Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Ciências & Cognição
versão On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro abr. 2010
Artigo Científico
A dinâmica das interlocuções e a emergência dos significados segundo Vygotsky: análise de um processo de ensino na educação infantil
The dynamics of the interlocutions and the emergency of the meanings according to Vygotsky: analysis of an educational process in the infantile education
Carla Regina Maschio Saravy; Edson Schroeder
Departamento de Educação da Universidade Regional de Blumenau (FURB), Blumenau, Santa Catarina, Brasil
Resumo
O objetivo central desta pesquisa foi analisar um processo de desenvolvimento conceitual pelas crianças, partindo de dois contextos interativos mediados por uma professora, no estudo sobre alimentos. A investigação envolveu dez crianças de quatro anos e sua professora em uma escola de Blumenau. A teoria histórico-cultural, proposta por Vygotsky foi o principal aporte teórico para o desenvolvimento das reflexões, evidenciando premissas essenciais à compreensão das complexidades associadas à aprendizagem conceitual na educação infantil. Relacionaram-se quatro parâmetros essenciais para se compreender, na dinâmica interativas das aulas, gravadas em vídeo, a emergência dos processos de significação: a observação da evolução das regulações interativas que se estabeleceram entre as crianças e entre as crianças e a professora, com a atenção aos aspectos relativos à afetividade e à linguagem, a observação de como os processos de realização das tarefas evoluíram, a observação de como ambos os aspectos se coordenaram e se condicionaram e a emergência dos conceitos e seus significados. A análise microgenética foi a abordagem metodológica utilizada para se compreender o desenvolvimento conceitual pelas interações. Os conceitos foram construídos por meio da cooperação entre as crianças e professora. Conforme esta cooperação se desenvolvia, possivelmente promovia também o amadurecimento das funções mentais, criando-se uma zona de possibilidades para o desenvolvimento dos conceitos espontâneos das crianças. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 100-123.
Palavras-chave: educação infantil; aprendizagem e desenvolvimento; linguagem; construção conceitual; interlocuções.
Abstract
The objective of this research was to analyze a process of conceptual development in children, from two interactive contexts mediated by a teacher, on the study about food. The investigation involved ten year-olds students and their teacher in a school of Blumenau, Santa Catarina State. The historical-cultural theory, proposed by Vygotsky was the main theoretical contribution to the development of thinking, highlighting assumptions essential to understanding the complexities associated with conceptual learning in early childhood education. Related to four key parameters to understand the dynamics of interactive lessons, videotaped, the emergence of meaning processes: observation of the evolution of interactive settings that were established between children and between children and teacher, with attention in the aspects of emotion and language, the observation of how the processes of performing the tasks progressed, the observation of how both aspects are coordinated and have conditioned the emergence of concepts and their meanings. The microgenetic analysis was the methodological approach used to understand the conceptual development by the interactions. The concepts were built through cooperation between the children and teacher. As this cooperation developed, possibly also promoted the maturation of mental functions, creating a zone of possibilities for the development of spontaneous concepts in the children. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 100-123.
Keywords: infantile education; learning and development; language; conceptual construction; interlocutions.
Introdução
A criança, desde o seu nascimento, é imersa em um mundo social, onde toda a atividade humana tem, na linguagem, seu principal instrumento de mediação e desenvolvimento. Este instrumento vai sendo gradativamente apropriado pela criança em suas relações com os objetos culturais e com o outro, crianças ou adultos.
A língua materna é a primeira língua que uma criança aprende. Língua materna é aquela que aprendemos no meio cultural onde nascemos. Desta forma, a aquisição da linguagem é um processo que se repete em cada ser. Na convivência com a família, o bebê, aos poucos vai internalizando a linguagem e, com ela, as normas, conceitos, tradições e cultura da comunidade, do contexto em que está inserido. Desde a tenra idade, a criança aprende a decodificar sons e a reconhecer elementos lingüísticos (e não lingüísticos) que exprimem aprovação, desaprovação, dúvidas, como acontece com os gestos, a interação facial, por exemplo. Esta aprendizagem não é sistematicamente programada: a criança aprende pelo contato e pelas interações que desenvolve nos ambientes em que vive e com as pessoas que convive.
Quando ingressamos na escola, o primeiro objetivo que temos é aprender os significados das coisas, ler e escrever. Ao chegar neste ambiente não estamos como folhas em branco, uma vez que já existe uma história construída e já dominamos nossa língua materna (na sua forma oral), construímos frases complexas e somos capazes de nos comunicar com qualquer pessoa que fale a mesma língua. Portanto, estas características são importantes pontos de partida para um processo que chamaremos de construção do conhecimento.
O ser humano possui a necessidade de se comunicar, neste sentido, falar e escrever são formas de expressar esta necessidade, fato que evidencia a linguagem em sua função primeira que é a comunicação social. E ela nos permite entender as crianças pequenas, o que viabiliza as interações destas com os adultos. A utilização da linguagem oral e a construção e reorganização de conceitos e seus significados acontece primordialmente pelo contato com a fala de outros indivíduos pertencentes ao meio em que se convive, sendo modificada, aperfeiçoada e sofisticada ao longo do seu desenvolvimento. As crianças aprendem a falar em situações espontâneas, naturais, internalizando e aprendendo regras e, neste sentido, vão estabelecendo relações cada vez mais complexas com o pensamento. Nestas relações, entre o pensamento e a linguagem, as crianças, aos poucos, estabelecem uma arquitetura conceitual que permite relações cada vez mais complexas com o mundo da qual fazem parte.
Por entender que o desenvolvimento da linguagem na criança é um aspecto complexo e extremamente importante para a sua construção como sujeito, proponho-me investigar e refletir sobre os processos de utilização da linguagem pela criança e da sua capacidade de articulá-la com o pensamento em situações formais de ensino.
A relação do sujeito com a realidade se efetiva mediada pelo outro e pela linguagem. Vygotsky a considera como constituidora das funções mentais superiores, sendo que o conhecimento é construído nas relações entre as pessoas. A linguagem possibilita que as crianças se apropriem e internalizem conceitos - um processo que acontece, de acordo com Vygotsky, na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Para Vygotsky, é no estudo das situações concretas entre sujeitos, no encontro entre as intenções, ações e na partilha das atividades, ou seja, é na própria dinâmica das situações que poderemos obter os elementos para a compreensão de como as crianças se apropriam do que lhes é externo. A partir deste pressuposto buscamos auxilio na teoria histórico-cultural do desenvolvimento, procurando compreender melhor o fenômeno do pensamento, da aquisição e do desenvolvimento dos conceitos entre crianças da educação infantil, a partir de um processo de ensino que tratou sobre a alimentação. Neste sentido, apresentamos a questão que orientou nossa investigação: na dinâmica das interlocuções, como se dá o desenvolvimento conceitual por crianças em um processo de ensino na educação infantil? Nosso principal objetivo foi analisar um processo de desenvolvimento conceitual pelas crianças, partindo de um conjunto de interações mediadas pela professora, no estudo do tema alimentação. Também pretendemos compreender, no movimento que se estabeleceu entre as crianças, a professora e o conhecimento, a função da linguagem como condição para o desenvolvimento.
A teoria histórico-cultural do desenvolvimento como aporte teórico para a pesquisa
Buscamos no pensamento de Vygotsky o principal aporte teórico para as nossas reflexões e colocamos em evidência algumas premissas que julgamos muito importantes para compreendermos melhor a complexidade associada à aprendizagem conceitual pelas crianças em um processo de ensino na Educação Infantil. Vygotsky (1989; 2001) defende a ideia de que as funções mentais superiores são o produto da história, socialmente construída e reflexo das relações interpessoais - a mente, para este autor, é uma construção social e cultural. Desta forma, a teoria histórico-cultural tenta explicar a aprendizagem e o desenvolvimento como fenômenos humanos mediados através dos signos, considerando a linguagem o instrumento mais importante para a construção do conhecimento. A teoria histórico-cultural entende também, que o sujeito, da mesma forma que sofre a ação dos fatores sociais, culturais e históricos, também pode agir de forma consciente sobre estas forças, isto sem o rompimento entre a dimensão biológica e simbólica que o constitui.
