é, exemplos de erros, individuais ou grupais. No segundo, os casos de soluções fracassadas, que são percebidos pela totalidade, ou por uma parte do grupo, não como erros, mas como provas de limitações do paradigma vigente. Esses casos, chamados por Kuhn de anomalias, são aqueles cujo acúmulo gera períodos de crise, deixando clara a necessidade de mudanças paradigmáticas conceituais ou metodológicas (procedimentais). A determinação de mudanças requeridas exige um diferente tipo de pesquisa, a pesquisa revolucionária, que muda os componentes básicos da matriz disciplinar existente e, desta forma, cria novos paradigmas. Via de regra, as soluções de problemas anômalos no paradigma antigo tornam-se novos exemplares da disciplina dotada de novo paradigma. Ou seja, quando mudam os exemplares de uma disciplina, muda essa disciplina ela própria. Ocorre, então, uma revolução científica que visa a garantir o progresso da atividade de resolução de problemas dos membros compromissados com a disciplina em questão.
Em segundo lugar, os exemplares podem ser classificados em dois grupos segundo a função que desempenham na pesquisa: a semântica ou heurística (procedimental). Os do primeiro grupo são usados no aprendizado da significação de conceitos. Nessa função semântica, os exemplares são estruturas representacionais, ou seja, representações de dados e de incógnitas dos problemas, bem como das condições que estas últimas devem satisfazer. O segundo grupo é composto de exemplares usados como fontes de práticas cognitivas, ou seja, como fontes do know-how disciplinar. Na função heurística, os exemplares são conjuntos de regras ou procedimentos a serem usados na resolução de problemas.
Em terceiro lugar, convém distinguir – o próprio Kuhn deixou isso claro (1970, p. 187) – entre os casos elementares e os sofisticados (ou os casos elementares dos sofisticados), pois os casos usados no treinamento dos iniciantes obviamente não são os mesmos que aqueles usados na resolução de problemas pelos cientistas de ponta. Mesmo quando os problemas considerados são os mesmos, o treinamento inicial não pode levar em conta muitos dos aspectos complexos que só são acessíveis mediante formação avançada. Contudo, os pesquisadores avançados também precisam de paradigmas familiares, mesmo bastante sofisticados, para relacionar a eles os problemas ainda não resolvidos3.
Em quarto lugar, os exemplares considerados por Kuhn ora são obras clássicas de uma ciência ou episódios decisivos do seu desenvolvimento, ora versões simplificadas e esquematizadas e, nesse sentido, idealizadas desses resultados apresentados em manuais. Sem menosprezar a relevância das obras clássicas na história de cada ciência, Kuhn mostra que, para o ensino básico (esclarecimento inicial de questões conceituais e de técnica), os exemplares idealizados são muito mais apropriados. Por exemplo, nos manuais usados no ensino da física elementar, encontram-se apenas modelos idealizados de problemas reais correspondentes, tais como a queda livre sem atrito, o movimento sem atrito no plano inclinado e o pêndulo simples. Os Principia de Newton, tratado decisivo da física moderna, que mudou o rumo dessa disciplina, cujo objeto de estudo é a estrutura do sistema planetário, é, quando muito, mencionado na notas de rodapé ou nos prefácios. Mesmo para os pesquisadores avançados, essa obra de Newton pertence à história da física e não faz parte das referências que subsidiam suas ocupações correntes4.
Em quinto lugar, mesmo no interior de matrizes disciplinares estáveis, características de ciências maduras, os exemplares inevitavelmente passam por uma evolução como condição do progresso da pesquisa. Até os casos mais fundamentais são objeto de constante re-interpretação, da qual resulta uma constante rearticulação da teoria usada na resolução de problemas. Embora Kuhn não dê destaque a esse ponto, ele o antecipou e creio que não teria dificuldade em concordar.
Finalmente, exemplares de uma disciplina podem codeterminar os exemplares de outras disciplinas. Embora Kuhn não tenha se detido sobre esse ponto, claro está, por exemplo, que a evolução do formalismo matemático na modernidade influenciou o modo de conceber as entidades físicas na ciência moderna da natureza e que, inversamente, os problemas básicos dessa ciência contribuíram para a revisão do que constitui o campo de investigação na matemática (veja, por exemplo, a relação entre os problemas básicos da teoria do movimento descrito por diferentes tipos de curvas e o surgimento do cálculo integral e diferencial). Da mesma forma, Darwin elaborou, em 1837, um projeto de pesquisa biológica tomando por base a interpretação corrente da mecânica newtoniana do sistema planetário (Hodge & Radick, 2009, p. 54).
3. O ensino e o aprendizado dos exemplares
Como são ensinados e aprendidos os exemplares? Ao longo do tempo, Kuhn ofereceu várias respostas a essa pergunta. Uma delas é meramente historiográfica. A segunda é baseada em elementos da psicologia cognitiva e das neurociências ainda incipientes nos anos 1960 e 1970. A terceira é fornecida no quadro do linguistic turn, ensaiado pelo Kuhn tardio nos anos 1980 e 1990.
A primeira resposta consiste em dizer que é possível ensinar a função e a natureza de exemplares mostrando aos alunos como eles foram usados no desenvolvimento de determinadas ciências. A história da física estudou detalhadamente a maneira como o exemplar do simples pêndulo idealizado (com um ponto de massa na ponta de uma corda sem massa) foi usado, primeiro por Galileu, na solução do problema do plano inclinado, depois por Huygens, no tratamento de pêndulos físicos (com corpos físicos na ponta de uma barra tendo massa), e, finalmente, por Daniel Bernoulli, que fez ver como o fluxo de água por um orifício vertical se assemelha ao pêndulo de Huygens (1970, p. 190). Esse conhecimento historiográfico pode ser usado pedagogicamente e complementado por considerações relativas às práticas de ensino da linguagem comum e do saber científico elementar. Sozinho ou com ou ajuda de um instrutor, o estudante apreende, diz Kuhn, "um modo de ver o seu problema como semelhante ao problema que ele já encontrou" (1970, p. 190)5.
