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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.6 n.11 Barbacena dez. 2008

 

ARTIGOS

 

O aparelho de influenciar da psicose: o artifício de Vitor Tausk

 

Psychosis’ influence apparatus: Vitor Tausk’s artifice

 

 

Renata Damiano Riguini* ; Oswaldo França Neto**

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais

 

 


RESUMO

Neste trabalho retomamos, na psicanálise, um texto que consideramos fundamental para o entendimento do problema da psicose em relação à linguagem. Trata-se do texto de Vitor Tausk, Da gênese do “aparelho de influenciar” no curso da esquizofrenia, em que o autor percebe fenômenos de influência externa que são atribuídos, pelos pacientes esquizofrênicos, como emitidos por um aparelho. Como instrumento para melhor elaborar o caráter de exterioridade da própria linguagem foi usado o “aparelho de influenciar da esquizofrenia” articulado a fragmentos de três casos clínicos, a fim de vislumbrarmos o aparelho, o artifício, da psicose.

Palavras-chave: Psicose, Linguagem, Aparelho.


ABSTRACT

This work attempts to retrieve a psychoanalytical text by Vitor Tausk that we consider essential for the understanding of the psychosis problem with language. In this text – ‘About the genesis of the”influence apparatus” on the course of schizophrenia’ – the author observes phenomena of external influence, which are perceived by schizophrenic patients as produced by an apparatus. As a tool to better elaborate on the external character of language itself, the ‘influence apparatus of schizophrenia’ as applied to fragments of three clinical cases to catch a glimpse on the apparatus- the artifice- of psychosis.

Keywords: Psychosis, Language, Apparatus.


 

 

Ao pesquisar1 a questão da linguagem na psicanálise, a fim de alcançar suas consequências na psicose, nos deparamos com a curiosa noção de aparelho, que para ser dimensionada deve-se fazer um retorno aos primórdios da psicanálise e, com esse material, tentar medir o alcance da seguinte fórmula de Lacan:

A realidade é abordada com os aparelhos do gozo. Aí está mais uma fórmula que lhes proponho, se é que se pode convir que, aparelho, não há outro senão a linguagem. É assim que, no ser falante, o gozo é aparelhado (LACAN, 1985/1972-73, 1975).

Nesse esquema, encontramos o aparelho de linguagem quando Lacan agrega a esta sua parcela de gozo2. O aparelho é a organização do gozo do sujeito nas dependências de suas inscrições. Para tanto, o aparelho tem como matéria lalangue: a linguagem em sua função de gozo, não com uma função comunicacional, mas a que fornece a relação do sujeito com a língua – esta última entendida como “(...) nada além da integral dos equívocos que sua história deixou persistirem nela. É o veio em que o real (...) se depositou ao longo das eras” (LACAN, 1972 [2003], p. 493). Mas, e quanto à psicose? Sabemos que nessa estrutura encontramos diferentes arranjos na linguagem e, especialmente, encontramos o que Freud chamou de prevalência das palavras em detrimento das coisas.

Portanto, torna-se contundente esclarecer que, especialmente para Lacan, a questão da linguagem foi fundamental para o estabelecimento de uma clínica. É prescindível argumentar sobre o seu retorno a Freud, pela via da linguística de Saussure e Jakobson, e assim poder colocar o axioma funda¬mental dos primeiros anos de seu ensino: ‘O inconsciente é estruturado como uma linguagem’. Quanto à psicose, encontramos na primeira clínica lacaniana – uma clínica pautada no ordenamento simbólico – uma teoria que ressalta os fenômenos elementares que relevam os distúrbios de linguagem3. No entanto, apesar de no final de seu ensino Lacan deixar de privilegiar a lógica simbólica para afirmar a condição do sujeito sustentada no nó onde real, simbólico e imaginário se articulariam sem hierarquia, ele não deixa de falar da psicose, apontando para suas relações com a linguagem.

Nesse sentido, vale ressaltar o próprio Seminário 23, no qual nos deparamos com Joyce tentando se haver com a língua, ou a apresentação de enfermos, conduzida por Lacan, em que localizou o que chamou de ‘psicose lacaniana’, caracterizada, em última instância, pelas “falas impostas”, dizendo: “Hoje vimos um psicótico lacaniano (...) muito claramente identificado. Com essas “falas impostas”, o imaginário, o simbólico e o real. (...) Este é um quadro clássico que não se encontra descrito” (LACAN, 2000, p. 16). Ora, o que Lacan aponta nessa apresentação e nos convida a estudar é, no nosso enten¬der, exatamente a forma como as “falas” se impõem, ou seja, a forma como a língua invade se não há um tratamento – simbólico pela linguagem como na neurose – no sujeito psicótico. Portanto, o que o sujeito psicótico vai tratar de domesticar é o gozo da língua4.