A teoria visa estudar, também, as transformações dos processos psicológicos elementares como os reflexos, o pensamento não verbal, a memória involuntária, os aspectos primitivos da atenção e do desejo, a motricidade e a percepção, nos processos complexos ou funções mentais superiores, como a memória, o pensamento, a fala, a atenção e a consciência. Sua maior contribuição está nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em sociedade, além do desenvolvimento do pensamento e da linguagem.
Sabendo que cada indivíduo vive sua experiência pessoal de modo muito complexo e particular, o mundo da experiência vivida tem que ser extremamente simplificado e generalizado para poder ser traduzido para a linguagem. "O pensamento e a linguagem têm origens diferentes e desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes, antes que ocorra a estreita ligação entre esses dois fenômenos" (Vygotsky, apud Oliveira 2000: 43).
Segundo Vygotsky, as relações entre o indivíduo e o mundo exterior se desenvolvem através de um processo histórico e cultural. As relações dos sujeitos com o mundo são relações mediadas. Neste sentido, os instrumentos, entre eles, os signos são os mediadores capazes de auxiliarem na relação do sujeito com o mundo. Os signos têm entre suas funções auxiliar nas tarefas que exijam do sujeito a utilização da memória e da atenção, diferentemente de outros instrumentos que agem somente sobre os objetos. Para Vygotsky (1989), toda a vida humana está impregnada de significações e a influência do mundo social se dá por meio de processos que ocorrem em diversos níveis. Por meio da internalização das significações, somos capazes de lidar com representações que substituem o real como, por exemplo: ser capaz de imaginar, fazer planos, etc.
Ao estabelecermos comunicações em grupos sociais, os signos passam a ser compartilhados e internalizados pelos membros do grupo permitindo uma relação interpessoal com outros, integrando as formas culturais estabelecidas naquele ambiente. Diante disto, podemos mencionar que o processo de desenvolvimento do ser humano em meio a sua inserção em um grupo cultural se dá "de fora para dentro". Portanto, para realizar o intercâmbio social e se comunicar com as pessoas, que o homem cria e utiliza a linguagem, sendo a necessidade de se comunicar que impulsiona o desenvolvimento de uma linguagem socializada. Para Vygotsky (2001) é a função generalizante dos conceitos que torna a linguagem um instrumento de pensamento. A linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e os objetos do conhecimento.
Sabemos que a função da linguagem é a comunicação combinada com o pensamento e a comunicação permite a interação social e organiza o pensamento. Vygotsky entende que, no desenvolvimento humano, o processo de aquisição da linguagem pela criança passa por diversas fases que, aos poucos, passa para um processo de internalização que se dá neste sentido: linguagem social â' linguagem egocêntrica â' linguagem interior. A linguagem social tem a função de comunicar ideias, sendo a primeira linguagem que a criança tem contato; posteriormente, a egocêntrica e a interior conectam-se às atividades do pensamento. A teoria histórico-cultural enfatiza os processos mediados em determinado contexto, permitindo aos sujeitos agir sobre os fatores sociais, culturais e históricos, bem como sofrer a ação destes, sem o rompimento entre a dimensão biológica e a simbólica que os constituem (Schroeder, 2008).
Vygotsky entende que o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores de uma criança precisa ser observado de forma prospectiva, isto é, devemos focar nossa atenção sobre os conceitos que ainda precisam ser dominados por ela. A partir deste postulado, emerge o conceito de ZDP, que carrega, em sua essência, a ideia das transformações que acontecem por meio da ação dos professores, promovendo progressos que não aconteceriam de maneira espontânea pela criança. Entretanto, Vygotsky (1998; 2001) nos lembra que não é qualquer ensino que promove o desenvolvimento intelectual das crianças, mas sim, aquele que se adianta ao seu desenvolvimento.
O processo de construção de conceitos pelas crianças
Vygotsky apresenta três momentos distintos com relação ao desenvolvimento das estruturas de generalização, ou estruturas de formação conceitual: o pensamento sincrético, o pensamento por complexos e o pensamento conceitual propriamente dito. O pensamento sincrético ocorre quando a criança concretiza os primeiros agrupamentos, bastante rudimentares, de maneira não organizada. Os critérios utilizados pela criança são critérios "subjetivos", sofrem contínuas mudanças e não estabelecem relações com as palavras, pois não desempenham um fator de organização para a classificação da sua experiência.
No pensamento por complexos, a criança já forma um conjunto de objetos a partir de relações fundamentadas em fatos identificadas entre eles, pois, já tem base em experiências vivenciadas. Os objetos são agrupados a partir da base de vinculação real entre eles, um atributo que a criança apreende a partir da situação imediata envolvida. Para Vygotsky, nesta etapa a criança já opera com um mundo conceitual definido e já consegue relacionar o pensamento e palavra. Mais tarde, a capacidade do adolescente para a utilização significativa da palavra, agora como um conceito verdadeiro, é o resultado de um conjunto de transformações intelectuais que se inicia na infância.
Os conceitos formam sistemas de interpretação das crianças que auxiliam no reconhecimento dos objetos, na compreensão de fatos e ações sobre a realidade adquiridos por suas vivências cotidianas. A este conjunto de conhecimentos, Vygotsky denomina conhecimento espontâneo ou cotidiano. Os conceitos cotidianos carregam determinantes de origens diversas: sensorial, emocional, afetiva e moral, uma vez que são construídos através de relações mediadas e vivenciadas com familiares, amigos e grupos de pessoas da comunidade com quem as crianças têm contato e experiência vivida. Para Vygotsky, os conceitos são instrumentos culturais que orientam as ações dos sujeitos em suas relações com o mundo, encontrando no objeto, sua materialização: "O conceito não é um simples conjunto de conexões associativas que se decora com a ajuda da memória, não é um hábito mental automático, mas um autêntico e completo ato do pensamento" (Vygotsky, 1993: 184).
Uma característica importante a respeito do conceito é a sua relação com os objetos, pois, ele não é imutável e nem é uma estrutura isolada. É através da comunicação, assimilação, do entendimento, da resolução de problemas que o conceito torna-se estrutura viva e complexa do pensamento.
De acordo com Vygotsky, no processo de formação conceitual a palavra é parte fundamental e o significado da palavra sofre uma evolução, pois, com a utilização da palavra os processos de desenvolvimento que dão origem a formação de conceitos pelas crianças se iniciam na infância e seu amadurecimento ocorre somente na adolescência. Sobre este importante aspecto, Vygotsky argumenta que:
"O processo de formação conceitual é irredutível às associações, ao pensamento, à representação, ao juízo, às tendências determinantes, embora todas essas funções sejam participantes obrigatórias da síntese complexa que, em realidade, é o processo de formação dos conceitos. Como mostra a investigação, a questão central desse processo é o emprego funcional do signo e da palavra como meio através do qual o adolescente subordina ao seu poder as suas próprias operações psicológicas, através do qual ele domina o fluxo dos próprios processos psicológicos e lhes orienta a atividade no sentido de resolver os problemas que tem pela frente." (2001: 169)
Conforme o autor, os conceitos são generalizações que se originam das palavras que, internalizadas, tornam-se signos mediadores. A generalização é um processo da construção conceitual que se caracteriza na identificação consciente de características comuns entre objetos que podem ser designados por uma palavra que abranja suas características comuns. Assim, poderíamos sintetizar a construção conceitual na seqüência ilustrada na figura 1.
Baseando-se em aprofundamentos a respeito do efeito da interação social, da linguagem e da cultura sobre a aprendizagem, Vygotsky evidencia as relações existentes entre conceito científico e conceito cotidiano. O conceito cotidiano é caracterizado por Vygotsky como um conceito desenvolvido naturalmente pela criança a partir de suas reflexões sobre suas experiências cotidianas. São construídos fora do contexto escolar, dando origem ao conjunto de teorias que possui sobre o mundo - suas representações. Para Vygotsky (1989; 1998; 2001) um conceito cotidiano é construído de forma não consciente, uma vez que a atenção nele contida orienta-se para o objeto nele representado e não para o próprio ato de pensamento que o abarca. Entendemos, portanto, que os conceitos cotidianos, que estão diretamente ligados aos objetos concretos do mundo da criança, formam uma base para os conceitos científicos que, quando denominados pelas crianças iniciam um processo de transformação levando-as para níveis de compreensão muito mais elevados.