Na segunda resposta, Kuhn busca apoio para a pedagogia historiográfica em resultados da psicologia cognitiva da época (anos 1960). O que diferenciaria um grupo científico de outro não são tanto os estímulos recebidos do mundo exterior quanto os modos de seu processamento. O mundo em que vivemos, e no qual fazemos ciência, não é povoado de estímulos – para evitar o solipsismo individual e social, Kuhn defende a imutabilidade dos estímulos, ou seja, do mundo externo como tal –, mas de resultados do seu processamento. Trata-se de uma atividade que não se aprende por meios verbais nem por quaisquer outras regras, mas por exposição a situações semelhantes entre si. Assim, uma criança pode aprender a reconhecer a mãe "como aquilo que ela é e como ela difere do pai ou da irmã" pela vista, ou seja, por meio de "presentações sucessivas sensoriais" da mãe (1970, p. 194).
O processamento de estímulos – isto é, o modo inicial de ver o mundo – é uma operação tácita, em grande parte inconsciente, não deliberada, que, por isso mesmo, não pode ser dita errada. Ela difere da interpretação, operação deliberada e refletida, baseada na aplicação de critérios explícitos, podendo, por isso, ser enganosa. Eu posso, exemplifica Kuhn, tomar erroneamente uma mulher entrando numa loja por minha mãe, embora eu pensasse que ela estaria em casa. A fim de tirar a dúvida sobre a diferença entre o percebido e o pensado, posso recorrer aos critérios conscientes para a identificação da minha mãe e exclamar: "Não é minha mãe, pois esta tem cabelos vermelhos". Essa operação de comparação, usada para a correção da identificação errônea, não faz parte do processamento originário de sensações.
Seguem-se daí consequências importantes. Os indivíduos que aprenderam a ver o mundo de modos diferentes – processam os estímulos a sua maneira – vivem em mundos diferentes e, por conseguinte, usam vocabulários diferentes e falam linguagens diferentes, que não são traduzíveis uma para a outra. Daí decorre a incomensurabilidade dos paradigmas: por não existir uma linguagem universal, as generalizações e descrições feitas na linguagem de um paradigma serão, salvo exceções, incomparáveis com aquelas feitas num paradigma diferente (1970, p. 198).
Sendo assim, o processamento perceptivo não muda por ser enganoso, mas por perder o seu "valor biológico", por deixar de assegurar a nossa orientação no mundo ou, quando usado na ciência, a continuação bem-sucedida da atividade solucionadora de problemas. Em outras palavras, a mudança de um paradigma não se dá de modo refletido e deliberado, conforme a um determinado fim, mas por saltos, semelhantes a variações genéticas darwinianas ou a um Gestalt switch (1970, p. 122). Quando tal ocorre, mudam o mundo e os objetos que o povoam. Como na história da vida do tipo darwiniano, na história kuhniana da ciência as mudanças do processamento de estímulos têm, inicialmente, caráter circunstancial ou mesmo ocasional. Mesmo assim, acabam se tornando um desenvolvimento unidirecional e irreversível, a direção sendo dada pela capacidade de sobreviver, não no ambiente físico, mas no ambiente intelectual caracterizado pela competição, pelo struggle for life entre as diferentes maneiras de conduzir a atividade científica6.
A terceira resposta de Kuhn à pergunta sobre o ensino e aprendizado de exemplares é mais recente, implica o afastamento da segunda resposta e envolve uma modificação do seu conceito de exemplar elaborado em 1962/70 (Kuhn, 2000, p. 220). A principal diferença consiste no abandono do conceito de processamento de estímulos desvinculado dos esquemas verbais mencionado acima. Ao mudar seu modo de teorizar sobre o aprendizado dos exemplares paradigmáticos, Kuhn se inspirou em considerações de David Wiggins (1980) e outros autores sobre as condições de possibilidade de apontar para um objeto determinado e, dessa forma, ensinar a alguém o significado de um termo da linguagem natural ou científica. Para os efeitos do ensino, deve ser possível apontar para o objeto várias vezes e isso só é possível, segundo Wiggins, se o instrutor e o aluno já captaram o significado de um "conceito sortal sob o qual cai o indivíduo [apontado]" (Kuhn, 2000, p. 220). A mesma condição vale para as relações entre objetos. Por exemplo, a Estrela da Manhã e a Estrela da Tarde só podem ser reconhecidas como idênticas, como sendo o mesmo planeta, "sob a mesma descrição", ou seja, "somente como planetas". Nenhum objeto do mundo físico pode ser apreendido por exemplificação a não ser que tenhamos um conceito prévio desse objeto7.
Na elaboração dessa terceira resposta, Kuhn apoia-se ainda em Charles Taylor, que defendeu uma posição semelhante à de Wiggins para as ciências humanas (Taylor, 1985b). O estudo das ações humanas, diz Taylor, requer interpretação hermenêutica apropriada a cada aspecto de comportamento humano, em particular, a interpretação da intencionalidade e do significado do comportamento – operação deliberada que inclui a autointerpretação e que varia sistematicamente de uma cultura para outra e, algumas vezes, mesmo de um indivíduo para outro. Ou seja, só podemos identificar uma ação mediante o uso de conceitos específicos do domínio de ações e, além disso, culturalmente determinados. Taylor entende que esse traço distingue de modo decisivo o estudo das ações humanas daquele sobre os fenômenos físicos. O céu, por exemplo, é o mesmo em todas as culturas. Nada parecido com uma interpretação hermenêutica é requerido para o estudo de objetos como esse. Se eles têm significados, estes são os mesmos para todos. Eles são absolutos, independentes de interpretação (cf. Kuhn, 2000, p. 218).