Como é que todos nós não sentimos que as palavras das quais nós dependemos nos são de algum modo impostas? É bem em que um doente chega algumas vezes mais longe do que se chama um homem saudável. A questão é mais de saber por que é que um homem normal, dito normal, não percebe que a palavra é um parasita? Que a palavra é uma incrustação? Que a palavra é a forma de câncer pela qual o ser humano está afligido? Como é que alguns chegam a senti-lo? (LACAN, 1975, p. 133).

Portanto, a palavra se faz como o câncer natural do ser humano. E é também pela e com a palavra que ele instrumentalizará seu gozo. Tendo esclarecido nosso ponto de partida, voltaremos ao aparelho como conceito capaz de admitir e logicizar o encontro do ser falante com a linguagem em sua vertente de real, em sua vertente de gozo.

A palavra ‘aparelho’ já se encontra no ‘Projeto para uma psicologia científica’ (setembro/1895), quando Freud, neurologista, já desenvolvendo o que chamou de ‘aparelho psíquico’, tentou delinear o que seria o funciona¬mento psíquico através de um método de abordagem quantitativo que coloca¬va em cena o que ele determinava como energia psíquica. Em outubro de 1895, endereçando-se ao seu interlocutor privilegiado, Wilhem Fliess5 escreve: “Tudo pareceu encaixar-se e as engrenagens se ajustavam dando a impressão de que o conjunto era realmente uma máquina que logo começaria a andar sozinha” (FLIESS, 1895, p. 337). Curioso ainda apreciar na ‘Introdução do Editor Inglês’ a analogia que se faz do aparelho de Freud com um computador eletrônico, pois “ambos trabalham para receber, armazenar, processar e forne¬cer informações”. (STRACHEY, 1996, p. 344)

Essa ideia freudiana baseava-se em um modelo pautado na termodinâmica, em que termos como estados quantitativos, partículas materiais especificáveis, inércia, acúmulo, movimento, repouso, excesso, descarga, estímulo, conversão e substituição permeiam todo o escrito, apoiados à ideia de que a excitação neuronal – como quantidade em estado de fluxo – deve se render ao princípio da inércia, a fim de manter o sistema psíquico em bom nível. Assim, Freud combina a teoria da quantidade à teoria do neurônio, chegando à noção de um neurônio catexizado (FREUD, 1896, p. 349-350).

Para Lacan, é indubitável que Freud, ao assumir esse percurso, se debruçava na estrutura da linguagem em geral e, especialmente, nas relações do homem com a linguagem, com o simbólico. Com o aparelho de Freud, Lacan, no seu segundo seminário ‘O eu na teoria de Freud e na psicanálise’ (1985/1954-55), faz uma interlocução com a cibernética e realça que, assim como nestas “maquininhas”, a linguagem veio de fora e funciona conforme uma lógica – simbólica – de onde parte para dizer:

Por que será que ficamos tão admirados com estas máquinas? Talvez isto possa ter algo a ver com as dificuldades que Freud encontrou. Pois a cibernética também procede de um movimento de admiração ao reencontrá-la, esta linguagem humana, funcionan¬do quase sozinha, parecendo passar-nos a perna (Ibidem, 154).

Às voltas com o reconhecimento de uma instância simbólica, Lacan (ibidem) usou o aparelho de Freud para sustentar suas hipóteses sobre a relação do sujeito com a função simbólica, ao reconhecer um parentesco entre tal ordem e a máquina estratégica. Desta forma, faz uma leitura do aparelho freudiano em termos de inscrições de presença e ausência, que se alternam como em um jogo de sorte. Entretanto, em determinado momento, o que era um jogo de sorte passa a ter uma lógica, e tendo reconhecido esta lógica Lacan declara: “jogar é ir no encalço de uma regularidade presumida” (Ibidem, p. 152). Assim ele demonstra como o jogo do símbolo organiza o sujeito, e alguns anos mais tarde ele ainda vai dizer:

A teoria dos jogos, melhor chamada de estratégia, é o exemplo disso, nela se tirando proveito do caráter inteiramente calculável de um sujeito estritamente reduzido à fórmula de uma matriz de combinações significantes (LACAN, 1965, p. 874).

No seu terceiro seminário, intitulado ‘As Psicoses’ (1955-56; p. 290), Lacan, partindo da Traumdeutung de Freud, chamou de “aparelho do significante” um dispositivo cujo material fundamental é o significante, na medida em que é algo que, por seus traços, inscreve e trilha os caminhos do desejo para cada sujeito. A realidade, na neurose, depende da integração de um sujeito no jogo dos significantes, por isto é possível dizer que o neurótico habita a linguagem e, se ele a habita, “o psicótico [entretanto] é habitado, possuído, pela linguagem” (Ibidem, p. 284).