Figura 1 - Processo de construção de um conceito, segundo Vygotsky.
Para Vygotsky, o efetivo aprendizado de um conceito científico teria um efeito benéfico às crianças: o de permitir escolhas deliberadas e a capacidade de justificá-las, pois, já seria capaz de refletir sobre as regras envolvidas levando-a para etapas mais sofisticadas de consciência. Também é possível entender o conceito científico não apenas como um conjunto de conceitos que vão sendo apropriados, mas como instrumentos cognitivos que ampliam a capacidade de interlocução das crianças com a realidade que a cercam: "Os conceitos científicos são os portões através dos quais a tomada de consciência penetra no reino dos conceitos infantis" (Vygotsky, 2001: 295).
Segundo o autor, o desenvolvimento do conceito científico se apóia em um nível de maturação dos conceitos cotidianos, que atinge grau cada vez mais elevado a medida que a criança segue cronologicamente seu percurso e processo escolar. A construção do conceito científico origina-se nos processos de ensino, por meio de atividades estruturadas, com as participações de professores, atribuindo à criança abstrações mais formais e conceitos mais definidos dos que os que foram construídos de forma espontânea.
Com relação à aprendizagem dos conceitos científicos, Vygotsky argumenta que os mesmos não chegam a uma criança de forma pronta, pois, passa por transformação de acordo com a capacidade de cada uma em compreender os modelos elaborados pelos adultos. No entender de Vygotsky, o conhecimento escolar (o científico), com seu maior poder explicativo vem ao encontro dos conceitos cotidianos.
Concluindo sua teoria, Vygotsky acredita que os processos construtivos dos conceitos cotidianos e dos conceitos científicos pelas crianças acontecem de formas opostas, pois, os cotidianos partem do concreto para o abstrato e os científicos partem do abstrato para o concreto. Tanto um quanto outro interage desempenhando diferentes funções para a teoria do desenvolvimento resultando no que Vygotsky denomina como "conceitos verdadeiros", que são as compreensões aprofundadas, dos sujeitos sobre o domínio específico. (Vygotsky, 2001; 2005). Desta maneira, de acordo com Sforni (2004), podemos entender porque aprender conceitos não é acumular conhecimentos, mas tomar posse do nível de consciência neles potencializados ao longo de sua formação. Assim, o domínio conceitual de uma criança vai além da compreensão do significado presente na palavra, e impõe como condição para sua apropriação a atividade.
O papel da intervenção pedagógica na ZDP
Vygotsky entende que a aprendizagem exerce função das mais importantes sobre os processos de desenvolvimento intelectual das crianças, conferindo aos processos de ensino uma importante função na formação dos sujeitos. Argumenta que o desenvolvimento se dá por processos em que a cultura é internalizada de fora para dentro, onde as intervenções deliberadas dos professores são muito importantes no desencadeamento de processos que poderão determinar o desenvolvimento intelectual das crianças, a partir da aprendizagem dos conteúdos escolares.
É na ZDP que a interferência de outros indivíduos é mais transformadora. O processo de ensino-aprendizagem, na escola, dever ser construído tendo como ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança quando quer saber algo sobre determinado conteúdo, sendo seu ponto de chegada os objetivos propostos pela escola que foram preparados adequadamente para cada faixa etária - o papel da escola seria o de fazer a criança avançar em sua compreensão de mundo a partir de seu desenvolvimento já consolidado.
O professor tem o papel de interferir na ZDP das crianças, pois, desta forma provoca avanços que não ocorreriam de forma espontânea. Conforme afirma Vygotsky o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento (2001).
Sabemos que a aprendizagem não acontece somente nas interações do indivíduo com seu meio físico, mais, principalmente, por meio das interações sociais. Cabe a escola propiciar o contato com um grande e variado conjunto conceitual, hierarquicamente organizados a partir das diferentes áreas do conhecimento que compõem o currículo. Para Vygotsky: "a educação se faz através da própria experiência do aluno, a qual é inteiramente determinada pelo meio, e nesse processo o papel do mestre consiste em organizar e regular o meio" (2004: 67).
Vygotsky menciona que no ambiente escolar, mas não restrito a somente este ambiente, acontece o mecanismo de imitação, que para ele não tem o mero sentido de imitar ou realizar cópia. Destaca que os professores devem pensar o papel da imitação para a aprendizagem, pois, este processo se faz importante, uma vez que é através deste mecanismo que a criança é capaz de criar algo novo a partir do que observa no outro. Também é importante ressaltar que em situações informais do aprendizado as crianças realizam trocas com seus colegas como forma de acesso a informação e, desta forma, o professor tem o papel de observar esta interação entre as crianças para orientá-las no que necessitam aprofundar. A criança também pode ser mediadora e através da utilização deste recurso ela é capaz de promover seu próprio desenvolvimento. De acordo com Vygotsky, "O ato real e complexo do pensamento que não pode ser ensinado por meio do treinamento, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível necessário. Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa um ato de generalização" (2005: 104). O papel do professor é nunca deixar de acreditar que o que ensina na escola deve auxiliar as crianças na construção de uma cultura com vista a um entendimento dos conhecimentos derivados das ciências humanas e naturais ampliando as experiências dos estudantes na construção de concepções adequadas sobre o meio natural, social e tecnológico (Schroeder, 2008). "A educação se faz através da própria experiência do aluno, a qual é inteiramente determinada pelo meio, e nesse processo o papel do mestre consiste em organizar e regular o meio" (Vygotsky, 2004: 67). Assim, de acordo com o pensamento vygotskyano, as relações entre o professor e a criança poderão promover o amadurecimento das suas funções psicológicas superiores e o seu conseqüente desenvolvimento intelectual.
Procedimentos metodológicos
A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, aconteceu em um CEI (Centro de Educação Infantil), na cidade de Blumenau (SC). Os dados foram coletados através da gravação, em vídeo, de um processo de ensino desenvolvido com crianças, a partir do tema "Alimentação"1 . Nossa opção pela gravação tem apoio em Bauer e Gaskell, quando este argumenta que "a imagem com ou sem acompanhamento de som, oferece um registro restrito mais poderoso das ações temporais e dos acontecimentos reais - concreto, materiais" (2003:137). Posteriormente, procedemos à descrição e análise dos eventos, a partir de elementos que consideramos fundamentais para a investigação:
A análise do desenvolvimento histórico do processo de ensino apóia-se nos pressupostos da abordagem microgenética (Wertsch, 1998). A abordagem microgenética, é uma metodologia referenciada na abordagem histórico-cultural e semiótica dos processos humanos. Nesta abordagem, a atenção do pesquisador está mais voltada para "o como acontece" do que exatamente sobre "o que acontece". A abordagem semiótica, por sua vez, procura analisar elementos como o signo, a palavra e a linguagem, temas esses que o ajudam a configurar a especificidade do humano (Góes, 2000), com vistas à compreensão de como os sujeitos interpretam mensagens, pensam e interagem com os objetos, um aspecto que Vygotsky discutiu densamente no decorrer de sua obra, pois acredita que "é somente em movimento que um corpo mostra o que é". (Vygotsky, 1989: 74).
A análise microgenética possibilita verificar os aspectos essenciais da atividade psicológica das crianças no que se refere às suas capacidades já adquiridas, reconhecer o que as movimenta na apropriação dos conhecimentos, ou seja, a compreensão de como se dá o processo de internalização. Desta forma, as observações precisam estender-se do início ao fim de um processo e as interpretações precisam ser minuciosas no sentido de apreender os mecanismos geradores das mudanças.
