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Ciências & Cognição
versão On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.11 Rio de Janeiro jul. 2007
Artigo Científico
Contribuição para uma gramática especulativa: um novo enfoque em lógica diagramática no campo das ciências cognitivas
Contribution for a speculative grammar: a new approach in diagrammatic logic in the field of sciences cognitives
Enidio Ilario
Centro Interdisciplinar de Bioética da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil; Centro de Referência em Reabilitação de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil
Resumo
Sabemos que Kant, ao supor a pré-existência de uma linguagem mental, antecipou muito do que hoje é objeto de discussão em ciências cognitivas e quando trata do processo dialético do entendimento, afirma que toda divisão a priori mediante conceitos precisa ser uma dicotomia da qual surge uma terceira categoria. O presente método, através de uma diagramática ortogonal e tendo a Finalidade como princípio ordenador, buscou elaborar uma tópica sistemática, capaz de atribuir a cada conceito, no todo, o seu lugar e função. Tal metodologia dialoga diretamente com aquelas representações ortogonais e concepções de tábuas de verdade de C. S. Peirce, que considerou tanto o pensamento filosófico quanto o raciocínio lógico a partir de métodos da geometria.
Palavras-chaves: lógica, diagramática; ética; epistemologia; imanência; topologia.
Abstract
We know that Kant, when assuming the daily pre-existence of a mental language, anticipated much of what today is object of discussion in cognitive sciences and when he deals with the dialectical process of knowledge, affirms that all divisions a priori by means of concepts need to be a dichotomy from which one third category appears. The present method, through an orthogonal diagrammatic and having the Purpose as collator principle, aimed to elaborate a systematic topical, capable of attributing to each concept, in all, its place and function. Such methodology directly dialogues with those orthogonal representations and conceptions of C.S. Peirce's truth table that considered the philosophical thought and the logical reasoning from methods of geometry.
Keywords: logic; diagrammatic; ethics ; epistemology; immanence; topology.
De Kant a Peirce: uma breve introdução para um método de gramática especulativa
De antemão se faz necessária a justificativa da utilização de alguns termos nesse estudo, objetivando um necessário grau de precisão conceitual. Aqui método terá o significado clássico de caminho para o conhecimento, da mesma forma o termo modelo será utilizado, ocasionalmente, no mesmo contexto, ou seja, como um modo de explicação da realidade. A designação gramática especulativa terá aqui o mesmo significado que aquele rico método escolástico que buscava valorizar o sensível, sem nunca, no entanto, negligenciar o intelecto. Desse modo aqui se tratará de questões postas pela lógica enquanto disciplina filosófica, mas com o foco na busca da compreensão de linguagens cognoscitivas, qualquer que sejam as suas vertentes. Entre tais lógicas vem ganhando grande importância no campo transdisciplinar das Ciências Cognitivas, o enfoque diagramático e é nesse campo que se pretende contribuir heuristicamente. Foram muitos os caminhos que levaram ao desenvolvimento do estudo que implicou no construto que aqui apresentado, porém não foi de início pela via da lógica e epistemologia que tal ocorreu. O germe desse método se encontra a áreas de Psicologia, da Ética Filosófica e da Bioética. A formação médica do autor, no entanto, muito contribuiu e tal ocorreu por provocação da fisiologia enquanto disciplina médica, particularmente na cardiologia com seu abarcamento das derivações do eletrocardiograma a partir do triângulo de Einthoven (Figura 1).
Figura 1 - Derivações do eletrocardiograma a partir do triângulo de Einthoven.
É admirável o sucesso na redução de processos aparentemente caóticos como a atividade elétrica cardíaca às categorias dinâmicas e inteligíveis ao olhar moderadamente treinado. Curioso que a disciplina médica que trata desses métodos diagnósticos é chamada Semiologia, o mesmo nome escolhido por Ferdinand de Saussure para designar um campo de estudos hoje em voga, embora mais presente em sua vertente herdada do pragmatismo americano na figura de Charles Sanders Peirce que a denominou Semiótica. Esse filósofo e lógico que hoje tem grande influência no campo das ciências da cognição bebeu sofregamente de várias fontes da filosofia, entre elas a escolástica, Kant e Hegel. Peirce confessa mais amiúde a influência de Kant e a Hegel acusa de tentar destruir a linguagem filosófica ideal que a escolástica e o Filósofo de Koenigsberg tentaram construir: "Tem assim uma necessidade peculiar de linguagem distinta da linguagem comum, como aquela que Aristóteles, a escolástica e Kant procuraram fornecer, e que Hegel procurou destruir." (Peirce, 1989: 54). Causa alguma perplexidade o fato de ser o mesmo Peirce que faz essa grave acusação, aquele que declara Hegel o maior filósofo que já existiu. Embora não seja o escopo, veremos adiante se o presente método é capaz de desvendar tal enigma mostrando que não há nada de contraditório, pelo menos nesse aspecto, no espírito de um dos fundadores do pragmatismo americano.