Assim, notemos que Lacan vai usar, muito antes do Seminário 20 ‘Mais, Ainda’(1972-73), a ideia de aparelho de linguagem para explicar os “fenô¬menos elementares”, conforme destacado por Clérambault6, apontando seu mecanismo sucinta e precisamente como uma “síndrome de ação exterior”, colocando em evidência a relação de exterioridade do sujeito com o signi¬ficante. Essa observação, se bem usada, nos coloca na direção clínica para o reconhecimento de um psicótico ainda não desencadeado, e a despeito das preconizações da Cid-10, ao perceber o uso singular da linguagem que fala. Valiosa apreciação: reconhecer a posição de um sujeito diante da linguagem.

A síndrome de influência deixa ainda certas coisas no vago, mas a síndrome de ação exterior, por mais ingênua que pareça, sublinha bem a dimensão essencial do fenômeno, a exterioridade do psicó¬tico em relação ao aparelho de linguagem. Daí se pôr a questão se o psicótico verdadeiramente entrou na linguagem (Ibidem, p.i285).

Nesse sentido, encontramos Lacan se perguntando sobre o aparelho de linguagem diante da psicose, e continuamos a pergunta: qual é o aparelha¬mento de gozo da psicose? Se a linguagem aqui faz artifício, não é pelos conhecidos efeitos de linguagem em sua dimensão de simbólico onde encon¬tramos as formações do inconsciente, mas talvez pelo que nela se encerra e se fixa de real.

Portanto, se neste breve apanhado sobre a noção de aparelho em psica¬nálise – que não pretende esgotar sua abrangência – nos deparamos, especial¬mente, com o aparelho psíquico de Freud, o aparelho do significante e o aparelho de linguagem, ambos de Lacan, foi para retomar, com eles, o aparelho da psicose, precisamente ‘o aparelho de influenciar da esquizofrenia’, descrito por Vitor Tausk.

À medida que a difusão das ciências técnicas avança, vê-se que todas as forças naturais domesticadas pela técnica são trazidas a contribuir na explicação do funcionamento deste aparelho; mas o conjunto das invenções humanas não basta para explicar as notáveis ações desta máquina pela qual os doentes se sentem perseguidos (TAUSK, 1919, p. 41).

Vitor Tausk (1879-1919) teve uma curta participação na história da psicanálise, precisamente dez anos. Aos 30 anos, no outono de 1909, ingressou-se no grupo de Viena, que se reunia em torno de Freud. Tausk, que tinha como formação o direito e o jornalismo, nesta ocasião formou-se em medicina, sempre direcionando sua prática para a psiquiatria, pois se interessava diretamente pela loucura. Logo ele se tornou um especialista em doenças nervosas, mas a guerra o surpreendeu violentamente. Tausk foi convocado para o serviço ativo e prestou, com dedicação, suas obrigações médicas. A guerra lhe imputou muitas exigências e o conduziu a uma irritabilidade nervosa que foi se agravando a cada dia. Em 1919, Tausk curiosamente construiu um artifício – uma máquina? Um aparelho? –, que ele usou para se matar.

O suicídio foi meticulosamente planejado por Tausk para que não houvesse erro na sua execução e que pudesse redundar na sua sobrevivência (...).
Assim, com uma corda no pescoço para que o enforcamento fosse capaz de secundar o tiro incerto na cabeça, a mecânica de seu suicídio foi construída por Tausk como uma máquina perfeita e infalível (BIRMAN, 1990, p. 21).

Vitor Tausk destacou-se como personagem polêmico na psicanálise, e sua relação com Freud foi marcada por uma instabilidade, às vezes pela discórdia. Inovador e reconhecidamente muito talentoso, tendo constituído seu campo pela experiência com a clínica da psicose, ele explorou domínios antes não tocados pela psicanálise.

Com a vida interrompida aos 40 anos, Vitor Tausk deixou, como sua mais importante obra, entre outros trabalhos, o artigo intitulado Da gênese do ‘aparelho de influenciar’ no curso da esquizofrenia, que foi publicado no ano de sua morte. Apesar das discórdias, Freud escreve logo após sua morte (FREUD, 1919, p. 295):

A psicanálise em particular tem uma dívida com o Dr. Tausk (...). Todos aqueles que o conheceram bem valorizavam o seu caráter franco, a sua honestidade consigo mesmo e com os outros e a superioridade de uma natureza que se distinguia por um empenho pela nobreza e pela perfeição.
Não há dúvida que este homem, de quem a nossa ciência e os seus amigos em Viena foram prematuramente roubados, contribuiu para este objetivo [o reconhecimento da psicanálise]. Ele assegurou uma lembrança honrosa na história da psicanálise e das suas primeiras lutas.

Sua vida finalizou-se, portanto, com o suicídio aos 40 anos, deixando na história da psicanálise um marco de interrogação e silêncio em torno de sua vida e sua obra... No entanto, a obra permanece, e assim também seu aparelho.