4. O problema da aplicação do conceito de paradigma nas ciências humanas
Kuhn aceita, apoiado em David Wiggins, a tese de Taylor da dependência cultural do significado de objetos sociais. Mas ele discorda desse autor quanto à independência dos objetos naturais. Decerto, os movimentos celestes não realizam intenções. Contudo, para nós e para os gregos, o céu é composto de diferentes tipos de coisas e possui propriedades fundamentais distintas. Ou seja, o conceito físico de céu também é dependente da cultura e da história da cultura, tal como são os conceitos sobre ações. Nos dois casos, existe um momento hermenêutico constitutivo do saber científico. Daí se segue que o céu dos gregos é diferente do nosso, tal como as ações humanas em diferentes culturas têm traços diferentes.
Por essa razão, Kuhn reafirma suas dúvidas já antigas sobre o fato de que existiriam diferenças de princípio entre ciências humanas e naturais (Kuhn, 2000, p. 221), posição defendida não somente por Taylor, mas também por alguns empiristas, por neokantianos e outras correntes da filosofia recentes. Kuhn tem em vista não apenas a aprendizagem das linguagens científicas, mas da linguagem em geral, inclusive da cotidiana. Os exemplos de processamento de estímulos oferecidos em 1970 mostram claramente que as suas considerações sobre o modo como se ensinam e como se aplicam os exemplares não valem exclusivamente para as situações físicas, mas para todas as situações, inclusive para as que interessam às ciências humanas, como, por exemplo, para o reconhecimento da mãe pelo bebê, que é de interesse especial para a psicanálise. Kuhn mostra-se encorajado nessa visão "unitarista" da natureza e do desenvolvimento das ciências factuais, notando que, em geral, estudiosos eminentes, entre eles Max Weber e Ernst Cassirer, "estavam descrevendo as ciências sociais de maneira estreitamente paralela à espécie de descrição que eu [Kuhn] esperava oferecer para as ciências físicas" (2000, p. 216).
Ao abraçar a tese da unidade das ciências factuais, contrária à tendência dominante da epistemologia tradicional, em particular a alemã, que distinguia as ciências da natureza, explicativas, das ciências do espírito, interpretativas, Kuhn se obriga a reconhecer a existência de um momento interpretativo na construção das ciências naturais, que precede a elaboração dos paradigmas e de problemas do tipo de quebra-cabeças. Surge, contudo, para ele, um novo problema: o de saber se as ciências humanas também conseguem ultrapassar o momento hermenêutico ou se, ao longo de tempo, deixam de ser "restritas à hermenêutica, à interpretação" e encontram "paradigmas que possam suportar uma pesquisa normal de resolução de quebra-cabeças" (2000, p. 222; os itálicos são meus). Admitindo não possuir uma resposta definitiva, Kuhn faz duas observações que vão em direções opostas.
Em primeiro lugar, ele diz desconhecer "qualquer princípio que impediria a possibilidade de uma ou outra parte de alguma ciência humana encontrar um paradigma capaz de suportar uma pesquisa normal, solucionadora de problemas" (2000, p. 222). É provável, acrescenta Kuhn, que essa transição já esteja ocorrendo em várias disciplinas humanas. Muito do que se diz ainda hoje sobre a impossibilidade de pesquisa solucionadora de quebra-cabeças nessas ciências já foi dito, há dois séculos, para barrar a possibilidade de uma ciência da química e foi repetido, um século depois, para mostrar a impossibilidade de uma ciência de seres vivos, hoje em pleno florescimento nos moldes das ciências naturais8. Aliás, é possível argumentar que a transição mencionada já ocorreu "em partes da economia e da psicologia" (2000, p. 223).
Em segundo lugar, apesar do que disse sobre a diferença entre o céu dos gregos e o nosso, Kuhn reconhece que "o céu permaneceu o mesmo enquanto a pesquisa estava em curso" (os itálicos são meus). Sem essa estabilidade, a pesquisa revolucionária responsável pelas mudanças paradigmáticas na física não teria acontecido. Ora, uma estabilidade do mesmo tipo não pode ser esperada "quando a unidade do estudo é um sistema social ou político" (2000, p. 223), pois esses objetos são constantemente modificados pela história humana. Sendo assim, pode ser que nenhuma base duradoura para a ciência normal, solucionadora de quebra-cabeças, seja disponível aos que estudam esses assuntos, de modo que a interpretação hermenêutica seja constantemente requerida. Em outras palavras, pode ser que, em algumas áreas, nunca se chegue aos compromissos teóricos disciplinares (conceitos universais) estáveis, nem aos problemas suficientemente bem definidos de modo que possam ser resolvidos e que as suas soluções possam ser aplicadas em novos casos (2000, p. 222)9.
5. Interpretação dos casos clínicos de Winnicott como exemplares
Passo agora a mostrar que muitos casos clínicos de Winnicott podem ser vistos como exemplares do tipo kuhniano, isto é, como soluções de problemas do tipo de quebra-cabeças winnicottianos e não apenas de interpretação. Mostrarei que esses casos exercem todas as funções mais importantes de exemplares kuhnianos anteriormente especificadas e, algumas vezes, várias delas. Dessa maneira, estou tomando uma posição diferente daqueles que vêem a psicanálise apenas como um quadro para a interpretação hermenêutica dos fatos – isto é, para a compreensão dos fatos e não para a sua explicação teórica ou modificação prática – ou mesmo como um gênero especial de literatura não ficcional aparentada à ficção literária10.
5.1. Casos negativos e positivos
Winnicott explicitou várias anomalias, problemas insolúveis, da psicanálise freudiana e as usou para justificar, inicialmente, a sua pesquisa revolucionária e, em seguida, para oferecer razões a favor das mudanças paradigmáticas conceituais ou processuais que introduziu. Exemplos típicos de casos anômalos estão na categoria das psicoses, das dissociações graves e da atitude antissocial11. O caso Jung, reconstituído por Winnicott na resenha da autobiografia de Jung como exemplo de esquizofrenia infantil decorrente da depressão materna e do posterior distanciamento entre os pais (Winnicott, 1989a/1989, cap. 57), é uma ilustração particularmente esclarecedora dos limites da psicanálise freudiana praticada no referencial da teoria das neuroses baseada na teoria da sexualidade. O caso B (cf. Winnicott, 1958a/2000, cap. 20 e Winnicott, 1986a/2001) oferece claras indicações da insuficiência do modelo edipiano para a análise de problemas da depressão psicótica e até mesmo da sexualidade dos pacientes com esses distúrbios. O caso do capítulo 4 de O brincar e a realidade contém, nas suas seções iniciais, uma das mais contundentes críticas de Winnicott do procedimento tradicional freudiano de associação livre.