Metodologia e arquitetura do modelo
Uma vez que as relações lógicas são as relações primitivas subjacentes a todo raciocínio dedutivo, os diagramas demonstram relações espaciais isomórficas e permitem a estruturação de um enunciado topologicamente. Dessa forma, foi possível desenvolver uma gramática especulativa original, na medida em que, ao invés de uma notação de conectivos proposicionais binários como em Peirce, lançou-se imediatamente em diagramas ortogonais, conceitos e categorias antropológicas, sociológicas, políticas, éticas, religiosas, psicológicas, artísticas e de certa forma, todas as demais. Nela, a métrica ortogonal instaura um plano (protoplano) tal como um Plano da Imanência descrito por Deleuze/Guattari:
"O plano da imanência tem duas faces, como pensamento e como Natura, como Physis e como Noûs. É por isso que há sempre muitos movimentos infinitos presos uns nos outros, dobrados uns nos outros, na medida em que o retorno de um relança um outro instantaneamente, de tal maneira que o plano de imanência não para de se tecer, gigantesco tear." (Deleuse e Guattari, 1992: 54-55)
Do ponto de vista ético e teleológico, o discurso filosófico faz com que se manifestem séries de polaridades, das quais assume papel fundamental àquela entre sociedade e indivíduo (eixo horizontal). Os conseqüentes princípios autoteleologia e heteroteleologia, serão traduzidos, o primeiro como individuação, que fundamenta e confere cunho individual a todo o fundo ontológico de um ente e o segundo como associação que aqui deve ser entendido tanto como algo material ou psíquico, nesse último caso, como comunicação ou intersubjetividade. Esse eixo cinde e é cindido por outro, esse vertical, formando um plano ortogonal no qual, por definição, o ponto onde os eixos se interceptam é denominado origem, origem de vetores de mesma direção e sentidos opostos. Com o objetivo de sintetizar o problemático eixo vertical, lançar-se-á mão das categorias metafísicas de Logos e de Conatus; sem deixar de reconhecer que aí repousa certa arbitrariedade, inevitável porem. O conceito Conatus apresenta particularidades conforme utilizado por Hobbes, Leibniz ou Espinosa, no entanto, do ponto de vista topológico, deve ser entendido no mesmo sentido que o utilizado por Aristóteles, ou seja, no de esforço e de um agir segundo a natureza e sempre correspondendo a um impulso natural. Mais complexa é a definição de Logos, uma vez que este conceito pode ser entendido no sentido teológico, metafísico além de lógico e epistemológico, portanto, para fins operativos, o Logos aqui será compreendido como realização metafísica do sentido. Desta forma esses quatro conceitos fundadores, remetem empiricamente, a sistemas ou estruturas de ordenação complexas que configuram finalidades. Decorrências naturais de tais polaridades são as tensões que se estabelecem e para as quais o princípio ordenador que é a Finalidade, deverá ser capaz de estabelecer resultantes como espécies de grandezas vetoriais. O plano da imanência como representado no diagrama 1 se fundamenta epistemologicamente no Englobante jasperiano 1 e é nele que ocorre o verdadeiro jogo de forças imposto pelas polaridades fundadoras. Interessante lançar mão da distinção entre duas disciplinas da física para entender os pressupostos dessa condição. Sabemos que a cinemática é o ramo da física que procura descrever os movimentos sem se preocupar com as forças que originam estes movimentos, pois bem, a análise desta forças é deixada para a dinâmica, que para isso organiza informação sobre a posição, o deslocamento, o espaço percorrido, a velocidade, a rapidez e a aceleração dos corpos. Dessa forma, tal como uma dinâmica é que se tratará a representação do plano da imanência no presente método.
Diagrama 1 - As polaridades fundadoras do Plano da Imanência.
Na representação que vai se construindo a partir de conceitos polares, quer do ponto de vista epistemológico no caso da autoconsciência, quer do ponto de vista ontológico e lógico no caso da supramundanidade e dos transcendentais respectivamente, o conceito de transcendência pressupõe obrigatoriamente o axiológico que, afinal, não pode estar totalmente imerso no território da imanência. Ora, a busca do conceito antitético adequado ao de transcendência, inevitavelmente, faz surgir a possibilidade da introdução do conceito de subtranscendência, aqui utilizado no sentido oposto, ou seja, como movimento negativo em direção ao caos. Fica evidente nesse ponto, que é no eixo vertical que a fundamentação se torna mais complexa e de certa forma temerária posto que, embora parcialmente imerso na imanência, tal eixo é postulado como sonda do insondável, do Supramundo e do Caos, espécie de Axis Mundi 2. Para onde conduz ou aponta o eixo vertical? Posto que tais reflexões remetam obrigatoriamente a questões metafísico-teológicas, cabe aqui delimitar tais conceitos ao campo do patológico, pathos do homem e quiçá da própria filosofia. É da maior importância esclarecer que os eixos ortogonais representam no modelo dimensões de naturezas diversas e não dimensões antitéticas. É da tensão entre essas duas dimensões, através de uma espécie de dinamismo evolucionário, que surge o tecido que compõe o Plano da Imanência. Tal plano, dessa forma, hospeda conceitos que habitarão esses eixos seguindo caminhos inteligíveis dentro do método proposto, a exemplo dos conceitos acoplados: Idéia/Cultura em oposição aos conceitos Matéria/Natureza, conforme se pode observar no diagrama 2.
Diagrama 2 - Dinamismo evolucionário.
Esse plano da imanência encontra o seu limite na dimensão horizontal, na história, ou seja, a partir do surgimento do homem e conseqüentemente se movimenta pelos dois princípios em oposição polar: Individuação e Associação. Tal dimensão se espraia como um disco de crescente perímetro 3 girando em torno do eixo vertical. Por sua vez, a dimensão vertical é dinamizada em seu vetor ascendente pela Transcendência que no modelo deve ser entendida como suprassunção da Razão e a Vontade Livre. Nessa mesma dimensão vertical, no vetor descendente a dinamização se dá pela Subtranscendência que deve ser entendida como suprassunção de Instinto e Pulsões. Neste plano em sua horizontalidade, situa-se a consciência empírica como individual/corporal e coletiva/filogenética como pode ser observado no diagrama 3:
Diagrama 3 - Consciência Empírica e a expansão do Plano da Imanência.