O aparelho, observado por Tausk em pacientes esquizofrênicos, é, segundo sua definição, um instrumento construído pelo delírio, ou ainda é uma máquina (...). Compõe-se de caixas, manivelas, alavancas, rodas, botões, fios, bateria, etc., que normalmente não são bem situadas e definidas pelo sujeito, só podendo ser evocadas por alusões (TAUSK, 1919, p. 40). Diferente¬mente da psiquiatria em vigor, que se restringia a descrever os quadros, Tausk procurou identificar a significação dos sintomas em um contexto histórico e estrutural a fim de vislumbrar o mecanismo psíquico, e seguindo o curso de Freud quando, na mesma época, estudou o caso Schreber, Tausk deu o determinado valor conferido ao delírio pela psicanálise, ou seja, para ele também o delírio é uma tentativa de cura.

Para Tausk, novamente nos rumos da psicanálise, são os exemplos isolados e únicos que permitem observar as “origens e as condições de aparecimento dos sintomas”, dando luz para explicações sobre os quadros que chama de “invariavelmente idênticos” (Ibidem, p. 40). Portanto, reconhecemos em Tausk – na contramão da psiquiatria – uma busca pela significação dos sinto¬mas e de uma lógica do mecanismo psíquico em casos isolados.

Minhas considerações fundam-se num exemplo único do ‘aparelho de influenciar’. Pelo que sei, difere de todos os outros aparelhos pelos quais um certo tipo de esquizofrênico diz ser perseguido, mas permite, entretanto, dados seus detalhes de construção, que se tente uma explicação psicanalítica da origem e finalidade psíquica deste instrumento construído pelo delírio (TAUSK, 1919[1990], p.i39).

Dessa forma, ele interpreta o aparelho de influenciar7, fenômeno visto em muitos casos de esquizofrenia que observou e descreveu, enumerando uma série de efeitos de seu funcionamento:

1) Ele pode apresentar imagens ao sujeito, como um cinema, um projetor.

2) Ele é capaz de produzir ou furtar os pensamentos e, ou, sentimentos do paciente via ondas, raios ou forças ocultas, uma vez que está sob o comando do perseguidor.

3) O aparelho pode produzir ações motoras no corpo do paciente como ereções e poluções. Tais ações também são efeitos produzidos por correntes elétricas, ou magnéticas, raios-X, etc.

4) Produz sensações muitas vezes indescritíveis, outras são comparadas pelo paciente como, por exemplo, de uma corrente elétrica.

5) O aparelho é responsável por outros fenômenos somáticos que são sentidos como implantados no sujeito. Assim, uma erupção cutânea ou um furúnculo é algo atribuível ao aparelho.

6) O aparelho é manipulado por um perseguidor inimigo do sujeito que o coloca em funcionamento de forma obscura e enigmática (Ibidem, p. 41).

O aparelho nem sempre se constitui como um aparelho, ou seja, nem sempre o paciente pode reconhecê-lo como tal, sendo, muitas vezes, apenas reconhecido como uma influência psíquica estranha, uma sugestão, uma força telepática... (ibidem, p. 42) e assim, segundo Tausk, o próprio aparelho seria uma manifestação mais tardia da doença, de onde poderíamos inferir que a montagem do aparelho, sua elaboração via delírio, depende de um tempo de construção.

Para ilustrar esse “estádio anterior” à montagem efetiva do aparelho, posso colocar um caso de esquizofrenia - cujo sujeito chamarei de Augusto – em que o paciente, mesmo estando devidamente “estabilizado”, diz: às vezes não sinto meu corpo e não sei para onde estou indo. Parece que tem alguém me guiando, me levando. É... dizem que é Deus que está no comando de tudo. Deve ser isto. O que se torna mais relevante aqui é que seu delírio visa encontrar uma causa para as transformações patológicas que dominam a vida afetiva e sensorial do doente e que são patentemente sentidas como estranhas e desagradáveis (ob. cit., p. 44).

Vitor Tausk chama a atenção para a necessidade humana de encontrar uma causalidade para explicar os acontecimentos. No entanto, ele abre parênteses para falar de alguns esquizofrênicos, em estádio inicial da doença, que a despeito de sentirem profundas transformações físicas e psíquicas não procuram explicação em algo exterior, só reconhecem as transformações com um sentimento de estranheza. Aqui podemos citar mais um caso: um rapaz de 28 anos procurou o serviço de atendimento à Saúde Mental para tentar resolver um “problema físico”: Leandro, como o chamarei, desde 1998, depois de ficar persecutório com uma vizinha que “invejava” seus quadros – quadros pintados e montados com materiais de toda sorte –, começou a andar a esmo e, logo em seguida, se apropriou de uma sacola de plástico onde coloca duas peças de roupas. Esta sacola se tornou então indispensável para que ele andasse, pois estava se sentindo “desequilibrado e fraco”, como me disse, física e mentalmente, e a sacola lhe servia então como algo que equilibra.