Nosso cenário de investigação compõe-se de uma sala com dez crianças com faixa etária média de quatro anos e sua professora. A partir das relações que se estabeleceram, objetivamos explorar processos sociais e culturais explicitados pela linguagem, permitindo uma análise processual e contextual das várias ações e significações presenciadas. Crianças agem e reagem a partir de seus diferentes ritmos, suas diversidades, seus interesses e suas necessidades. Neste sentido, entendemos que o espaço de sala de aula com seus personagens caracterizam-se pela imprevisibilidade. Os registros das observações, portanto, foram submetidos à análise microgenética, objetivando-se uma análise detalhada das transformações que se efetivaram no decorrer da atividade.
Propomos uma análise partindo de uma perspectiva histórica dos processos que se modificaram sucessivamente. Esta concepção genética tem sua origem nas proposições de Vygotsky a respeito do desenvolvimento humano: "entre suas orientações metodológicas, Vygotsky incluiu e valorizou as análises minuciosas de processos de forma a caracterizar sua gênese social e as transformações do curso de eventos", conforme Schroeder (2008: 93). A sala, cenário da investigação, era bem organizada, contendo cinco mesas e um espaço para realizarem a "roda de conversa", uma prática da professora. Esta turma era composta por dez crianças, três meninas e sete meninos.
O estudo sobre os alimentos e a construção de conceitos pelas crianças: resultados e análises
Nesta etapa, apresentamos as descrições e análises de apenas um dos momentos dedicados ao desenvolvimento do tema "Alimentação", que denominamos "contextos interativos", e que fizeram parte do processo de desenvolvimento histórico organizado pela professora. Todas as aulas foram assistidas e descritas minuciosamente, com o intuito de identificar indícios que consideramos relevantes para a análise, no que diz respeito ao processo de construção conceitual.
Foram apresentados e analisados dois momentos que julgamos mais significativos no processo de construção conceitual. A opção por recortes de maneira nenhuma desconsiderou a transição histórica vivida pelos sujeitos. Importante lembrar que a professora já havia introduzido o tema em aula anterior. O processo de ensino, portanto, foi organizado e desenvolvido a partir de dois contextos interativos, objetos de nossa análise:
a) os alimentos e sua importância;
b) atividade na horta escolar.
Contexto interativo I: "Os alimentos e sua importância"
Ao dar início ao tema "Os alimentos e sua importância", a professora orientou as crianças para que ficassem em círculo no chão da sala. Neste momento, algumas crianças se mostraram agitadas, mexendo nos pés e balançando a cabeça. Outras demonstraram um interesse maior pelo assunto prestando atenção na professora.
Em seguida, a professora expôs às crianças que iriam realizar uma atividade de registro, que consistia na apresentação de diferentes de alimentos acompanhados de uma afirmação. As crianças deveriam identificar quais as afirmações eram verdadeiras e quais eram falsas. Também explicou o que significava os termos "verdadeiro" e "falso", chamando cada criança pelo nome e entregando a folha de papel com a atividade. A partir deste momento, seguiu-se um conjunto de interações entre a professora e sua classe, processo que se iniciou com uma pergunta para as crianças:
- É muito bom para nossa saúde comer frutas e verduras? Isso é verdade ou mentira?
Algumas crianças responderam "verdade" e outras gritaram "mentira". A professora perguntou, dando muito mais ênfase à palavra "vitamina":
- Por quê? As frutas têm vitaminas?
Em uníssono, as crianças responderam que "têm".
- E as verduras?
Denis responde, gritando, à frente dos seus colegas:
- Têm.
Em seguida as outras crianças, concordando, responderam:
- Têm.
Assim, desenvolvendo o diálogo com as crianças a professora fez novo questionamento:
- E o que a vitamina faz para o nosso corpo?
Edilson, com sua mão na boca respondeu:
- Crescer.
E todos os seus colegas repetiram:
- Crescer...
Após esta resposta a professora perguntou:
- A vitamina faz as crianças crescerem... ficarem o quê?
E todos responderam:
- Ficar forte!
Neste momento Laura, expressando lembrar algo, gritou:
- Vitamina C!
A professora aproveitou a resposta de Laura e perguntou:
- O que tem vitamina C?
Neste momento Denis levantou o dedo e disse:
- Laranja.
E a professora continuou seus questionamentos:
- E a vitamina C faz o que para o nosso corpo?
Edilson respondeu:
- Crescer.
Então, a professora explicou que a vitamina C faz com que a criança cresça, não fique doente. Interrompendo-a, Laura afirmou:
- Quando a bactéria vem no nosso dente ele fica doente. Disse isto colocando seu dedo indicador no dente. A professora concordou com Laura e complementou:
- Isso ocorre quando vem a cárie, pois, o "bichinho da cárie" vem no nosso dente.
Denis acrescentou:
- Daí tem que ir ao dentista, igual eu.
A professora concordou com o menino dizendo:
- Isso mesmo!
Seguindo, a professora retornou à atividade proposta no início, orientando às crianças que ao lado do desenho da laranja, presente na atividade, havia uma informação: "é muito bom comer frutas e verduras". As crianças deveriam pintar um dos dois desenhos disponíveis: um rosto feliz e outro triste. Neste momento as crianças se manifestaram:
- Mentira.
Então, a professora repetiu a pergunta presente na atividade com o intuito de fazer as crianças repensarem sua resposta, enquanto José, bocejando, demonstrava estar com sono.
- Não é verdade? Claro que é verdade!
Todas concordam com a professora enquanto ela explicava que seria importante comermos frutas e verduras todos os dias. Denis acrescentou:
- Cenoura.
E Laura falou:
-Pêra.
A professora seguiu a aula, pedindo para todos observarem na folha o desenho de um coração com chocolates. Todos observaram a imagem e depois ela leu uma afirmação que estava escrita ao lado:
- Balas e chocolates são alimentos bons para comermos todos os dias?
E as crianças responderam:
- Nããão!
E a professora acrescentou
-Verdade ou mentira?
- Mentira.
A professora aproveitou para problematizar:
- Por quê? Se comer balas e chocolates todos os dias acontece o quê?
Edilson respondeu:
- Dá dor de barriga.
A professora perguntou:
- E o que mais?
Denis respondeu:
- Fica doente.
Luiz complementou:
- E vai no médico.
Denis voltou a justificar:
- Tem que deixar somente um pouquinho de chocolate,
A professora, aproveitando o diálogo originado pela questão, perguntou:
- Quando que podemos comer então... chocolates?
Denis respondeu:
- Depois do almoço.
E a professora complementou:
- Depois do almoço, como sobremesa.
Dando prosseguimento a sua aula, a professora solicitou que as crianças voltassem às mesas para finalizarem a atividade de registro. Nesta etapa, cada grupo recebia a assistência da professora que relia as afirmações e auxiliava as crianças em suas tarefas, uma vez que muitas crianças ainda apresentavam dúvidas com relação à atividade. Este processo levou cerca de dez minutos. Em seguida, as crianças se dirigiram para a aula de Educação Física.
Observando-se a dinâmica das interlocuções nos contexto interativo I, podemos fazer algumas análises. A professora, no início da atividade, organizou seu processo de ensino a partir de um exercício onde as crianças deveriam identificar se uma afirmação era verdadeira ou falsa. A nosso ver, a professora poderia ter iniciado a discussão com base nas situações relacionadas com a rotina das crianças, uma vez que as hortaliças plantadas por elas são aproveitadas nas refeições no CEI. Importante ressaltar que as crianças desenvolvem atividades na horta semanalmente. Esta rotina de plantar e cuidar da horta, por exemplo, certamente conduz a aprendizagens mais significativas, uma vez que as crianças relacionam-se com objetos concretos do conhecimento, em nosso caso, as verduras, os cuidados necessários com as plantas, o contato com a terra, etc. A partir desta relação, a criança vai reorganizando seus conceitos cotidianos já construídos, portanto, novas relações com o conhecimento se originam. Neste sentido, evidenciamos o papel fundamental da professora neste processo. A respeito desta característica psicológica da criança, Vygotsky assim se manifesta:
"Desse ponto de vista, aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas." (Vygotsky, 1989: 101)
Segundo Vygotsky (1989; 2001), a aprendizagem pressupõe uma natureza social específica, um processo através do qual a criança adentra a vida intelectual das pessoas que a cercam. Neste sentido, a aprendizagem consiste num processo de internalização progressiva dos instrumentos mediadores e das práticas culturais, cuja gênese é social e, mais adiante, se transformam em processos de desenvolvimento internos: a aprendizagem precede o desenvolvimento.