Até esse ponto, vem sendo gradualmente justificada a estrutura básica do plano em seus dois principais eixos, há, no entanto, uma infinidade de eixos que instauram infinitos planos; o número deles é proporcional ao número de conceitos existentes hoje e em todos os tempos. Os conceitos futuros poderão habitar esse espaço com tanto ou mais conforto que os presentes, no entanto, são os eixos ortogonais que definem o método e desenham o modelo propriamente, pois serão nos espaços por eles delimitados, que se constituirão os quadrantes, e neles, as tensões estabelecidas entre as polaridades verticais e horizontais. Do abstrato para o concreto, se pode conjecturar que do princípio teleológico para o ontológico, o homem na busca do Logos, forçosamente, ordena o caos, transformando-o em cosmos e, dessa forma, cabe-lhe ampliar, indefinidamente, o campo da imanência (Ilario, 2000: 103).
da integralização dos conceitos aos conceitos integralizadores - uma hiperdialética
O gráfico ortogonal delimita em um protoplano quatro territórios (quadrantes) e cabe então colonizá-los com novos e velhos conceitos. Isso significa derivar de duas dimensões de naturezas diversas, representadas pelos protoeixos, conceitos integralizadores. Conceitos precisos, situados no cruzamento de linhas perpendiculares traçadas a partir dos conceitos presentes nos eixos originais (coordenadas) e que incorporam a essência dos conceitos referenciais respectivos. Neste modelo, os conceitos e categorias são mais do que simples instrumentos operativos de identificação de tensões e pulsões. Na medida em que são, tais categorias, preexistentes aos próprios conceitos e de certa forma existindo como fenômenos independentes, são inominadas e emergem de uma outra espécie de cálculo vetorial se articulando no plano de uma estrutura preexistente do Ser. Ainda que o aqui proposto possa remeter a outro modelo antropológico e psicológico, que é a Teoria de Campo de Kurt Lewin, ao contrário da dele, a presente topologia não determina a posição existencial do ser humano a partir do que ele chama de "espaço vital" (Lewin, 1973). As forças que atuam no plano da imanência são forças que transcendem o próprio campo, pois nesse não há apenas pulsões, mas atrações exercidas por constelações de valores axiológicos situados no seu horizonte ou mesmo além dele. Este plano é mais do que simplesmente qualificativo e operativo é constitutivo e, portanto para além de topológico, é ontológico. Um plano no qual os vetores designam não simplesmente tensões, mas intenções 4 e dessa forma, inteligivelmente, prestando-se à superação da armadilha do reducionismo dimensional, ou seja, de uma pura verticalidade axial ou de uma pura horizontalidade imanente. Como conseqüência, o modelo aqui proposto pode apontar formas de se analisar paradigmas existenciais que delimitam as formas de ser no mundo de cada indivíduo e de cada sociedade. É nesse plano da imanência que habitarão conceitos que são usuais no campo da ética, da psicologia e da antropologia filosófica e da própria teologia e que são sínteses dos atributos derivados das duas dimensões pressupostas nos eixos ortogonais. Dessa forma a colonização dos quadrantes se constitui com surpreendente naturalidade, por exemplo, quando se procurou encontrar entre as miríades de conceitos, um que se contrapusesse ao de Comunidade 5, foi possível perceber que conceitos extraídos do campo da psicopatologia seriam inevitavelmente redutores às exceções, tal como o conceito nosológico sociopata, ou ainda o fraco conceito predicativo egoísmo, daí a introdução do conceito Solipso. Embora um quase neologismo, esse último conceito se mostrou mais adequado a habitar o quadrante inferior derivado do Princípio da Individuação. Importante aclarar nesse ponto, que ao solipsismo que aqui se alude não é aquele metodológico ou lingüístico, mas o solipsismo metafísico ou mesmo egoísmo metafísico (Mora, 2004 2732-2733). No quadrante superior esquerdo, muito mais simples foi o acolhimento da categoria de Pessoa humana, bem como nos quadrantes derivados do Princípio da Associação, os conceitos de Comunidade e Massa que se apresentam-se de pronto, como se pode observar no Diagrama 4:
Diagrama 4 - As atitudes e os paradigmas existencias.
Seguindo a mesma linha de reflexão, é relevante tratar da possibilidade ou não de uma mediação dialética direta a partir de conceitos vetorialmente de mesma direção e sentidos opostos. Nessa situação, percebemos que tal relação é de exclusão, produzindo tão somente conceitos vazios, na medida em que conceitos em oposição polar não são conciliáveis ou superáveis por conceitos de categoria superior. Em tal processo ocorre uma espécie de neutralização que outra coisa não é senão uma operação vetorial que resulta em exclusão, exceto por um conceito, o de Potência 6 que ocupa o ponto zero ortogonal. Nesse ponto germinal encontra-se uma espécie de zona neutra conceitual entre a pluralidade e a unidade; entre a autotranscendência e a subtranscendência e entre o ser e o nada. No próximo diagrama (Diagrama 5) podemos perceber que o modelo abriga as categorias acopladas: sujeito/solipso e massa/território, em oposição às de pessoa/cidadão e comunidade/nação. Da mesma forma como se pode deduzir que a paz e a vontade criadora, no eixo ascendente, são categorias constitutivas de pessoa/cidadão e comunidade/nação, será lícito supor serem a pulsão de morte e a guerra, constitutivas dos conceitos acoplados sujeito/solipso e massa/território no eixo descendente. Decorre dessa trama, que as categorias que suprassumem aquelas presentes nos quadrantes superiores e inferiores e encontram-se axialmente nos extremos como as categorias acopladas Espírito/Cultura e Pulsão de Morte/Guerra, podem ser compreendidas como contraditórias e, portanto, somente subsumidos indiretamente por via das categorias horizontais, por intermediação dos quadrantes esquerdos e direitos, resultando nas categorias esvaziadas axiologicamente de Indivíduo e Estado.
Diagrama 5 - Potência, teleologia e história.