Curioso observar, tendo como inspiração os exemplos de Vitor Tausk que propôs para esquizofrenia uma ‘língua de órgão’8, que quando pedido para andar pela sala sem a sacola ele andava normalmente, mas continuava afirmando, veementemente, estar “desequilibrado”. Se se tratasse de um caso de histeria, segundo Freud com Vitor Tausk, veríamos um sujeito cair no chão sem a menor associação entre o desequilíbrio físico e o mental, pois o recalque se encarregaria de manter as duas ideias afastadas e só atualizadas metaforicamente no sintoma. Poderíamos acrescentar que as ideias recalcadas seriam representadas pelo sintoma, uma vez que tratamos com significantes. Para Leandro, no entanto, o significante não representa, mas designa, e ele fica desequilibrado.

Assim, ele só pôde dizer de seu desconforto como uma esquisiteza no meu corpo físico, sem, no entanto, elaborar algo a mais em torno disto. Para Tausk (ibidem, p. 43), partindo daí, estaríamos no ponto de admitir que o aparelho de influenciar é o ponto final da evolução do sintoma, que teve início com simples sentimentos de transformação.

Dessa forma, Vitor Tausk postulou “fases” para o desenvolvimento do aparelho de influenciar. Primeiramente temos uma sensação inominável sentida em nível do corpo do esquizofrênico – sensação descrita, na maioria das vezes, com grande perplexidade (caso Leandro). Na segunda fase, encontra¬mos o delírio de influência em que o sujeito localiza algo exterior que seria responsável pelas sensações estranhas (caso Augusto). Na terceira fase, temos o aparelho de influenciar, que mesmo que nunca seja descrito ou organizado pelo sujeito é um momento que podemos calcular como lógico, tendo em vista a posição do sujeito (veremos o caso Marcelo).

Assim, para Birman (1990), o aparelho de influenciar, tal como Tausk o descreveu, não é uma simples formação psíquica, mas seu destaque na obra de seu observador se deveu ao fato de o aparelho ser um momento necessário que permite restaurar o sentido na perplexidade da experiência psicótica. Ora, sabemos que, ainda que esquizofrênicos, é o sentido um possível ordenador do infortúnio do desmembramento da experiência psíquica, e assim, via sentido delirante, o sujeito pode rearranjar sua vivência.

No entanto, para além da via do sentido, não poderia passar despercebida a ideia de Tausk de que o aparelho de influenciar seria uma simbolização, em primeiro lugar, dos órgãos genitais9 e, em segundo, da imagem do corpo próprio. É em termos de libido e sua organização – no autoerotismo e narcisismo – que ele vai tratar, então, as questões referentes à psicose.

Para Tausk (1919 [1990]), na psicose há uma regressão a um estádio infantil em que a libido ainda não foi capaz de investir em objetos do mundo exterior e permanece caótica, dispersa no corpo do sujeito, que é, ele todo, tomado como fonte erótica – o corpo todo é um órgão genital erogeneizado e sem regulação. Desta forma, a criança não conhece ainda o que poderia ser um corpo em unidade: é o que conhecemos como autoerotismo.

No desenvolvimento dito “normal” do sujeito, o narcisismo faria sua parte ao dar um corpo ao sujeito pelo processo de identificação. Aqui a libido toma o corpo como um objeto, um objeto, vale dizer, unificado, e Tausk pode falar em uma identificação com o corpo próprio. Então, neste momento, o narcisismo já sugeria uma relação com o eu e o autoerotismo: tratava-se, portanto, de uma relação com os órgãos como fontes de prazer (TAUSK, 1919[1990], p. 61).

Com efeito, reconhecemos aqui um trabalho de organização da libido e, consequentemente, de organização das relações objetais – por que não dizermos um aparelhamento? – que deveria culminar com o complexo de castração no curso de uma neurose. Entretanto, o que vemos na psicose é um estado de fixação libidinal em momentos lógicos anteriores. Ainda assim poderemos constatar um trabalho, em que as observações de Vitor Tausk sobre o aparelho de influenciar nos apresentam de forma inédita ao estudar a psicose, de uma tentativa de aparelhamento mesmo da libido – na medida em que esta poderia se organizar em um corpo, mesmo que fora – para além de sua função de conceder sentido ao real.

Afinal, o aparelho já pode ser pensado como algo que vem para ordenar, uma vez que é uma elaboração delirante e, agora mais ainda um aparelha¬mento da libido, a experiência esquizofrênica em nível do corpo é uma elaboração em torno do impensável. O aparelho de influenciar é uma máquina complicada e, quando manipulado, o que acontece no aparelho acontece também no corpo próprio. Há uma identificação da máquina com o corpo próprio, e nos chama a atenção quando pensamos que a saída, uma estabilização para esquizofrenia, seria encontrar uma solução para a falta do corpo próprio, ou melhor, para o corpo despedaçado.