Ao mesmo tempo, Winnicott apresentou um número impressionante de casos resolvidos com sucesso na sua nova matriz disciplinar. Um dos mais conhecidos é o caso B, que demonstra, entre outras coisas, a eficácia do procedimento winnicottiano de manejo, acompanhado de um uso de interpretação diferente daquele da psicanálise tradicional, servindo mais de meio para revelar o sentido da situação do paciente e para fazer comentários a respeito do que como desvendamento do recalcado. O mesmo vale para as consultas terapêuticas, nas quais Winnicott, ao praticar o jogo do rabisco, se vale explicitamente da sua teoria de amadurecimento. Esses e outros tantos atendimentos relatados por Winnicott, que exemplificam soluções bem-sucedidas, são legítimos constituintes do que podemos chamar de ciência normal winnicottiana, servindo de provas da sua teoria e de guias para o ensino e para a realização de pesquisas12.
Outros casos são apresentados por Winnicott como exemplos de limites do poder solucionador do seu paradigma. A falta de efeito terapêutico de seus atendimentos é assinalada, por exemplo, na consulta 7 de Consultas terapêuticas. A consulta 21 do mesmo livro contém material que obriga Winnicott a reconhecer que a delinquência potencial do paciente George "não pode ser tratada adequadamente pelo tipo de trabalho que estou descrevendo neste livro" (1971b/1984, p. 380). No final do texto, ele adverte o agente social que o caso poderá terminar nos tribunais e acrescenta: "O procedimento está em discussão, mas deixei claro que sabia que, mesmo que eu pudesse compreender [o caso] em termos da etiologia, eu não podia alterar o problema básico dessa família nem o de George" (1971b/1984, p. 396). Aqui temos uma evidência a mais para a repetida afirmação de Winnicott de que, dependendo das circunstâncias, o tratamento de crianças antissociais pode estar fora do alcance da psicanálise, mesmo ampliada à maneira de Winnicott (1984a/1994, p. 121). Tampouco são raros os casos nos quais Winnicott admite seus erros terapêuticos, entre eles os de interpretação, por esta ter sido feita cedo demais ou por ter caminhado na direção errada (confira a sessão do dia 10 de fevereiro de Holding e interpretação). Convém notar que relatos de análise com Winnicott feitos por Harry Guntrip e Margaret Little oferecem tanto exemplos negativos de procedimento psicanalítico tradicional (remetendo a W. R. D. Fairbairn e Ella F. Scharpe, respectivamente) quanto exemplos positivos referentes ao trabalho de Winnicott.
5.2. Função semântica e heurística dos exemplares
Um grupo de casos de Winnicott tem a função específica de ilustrar a formação de conceitos winnicottianos, tanto teóricos como clínicos; um outro grupo contém material que serve para ensinar os procedimentos winnicottianos de resolução de problemas clínicos, isto é, as suas novas práticas clínicas.
Um número significativo de casos do primeiro grupo ilustra conceitos de distúrbios do tipo especificamente winnicottiano, que não resultam, como os da psicanálise tradicional, de conflitos pulsionais intrapsíquicos ou de frustrações externas das moções pulsionais, mas revelam problemas no processo de amadurecimento pessoal. O seu estudo permite que se examine tanto a etiologia como a natureza desses tipos de problemas psíquicos. Por exemplo, o caso da Senhora H exemplifica a necessidade de reviver a experiência malsucedida de nascimento (1958a/2000, pp. 178-180). O caso Bob traz um exemplo de esquizofrenia infantil (caso 4 de Consultas terapêuticas) e o caso FM contém o material relativo a uma dissociação primitiva da personalidade (1989a/1989, cap. 27). O caso menino do cordão faz ver o processo pelo qual objetos transicionais se tornam fetiches, num sentido radicalmente diferente do de Freud (1971b/1984, cap. 1). O caso Iiro ilustra o processo de personalização de um menino que nasceu com um defeito físico (caso 1 de Consultas terapêuticas). O caso Hesta refere-se a problemas da integração do corpo na adolescência (caso 11 de Consultas terapêuticas). Nota-se que um mesmo estudo pode apresentar material relativo a problemas de várias épocas da vida, o que não significa, contudo, que não seja possível identificar um distúrbio inicial que está na base de todas as formações defensivas posteriores13.
Ao grupo de exemplares que ilustram de modo particularmente claro a técnica winnicottiana, ou seja, seus procedimentos de cura de distúrbios clínicos, pertencem, além do caso Piggle, os casos Patrick, Philip e Kathleen14, que trazem materiais preciosos relativos a uma das maiores inovações introduzida por Winnicott na prática clínica psicanalítica, o manejo. A mesma prática é ilustrada detalhadamente por vários casos de Consultas terapêuticas. O caso Cecil, por exemplo, é uma excelente apresentação do conceito ampliado de manejo ou do seu uso fora do setting analítico propriamente dito. No relato de todos os casos tratados por Winnicott, entre eles o próprio caso Piggle, o caso B, assim como o da moça que sonhou com a tartaruga15 , podem-se encontrar exemplos do uso modificado que Winnicott faz da interpretação16.
5.3. Casos introdutórios e avançados
Os casos usados no treinamento dos iniciantes não são necessariamente os mesmos usados na resolução de problemas pelos psicanalistas de ponta. Winnicott sabe disso. O caso Piggle é apresentado de forma a servir para o ensino sistemático da psicanálise winnicottiana, tanto da sua parte teórica como da clínica. Já os casos do livro O brincar e a realidade, em particular os dos capítulos 2 e 4, trazem pontos teóricos e clínicos muito sofisticados e não convém usá-los no ensino elementar. Nota-se ainda que, segundo Winnicott, os casos de neuroses são mais simples teoricamente e menos exigentes pessoalmente, para ao analista, que os de psicose, razão pela qual o treinamento na solução desses casos deveria preceder o treinamento no tratamento das psicoses.