Na medida em que o eixo horizontal representa a pura imanência, há nele também conceitos integralizadores, mas que nesse caso esvaziam-se de conteúdo valorativos numa espécie de movimento dialético reverso, manifesto nos conceitos indivíduo reduzindo os conceitos acoplados pessoa/cidadão e sujeito/solipso e o conceito estado reduzindo comunidade/nação e território/massa. Nesse ponto o modelo busca desbravar territórios para além do campo da imanência, numa espécie de Noologia 7, que tenta compreender aspectos do Transcendente. Como vimos, a autotranscendência por um lado e a subtranscendência por outro, atuam como conceitos integralizadores, nos limites verticais do plano da imanência e apontam teleologicamente para o infinito. Há que se perguntar, nesse momento, pelos limites pressupostos nos quadrantes e, embora subordinados aos proto-eixos, se as resultantes conceituais caminham também teleologicamente para o infinito. A resposta é positiva, na medida em que as resultantes rompem, por assim dizer, a horizontalidade e, dessa forma, apontam para as bordas do plano da imanência. Nessas resultantes encontraremos sínteses cosmovisionais tais como: Deus Pessoal, Todo-Uno, Deus Ausente e Cosmo-Orgânica. Cada uma dessas imagens paradigmáticas da divindade presentes nos quadrantes traz, no entanto, a marca da imanência, pois derivam elas também da horizontalidade. No próximo diagrama (Diagrama 6) é possível visualizar, no modelo, a dinâmica que permite a integração de categorias presentes em dimensões diversas, levando às categorias ulteriores, ou seja, sínteses cosmovisionais que podem ser chamadas de ultraconceitos.
Diagrama 6 - Teologia e cosmovisões.
Quais são os conceitos que integralizam esses ultraconceitos: Absoluto, Cosmos, Logos, Nada, Absurdo, Caos? É uma questão que exige realismo e humildade, pois aqui se chega mais do que aos conceitos limites, aos limites dos conceitos. Ocorre que tais imagens (imago mundi), na verdade, correspondem ao que se observa como fenômenos, como cosmovisões presentes em cada pessoa, em cada povo, cada cultura e, portanto, dentro de certos limites, são conceitos inteligíveis 8. É na forma destas cosmovisões que o homem se relaciona com o infinito, no entanto, tangenciando com maior ou menor inclinação a verticalidade, evitando-a sempre que possível e, dessa forma, mantendo-se firmemente preso ao campo da imanência, seguro pela poderosa atração da horizontalidade..
Para uma epistemologia de todas as ciências
A partir das considerações dos capítulos anteriores, os desdobramentos desse método se multiplicam em uma diversidade de campos do saber, abarcando, de alguma forma, toda a Cultura e é justamente nesse ponto que o método pode ser classificado como transdisciplinar e epistemológico. São nos territórios delimitados pelos quadrantes, traçados pelos proto-eixos, entre os paradigmáticos conceitos até aqui analisados, que surgem os desdobramentos nos diferentes campos do conhecimento; de tal forma que, entre outros, veremos distribuídos, neles, as diversas escolas e correntes da Filosofia, da Sociologia, da Psicologia, da Ética e da Bioética, as diferentes ideologias e, de certa forma, as próprias instituições sociais. A colonização desses quadrantes não é arbitrária, no entanto, não se pretende tampouco infalível, visto que o método somente desenha, em linhas gerais, os paradigmas 9. Decorre daí, o risco de simplificação e generalização excessivas, no entanto, acredito que do ponto de vista epistemológico, o método permite atingir o cerne mesmo dos conceitos, pois já foi dito, está pressuposto nele um diálogo contínuo entre o abstrato e o concreto, no qual o conhecimento esquemático esta apoiado sobre uma realidade concreta e sensível. O método pressupõe um universo de valores hierarquizados e que gravitam no horizonte do plano da imanência, capazes de atrair, teleologicamente, o ser humano. De outra forma, as ações humanas e sua patologia, novamente, passariam a ser reduzidos apenas às resultantes de forças pulsionais trabalhando em várias direções. A imagem de ser humano não deve comportar qualquer tipo de reducionismo, especialmente quando palmilhamos o caminho da Ética (Ilario, 2006). Partindo da premissa que etimologicamente o verbete conduta, ao contrário de comportamento, pressupõe a presença da vontade livre do indivíduo, segue-se que: Na tentativa de explicar o seu agir como mero comportamento tornamos sua imagem muito menor que a humana e por outro lado, a sua redução à pura conduta a torna mais, muito mais que humana. Eis ao que se resumem os reducionismos: materialismo e idealismo, o primeiro é o ser com o mundo o segundo é ser fora do mundo, ambos, em última instância, formas de não ser, seja como pura horizontalidade, seja como pura verticalidade. Transposto para o processo de integralização no modelo, nos temos então uma demonstração diagramática das sistemáticas críticas filosóficas aos reducionismos chamados, na polaridade vertical, de materialismo e idealismo e, na polaridade horizontal, de individualismo e coletivismo. Ampliando a abrangência da crítica epistemológica para o território dos quadrantes, encontraremos os quatro grandes reducionismos: o moral, o ético, o estético e o genético (Diagrama 7).
Diagrama 7 - Os grandes reducionismos.
Para uma interlocução sem digressões
Nesse capítulo se buscará ampliar o diálogo desse método com o de Charles Sanders Peirce. Muitas das proposições desse filósofo e lógico se assemelham aos pressupostos do presente construto. Por outro lado, embora desejável, não é possível nesse trabalho uma abordagem mais extensiva desse profícuo pensador, tampouco um maior aprofundamento em seus argumentos. Porém para o que aqui se propõe, após um rápido sobrevôo pelo Collected Papers (CP), se fará um inevitável recorte, focando basicamente alguns de seus diagramas. O objetivo como já exposto na introdução dessa pesquisa, é a de buscar validar o método através de um breve estudo comparativo com os diagramas em Peirce. Nesse paralelo não haverá necessidade de extensivos e elaborados exercícios de lógica já que as figuras falam por si. No entanto será necessário um mínimo conhecimento das notações utilizadas por Peirce para que o processo se faça de forma mais proveitosa. Na próxima figura (Tabela 1) encontram-se expostas as representações básicas para a compreensão das notações para os conectivos proposicionais binários 10.