Nesse ponto, recorreremos a mais um fragmento clínico. Marcelo, 34 anos, teve seu primeiro surto aos 17, quando namorava a funcionária doméstica de respeitada e rica senhora da sociedade. Marcelo, entre outros aconteci¬mentos, percebe que enquanto namorava a patroa da moça ficava observan¬do, e inferiu, em consequência, que ela o amava. Nunca tendo lhe dirigido uma palavra sequer, Marcelo descreve um relacionamento muito íntimo entre ele e a patroa de sua namorada, inclusive ela é a voz que ainda lhe fala coisas boas e lhe dá direcionamentos através de conselhos irrevogáveis.

Marcelo, sendo um rapaz extremamente gentil e afetuoso no trato com as pessoas, porque aprendeu com seu pai esse comportamento, tem, porém, um grande incômodo com o que escuta – como fenômeno imposto – em seu próprio pensamento: invasivos palavrões, ou as palavras de baixo escalão, como a elas se referem. Marcelo revela então que esses palavrões não o pertencem, sendo um produto de um aparelho. Apesar de não conseguir explicá-lo, sabe que foi colocado em sua mente pela célebre senhora.

Esse aparelho se chama escarlight, light como se vê nos produtos de emagrecimento, explica, e é responsável por escarrar palavrões em sua cabeça, o que lhe gera desconforto e um trabalho dispendioso, uma vez que quando alguém se aproxima o escarlight ofende as pessoas com sua série de palavrões obscenos em seu pensamento – enquanto, vale dizer, ele mussita – e Marcelo precisa anular este efeito fazendo elogios a estas pessoas. É certamente o paciente mais gentil do CAPS10 onde ele se trata.

O escarlight é o aparelho colocado em sua mente – e nem por isto deixa de lhe ser exterior – que explica os pensamentos impostos em forma de palavrões insuportáveis. O que explica a presença do aparelho é a senhora tê-lo colocado lá para testar sua bondade, pois ela ama Marcelo, mas ele deve ser bom, ter uma conduta irrepreensível. O mais interessante, neste caso, é poder reconhecer que as palavras podem ser impostas, assim como as sensações e toda sorte de mal-estar. Essas palavras não o pertencem e, mesmo assim, o assolam e o colocam a trabalho. As palavras vêm de fora, mesmo que estejam em seu pensamento, vêm precisamente de um aparelho colocado em sua mente. Com o escarlight Marcelo pôde interpretar sua experiência, e nos aponta para um aparelhamento de gozo na medida em que há uma localização exterior ao corpo da experiência psicótica.

O aparelho de Marcelo dá sentido à desorganização da própria linguagem quando, em sua condição psicótica, é invadido por ela, uma vez que, como na neurose, ele não pôde habitá-la, se mantém habitado por ela, e podemos mesmo falar de um desmembramento da linguagem, uma falta de apropriação anterior à apropriação do corpo próprio. Se não encontramos um significante11 que se habilite a dar consistência e ordenamento a todo discurso, o que encontramos é um aparelho incrustado que trata de imputar palavras que permanecem alheias ao sujeito. O significante carrega gozo, e o gozo necessita de aparelhamento, e vemos Marcelo tentando estabelecer algo ainda pela via de uma significação, ou seja, pela via do delírio.

Já Leandro, sem o recurso do delírio, empreende o tratamento de lalangue pela vertente de real da linguagem, ou seja, se esquivando do desarvoramento do sentido inapreensível por um ponto-de-basta na psicose, ele retoma a via artística e se coloca a produzir.

Em Television (1974 [2003]), Lacan coloca que há duas vertentes opostas da linguagem: a do sentido e a do signo. Esses vertentes são opostas na medida em que a segunda, em seu vigor, é captada como sem sentido, no entanto ali opera uma “fixão” de gozo. Ainda na vertente do sentido, alguns anos antes, precisamente em 1972, no texto ‘O aturdito’, Lacan pontua que o sentido só se produz pela tradução de um discurso em outro (Ibidem, [2003], p. 481), de onde enfatizamos justamente a tradução, que nos revela que aquilo que se diz é bem diferente daquilo do que se trata. Assistimos, neste ponto, toda criação mitológica, toda ficção12, ser criada pelo gume do sentido no que ele assegura uma existência. Por isto, como nos diz Lacan (1977, p. 14), ficamos sempre colados ao sentido. Se encontramos aqui, bem disposto à criação de sentido, o significante e suas propriedades, esperamos, na vertente oposta, que se coagule algo do gozo disperso que neste ínterim se coloca no ponto de fixação – ou fixão – do signo.

Encontramos, portanto, a psicose tratando a linguagem, manejando-a, muitas vezes pela via do real – já que a via do sentido, como sexual, é sub-vertida. Voltamos, então, ao caso Leandro – e a “esquiziteza” do seu corpo físico –, que encontrou os materiais da oficina de terapia ocupacional para seu empreendimento. Ele tece, pinta, desenha, escreve, cola e costura mate¬riais de toda sorte, mas seu trabalho ainda continua, pois, em seguida, é necessário vender seu produto. Leandro passa a transformar o real, que é a coisa em seu produto, em alguns Reais, fixando, cifrando, literalmente, o gozo disperso de seu corpo em frangalhos.