5.4. Casos históricos e vinhetas
Como em Kuhn, os exemplares winnicottianos são ora fragmentos detalhados de análises efetivamente realizadas, contendo descobertas decisivas que marcaram o desenvolvimento da psicanálise winnicottiana e levaram Winnicott a modificar o paradigma da psicanálise, tanto do ponto de vista teórico quanto clínico, ora versões idealizadas desses resultados na forma de vinhetas. Os casos do primeiro tipo encontram-se em obras tais como Holding e interpretação, que relata o conteúdo das sessões com o paciente B durante os primeiros sete meses de 1955. Nesse relato, Winnicott não apenas aponta as deficiências do paradigma freudiano, como põe à mostra o andamento do processo analítico que o levou a descobrir conceitos novos e atitudes novas: a diferença entre retraimento e regressão, o reconhecimento da relação mãe-bebê como modelo da relação entre analista e pacientes regredidos, o acolhimento da regressão ao colo do analista, o manejo da dependência no setting analítico etc. O caso Piggle (1964-1966) evidencia a descoberta da psicanálise compartilhada e da psicanálise praticada sob demanda. O caso FM contém dados clínicos relativos a uma dissociação da personalidade, que forneceram pontos de partida para uma outra descoberta: a da sexualidade com base na raiz identitária17. Esses e outros textos merecem ser tratados como "clássicos" para o estudo da história da psicanálise winnicottiana18.
Na qualidade de vinhetas, os exemplares são as soluções de distúrbios apresentadas de maneira esquemática, fora do contexto geral da análise como um todo e, nesse sentido, idealizadas. Para o ensino básico (esclarecimento inicial de questões conceituais e de técnica), os exemplares "idealizados" são muito mais apropriados, não só na física – Kuhn deixou bastante claro esse ponto –, mas também na psicanálise. Eles são formulados na forma: "Neste estágio, se tudo correr bem, o bebê... Se o ambiente falhar, o bebê...". Podem ser usados, é claro, também as vinhetas de Winnicott, como a de um menino psicótico que precisava nascer no colo dele, sem explicitar, como acontece no relato sobre a Piggle, por exemplo, o quadro geral no qual surgiu tal material.
5.5. Casos reinterpretados
Em Winnicott também se aplica a observação de que os exemplares são objeto de constante re-interpretação, que faz parte da permanente rearticulação da teoria. No interior da clínica winnicottiana, vários exemplares passaram por uma evolução, como condição e como reflexo do progresso da pesquisa. Em 1953, Winnicott introduziu o conceito de objeto transicional − distinto de objeto interno, que é mental, e do objeto externo, que é objetivamente percebido. Em textos posteriores, ele vai opor o objeto transicional ao objeto subjetivo, que não é nem interno nem externo. Mais tarde ainda, ele reformulará a sua teoria de relações objetais em termos da diferença, conceitualmente nova, entre ser e fazer (1989a/1989, p. 191). Essas modificações conceituais são ilustradas por uma série de exemplares que se encontram, por exemplo, nos adendos do artigo sobre os objetos transicionais, nas vinhetas dos adendos do capítulo 23 de Explorações psicanalíticas e no caso FM, capítulo 28 da mesma coletânea.
5.6. Papel de casos desconhecidos por Winnicott ou provenientes de outras áreas do saber científico e da vida cultural em geral
Convém acrescentar que novos casos da área da psicologia e da psicanálise, desconhecidos por Winnicott, podem exigir a re-interpretação dos de Winnicott e, portanto, o desenvolvimento da sua psicanálise. O estado atual da psicologia fetal exige que se pense na relação mãe-feto, anterior à relação mãe-bebê privilegiada pelo exemplar dominante de Winnicott do bebê-no-colo-da-mãe. Acredito que esse deslocamento da problemática do relacionamento inter-humano ainda pode ser abrangido pelo paradigma winnicottiano, embora, para tanto, seja necessário modificar alguns dos seus conceitos.
Winnicott reconhece também a importância de se considerar, na psicanálise, casos provenientes de práticas solucionadoras de problemas de outras áreas, tais como a pediatria, a psiquiatria, o serviço social etc., e de interagir com as práticas respectivas dessas disciplinas. Hoje se sabe muito mais sobre o funcionamento cerebral do que no tempo de Winnicott. A tese das neurociências sobre a relevância da "estimulação" ambiental adequada para o desenvolvimento não apenas da personalidade dos bebês, mas também dos seus cérebros, acrescenta aspectos adicionais à teoria winnicottiana da relação indivíduo-ambiente. Nesse contexto, contudo, a pressão para a mudança e mesmo o abandono de paradigmas do tipo psicanalítico em geral é muito grande, de modo que fica urgente indagar se ainda conseguiremos continuar a trabalhar como psicanalistas, mesmo winnicottianos, e até como psicólogos19.
Personagens literários (Hamlet, por exemplo), aspectos das obras de arte (os espelhos que enquadram certas pinturas de Francis Bacon) e procedimentos de criação artística também são levados em conta por Winnicott nas análises de casos clínicos, em especial para fins de compreensão e interpretação do seu sentido. Contudo, via de regra, esses casos e práticas não fazem parte do treinamento do analista winnicottiano nem são integrados nos procedimentos de tratamento.
6. O ensino de exemplares winnicottianos
Conforme vimos, Kuhn propõe diferentes maneiras de ver e praticar o ensino e o aprendizado dos exemplares – pelo estudo historiográfico, por meio de comentários clínicos e teóricos, pela aplicação prática da psicologia cognitiva (processamento de estímulos) e das neurociências ou pelos exercícios e verbalização. Várias dessas modalidades estão presentes em Winnicott.