Outro aspecto que julgamos importante foi o fato de a professora desenvolver uma dinâmica de interlocuções a partir de questionamentos. Esta dinâmica, algumas vezes, levou as crianças a refletirem sobre seus conceitos. O seguinte recorte do contexto interativo I nos dá esta percepção:
- Por quê? As frutas têm vitaminas?
Em uníssono, as crianças responderam que "têm".
- E as verduras?
Denis responde, gritando, à frente dos seus colegas:
- Têm.
Em seguida as outras crianças, concordando, responderam:
- Têm.
Assim, desenvolvendo o diálogo com as crianças a professora fez novo questionamento:
- E o que a vitamina faz para o nosso corpo?
Edilson, com sua mão na boca respondeu:
- Crescer.
E todos os seus colegas repetiram:
- Crescer...
Após esta resposta a professora perguntou:
- A vitamina faz as crianças crescerem... ficarem o quê?
E todos responderam:
- Ficar forte!
Neste momento Laura, expressando lembrar algo, gritou:
- Vitamina C!
A professora aproveitou a resposta de Laura e perguntou:
- O que tem vitamina C?
Neste momento Denis levantou o dedo e disse:
- Laranja.
E a professora continuou seus questionamentos:
- E a vitamina C faz o que para o nosso corpo?
Edilson respondeu:
- Crescer.
Então, a professora mencionou que a vitamina C faz com que a criança cresça, não fique doente. Interrompendo a professora, Luiza afirmou:
- Quando a bactéria vem no nosso dente ele fica doente. Disse isto colocando seu dedo indicador no dente. A professora concordou com a menina e complementou:
- Isso ocorre quando vem a cárie, pois, o bixinho da cárie vem no nosso dente.
Por meio do diálogo, a professora permitiu que as crianças pudessem estabelecer relações entre conceitos, que são instrumentos culturais, no momento em que complementavam as respostas umas das outras e até mesmo quando faziam relações com situações vivenciadas por elas. Vygotsky, neste sentido, argumenta que os conceitos encontram no objeto a sua materialização, e sua essência revela-se nas relações estabelecidas entre os sujeitos e os objetos num contexto histórico e cultural que lhe atribuiu significados. Em nosso caso, as crianças apresentaram seus entendimentos sobre a importância dos alimentos e das vitaminas: "ficar forte", trazendo para a discussão, outros conceitos como vitamina, vitamina C, bactéria. Percebe-se que já existe o início de uma estrutura conceitual construída, que pode ser ampliada, respeitando-se a capacidade de compreensão das crianças. Para Vygotsky (2001), a construção conceitual não é simplesmente um conjunto de conexões associativas que se assimila com a ajuda da memória, nem tampouco é um hábito mental automático, mas sim, um autêntico e completo ato do pensamento. Pensamos que, se a professora não for reflexiva no que diz respeito às suas práticas, incluindo seus relacionamentos com as crianças em sala de aula, possivelmente encontrará dificuldades em promover ações que conduzam o desenvolvimento das crianças. Pois conforme Reis, (2005), "A interação professor-aluno que ocorre em sala de aula é um processo relacional perpassado pela afetividade, por sentimentos e emoções que afetam os sujeitos e podem favorecer ou não as aprendizagens" (p.60).
Contexto interativo II: a atividade na horta escolar
Este contexto interativo, que aconteceu na semana seguinte, teve início em sala de aula, como o objetivo de resgatar alguns conceitos relacionados ao tema alimentação, abordados no encontro anterior. A professora começou sua aula orientando as crianças para que sentassem novamente em círculo, iniciando a conversa com um questionamento relacionado ao dia da semana:
- Hoje é quarta-feira, e quarta-feira é dia de quê?
As crianças responderam prontamente:
- Horta.
- Então, nós vamos na horta, mas, como nós já plantamos na horta, as verdurinhas já estão crescendo, hoje nós vamos fazer duas coisas lá. Primeiro: vamos ver se elas cresceram?
Todos responderam:
- Sim
Então a professora colocou as mãos na cintura e indagou:
- Como é que vocês sabem, se nós não fomos lá ver?
Neste momento algumas crianças ponderaram:
- Há! Eu sei - expressando-se através de sorrisos.
A professora então, perguntou:
- Vocês sabem? Mas, para elas crescerem nós temos que fazer o quê?
Todos gritam:
- Água.
Concordando com as crianças a professora acrescentou:
- Isso mesmo, então, a segunda coisa que vamos fazer será regar para elas crescerem, senão elas morrem. Ontem choveu?
Crianças e professora falaram juntas:
- Não.
Então, a professora acrescentou:
- É muito importante regar as plantas para que elas cresçam e nós também vamos contar. Vocês sabem quantas espécies de verduras e legumes nós plantamos?
Alguns responderam:
- Siiiimm - e outros - Nãããão.
A professora questionou:
- O que nós plantamos na horta?
Denis respondeu:
- Berinjela.
Vinicius acrescentou:
- Beterraba.
Ana gritou:
- Salsinha, cenora.
E a professora continuou com seus questionamentos:
- E o que mais?
Denis voltou a participar:
- Broco, broculis.
Em seguida a professora afirmou:
- Não tem brócolis no nosso canteiro, movimentando seu dedo indicador como negação.
Então, Edilson e Joana acrescentaram em uníssono:
- Couveee.
Assim, desenvolvendo o diálogo com as crianças a professora fez novo questionamento:
- Depois que formos à horta, nós vamos fazer uma atividade dos números.
Neste momento, Joana levantou o dedo indicador e disse:
- Mas é a do bingo né? ... Eu gosto.
Neste instante, as crianças ficaram mais agitadas e ansiosas pela brincadeira, conversando com os colegas que já tinham brincado. Para que as crianças ouvissem e prestassem atenção, a professora solicitou que ficassem calmas e acrescentou:
- Vocês podem usar os números na horta, contando as verduras, a gente pode usar os números para contar quantos amigos temos, a gente pode usar os números para contar quantas berinjelas nasceram? Vamos lá descobrir depois?
Então, as crianças se levantaram e a professorar solicitou:
- Calma, antes eu quero saber se vocês lembram uma coisa. Nós não conversamos sobre as vitaminas que têm nas verduras da horta?
As crianças mostraram-se agitadas e algumas falaram juntas. Então a professora volta a questionar:
- Laura vamos ver o que você lembra que eu falei das vitaminas?
Laura respondeu:
- Larranja.
- O que tem a laranja?
Denis, antes que a Laura começasse a falar, gritou:
- Vitamina C.
Então Joana acrescentou:
- A maçã tem vitamina.
Denis contribui:
- Berinjela.
Joana levantou-se nervosamente:
- Ma, ma..., banana.
Após esta resposta a professora perguntou:
- E o tomate tem vitamina?
Todos responderam:
- Tem
- E a bala? - questionou a professora.
- Não.
As crianças, não conseguiram disfarçar um pouco de decepção com esta reposta. E a professora acrescentou:
- Por que comemos então?
Pensativas, as crianças não respondem prontamente. Mas Laura respondeu:
- Só como sobremesa.
- Mas a gente come a bala porque ela é ruim? Pergunta a professora.
E todos responderam, agora em tom de voz mais baixo:
- Não.
Denis complementou:
- Só depois do almoço.
A professora concordou dizendo:
- Isso mesmo.
Luiz dá sua contribuição:
- Por um dia e por outro.
Complementando, a professora organiza o pensamento de Luiz:
- Uma por dia, né?
E Luiz acrescentou:
- É, porque se não dá dor na barriga - movimentando seu dedo indicador.
Denis acrescentou:
- Aí dá cárie.
Laura, concordando com o colega, falou:
- Aí o bicho da bactéria vem e faz uma festa nos dentes. A professora volta a questionar:
- E para gente acabar com as bactérias o que temos que fazer ?
As crianças responderam:
- Escovar os dentes.
Seguindo, a professora questionou:
- As vitaminas têm só nas frutas e verduras?