O aparelho de influenciar, aparelho construído para delimitar um gozo sentido no corpo dos esquizofrênicos, é um artifício que tem como finalidade circunscrever os fenômenos em algo que se constituiria, enfim, como um corpo. O aparelho apresenta uma solução para o enigma proposto pelas sensações de corpo despedaçado, ou pela não apropriação do corpo próprio. Esse corpo é justamente despedaçado por não ter se articulado pelo significan¬te, por não ter tratado a língua – ou lalangue, como Lacan escreveu, via linguagem. Ora, assim a linguagem, como aparelho, se torna esta máquina, invenção, artifício, capaz de delimitar um corpo e seu gozo.

O aparelho de influenciar nos revela que, assim como nas alucinações, ou a síndrome de ação exterior comentada por Lacan em 1955, as palavras na psicose vêm de fora e são imputadas ao sujeito (neste sentido, o caso de Marcelo é exemplar ao demonstrar como a criação de um aparelho dá conta de explicar como as palavras foram incrustadas em seu pensamento, além de funcionar como um signo organizador, como referente, para sua constru¬ção). O aparelho de influenciar é uma montagem – quase nunca sólida, onde o que está em questão é o corpo do sujeito, corpo este que é fragmen¬tado pela linguagem. Aqui, vale enfatizar a ligação estreita entre a linguagem e o corpo e apreciamos, assim, os efeitos, na psicose, de uma linguagem em que o aparelhamento não se dá como em uma neurose – onde o falo e o nome-do-pai fixam o sentido como sexual. No entanto, entre tantas outras saídas que podemos encontrar na psicose, Vitor Tausk nos apresenta um aparelho que é operado a fim de restituir o sentido e, no mesmo compasso, cavar uma unidade para o corpo despedaçado.

Para finalizar, vale lembrar que o aparelho de influenciar, tal como descrito por Vitor Tausk, é uma máquina que nos aponta, mais uma vez, para o fato de que a língua é um parasita – por seu aspecto de incrustação –, sendo, ao mesmo tempo, exterior ao sujeito. Este, em sua constituição, decidirá o que fazer com ela, restando-lhe habitá-la, ou como vimos especialmente com Marcelo, ser habitado e designado por ela. Interessante reforçar as fases do aparelho se pudermos pensar, de maneira análoga, a constituição do ‘ser falante’ em relação à sua linguagem: 1) a sensação de estranheza, de que há algo exterior tocando, de alguma forma, o corpo próprio, que então seria a língua, materna, ou lalangue como a definiu Lacan; 2) o delírio de influência, já traduzindo, “delirantemente”, o “algo exterior” – e aqui encontraremos toda sorte de teorias e mitos do sujeito em sua constituição ; 3) para a psicose a constituição do aparelho de influenciar no lugar do Outro que não existe – se não há lei ou ordem legislada para a linguagem (o outro da linguagem), ela funciona como um autômato, ou, como outra saída, a própria constituição do outro como garantia da linguagem e da realidade para neurose.

A riqueza das observações e teorizações de Vitor Tausk são inesgotáveis. Neste trabalho, tentamos usá-la para teorizar, com o último ensino de Lacan, as relações do sujeito com a linguagem como aparelho de gozo, ou seja, um aparelho organizador do gozo autoerótico no corpo do sujeito via sentido. É a linguagem o aparelho que sustenta a organização psíquica do ser falante em relação ao seu corpo e ao corpo do Outro, permitindo o laço social. A psicose, por sua vez, trata de buscar uma invenção inédita que cumpra esse desígnio, como apontou também Tausk. Aos que escutam os psicóticos cabe reconhecer suas invenções e, muitas vezes, secretariar seus “projetos”, sabendo que cada aparelho sustenta uma existência.

 

 

REFERÊNCIAS

BIRMAN, J. Tausk e o aparelho de influenciar na psicose. São Paulo: Editora Escuta, 1990. p. 9-32.         [ Links ]

FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.         [ Links ]

___. Projeto para uma psicologia científica (1890). Vol. I, p. 333-411.         [ Links ]

___. Carta 52 (1896). Vol. I, p. 281-287.         [ Links ]

___. Interpretação dos sonhos (1900). Vol. IV e V.         [ Links ]

LACAN, J. O seminário livro 2: O eu na teoria de Freud e na prática da psicanálise (1954-55). Versão Marie Christine Laznik Penot. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1985.         [ Links ]

___. O seminário livro 3: As psicoses (1955-56). 2. ed. Versão Antônio Quinet. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997.         [ Links ]

___. O seminário livro 20: Mais, ainda (1972). 2. ed. Versão M. D. Magno. Texto estabelecido por Jacques-Allain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997.         [ Links ]

