Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Mental
versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X
Mental v.1 n.1 Barbacena dez. 2003
RESENHAS
Rachel Gazolla Frascardi*
Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil
RIVERA, Tânia. Arte e Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. 75p.
Tânia Rivera é psicanalista e professora da Universidade de Brasília, onde atua no departamento de Psicologia Clínica junto à graduação, pós-graduação e no Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica. É doutora em Psicologia pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica, e autora de diversos artigos.
Essa obra é dividida em quatro partes, todas envolvendo encontros e desencontros entre a arte e a psicanálise. A primeira parte recebeu o nome de Espelhos em pedaços. Refere-se à psicanálise e à arte no século XX que, por nascerem na mesma época, não param de se atrair, se distanciar e se esbarrar. A aproximação vem do fato de ambas serem produtos culturais que compartilham o mesmo espírito de época. E se distanciaram devido ao fundador da psicanálise não ter escondido sua antipatia em relação à arte moderna. Freud conseguiu estabelecer um parentesco entre a psiconeurose e a criação artística (sublimação).
A segunda parte destaca alguns artistas como René Magritte, que afirma que a psicanálise não estaria qualificada para explicar suas obras, porque ele não crê na existência de uma atividade inconsciente e rejeita a idéia de que elementos de uma obra tenham outros significados. Outro artista que merece destaque é Leonardo Da Vinci, por ter suas obras analisadas por Freud. Por intermédio da biografia sobre as lembranças de infância do artista, Freud observa uma forte inibição em sua vida erótica, talvez por ter uma atividade sexual pobre ou inexistente, reduzida a uma homossexualidade “ideal”. Da Vinci possui o dom de exprimir em sua criação suas mais secretas emoções, que passam por profundas mutações antes de contribuírem para a criação artística. Assim no famoso sorriso leonardesco que possui a Gioconda (o retrato de Mona Lisa del Giocondo), para Freud é um sorriso perdido, o sorriso da mãe de Leonardo. Conclui-se que Freud, ao analisar Da Vinci, pôde expor o método psicanalítico, aplicando-o a um material talvez mais sublime do que a vida das pessoas comuns em seu consultório.
Na terceira parte do texto, a autora continua a falar sobre a obra Mona Lisa, agora de forma bem humorada. Isso porque em 1919, Marcel Duchamp desenha sobre a produção finos bigodes virados para cima e um pontudo cavanhaque, com a frase: “ela tem fogo no rabo”. Duchamp explorou vários tipos de humor ao longo de sua obra e tornou-se conhecido como “monstro” da arte moderna. Foi dele a idéia de levar um pouco de inteligência às pinturas, ou seja, juntar seus projetos aos principais movimentos de vanguarda. Foi convidado para ser jurado na Primeira Exposição dos Independentes; levou consigo uma de suas obras (Urinóis de parede de banheiros públicos) que fez com que os demais jurados recusassem o objeto e Duchamp renunciasse ao cargo. Entre 1946 e 1966, Marcel Duchamp produziu, em segredo, uma obra que foi mostrada ao público após a morte do artista. Essa produção se apresenta como uma maciça e antiga porta de madeira, contendo dois buracos. Através deles, podia-se espiar tanto o corpo de uma mulher com o sexo à mostra, como também uma suave cascata em uma paisagem campestre. Em 1919, Freud descarta as categorias estéticas tradicionais para colocar em seu lugar “o estranho”, que envolve relações com a castração e o papel do espelho na constituição do eu. Neste capítulo está presente a escultora, desenhista e gravadora franco-americana Louise Bourgeois, que defende que o fundamental na criação artística é o “acesso ao inconsciente”. Em seu trabalho, encontra-se uma espécie de auto-análise constante, já que todos os temas são inspirados na sua infância. Dessa forma, no capítulo O olhar e sua estranheza, a psicanálise e a arte continuam realizando encontros e desencontros, seguindo uma alternância de espelhamentos e estranhamentos radicais.
O final do livro, em sua quarta parte, tem como tema Corpo, arte e psicanálise: inclusões. Essa passagem do livro vem demonstrar, ainda com Freud, a questão da castração em relação à feminilidade. No entendimento freudiano, a menina não apresenta simplesmente uma configuração do Complexo de Édipo, tendo o pai como objeto de amor. A menina está próxima ao menino em se tratando do órgão genital, pois também acredita que esse ainda irá se desenvolver. Freud, em 1932, renuncia a essa teoria e aconselha que cada um que deseje saber mais sobre a feminilidade examine sua própria experiência de vida ou consulte “as portas”. Deduz-se então que não há lugar para encontros marcados entre a arte e a psicanálise, mas ambas continuam se esbarrando de madeira imprevisível.
Escrito em linguagem de fácil compreensão para iniciantes no tema, o livro de Tânia Rivera convida o leitor a penetrar em dois mundos diferentes e ao mesmo tempo análogos.
*Aluna do 2º período do curso de Psicologia da UNIPAC/Ubá