Tabela 1 - Notações de Peirce para os conectivos binários (1902).
É importante relembrar que uma das preocupações básicas de Peirce ao utilizar suas notações e diagramas, foi a de buscar sistematicamente tautologias. Os diagramas existenciais desenvolvidos no presente estudo, por outro lado, não priorizam tais demonstrações, pressupõe e isso é conseqüência do modelo, que as mesmas premissas e resultados são esperadas quando submetidas ao escrutínio da lógica. Peirce demonstrou interessantes proposições através de seus diagramas, fica a dúvida, no entanto se ele construiu seus diagramas para demonstrar suas intuições ou as inferiu do próprio modelo previamente existente. Inclino-me por essa última alternativa até porque, de fato, vem sendo o que ocorre na presente gramática especulativa. Peirce afirma "toda inferência consiste na observação, nomeadamente na observação de ícones" (Peirce, 1965: 7.557) e que o matemático após conceber seu diagrama, o escrutina até chegar a novas relações entre suas partes 11 e dessa observação a extração de outras verdades, além daquelas que bastam para determinar a construção do ícone. Daí, a capacidade de revelar a verdade inesperada:
"Pois uma grande propriedade distintiva do ícone é que pela sua observação direta, outras verdades respeitantes ao seu objeto podem ser descobertas, além daquelas que bastam para determinar sua construção. Assim, por meio de duas fotografias um mapa pode ser desenhado etc. Dado um signo convencional, ou um outro signo geral, de um objeto, deduzir alguma outra verdade que não aquela que ele explicitamente significa, é necessário, em todos os casos, substituir aquele signo por um ícone. Esta capacidade de revelar a verdade inesperada é precisamente aquilo em que a utilidade de fórmulas algébricas consiste, de modo em que o caráter icônico é o prevalecente (Peirce, 1965: 2.279)."
Com a intenção de, a partir desse ponto, iniciar um processo de intersecção de meu método com o de Peirce, podemos ver que na próxima figura (Figura 2) estão colocadas lado a lado a original tábua 4 de Peirce e uma adaptação livre, como explicado na própria figura, sempre com o intuito de simplificar a compreensão. No diagrama adaptado é possível ter uma clara noção topológica da categoria Potência ocupando a posição central, verdadeiro ponto germinal. É possível perceber também que a Potência pura detém a condição de albergar em si todas as possibilidades existentes no Plano da Imanência.
Figura 2 - Adaptação da tábua de Peirce para a introdução da categoria Potência.
Vemos na figura abaixo (Figura 3) a tábua 2 de Peirce, que se encontra modificada no CP p.4.268 e podemos observar os prolongamentos postos pelo seu autor a partir dos vértices bem como dos eixos definidores dos quadrantes. Certamente Peirce já considerava plenamente o potencial dinâmico de seu modelo e em várias passagens de sua obra deixa isso bem claro, por exemplo, em seu artigo The Law of Mind afirma que:
"Um conceito é a influência viva em nós de um diagrama ou ícone, cujas diversas partes estão conectadas ao pensamento a igual número de sentimentos ou idéias. A lei da mente consiste em que sentimentos e idéias se unem a si mesmas no pensamento de modo a formar sistemas." (Peirce, 1965: 7.467)
Figura 3 - Tabela 2 de Peirce com a notação e na do CP 4.268.
Porém esse pensador que seguiu o roteiro traçado por Kant e em Hegel encontrou um interlocutor que possivelmente lhe forneceu um cabedal de instigantes provocações para uma tópica dos conceitos, parece ter sido vitima de sua própria erudição na área da lógica, situação que em minha opinião, impediu que Peirce completasse inteiramente o seu projeto filosófico. As notações utilizadas originalmente, embora frutos de extraordinário esforço que resultou em elegantes diagramas aos olhos habituados dos lógicos, tendem a complicar a percepção imediata dos não iniciados. Portanto, sem deixar de reconhecer a importância desses contributos de Peirce, penso as distinções, da forma como estão postas, fazem um recorte demasiado formal para que se possa avançar para alem da própria lógica, ou seja, para uma Ontologia no campo das Ciências Cognitivas. Permaneceu apegado aos seus próprios conectivos proposicionais e a uma representação simbólica ainda presa aos formalismos dos cânones da disciplina lógica, na preocupação em demonstrar as tautologias da forma, deixou de levar ao limite uma topologia que aqui se busca demonstrar. Dessa forma Peirce não conseguiu plenamente transferir para o plano de suas representações toda a riqueza implícita na construção de conceitos a partir de outros conceitos, que nesse estudo denomino hiperdialética. Os seus diagramas são verdadeiras jóias do pensamento lógico, assim como são belas as tramas de um bordado artesanal, mas o tear mesmo, aquele capaz de tornar realidade a urdidura do artesão, ficou ainda velado ao olhar dos não iniciados. Ora, esse método pretende ser um franqueador do acesso ao entendimento dos mecanismos do processamento cognitivo para todos os interessados na área e não somente para os iniciados nas notações da lógica, tal qual de um médico não se exige a mesma formação de um neurofisiologista para a interpretação de um simples eletrocardiograma. O próximo diagrama. (Diagrama 8) é derivado da tábua 4 de Peirce, desta vez introduzindo um giro de 45º, inclusive nos símbolos que foram expostos na tabela 1. Também se exercitou uma elementar analítica vetorial. Apesar da simplicidade é importante alertar que o cálculo vetorial é sempre subtração nos eixos de mesma direção e sentidos opostos, resultando em anulação quando envolve grandezas iguais, por outro lado, em situações nas quais tal oposição não ocorre, a soma vetorial produz sempre uma resultante diferente de zero. No entanto, a notação de Peirce para os conectivos proposicionais estabelece um interessante e aparente paradoxo uma vez que a soma vetorial em eixos de mesma direção e sentidos opostos resulta em um tipo singular de subtração. Que aqui seja permitida uma rápida explicação sob a ótica do presente método: A notação original do símbolo ortogonal que pode ser total ou parcialmente aberto, aqui será convencionado que a face aberta é a inclusiva, enquanto a fechada e exclusiva. Quando temos o símbolo totalmente fechado, como vimos na Tabela 1, teremos a representação plena da categoria Potência pura ou total ausência de ato. Então nesse caso, a soma vetorial de iguais grandezas num mesmo eixo, mas em sentidos opostos, no protoplano, vai resultar na regressão a Potência, no ponto de entrecruzamento dos eixos. No caso da condição aberta do símbolo em suas quatro faces, teremos o que? A pura contingência, os atos puros, entendidos como a absoluta realização da Potência, o puro Devir 12 Do que se trata isso, não é possível responder, apenas conjecturar perigosamente, por ora, que talvez seja o melhor símbolo para o abarcante ou o próprio plano da imanência.
