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Ciências & Cognição
versão On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.15 no.2 Rio de Janeiro ago. 2010
Estudo de Caso
Acidente Vascular Cerebral: as repercussões psíquicas a partir de um relato de caso
Stroke: psychological repercussions from a case report
Priscilla Santos Schäfera; Lisiane de Oliveira-Menegotto; Luciana Tisser
Universidade Feevale, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
Este trabalho relata um caso de paciente de 47 anos, do sexo masculino que sofreu uma mudança brusca no estilo de vida após sofrer um AVC (acidente vascular cerebral) e ter como dano físico a hemiparesia do lado esquerdo. Propusemos a reflexão sobre a importância de desenvolver um trabalho com foco nas distorções cognitivas vinculadas ao dano de uma patologia neurológica, objetivando um ajustamento psicológico e social, logo melhorando a qualidade de vida. O paciente, após assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, foi atendido individualmente em uma clínica-escola na região metropolitana de Porto Alegre (RS), a partir da abordagem cognitivo-comportamental. Foram feitas 20 sessões de 45 minutos semanais. Percebeu-se que o paciente teve intensificação dos sintomas já existentes antes do AVC e também novas distorções cognitivas vinculadas ao dano neurológico. Os resultados mostram que a psicoterapia possibilitou ao paciente: reorganizar-se em seu ajustamento psicológico e social, diminuir sintomas depressivos e ansiosos, melhorar a qualidade de vida e aumentar o nível de independência. Estes dados demonstram que o paciente acometido por danos neurológicos produziu distorções cognitivas relevantes que foram modificadas, por meio da psicoterapia, tornando-se adaptativas e funcionais. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 202-215.
Palavras-chave: acidente vascular cerebral; psicoterapia; cognitivo-comportamental.
Abstract
This research describes a case of a 47 years old man who had his life style drastically changed after a stroke caused hemiparesthesia on his left side. We propose a discussion about the importance of developing a treatment focusing on the cognitive distortions related to the damage of a neurologic pathology that seeks the social and psychological adjustment aiming improvement in life quality. The patient, after signing the Term of Consent, was dully treated in a school based office in the Metropolitan Area of Porto Alegre (RS. Brazil) following a cognitive-behavioral approach. After 20 sessions of 45 minutes, patient had intensified some prior to the stroke symptoms as well as some new cognitive distortions related to the neurologic damage. The results showed that psychotherapy allowed the patient to adjust his psychological and social life, reducing anxiety and depression symptoms as well as improving quality of life and his level of independence. These data shows that cognitive distortions were corrected by psychotherapy. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (2): 202-215.
Keywords: stroke; psychotherapy; cognitive-behavior.
Introdução
O acidente vascular cerebral (AVC) ou derrame cerebral é uma infartação (morte) de uma parte específica do cérebro devido à irrigação sanguínea insuficiente, podendo ocorrer por oclusão (bloqueio) de um dos principais vasos que nutrem o cérebro, por obstrução parcial ou completa de um grande vaso intracraniano, ou por hemorragia (Black & Jacobs, 1996).
Segundo Miyai e colaboradores (1999), na maioria dos casos, a região irrigada pela artéria cerebral média é lesionada, resultando em significativos danos funcionais ao membro superior. Complementando, Popovic e colaboradores (2003) mencionam que as consequências neuromusculoesqueléticas do AVC dificultam ou impossibilitam o uso funcional do membro superior, o que pode comprometer as atividades de vida diária.
O AVC também pode ser explicado como sendo déficit neurológico, transitório ou definitivo, por dano cerebral secundário à lesão cerebral tendo diferentes consequências e diversas etiologias (Gagliardi e Reimão, 1998).
Os fatores de risco para o AVC incluem: hipertensão arterial sistêmica (HAS), tabagismo, dislipidemias e o uso abusivo de álcool. A presença de arritmias cardíacas - especialmente fibrilação arterial crônica - e cardiopatias trombogênicas (chagásica ou por aneurisma) de complicações clínicas da HAS, como hipertrofia ventricular ao ECG, e da doença arteriosclerótica - doença coronariana, vascular periférica ou estenose carotídea assintomática - está também associada ao aumento de risco (André, 1998).