Joana gritou:
- Tem no feijão, arroz.
Denis apresentou sua percepção:
- É porque é diferente.
Para concluir esta etapa do processo, a professora explicou às crianças que precisam variar os alimentos, pois, cada um é responsável por um tipo de vitamina, importante para o desenvolvimento de nosso corpo, apresentando alguns exemplos. Prosseguindo, convidou todas as crianças para irem até a horta, contarem e identificarem as verduras que tinham plantado.
A horta foi construída desde a abertura do CEI, há dez anos, e tem como objetivos promover o desenvolvimento de atitudes de preservação e respeito à natureza. Por meio da implantação de um projeto ambiental, efetuado pela proprietária do CEI e com contribuições de professores, o projeto foi ampliado, acontecendo, também, a coleta seletiva, com o objetivo de fazer uma reutilização de materiais. As famílias também são incentivadas para esta prática.
O trabalho com a horta é realizado com todas as turmas e cada uma possui seus canteiros específicos, ficando responsável pela limpeza, preparo da terra e plantio de verduras variadas. Através do contato com a horta a criança percebe e participa de todo este processo, recebendo, assim, estímulos para desenvolver hábitos alimentares saudáveis que incluam verduras que ela mesma plante e cuide. Ao chegarem à horta, as crianças ficaram procurando os legumes e verduras que tinham plantando. A professora solicitou que se posicionassem ao redor do canteiro e observassem as hortaliças plantadas. Paulo, então, se pronunciou:
- Que grande...
E José acrescentou:
- Tem uma gande ati (sic). Apontando para uma berinjela.
Em seguida a professora questionou:
- Quem sabe me dizer quantas hortaliças têm aqui?
Ana respondeu:
- Beterraba.
E a professora insistiu na pergunta:
- Quem sabe me dizer o que é este rouxinho aqui? Apontando o dedo para as folhas de beterraba.
Todos responderam:
- Beterraba.
A professora acrescentou:
- Eu acho que ele está doente, o que aconteceu com as folhinhas dela?
Neste momento as crianças se mantiveram quietas observando as folhas que estavam roídas. Seguindo, a professora afirmou:
- Eu acho que tem algum bichinho aqui.
As crianças neste momento se mantiveram observadoras e Laura acrescentou:
- Será que tem, será que tinha... Pensativa.
A professora então, falou:
- Eu acho que tem formigas, alguma coisa, nós temos que descobrir o que nós vamos fazer para cuidar destas beterrabas, senão elas vão morrer.
Vinicius participou:
- Será que o bicho passou por aqui quando a gente tava comendo?
A professora respondeu:
- Não! São bichinhos da horta que gostam de comer folhinhas. Nós vamos descobrir o que é. Agora vamos contar - tem beterraba. Mostrando os dedos de uma mão, começou a contar - uma coisa.
Neste momento, Joana manifestou-se:
- Olha ali uma florzinha!
E a professora respondeu:
- Esta florzinha nasceu sozinha, nós nem plantamos. E continuou questionando:
- O que é isso aqui compridinho?
As crianças gritaram:
- Cebolinha.
Então a professora falou:
- Olha só, duas espécies, viram? Pessoal vão indo pelo lado do canteiro, repetindo a sua solicitação. Em seguida, a professora voltou a questionar:
- E este grande de folhas verdes?
Denis, empolgado, respondeu:
- Bróculis
A professora disse:
- Nãão.
Em seguida Joana gritou:
- Couve.
Neste momento, a professora solicitou a atenção das crianças para olharem para seus dedos, dizendo:
- Tem três coisas. E este montão aqui é o quê?
Paulo contribui dizendo:
- É berinjelaaa.
As crianças concordaram com o amigo e falaram juntas:
- Berinjela.
Então, a professora afirmou:
- Quatro coisas. Depois vamos contar quantas berinjelas tem. Lá na frente do canteiro tem mais coisas, vamos ver... Vamos seguindo até lá.
Denis com visível empolgação, participou:
- A cebolinha cresceuuu, a cebolinha cresceuuu, a cebolinha cresceuuu.
A professora concordou:
- Esta ali é a cebolinha, então, cinco. E quem sabe me dizer o que é este ali pequeno?
Ana respondeu:
- Cebolinha
A professora falou:
- Não.
Vinicius contribuiu:
- Cenora.
A professora pediu para que as crianças observassem, dizendo:
- Cenoura. Lembra quando a gente plantou a semente da cenoura ela era bem pequenina, ela cresceu, tá crescendo, oh! Em seguida, a professora solicitou para que as crianças olhassem seus dedos, falando:
- Então, quantas coisas têm na horta? Então, auxiliou as crianças a contarem, relembrando as hortaliças que já tinham contado:
- Beterraba?
Todos responderam:
- Um...
Dando prosseguimento as perguntas:
- Cebolinha?
- Dois. Responderam algumas crianças
- Couve?
Neste instante, a turma ficou em silêncio, pensando qual número viria após o número dois. Então, Denis gritou:
- Três.
E a professora acrescentou:
- Denis acertou.
- Berinjela?A professora voltou a questionar mostrando com seus dedos o número três. Ana participou:
- Quatro.
A maioria concordou, falando:
- Quatro.
- Cenoura? Perguntou a professora.
Ana gritou:
- Cinco.
Seguindo, a professora questionou:
- Cebolinha?
Ana gritou:
- Sete.
A professora, neste momento, corrigiu:
- Nããão, que número vem depois do cinco? Paulo e Gabriel falaram:
- Oito.
A professora insistiu:
- Que número vem depois do cinco?
As crianças responderam:
- Seteeee.
Então a professora falou, com ênfase:
- Seisss hortaliças. Então agora nós vamos descobrir quantas berinjelas tem no nosso canteiro, abaixa todo mundo... Vamos contar. Na mão da Joana tem uma, na mão do José, duas.
Laura grita:
- Aqui, uma berinjela.
A professora olhou para Laura e disse:
- Deixa eu ver, aqui na minha mão três, na tua mão Laura, quatro.
Enquanto a professora contava junto com algumas crianças outras se distraíram chamando cachorro do vizinho. Joana gritou:
- Achei uma bem "gandona".
E a professora contou:
- Cinco, uma pendurada aqui. Olha aqui em cima pessoal, uma bem pequenina, seis.
As crianças demonstrando curiosidade, foram perto da professora observar a pequena berinjela. Vinicius contribuiu:
- Que bonitinha.
Acrescentou a professora:
- Ali na mão do Luiz, sete.
Joana falou:
- Aqui, Karol.
E a professora respondeu:
- Esta eu já contei, viram, tem sete berinjelas. Agora a gente vai sentar ali no gramado para molhar, já que a gente viu que está crescendo todas as verduras que a gente plantou.
Ao regar o canteiro a professora afirmou:
- Nós temos que descobrir um remédio para a beterraba ainda, porque ela está doentinha. O que nós vamos fazer com essa beterraba?
Edilson manifestou-se:
- Ah! Eu não sei.
Gabriel acrescentou:
- Levar no médico.
E Paulo complementou:
- Colher e levar para o médico
Então a professora questionou:
- Mas o médico cura as frutas e verduras, ou só as pessoas?
Vinicius contribuiu:
- Só as pessoas.
Após este momento, a professora solicitou que as crianças ficassem uma ao lado da outra, esclarecendo que iria colher alguns temperos da horta para levar à cozinheira. Então distribuiu uma hortaliça para cada criança para que levassem à cozinha, pois iriam ser utilizadas no almoço. As crianças retornaram à sala, sentando em suas cadeiras para dar início a brincadeira do bingo.
No contexto interativo II, no início da atividade, ainda em sala, verificamos que a professora realizou a recapitulação das questões que abordara na aula anterior. Seu objetivo era perceber se alguma criança ainda tinha dúvidas relacionadas ao tema e para verificar entendimentos das crianças a respeito dos conhecimentos que foram abordados no encontro anterior. Seria oportuno ressaltar a preocupação da professora em retomar o tema, antes de dirigir-se à horta. Esta ação, em nosso julgamento, foi adequada, uma vez que possibilitou às crianças lembrarem alguns conceitos centrais, como podemos perceber no trecho do diálogo com Laura e Denis:
- Laura vamos ver o que você lembra que eu falei das vitaminas?