Diagrama 8 - Para uma analítica transcendental.
Das premissas expressas no diagrama acima, como vimos, podem ser extraídas algumas interessantes conclusões no campo da metafísica. Embora boa parte dessas possibilidades já tenha sido explorada nos gráficos existenciais produzidos a partir do método proposto, aqui se exercitará algumas possibilidades limites, a premissa fundamental na compreensão dos desdobramentos do modelo é que os diagramas representam paradigmas. Na próxima figura (Figura 4) se construiu um diagrama a partir de uma adaptação livre da tábua 5 de Peirce, na qual foram traçados vetores que representam as polaridades fundadoras do protoplano, ou seja, horizontal e vertical, bem como vetores resultantes. Foram acrescentadas a partir desse cálculo as seis categorias paradigmáticas que já foram representadas nos diagramas 5, 6 e 7 que se caracterizam pela evidente simetria ou oposição umas às outras. No eixo vertical, a paradigmática oposição entre as categorias, Matéria/DimensãoPsicofísica em oposição a Cultura/Dimensão Noética e Indivíduo em oposição polar a Sociedade. Dessas polaridades fundadoras seguiram-se as supsrassunções representadas pelos conceitos Pessoa Humana em oposição à Massa e Comunidade em oposição ao Solipso.
Figura 4 - Para uma analítica vetorial existencial e as seis categorias paradigmáticas.
Além da preocupação em demonstrar as tautologias da forma, Peirce trata também da distinção entre proposições universais e particulares por um lado e entre afirmação e negação, por outro. Não se duvide que Peirce trata essas questões a partir de seus aspectos ontológicos e não meramente lógicos formais. Na figura abaixo (Figura 1) Peirce explica que no quadrante 1 somente há traços verticais; no quadrante 2, alguns traços são verticais e outros não; no quadrante 3 há traços, mas nenhuma é vertical; e no quadrante 4 não há traços. Conclui que:
A é verdadeiro no quadrante 1 e 4 e falso no 2 e 3.
E é verdadeiro no quadrante 3 e 4 e falso no 1 e 2.
I é verdadeiro no quadrante 1 e 2 e falso no 3 e 4.
O é verdadeiro no quadrante 2 e 3 e falso no 1 e 4.
Figura 5 - Reprodução CP, 1965: 3.177.
As questões que tratam das diferenças entre o universal e o particular e a afirmação e a negação, derivam de Aristóteles, mas Peirce através desse diagrama demonstra que, ao contrário da visão tradicional da lógica, as proposições particulares envolvem a existência de seus sujeitos, mas as universais não, daí proposições dos tipos:
A: Universal afirmativa: Todo traço é vertical.
E: Universal negativa: Nenhum traço é vertical.
I: Particular afirmativa: Algum traço é vertical.
O: Particular negativa: Algum traço não é vertical.
Deduz Peirce que A e O e E e I, respectivamente se negam entre si. E podemos notar no diagrama que tal fato estabelece verdadeiras polaridades, mas também nesse caso, o enfoque lógico acaba por obnubilar as implicações ontológicas do modelo e impedir os naturais movimentos pressupostos da própria polarização. Pois então, que aqui seja novamente permitido realizar uma construção diagramática segundo o modelo de Peirce porem com adaptações livres das rédeas do formalismo (Diagrama 9). Se executarmos uma rotação no sentido horário no diagrama de Peirce da Figura 1 de forma que o eixo vertical se torne horizontal e vice-versa, e a seguir, realizarmos uma tradução da notação simplificada para conceitos propriamente ditos, teremos: O = Indivíduo, A = Sociedade, I = Dimensão Noética E = Dimensão Psicofísica. Nesse diagrama as proposições genéricas afirmativas e negativas foram traduzidas para diversos conceitos correlatos. No protoeixo vertical, há muitas dessas categorias que configuram polaridades, entre elas, as de Transcendência versus subtranscendência, Cultura versus Natureza, Nous versus Matéria e Logos versus Conatus. Com o objetivo de simplificar a comparação, a numeração dos quadrantes será mantida, mas necessitaremos traduzir também os signos situados neles para conceitos. Pareceu-me adequado nomear os traços situados nos quadrantes do diagrama de Peirce, como Alteridade 13 para os verticais e Identidade para os traços oblíquos. Vale alertar que o conceito Identidade deve ser entendido em seu sentido ontológico, segundo o qual toda coisa é igual a si mesma. Interessa acrescer que o princípio lógico da identidade, dessa forma, é reflexo do princípio ontológico de identidade. Agora poderemos observar que o conceito Nous (I) é verdadeiro nos quadrantes 1 e 2, ou seja, exatamente aqueles nos quais se situa o conceito Alteridade. No quadrante 1 como condição para a Comunidade Ideal e no quadrante 2 como misto ou acoplamento da Alteridade com a Identidade, condições que podem ser suprassumidas na categoria de Pessoa humana. O Nous (I) é falso nos quadrantes 3 e 4, uma vez que, ou transforma-se em Solipsismo pela presença apenas princípio de identidade e ausência de alteridade. E por sua vez, no quadrante 3, a ausência de qualquer das categorias, condição tipicamente determinada no conceito Massa.