Winnicott recomenda explicitamente o estudo dos clássicos da história da psicanálise. Em Natureza humana, após apresentar uma teoria própria das fases do desenvolvimento instintual, ele escreve: "O leitor deve formar uma opinião pessoal sobre esses assuntos, depois de aprender o que é ensinado tanto quanto possível de maneira histórica, que é o único caminho pelo qual uma teoria, num dado momento, torna-se inteligível e interessante" (1988/1990, p. 42). Mais adiante acrescenta: "Não há nenhum exemplo melhor para a necessidade de perspectiva histórica na leitura de teoria psicanalítica do que aquele relacionado às raízes precoces da genitalidade feminina" (pp. 46-47).
O que vale para o aprendizado da teoria vale certamente também para os casos clínicos nos quais esta se baseia. As sociedades psicanalíticas reconheceram cedo que uma das maneiras mais eficientes de ensinar a psicanálise de Freud consistia no estudo de casos descritos por ele que ilustram suas descobertas revolucionárias. Da mesma forma, creio ser particularmente instrutivo aprender a psicanálise winnicottiana com base nos casos que motivaram sua pesquisa revolucionária e que, em seguida, foram usados por ele próprio para resolver problemas não solúveis no paradigma freudiano. Nesse sentido, convém fazer um paralelo entre a prática psicanalítica, estabelecida a partir dos anos 1920, de analisar todo o material clínico à luz do complexo de Édipo (criança na cama da mãe) e a exigência, imposta a Winnicott pela clínica, de tratar os casos de esquizofrenia tomando como modelo os problemas ambientais (o bebê no colo da mãe).
Como disse anteriormente, o caso B de Holding e interpretação, sobretudo o material contido na introdução a esse livro escrita por Masud Khan, pode ser usado como uma das fontes históricas da convicção de Winnicott de que a psicanálise edipiana esgotou seus recursos teóricos e clínicos. O mesmo texto é também a principal fonte para o estudo histórico de descobertas winnicottianas decisivas, entre elas, as do caráter exemplar da situação do bebê no colo da mãe, do valor da regressão à dependência e do manejo desse tipo de relacionamento do paciente com o analista.
Resta, portanto, toda uma pesquisa a ser realizada a respeito dos múltiplos casos espalhados pela obra de Winnicott que inspiraram outras descobertas importantes, tanto clínicas como teóricas, entre elas a ampliação da distinção entre os objetos inicialmente apresentados pelas mães aos seus bebês e os objetos objetivamente percebidos, feita, por ele, nos anos 1940. Já nessa época, os primeiros objetos de um bebê foram concebidos como criados pelos bebês em virtude da criatividade originária. Em seguida, esta tese foi ampliada para envolver a criação do espaço transicional e a criatividade que é exercida nesse espaço (1953). Na seqüência, a própria realidade externa era dita criada pelo bebê, num texto tardio de 1968 ("O uso de um objeto"). Depois de 1966, a distinção entre ser e fazer também é remetida a diferentes modos de relacionamentos com objetos. Tudo isso é parte essencial da história da psicanálise winnicottiana, importante e visível na sua obra, mas apenas parcialmente estudada até o presente momento.
Nem o paradigma freudiano nem o winnicottiano podem ser ensinados por manuais. Contudo, no seu relato do caso Piggle, Winnicott chega, tanto quanto possível, perto de um manual. O material é dividido em anotações relativas a sessões, comentários de pontos significativos e explicitação de elementos da teoria do amadurecimento usados na compreensão e na conduta do caso. Além disso, como indiquei anteriormente, as vinhetas, exemplares esquemáticos, são perfeitamente apropriadas para esse fim.
Deixarei em aberto aqui a questão de saber como as teses da psicologia cognitiva assimilada por Kuhn poderiam ser aplicadas ao ensino e à articulação adicional do paradigma winnicottiano, por exemplo, ao ensino e desenvolvimento da teoria winnicottiana do reconhecimento da mãe pelo bebê. Diferentemente de Kuhn, Winnicott não pensa que o bebê reconhece a mãe em primeiro lugar, ou mesmo exclusivamente, pelas presentações sucessivas sensoriais, ou seja, mediante dados cognitivos, mas pelos cuidados que recebe dela. O reconhecimento é de ordem prática, não cognitiva ou, mais precisamente, não representacional. O mesmo vale para o reconhecimento da identidade de objetos transicionais etc.
Os recentes avanços de neurociências parecem oferecer mais chances de diálogo produtivo. Essas disciplinas dispõem de grande número de casos clínicos (veja, por exemplo, os casos de distúrbios apresentados por António Damásio em suas diferentes obras), que as levam a atribuir uma importância decisiva ao relacionamento efetivo das mães com os bebês no desenvolvimento, não somente da capacidade emocional, mas também das aptidões cognitivas e processuais. Isso indica que casos e verbetes winnicottianos relativos a esse tipo de relação (e certamente os que dizem respeito a outros tipos de relacionamento) poderiam ser traduzidos para a linguagem dessas disciplinas e ensinados com a ajuda destas – uma tarefa que pode ser vista como relativa à articulação e ao desenvolvimento do paradigma winnicottiano.
A terceira modalidade de ensino considerada por Kuhn repousa sobre a aquisição da linguagem, conforme o linguistic turn ensaiado por ele nos anos 1980 e 1990. Essa abordagem poderá ser usada para pôr em evidência várias teses de Winnicott relativas ao discurso psicanalítico, em particular: 1) a distinção entre termos teóricos ("terms") e descritivos ("words"), emprestados da linguagem cotidiana, 2) a interpretação verbal do sentido do comportamento e dos sintomas, 3) a insuficiência da linguagem sexual e metapsicológica da psicanálise tradicional para essa tarefa, e 4) a necessidade de usar, na descrição de cada fase de amadurecimento, uma linguagem diferente, ou seja, termos teóricos e palavras descritivas apropriadas para os estados de coisas em pauta.