Epidemiologia
Segundo Barros (1991), dentre as doenças crônico-degenerativas, as cerebrovasculares constituem a terceira causa de morte no mundo, precedida pelas cardiopatias em geral e o câncer. O AVC é a doença cerebrovascular que apresenta maior incidência, tendo maior morbidade e resultando em incapacidades. Conforme André (1998), a maioria dos sobreviventes exibirá deficiências neurológicas e incapacidades residuais significativas, o que faz desta patologia a primeira causa de incapacitação funcional no mundo ocidental. Solomon e colaboradores (1994) afirmam que o número de casos fatais tem diminuído. Cerca de 85% dos indivíduos sobrevivem ao AVC e vivem com suas sequelas. De acordo com Karsch (1998), embora os dados epidemiológicos mostrem um declínio da mortalidade, é de se esperar que a incidência da doença reverta num quadro de prevalência de deficiências físicas e mentais relacionadas aos episódios de derrame cerebral.
O acidente vascular cerebral, diz Strong e colaboradores (2007), está tendo maior importância como um problema de saúde mundial. Há cerca de 5,5 milhões mortes por ano em todo o mundo (Lotufo, 2005). Estima-se que cerca de 18 milhões de pessoas terão um AVC em 2015 e aproximadamente 1/3 destes resultará em óbitos. As análises indicam que, na próxima década, devido ao envelhecimento progressivo das populações e ao não controle dos fatores de risco, a mortalidade por AVC aumentará 20% nos países em desenvolvimento e 10% nos países desenvolvidos. No Brasil, dados do SUS mostram que os AVCs (isquêmicos e hemorrágicos) representam a maior causa de morte com cerca de 90 mil casos/ano. Além da alta mortalidade, o AVC representa a maior causa de incapacitação em adultos, gerando um alto gasto para os sistemas de saúde (Strong et al., 2007; André et al., 2006).
Karsch (1998) afirma que o AVC é uma doença grave no Brasil, geradora de incapacidades crônicas, com perda da independência e, muitas vezes, da autonomia, o que pressupõe a necessidade de alguém que auxilie o paciente nas suas dificuldades de desempenho das atividades diárias.
Possíveis danos físicos e psicológicos pós AVC
De acordo com Hood e Dincher (1995), os sinais neurológicos variam, conforme a localização do AVC no cérebro. Em geral, os pacientes terão paralisia, confusão, desorientação e perda de memória. Um paciente com um AVC num lado do cérebro terá paralisia no lado oposto do corpo (hemiplegia), porque as vias nervosas motoras atravessam o cérebro de um lado para outro, no tronco cerebral. Além disso, pacientes com AVC, que envolva o hemisfério cerebral esquerdo, podem apresentar dificuldades na fala ou na compreensão da palavra falada (afasia) e pacientes com danos ao hemisfério direito do cérebro tendem a apresentar problemas de percepção. Outros problemas associados ao AVC incluem dificuldades para engolir (disfagia), incontinência urinária e fecal e perda da visão na direção do lado paralisado (hemianopsia). Complementando, Teixeira-Salmela e colaboradores (2000) mencionam que suas manifestações, frequentemente, envolvem fraqueza muscular, espasticidade e padrões motores atípicos. De acordo com Popovic e colaboradores (2003), as consequências neuromusculoesqueléticas do AVC dificultam ou impossibilitam o uso funcional do membro superior, o que pode comprometer as atividades de vida diária..
Em relação às consequências psicológicas, alguns estudos relatam serem comuns a ansiedade, a depressão, os distúrbios do sono e da função sexual, distúrbios motores, sensoriais, cognitivos e de comunicação, além de alterações fisiológicas durante atividades físicas (dispnéia, angina, hipertensão), que causam limitações para o retorno ao trabalho produtivo (Rocha et al., 1993; Medina et al., 1998).