Diagrama 9 - Diagrama de quadrantes existenciais.
Conclusão
Sabemos que Kant antecipou muito do que hoje é objeto de discussão em Ciências Cognitivas ao supor a pré-existência de uma linguagem mental que conforma a partir da abertura para o mundo, através dos sentidos, toda a gama de experiências e aprendizado. O presente método buscou, de certa forma, acolher sua sugestão de elaborar uma tópica sistemática, desenvolvendo um esquema capaz de permitir a ordenação para os predicáveis do entendimento puro, ou seja, a partir de determinadas categorias, enumerar os conceitos derivados e subalternos:
"Todavia do pouco que aduzi a propósito, resulta claro que um dicionário completo, com todas as explicações exigidas para tanto, não só é possível, mas também fácil de realizar. As divisões já existem; basta preenchê-las, e uma tópica sistemática, como a presente, dificilmente se engana sobre o lugar que convém peculiarmente a cada conceito e ao mesmo tempo nota facilmente o lugar que ainda está vazio. Sobre essa tábua das categorias é possível fazer interessantes observações que talvez possam ter consideráveis conseqüências no tocante à forma científica de todos os conhecimentos da razão". (Kant, 1999: 110-111)
Em sua Crítica da Razão Pura quando trata do processo dialético do entendimento, Kant afirma que toda divisão a priori mediante conceitos precisa ser uma dicotomia da qual surge uma terceira categoria a partir da ligação da segunda com a primeira de sua classe. Nota-se que Kant, particularmente em segunda e terceira observação da CRP (Kant, 1999: 110-111), postula um processo dialético do entendimento que pressupõe atributos que, mesmo mais tarde, não foram adequadamente resolvidos em Hegel 14. Da dialética de matiz hegeliana (Inwood, 1997: 139-143), a Fenomenologia critica o distanciamento em relação ao que se passa no mundo real e busca reencontrar o ser no seu horizonte: "dentro e fora de nós, ou seja, onde os dois movimentos se cruzam, onde há alguma coisa". Ao prefixar o termo dialética, Merleau-Ponty produz um conceito mais abrangente e do qual esse estudo toma posse para designar o método:
"E assim é desde que o sentido do movimento dialético é definido fora da constelação concreta. A má dialética quase começa com a dialética, só é boa dialética aquela que se critica a si mesma e se ultrapassa como enunciado separado; a boa dialética é hiperdialética." (Merleau-Ponty, 1999: 95-96)
Pois bem, o que aqui se propõe é uma hiperdialética na qual a dinâmica de suprassunção se dá através de mediação preliminar à própria síntese ulterior, ou seja, em dimensões diversas e que permitam um contínuo diálogo entre o abstrato e o concreto, no qual o conhecimento esquemático esta apoiado. Dessa forma, os conceitos sempre se prestarão a dirigir o olhar ao não conceitual e embora o método não prescinda do reconhecimento de condições pré-existentes à experiência, tais como as já conhecidas categorias de entendimento "a priori" de Kant, ou seja, espaço e tempo. Porém, importante acrescentar, que esse modelo que se expõe aqui, não define apenas um espaço abstrato e sim um espaço estruturado e estruturante e tampouco um tempo abstrato, mas o tempo teleológico do dever-ser. Para isso, o método ordine geométrica demonstrata desenha uma representação do próprio Campo da Imanência, através da instauração de polaridades fundadoras de um protoplano no qual uma métrica ortogonal, acolhe toda uma gama de conceitos e categorias, permitindo sínteses imediatas e para as quais a Finalidade atua como verdadeiro princípio ordenador capaz de atribuir a cada conceito, no todo, o seu lugar e função. Pelo exposto, além de Kant, a interlocução desse modelo com os contributos de Charles Sanders Peirce é evidente a partir do projeto desse pensador ao considerar tanto o pensamento filosófico quanto o raciocínio lógico a partir de métodos da geometria. Embora não tenha sido o escopo desse estudo esmiuçar os contributos de Peirce no campo da lógica, sabemos que seu objetivo primordial em tal área, foi o de buscar sistematicamente as tautologias e para tal introduziu as notações para os conectivos proposicionais binários, as representações ortogonais com seus quadrantes e concepções de tábuas de verdade. Embora o presente método se imponha ao dispensar a priori a necessidade de conectivos e segue por uma analítica transcendental do tipo kantiano, as representações de Peirce foram utilizadas com o intuito de procura validá-lo aos olhos dos cânones mais recentes em particular, na área das ciências da cognição.
Referências Bibliográficas
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Notas
E. Ilario
E-mail para correspondência: enidioil@fcm.unicamp.br; enidioilario@uol.com.br
(1) Em relação ao conceito jasperiano "englobante", que tem como sinonímia "circundante" e "abarcante". Em Jaspers, o homem toma consciência da autotranscendência sobretudo nas situações limite (Grenz-Situationen). Ademais, para Jaspers, essa transcendência do homem diz somente que o seu ser está imerso num "todo-circunscrevente" (das Umgreifende) que não acha nunca expressão adequada em nenhuma das coisas intramundanas. (Mondin, 1980: 252).