Laura respondeu:
- Larranja.
- O que tem a laranja?
Denis, antes que a Laura começasse a falar, gritou:
- Vitamina C.
Verificamos que Denis lembrou algo que sua amiga tinha falado na aula anterior. Desta forma, percebemos que Denis, neste momento, já havia se apropriado da palavra, a partir da dinâmica das interlocuções estabelecidas no encontro anterior, muito embora, sabemos que para Denis, o conceito "vitamina", ainda materializado numa palavra, necessitará passar por uma série de mudanças em direção a níveis cada vez mais sofisticados que o conceito representa. Este fluxo conceitual acontecerá pelas inter-relações entre as crianças e a professora, que precisará mediar e aprofundar os conceitos, respeitando, evidentemente, as aprendizagens que as crianças vão conquistando neste processo. Para Vygotsky, no processo de formação conceitual, a palavra é parte fundamental, e o significado da palavra sofre uma evolução, ou seja, o significado de uma palavra não se encerra com o ato de sua simples aprendizagem: este é apenas um começo.
"A essência do seu desenvolvimento é, em primeiro lugar, a transição de uma estrutura de generalização a outra. Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa uma generalização. Mas os significados das palavras evoluem. Quando uma palavra nova, ligada a um determinado significado, é apreendida pela criança, o seu desenvolvimento está apenas começando; no início ele é uma generalização do tipo mais elementar que, à medida que a criança se desenvolve, é substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminando na formação dos verdadeiros conceitos" (Vygotsky, 2001: 246).
Vejamos os seguintes diálogos:
- E o tomate tem vitamina?
Todos responderam:
- Tem
- E a bala? - questionou a professora.
- Não.
As crianças, não conseguiram disfarçar um pouco de decepção com esta reposta. E a professora acrescentou:
- Por que comemos então?
Pensativas, as crianças não respondem prontamente. Mas Laura respondeu:
- Só como sobremesa.
- Mas a gente come a bala porque ela é ruim? Pergunta a professora.
E todos responderam em tom de voz mais baixo:
- Não.
Denis complementou:
- Só depois do almoço.
A professora concordou dizendo:
- Isso mesmo.
Luiz dá sua contribuição:
- Por um dia e por outro.
Complementando, a professora organiza o pensamento de Luiz:
- Uma por dia, né?
E Luiz acrescentou:
- É, porque se não dá dor na barriga - movimentando seu dedo indicador.
Denis acrescentou:
- Aí dá cárie.
Laura, concordando com o colega, falou:
- Aí o bicho da bactéria vem e faz uma festa nos dentes. A professora volta a questionar:
- E para gente acabar com as bactérias o que temos que fazer?
As crianças responderam:
- Escovar os dentes.
Da mesma forma, a professora, por exemplo, poderia ter desenvolvido melhor o conceito sobre cárie e bactéria, na tentativa de conhecer os sentidos atribuídos a estes conceitos pelas crianças que os utilizaram. Eventualmente, poderia contribuir com o aprofundamento e ralacioná-los com outros conceitos já abordados para o desenvolvimento do tema. Neste sentido, estaria contribuindo, também, com o estabelecimento de uma rede conceitual, já existente nas crianças. Cabe à professora o papel de organização do seu processo de ensino com atividades culturalmente organizadas, com atenção voltada para aspectos essenciais como a formação de espaços interativos com a participação de todas as crianças, além da apresentação de tarefas situadas e significativas, o que inclui a formulação de tarefas cuja resolução seja uma etapa importante neste processo de ensino. Vygotsky (1989; 1998) argumenta que o desenvolvimento cognitivo das crianças se dá pelas interações em que um ou mais membros mais capazes com relação às práticas e ferramentas intelectuais fornecem o apoio necessário nas mediações das atividades intelectuais.
Outro aspecto observado, diz respeito ao fato de que a professora, ao promover o diálogo com as crianças, acabou não estimulando a participação de algumas que se encontravam, ou desatentas, ou muito quietas. Isso ocorreu nos dois contextos interativos. Desta forma, pensamos que a professora poderia ter estimulado a participação destas crianças que, com certeza, tinham a contribuir com o grupo. Julgamos importante ressaltar, que no contexto interativo II, no momento em que as crianças estavam na horta, foi perceptível a participação de outras crianças que ainda não tinham falado.
Foi possível observar, que na atividade da horta, a professora pretendia chamar a atenção das crianças sobre o crescimento das verduras e sobre a importância de se molhar as plantas. Entretanto, no decorrer da atividade, a professora, em alguns momentos tentou mobilizar os olhares para outros detalhes associados à atividade de plantar e colher:
- Quem sabe me dizer o que é este rouxinho aqui? Apontando o dedo para as folhas de beterraba.
Todos responderam:
- Beterraba.
A professora acrescentou:
- Eu acho que ela está doente, o que aconteceu com as folhinhas dela?
Neste momento as crianças se mantiveram quietas observando as folhas que estavam roídas. Seguindo, a professora afirmou:
- Eu acho que tem algum bichinho aqui.
As crianças neste momento se mantiveram observadoras e Laura acrescentou:
- Será que tem, será que tinha... Pensativa.
A professora então, falou:
- Eu acho que tem formigas, alguma coisa, nós temos que descobrir o que nós vamos fazer para cuidar destas beterrabas, senão elas vão morrer.
Vinicius participou:
- Será que o bicho passou por aqui quando a gente tava comendo?
A professora respondeu:
- Não! São bichinhos da horta que gostam de comer folhinhas. Nós vamos descobrir o que é. Agora vamos contar - tem beterraba. Mostrando os dedos de uma mão, começou a contar - uma coisa.
Neste momento, Joana manifestou-se:
- Olha ali uma florzinha!
E a professora respondeu:
- Esta florzinha nasceu sozinha, nós nem plantamos.
Estes diálogos mostram que as crianças estavam curiosas em função dos questionamentos da professora o que caracteriza um momento educativo bastante significativo, contudo é possível perceber que ela se antecipa muitas vezes, com as suas respostas, como, por exemplo: "acho que tem algum bichinho aqui"; "acho que tem formigas", "não! são bichinhos da horta que gostam de comer folhinhas"; "ela está doente"; "esta florzinha nasceu sozinha, nós nem plantamos". Desta forma, não permitiu que as crianças fossem estimuladas para pensar o problema, expor suas próprias hipóteses e reelaborá-las. Operar com esta possibilidade permite ao adulto trabalhar sobre as funções que ainda se encontram em desenvolvimento, que não se encontram plenamente "maduras" nas crianças. A capacidade de desenvolver a autonomia, a partir da participação em atividades conjuntas e colaborativas e do uso de instrumentos de mediação, em nosso caso, os diálogos, para a resolução de problemas ou tarefas, parece ser uma característica essencial do desenvolvimento intelectual. Para Vygotsky (2001) este é o mais profundo significado do conceito de ZDP, que se caracteriza pela introdução da criança na cultura escolar e os conhecimentos que elas trazem consigo. Os significados desenvolvem-se, eles não são apenas adquiridos. Verificamos isto, através do diálogo abaixo, quando a professora, questionando sobre a denominação das hortaliças, percebemos que Denis, confundiu novamente a couve com os "bróculis".
- E este grande de folhas verdes?
Denis, empolgado, respondeu:
- Bróculis
A professora disse:
- Nãão.
Em seguida Joana gritou:
- Couve.
Neste momento, percebemos que mesmo com a professora corrigindo a fala de Denis em sala, ele não tinha compreendido a diferença entre estas duas hortaliças, sendo mais fácil para ele internalizar este conceito através da atividade concreta. Entretanto, sabemos que Denis ainda terá chances de superar suas confusões e construir os seus conceitos de couve e brócolis.