Fortes e Néri (2004) afirmam que sofrer AVC é um episódio inesperado, com alto potencial para ser vivenciado de forma estressante, representando ameaça ao senso de controle pessoal. Exige um grande esforço adaptativo, refletido no enfrentamento dos desafios provenientes de um evento não-desejado que causa desequilíbrio no funcionamento físico, social e psicológico. Ellis-Hill e colaboradores (2000) afirmam que é visto então um déficit global na vida do paciente pós-AVC. Segundo Smith e colaboradores (2002), as diferentes condições de vida associadas às incapacidades tendem a alterar o potencial do indivíduo para manter um senso positivo de bem-estar subjetivo..
Hopman e Verner (2003) afirmam que estudos transversais têm indicado que a qualidade de vida percebida e o bem-estar subjetivo são significativamente comprometidos, mesmo depois de um AVC leve. Conforme Diener (2000), os conceitos de bem-estar subjetivo (BES) e de ajustamento psicológico referem-se a processos relacionados, mas conceitualmente diferentes. Bem-estar subjetivo refere-se à avaliação que a própria pessoa faz sobre sua vida a partir de seus valores e critérios pessoais. Esta avaliação pode ser feita em termos de dois indicadores. Um é de natureza cognitiva e diz respeito ao julgamento da satisfação com a vida em geral ou referenciada a domínios específicos (como capacidade física e mental ou os relacionamentos sociais). O outro é de natureza emocional e diz respeito ao equilíbrio entre afetos positivos e negativos relatados pela pessoa.
Quando as incapacidades residuais do AVC restringem aspectos salientes da identidade pessoal e da autodefinição, isto é, quando impedem que a pessoa se engaje em atividades que constituem um importante componente de sua identidade pessoal, então se estabelece uma relação entre capacidades e decréscimo no bem-estar. O indivíduo poderá sentir-se insatisfeito consigo mesmo, desapontado com o que ocorreu em sua vida e desejoso de ser diferente do que é. É relevante notar que a adaptação e o enfrentamento de uma determinada situação desafiadora dependem, em parte, de um autojulgamento positivo, que incluem sentir-se autônomo, capaz de se relacionar bem como outras pessoas e de reconhecer as próprias limitações, para assim poder conviver da melhor maneira possível com elas (Clarke, 2003).
Coleman (1996) menciona que a crise decorrente de uma inesperada incapacidade que demanda grande mudança traz dificuldades ao ajustamento, uma vez que origina descontinuidade ao estilo de vida, o que requer o uso de estratégias de enfrentamento eficazes e de esforços para manter o senso de controle. Complementando, Ellis-Hill e colaboradores (2000) afirmam que o AVC acarreta mudança fundamental em vidas e identidades, como se os corpos se separassem da personalidade. Ewert e colaboradores (2004) referem que as suas consequências na função dos pacientes são usualmente múltiplas e complexas, sendo frequente o seu impacto na aprendizagem e aplicação de conhecimentos, auto-cuidados, tarefas e exigências gerais.
Gupta e colaboradores (2002) falam que em consequência às perdas pós-AVC, como por exemplo, da independência e da capacidade funcional, a depressão está entre os transtornos neuropsiquiátricos mais comuns. Sua presença está associada a pior recuperação dos prejuízos cognitivos e das atividades da vida diária, assim como a um risco maior de mortalidade. De acordo com Ghika-Schimid e Bougoulasslavsky (1997), as complicações neuropsiquiátricas (isto é, emocionais, cognitivas e comportamentais) decorrentes do AVC também têm um efeito negativo no funcionamento social, na qualidade de vida dos pacientes e na recuperação das funções motoras.