Em consonância com a tese de Taylor a respeito do caráter hermenêutico da interpretação das ciências humanas e com a generalização dessa tese por Kuhn para as ciências factuais em geral, o paradigma winnicottiano da psicanálise contém de fato algo como uma base hermenêutica para a psicanálise, permitindo a interpretação e a autointerpretação, ambas baseadas na compreensão de comportamentos humanos em determinados ambientes e situações. Não se deve perder de vista, contudo, que, para Winnicott, essas operações têm também o caráter pré-verbal, "intuitivo". Ele mostrou que os objetos subjetivos (seio, leite, mãe, braços da mãe) são identificados pelos bebês, e pelos pacientes, sem o uso de conceitos. Indo além de Taylor, podemos dizer que existe uma dimensão de dação de sentido por meios não-verbais, temática tratada tanto pela hermenêutica filosófica do tipo heideggeriano quanto pela psicanálise winnicottiana.
7. Crítica de uma concepção alternativa de casos clínicos psicanalíticos
A concepção de caso clínico apresentada no presente artigo difere essencialmente da defendida por J.-D. Nasio. Segundo o psicanalista portenho radicado na França (ver a introdução da coletânea organizada por ele em 2000), um caso clínico desempenha três funções: 1) uma função didática, enquanto exemplo de uma tese teórica dramatizado pelo analista, ou seja, escrito como faria um "diretor de teatro que busca criar no espectador uma tensão tão cativante quanto o suspense de um drama" (p. 22), 2) uma função metafórica, visto que, num caso clínico, os conceitos "se apagam diante do exemplo que faz as vezes deles" (p. 24), e 3) uma função heurística, pois possui uma "fecundidade demonstrativa", tornando-se geradora de novos conceitos e de novas hipóteses teóricas (p. 25).
Eu poderia acomodar, embora não sem várias modificações, essas três funções na minha caracterização de casos clínicos de Winnicott esboçada no presente trabalho. Tenho grande dificuldade, contudo, de fazer o mesmo com a tese adicional de Nasio de que, funções mencionadas à parte, um caso é sempre uma "ficção", no sentido de ser uma "reconstituição fictícia", uma "história remanejada" ou um "relato forjado", enfim, uma "deformação" de um fato real que se torna outro por ação da memória, do desejo, da teoria e da escrita do analista (2000, pp. 25-26). Em suma, diz Nasio, nós psicanalistas "extraímos de uma experiência verdadeira uma ficção, e, mediante essa ficção, induzimos efeitos reais no leitor. Com base no real, criamos uma ficção e, com a ficção, recriamos o real" (p. 26).
É fácil ver que o conceito de Nasio de caso clínico, de sabor lacaniano (os "casos" de Lacan são tirados em sua grande maioria da ficção literária) , não se aplica aos casos de Winnicott, que são decididamente não-ficcionais, pois consistem, em grande parte, de transcrições de anotações tomadas durante sessões ou de resumos desse tipo de dado, uma prática não habitual entre os psicanalistas tradicionais. Isso é verdadeiro, em particular, para os dois casos clássicos de Winnicott, o caso B e o caso Piggle, e todas as 21 consultas terapêuticas. No relato do tratamento de Piggle, Winnicott toma a precaução de separar as anotações relativas ao andamento das sessões de seus comentários clínicos, cuida de colocar suas observações teóricas na margem do texto, além de acrescentar a cada sessão as transcrições verbatim de cartas dos pais da Piggle, autorizadas por estes. Sem dúvida, as anotações de Winnicott são incompletas, não raramente substituídas por resumos do que foi dito e, apesar de seu cuidado em não misturar seus comentários ao material das sessões, elas estão carregadas de teses provenientes de sua teoria de amadurecimento. Não há como negar que, além disso, elas captam só muito parcialmente a atmosfera e os aspectos não verbais das sessões. Mas isso não as transforma em ficções.
Nota-se, ainda, que a concepção de caso clínico como ficção priva a psicanálise do seu caráter científico e a condena a não ser mais do que um exercício de escrita do tipo semelhante à religiosa, poética ou mesmo pseudocientífica, as quais, como vimos, foram explicitamente excluídas da psicanálise por Winnicott. É um sinal dos tempos o fato de Nasio não falar sozinho. Sua concepção, embora diga respeito especificamente aos casos clínicos, não parece ser muito diferente da aproximação que Thomas Ogden faz, no artigo mencionado anteriormente, entre os textos teóricos de Winnicott e a escrita ficcional de grandes poetas. Não estou querendo dizer , com isto, que não existam elementos ficcionais na ciência. Esse fato foi reconhecido já na antiguidade grega. O que sustento é que, em oposição a ficções filosóficas, religiosas ou literárias, as científicas são caracterizadas pela propriedade de poderem ser publicamente discutidas – isto é, racional e livremente aceitas ou rejeitadas –, de servirem para formular e resolver problemas do tipo de quebra-cabeças e pelo fato de o seu fracasso nessa função – isto é, o surgimento de problemas anômalos, no sentido de Kuhn – poder nos obrigar a modificá-las e mesmo a abandoná-las para substituí-las por outras.
Apesar dos esforços de Freud e, em seguida, de vários outros autores, entre eles Winnicott, de constituir a psicanálise como ciência factual, esta continua tendo dificuldades em ser aceita no rol desse tipo de disciplina. Muitos psicanalistas se mostram desencorajados a tentar de novo. Por outro lado, em que pese o prêmio Goethe concedido a Freud por iniciativa de Thomas Mann, a esperança de alguns de que a psicanálise seja aceita como um gênero literário respeitável tem poucas chances de se concretizar. Os pacientes na sua maioria não parecem dispostos a pagar para serem transformados em ficções pelas quais os analistas possam impressionar seus leitores desavisados. Caso os psicanalistas insistam nesse tipo de exercício, ficarão, temo eu, sem pacientes. Estes procurarão outras terapias hoje em evidência cada vez maior – cognitivistas, neurológicas, medicamentosas etc.– , que não os transformam em ficções, mas precisamente em quebra-cabeças do tipo kuhniano, cada qual a partir de sua matriz téorica. Além disso, se lidos como ficções transformadoras da realidade, poucos textos de psicanalistas encontrados nas publicações psicanalíticas poderão resistir à concorrência da maré da literatura mistificadora dos dias de hoje. Se não atentar para esses e outros perigos que começam a rondar a psicanálise quando se afasta da área científica, esta corre o risco não apenas de desaparecer como modalidade da clínica, mas de ser totalmente marginalizada na vida cultural contemporânea ou, na melhor das hipóteses, transformada em objeto de estudos filológicos e de história de ideias.