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TAUSK, V. Da gênese do “aparelho de influenciar” no curso da esquizofrenia. In: BIRMAN, J. Tausk e o aparelho de influenciar na psicose. São Paulo: Editora Escuta, 1990. p. 37-78.         [ Links ]

 

 

Artigo recebido em: 29/10/2008
Aprovado para publicação em: 18/11/2008

 

 

1 Trata-se do trabalho de dissertação intitulado ‘O aparelho de linguagem na psicose: uma função de gozo’, defendida por Renata Damiano Riguini e orientada pelo professor Osvaldo França Neto no mestrado em Psicologia com ênfase em Teoria Psicanalítica, na Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Para Miller (2005), o conceito de gozo forjado por Lacan foi uma tentativa de traduzir o que diz respeito à libido freudiana. Esse conceito já é articulado em momentos bem remotos de sua obra, mas vale lembrar que desde o ‘Seminário XVII: O avesso da psicanálise’ (1969-70) o sujeito lacaniano é um “rebento” que se constitui a partir de uma relação particular: a do significante com o gozo. Aqui, o caráter real do gozo é reafirmado e, no ‘Seminário XX – Mais, ainda’ (1972-73), o gozo é reconhecido como uma instância primária, tendo o sujeito sob seu primado, destacando assim sua dimensão positiva não eliminável, mas por certo aparelhável pela linguagem.
3 Principalmente em ‘De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose’ e o Seminário 3, ‘As psicoses’ de 1955-56.
4 Como veremos, o termo usado aqui, ou seja, ‘língua’, é definitivamente diferente de linguagem, que será entendida como uma organização da primeira.
5 Wilhem Fliess (1858-1928) foi um grande interlocutor de Freud. Fliess era um médico especialmente interessado em biologia geral, especialista em nariz e garganta. Homem de inteligência indiscutível, para J.Strachey, apesar de Fliess ter construído teses hoje consideradas indefensáveis, era “mais acessível às ideias de Freud que qualquer outro contemporâneo” (ibidem, 1996, p. 219). Sendo assim, Freud lhe encaminhava cartas e documentos – os chamados ‘Rascunhos’ – onde dispunha a evolução de seus próprios pensamentos e teorias, tendo, então, este material, se tornado caro à psicanálise.
6 Gaetan Gatian de Clèrambault (1872-1934) era um psiquiatra francês interessado, sobretudo, no estudo das alucinações e de delírios de pacientes esquizofrênicos. A partir daí conceituou o ‘automatismo mental’, e temos inclusive uma ‘Síndrome de Clerambault’, a nossa conhecida “erotomania”.
7 Por exemplo: um paciente sente vibrações em seu corpo e atribui essas sensações – alucinadas – a um aparelho construído e instalado pelos norte-americanos que lhe enviam um raio laser e controlam suas ações.
8 A ‘língua de órgão’, ou ‘fala de órgão’, ou ainda ‘fala hipocondríaca’, foi descrita por Vitor Tausk e destacada por Freud em 1915 no supracitado texto. Esse conceito visa apontar para o fato de que todo encadeamento de pensamento é dominado pelo elemento que possui como conteúdo uma inervação do corpo (ou, antes, a sensação dela). (ibidem, p. 203). Essa concepção está ancorada no fato de as palavras predominarem sobre as coisas e, sobretudo, no estatuto do corpo na esquizofrenia.
9 Para acompanhar essa interpretação devemos nos lembrar que nessa época a psicose era trabalhada a partir das descobertas feitas na neurose e que especialmente esta interpretação – da máquina ser uma representação simbólica dos órgãos genitais do sujeito – é “emprestada” das interpretações dos sonhos.
10 Os CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, são serviços substitutivos aos manicômios.
11 Como vimos, o infans é acometido pela linguagem sem sentido, que para ele se mostra como uma nuvem de sons carregados de gozo que lhe tocam o corpo. O sentido, aquele compartilhado que nos permite comunicar, depende, para Lacan, da organização da linguagem em torno de um significante como o nome-do-pai na neurose, que possibilite todo ordenamento do sujeito.
12 O impasse sexual secreta as ficções que racionalizam a impossibilidade da qual provém. Não as digo imaginadas, mas leio aí, com Freud, um convite ao real que responde por isso. A ordem familiar só faz traduzir que o Pai não é o genitor e que a Mãe permanece contaminando o filhote do homem; o resto é consequência (LACAN, 1974 [2003], p. 531).
* Psicóloga, Mestre em Psicologia com ênfase em Teoria Psicanalítica pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Técnica de referência em saúde mental – CAPS. Rua Vitório Marçola, 394/101, Anchieta – Belo Horizonte. CEP: 30310360. Telefone: (31) 9298-0388 rriguini@gmail.com
** Mestre e Doutor em Psicanálise pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; professor adjunto do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

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