(2) Assim descreve Mircea Eliade o Axis mundi: "Os três níveis cósmicos - Terra, Céu, regiões inferiores tornam-se comunicantes, a comunicação às vezes é expressa por meio da imagem de uma coluna universal, Axis Mundi, que liga e sustenta o Céu e a Terra, e cuja base se encontra cravada no mundo de baixo (que se chama "Infernos") Essa coluna cósmica só pode situar-se no próprio centro do Universo, pois a totalidade do mundo habitável espalha-se à volta dela." (Eliade, 1996: 38).
(3) Há um outro diagrama desse autor com a representação tridimensional de uma esfera, mas a perfeição da esfera, por exemplo, na visão da metafísica medieval, não se presta a representação da totalidade humana, pois esta última toma incontáveis formatos na individualidade do ser e na pluralidade da sociedade. (Ilario, 2003: 20-21)
(4) Intencional é tudo o que possui uma orientação (como o ente ao ser, o agente à sua operação e ao objeto da mesma, etc.) Em sentido estrito, intencional é tudo o que possui uma orientação consciente em ordem a um objeto. Neste caso se encontram as representações, conceitos, atos cognitivos e apetitivos de toda espécie. (Brugger, 1987: 237).
(5) Contraposição aqui deve ser entendida basicamente no sentido de polarizante, embora a discussão dos aspectos que envolvem a distinção entre contrários e contraditórios envolva uma mais extensa discussão que ficará para outro momento.
(6) A potência (do latim posse: poder), como fator parcial forma, juntamente com o ato, a estrutura do ente finito. [...] No que tange à essência da potência, ela só pode ser descrita por sua relação com o ato, como a possibilidade real ou aptidão para ele. Mas aqui se trata da potência subjetiva, que, como sujeito real do ato a ela agregado co-estrutura o real. Esta é a potência pura (isenta de ato), quando não traz consigo nenhum ato nem pressupõe nenhum ato que lhe sirva de fundamento. (Brugger, 1987: 326-327).
(7) "A Noologia equivale à archeologia, à ciência dos princípios (supremos). Estes princípios são primordialmente princípios do conhecimento da realidade [...]. Em algum sentido, a noologia é igual à metafísica, já que "todos os axiomas verdadeiramente metafísicos são axiomas da noologia". Contudo, em outro sentido, a noologia distingui-se claramente da metafísica; de fato, a noologia é anterior a ela porque trata de princípios dos quais a metafísica deduz as conclusões." (Mora, 2004: 2110-2111).
(8) "Segundo se atribua a primazia a Deus ou ao mundo, temos o panteísmo em sentido estrito, que dilui Deus no universo e o panenteísmo que vê no mundo um puro modo de manifestação de Deus. Aparentada com esta é a distinção entre panteísmo e teopanismo: segundo o primeiro Deus subordina-se ao Todo; ao invés para o segundo o Todo subordina-se a Deus". (Brugger, 1987: 311-312). Nesta topologia o Panteísmo se refere ao Deus que se realiza e manifesta-se nas coisas (Espinosa, Goethe, Scheleiermacher, Eucken) Deve-se incluir aqui também o pampsiquismo, que considera o Todo animado por uma alma ou razão do mundo. Assim procura o panteísmo biológico explicar a finalidade interna e a hétero-finalidade próprias dos organismos.
(9) Sem abandonar algumas premissas kantianas, vale delimitar o paradigma aos contornos dados por Saussure, no qual esse representa como que uma espécie de reserva lingüística, ou seja, um conjunto de unidades suscetíveis de aparecer num mesmo contexto e que, ao mesmo tempo, se opõe, na medida em que uma exclui a outra. Essa é a chamada oposição distintiva e que estabelece a diferença entre signos. (Saussure, 1969: 142).
(10) Para maiores detalhamento vale consultar o artigo de Oostra (2004), La Notación Diagramática de C. S. Peirce para los conectivos proposicionales binários, publicado na Revista da Academia Colombiana de Ciências vol. 28, 2004: 57-70 disponibilizado no endereço: acessível em http://www.accefyn.org.co/PubliAcad/Periodicas/Volumen28/106/57-70.pdf.
(11) Consultar (Haaparanta, 2002) Metodologia da Lógica e Filosofia de Peirce. Em:
http://www.pucsp.br/pos/filosofia/Pragmatismo/cognitio/artigos_b_traduc/btc3_haaparanta.doc
(12) A significação do termo "devir" não é unívoca. É usado às vezes como sinônimo de 'tornar-se'; às vezes é considerado o equivalente de 'vir a ser'; às vezes, é empregado para designar de um modo geral o mudar ou mover-se. (...) Nessa multiplicidade de significações parece haver, contudo, um núcleo significativo invariável no vocábulo 'devir': é o que destaca o processo do ser, ou, se quiser, o ser como processo. (Mora, F., 2004: 707-710).
(13) Alteridade aqui deve ser compreendida como Princípio da Alteridade, pré-condição do Amor metafísico, ou seja, aquele que permite também o retorno "a si mesmo" ou como co-responsabilidade propriamente.
(14) Interessante aduzir aquela que classifiquei de meta-experimentação com a obra "Temor e Tremor", na qual utilizo a metáfora da oscilação como tentativa de resposta a uma espécie de desafio lançado por Kierkegaard (19--) de atingir a conciliação entre a coletividade e o indivíduo: http://www.sorenkierkegaard.com.ar/index2.php?clave=colaboracion&idcolaboracion=28