Haveria fundamentos para antecipar um futuro mais promissor para a psicanálise? Espero que os apontamentos apresentados no presente trabalho forneçam boas razões a favor de uma interpretação kuhniana dos casos clínicos de Winnicott – do seu surgimento, da sua função e natureza, da sua estrutura e do seu uso no ensino e na pesquisa psicanalíticas. Dessa forma, ficamos munidos de um esquema para classificar o material clínico winnicottiano como resultados científicos os quais, somados a outros elementos do paradigma winnicottiano, terão contribuído, de modo significativo, para o progresso da psicanálise. À luz dessa constatação, o retorno a Freud, quer no estilo florido apregoado por Lacan, quer no estilo academicamente bem comportado praticado por certos psicanalistas contemporâneos (do tipo: Winnicott está contido no último Freud), representaria um retrocesso. Sem dúvida, pesquisas importantes precisam ainda ser feitas sobre todas as modificações do paradigma freudiano aqui trabalhadas e sobre muitas outras introduzidas por Winnicott. Contudo, talvez não seja em vão apostar na possibilidade de que tais desenvolvimentos poderiam contribuir para a articulação adicional e o desenvolvimento do paradigma do bebê no colo da mãe como um quadro frutífero para a resolução de problemas humanos que hoje ainda chamamos e os quais, por razões não desprezíveis, gostaríamos de poder continuar a chamar de psicanalíticos.
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Endereço para correspondência
E–mail: Loparicz@uol.com.br
* Versão modificada e ampliada da palestra proferida no XIII Colóquio Winnicott, realizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana em 29-31/05/2008 na PUC-SP.
1 É interessante notar que, em Ser e tempo, Heidegger concebe o mundo cotidiano como um ambiente de tarefas e a ocupação com as coisas como uma atividade de resolução de problemas pragmáticos (cf. Loparic, 1982, p. 11).
2 Esse fato foi notado por Rouse, Nickles e outros (cf. Nickles, 2003, p. 166).
3 Uma ilustração histórica dessas teses de Kuhn é fornecida pelos três ensaios (sobre geometria, ótica e meteorologia) que acompanham o Discurso do método de Descartes
4 Um contraste interessante é fornecido pela biologia, na qual mesmo os pesquisadores qualificados, ainda nos dias de hoje, continuam lendo diretamente as obras de Darwin (Hodge & Radick, 2009, p. 277).
5 Sobre o aprendizado da classificação não de problemas, mas de objetos, veja, por exemplo, Kuhn, 1977, p. 306 e ss.
6 Nos trabalhos posteriores à Estrutura, Kuhn continuará insistindo sobre o paralelo entre a evolução cognitiva e biológica (cf. 2000, p. 96; Hodge & Radick, 2009, pp. 165-166).
7 Note-se que vários elementos dessa tese encontram-se já em Kant.
8 Esse tipo de argumento encontra-se, por exemplo, em Kant, 1785/1900, Introdução.
9 Não está claro qual é exatamente o argumento de Taylor aceito por Kuhn no artigo aqui discutido, assunto antecipado pela observação de Kuhn, na Estrutura, de que o projeto da paz perpétua talvez nunca possa ser formulado como um quebra-cabeça. Não há dúvida de que os sistemas políticos mudam ao longo da história. Contudo, é plausível pensar que certos fins políticos foram, senão preservados, ao menos constantemente reinventados, se mais não for na histórica política do ocidente, entre eles, o republicanismo, os direitos humanos e a paz entre as nações. Esse fato permite conceber uma ciência política à maneira de Kant, como teoria da realização de certos fins por meios que estão ao alcance de agentes humanos, a saber, as faculdades, predisposições e tendências dos indivíduos e do gênero humano descritos pela antropologia. A utilização desses meios para os fins mencionados não é apenas um problema de interpretação, mas de descoberta de caminhos de execução de certas medidas, portanto, um problema semelhante aos da administração racional de assuntos econômicos, os quais, segundo Kuhn, já teriam as características de quebra-cabeças.
10 Segundo Thomas Ogden, a obra de Winnicott apresenta fortes semelhanças com a escrita compacta, inteligente, brincalhona, às vezes charmosa, outras vezes irônica, mas sempre única do Ficções de Jorge Luis Borges e da prosa e poesia de Robert Frost (Ogden, 2002). O meu desacordo com esse modo de ler Winnicott será explicitado no que segue.
11Detalhes sobre as teorias freudiana e winnicottiana da solubilidade dos distúrbios psíquicos, bem como sobre o aumento de capacidade solucionadora da psicanálise, são tratados em Loparic, Z.: "Resolução de problemas clínicos na psicanálise winnicottiana". Manuscrito em preparação para a revista Winnicott e-Prints.
12 Essa distinção é feita com clareza em Winnicott, 1971b/1984, pp. 9 e 11.
13 No ensino da psicanálise ministrado pela Escola Winnicottiana de Psicanálise da SBPW, os casos são ordenados precisamente segundo a fase na qual teve origem o distúrbio ilustrado
14 Cf. 1989a/1989, cap. 43, e 1958a/2000, caps. 9 e 10, respectivamente.
15 Cf. 1965b/1983, cap. 23.
16 Sobre o novo uso que Winnicott faz da interpretação, veja Dias, 2008.
17 Esse tópico foi tratado em Loparic, 2005
18 Entre os estudos que reconhecem a relevância da perspectiva kuhniana para articulação da psicanálise de Winnicott, está o recente artigo de Abram, 2008.
19 Sobre o desafio representado para a psicanálise pelas ciências cognitivas, cf. Loparic, 2007.