Consideramos muito importante as interações que se estabeleceram no decorrer dos dois contextos interativos: foi por intermédio delas que as crianças puderam, de forma mais ou menos evidente, explicitar seus conceitos cotidianos e, com isto, tornarem-se mais conscientes da presença destes conceitos, isto, evidentemente, a partir das ações da professora e do contato com os significados dos conceitos. Assim, a linguagem, como instrumento foi fundamental nos processos de construção conceitual pelas crianças, uma vez que possibilitou a construção de sentidos que se transformaram, conforme iam sendo interrogados, no fluxo das interações que se estabeleceram na ZDP das crianças.
Cabia à professora o papel de organização do processo de ensino como atividade culturalmente organizada, com atenção voltada para aspectos essenciais como a formação de espaços interativos em sala de aula, além da apresentação de tarefas situadas e significativas, o que incluiu a formulação de tarefas cuja resolução foi uma etapa importante neste processo de ensino. A professora coordenou o processo de ensino com base em leis gerais, e suas crianças precisaram lidar com estas leis gerais da forma mais clara possível, por intermédio da investigação de suas manifestações.
Os conceitos foram construídos por meio da cooperação que aconteceu entre as crianças e sua professora. Conforme esta cooperação se desenvolvia, possivelmente promovia também o amadurecimento das funções mentais, criando uma zona de possibilidades para o desenvolvimento dos conceitos espontâneos das crianças. O valor atribuído por Vygotsky à escolarização centra-se no fato desta desempenhar um importante papel na gênese e desenvolvimento das funções psicológicas necessárias para a construção conceitual, segundo Vygotsky (2001). Os conceitos científicos, conforme vão sendo aprendidos, ampliam os conhecimentos e transformam a relação cognitiva das crianças com o seu mundo. Assim como estas precisam explorar o seu pensamento sobre o mundo, a professora precisa estar atenta e acompanhar os processos de construção conceitual que acontecem na ZDP, procurando elevar ao máximo a eficiência destes processos.
Na aprendizagem conceitual, o contato direto das crianças com os objetos concretos do tema abordado foi uma importante ação de ensino. Vygotsky entende que isso conduz às crianças à capacidade de criar modelos mentais a partir dos objetos, bem como agir sobre eles, além de desenvolver a capacidade de planejar alternativas para a resolução de tarefas concretas.
Considerações finais
A pesquisa teve por finalidade, por meio do acompanhamento de uma professora de educação infantil e suas crianças de quatro anos, analisar um processo de desenvolvimento conceitual, a partir de dois contextos interativos no estudo sobre alimentos. Neste sentido, foi possível compreendermos melhor a função da linguagem como condição para o desenvolvimento, no movimento que se estabeleceu entre as crianças, a professora e o conhecimento.
Por meio da dinâmica interativa das aulas gravadas em vídeo, foram relacionados três importantes parâmetros para perceber e compreender a emergência dos processos de significação pelas crianças: a observação da evolução das regulações interativas que se estabeleceram entre as crianças e entre as crianças e a professora com a atenção aos aspectos relativos à linguagem, a observação de como os processos de realização das tarefas evoluíram e a emergência dos conceitos e seus significados. Através da análise microgenética, buscamos evidenciar as inter-relações destes parâmetros e os movimentos que conduziram à construção conceitual pelas crianças por meio da mediação da professora.
Desenvolvemos nossas reflexões apoiadas na teoria histórico-cultural, proposta por Lev Semyonovich Vygotsky, evidenciando questões essenciais à compreensão das complexidades associadas à aprendizagem conceitual pelas crianças na educação infantil. A opção pela teoria histórico-cultural se deu pelo fato desta apresentar pressupostos que consideramos essenciais, como o fato de que as crianças constroem seus conhecimentos na medida em que desenvolvem seu domínio sobre os conceitos e passam a articulá-los com o pensamento.
No decorrer do processo de ensino pesquisado, percebemos que, na dinâmica das interlocuções, o desenvolvimento conceitual pelas crianças ocorreu de maneira satisfatória, pois, a relação entre linguagem, pensamento e ação, possibilitou que as crianças utilizassem os conceitos como instrumentos do pensamento, que deveriam ter sido mais bem trabalhados pela professora. Isto se tornou evidente, por exemplo, quando as crianças apresentavam seus conceitos e suas argumentações baseadas em suas situações cotidianas frente aos desafios que se apresentavam no decorrer do processo de ensino. Diversas vezes, a professora teve a oportunidade de atuar na ZDP das crianças, relacionando os conhecimentos cotidianos com aqueles conhecimentos mais elaborados e, neste sentido, aprimorando o repertório conceitual já construído. Estes movimentos que se dão na ZDP, uma zona de construção do conhecimento, originam elaborações conceituais cada vez mais sofisticadas, desde que o professor esteja preparado para tal. Aí identificamos o importante papel do ensino e sua relação entre desenvolvimento e aprendizagem, pois, cabe ao professor auxiliar as crianças na realização de conexões entre sua compreensão cotidiana e os conhecimentos científicos apresentado nos CEI.
Portanto, podemos compreender que os conceitos são construídos em diferentes níveis de diálogo, tanto no espaço familiar, nas brincadeiras, como nas interações professor - crianças. Neste sentido, ressaltamos uma importante contribuição de Vygotsky (2001): o domínio do sistema conceitual científico pressupõe a existência de um tecido conceitual já construído e que se desenvolve mediante a atividade espontânea do pensamento infantil.
A professora desenvolveu o processo de ensino com profissionalismo, entretanto, alguns conceitos poderiam ter sido mais aprofundados junto às crianças. O professor tem o papel de interferir na ZDP, pois, desta forma, provoca avanços que não ocorreriam de maneira espontânea. Em nossas análises, percebemos que a curiosidade das crianças, expressa em diferentes momentos das aulas, eram oportunidades para que os conceitos fossem discutidos, aprofundados e relacionados entre si e ao tema que estava sendo estudado. O professor não deve deixar de acreditar que seus ensinamentos devem ajudar as crianças na construção de uma cultura com vista a um entendimento dos conhecimentos derivados das ciências humanas e naturais. "A educação se faz através da própria experiência do aluno, a qual é inteiramente determinada pelo meio, e nesse processo o papel do mestre consiste em organizar e regular o meio" (Vygotsky, 2004: 67).
Referências Bibliográficas
Bauer, M.W. e Gaskell, G. (2003) Pesquisa Qualitativa; com texto; imagem e som: Um Manual Prático. Petrópolis: Vozes. [ Links ]
Góes, M.C.R. de. (2000). A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: uma perspectiva para o estudo da constituição da subjetividade. Cadernos Cedes, 50, 09-25. [ Links ]
Oliveira, M.K. (2000) Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico (4a.ed.). São Paulo: Scipione. [ Links ]
Schroeder, E. (2008) A teoria histórico-cultural do desenvolvimento como referencial para análise de um processo de ensino: a construção dos conceitos científicos em aulas de ciências no estudo de sexualidade humana. Doutorado em Educação Científica e Tecnológica - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. [ Links ]
Sforni, M.S.F. (2004). Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da Teoria da Atividade. Araraquara: JM Editora. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (1993). Obras Escogidas II: problemas de psicología general. Madrid: Visor Distribuciones. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (1998). O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (1989). A formação social da mente. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (2001). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (2004). Psicologia Pedagógica. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Vygotsky, L.S. (2005). Pensamento e linguagem. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Wertsch, V.J. (1998). A necessidade da ação na pesquisa sociocultural. Em: Wertsch, J.V.; Del-Río P.D. e Alvarez, A. Estudos socioculturais da mente. (pp. 56-71). Porto Alegre: Artmed.
Notas
Carla Regina Maschio Saravy
Endereço para correspondência: FURB - Universidade Regional de Blumenau. LIE - Laboratório de Instrumentação para o Ensino, sala I-203. Rua Antonio da Veiga, 140, Bairro Victor Konder. Blumenau, SC 89.012-900.
E-mail para correspondência: edi.bnu@terra.com.br.
(1) Os nomes das crianças foram substituídos por nomes fictícios, procurando-se respeitar suas identidades. Seria importante salientar, também, que recebemos autorização escrita do CEI e dos pais das crianças envolvidas na investigação. A professora de classe assinou o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) para que pudéssemos efetivar as gravações em sua sala de aula e utilizar as informações para o trabalho.