Os sintomas depressivos podem diminuir a motivação da pessoa para a reabilitação e diminuir a interação social. Baixo suporte social pode incrementar os sentimentos de solidão e a falta de esperança, afetando a recuperação. Pode também ocasionar uma incapacidade para dominar ou adaptar-se aos desafios do ambiente. Em contrapartida, pessoas com humor positivo tendem a engajar-se mais em relacionamentos sociais, a serem otimistas quanto ao futuro, a ter mais sucesso no enfrentamento e a sentirem-se no controle de suas vidas (Ostir et al., 2001).
Diante do cenário apresentado pela literatura, fica clara a importância do paciente pós-AVC receber atendimento psicológico, visando a reabilitação, o ajustamento psicológico e o bem-estar.
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental
Desde sua introdução, há algumas décadas, as terapias cognitivo-comportamentais aumentaram de escopo e popularidade, adquirindo sua atual condição de "paradigmas dominantes" na área da psicologia clínica. Três proposições fundamentais definem as características que estão no núcleo das terapias cognitivo-comportamentais: a atividade cognitiva influencia o comportamento, a atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada e o comportamento desejado pode ser influenciado mediante mudança cognitiva (Dobson, 2001).
De acordo com Burns (1989), a terapia cognitiva baseia-se na premissa de que a inter-relação entre cognição, emoção e comportamento está implicada no funcionamento normal do ser humano e, em especial, na psicopatologia. Um evento comum do nosso cotidiano pode gerar diferentes formas de sentir e agir em diferentes pessoas, mas não é o evento em si que gera as emoções e comportamentos, mas sim o que nós pensamos sobre o evento. Isso significa que nossas emoções e comportamentos estão influenciados pelo que pensamos. Nós sentimos o que pensamos. Segundo Beck e colaboradores (1997), no modelo cognitivo é possível identificar três níveis de cognição: os pensamentos automáticos, nível mais superficial e espontâneo que surge na mente diante de diversas situações do cotidiano; as crenças intermediárias, onde conteúdos cognitivos aparecem sob a forma de regras; e, suposições ligadas ao nível mais profundo, que são as crenças centrais a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo, que se formam a partir de experiências remotas da infância. A terapia deve basear-se em uma formulação contínua do funcionamento do cliente, valorizando a relação entre situações - pensamentos - emoções - comportamentos. As crenças centrais podem ser categorizadas em três agrupamentos, sendo eles: de desamparo, de desamor e desvalor. Nessa perspectiva, a Terapia Cognitiva auxilia a pessoa a desenvolver a metacognição, ou seja, habilidade de pensar sobre: como ela pensa, como os pensamentos afetam o humor, sentimentos, comportamentos e como essa cadeia se retro-alimenta, desenvolvendo estresse, hábitos não-saudáveis, pensamentos disfuncionais, contribuindo para a manutenção de comportamentos inadequados.
Beck e colaboradores (1997) afirmam que no caso da depressão, o modelo cognitivo propõe que os sintomas cognitivos, motivacionais e vegetativos da depressão podem ser causados e mantidos por distorções nos 3 níveis de cognição: pensamentos automáticos, crenças subjacentes e crenças nucleares (esquemas). O perfil cognitivo depressivo é definido como a visão negativa de si, dos outros e do futuro.
Também devemos considerar, no âmbito da psicopatologia, que há dois tipos de personalidade que são influenciadas de formas diferentes no surgimento dos transtornos emocionais, são eles: sociotrópica e autônoma. Na primeira, o indivíduo valoriza relações interpessoais íntimas e é dependente de gratificações sociais, com ênfase em ser aceito e amado pelos outros. Já a segunda, reflete o autoinvestimento em independência pessoal, obtendo satisfação na liberdade de escolha. O indivíduo mentalmente saudável teria estas duas personalidades equilibradas, já os altamente sóciotrópicos e os exageradamente autônomos têm maior vulnerabilidade para problemas emocionais, por razões diferentes (Beck et al., 1987).
Desta forma, a Terapia Cognitivo-Comportamental dá uma grande ênfase aos pensamentos do cliente e a forma como este interpreta o mundo. Centra-se nos problemas que estão sendo apresentados pelo paciente no momento em que este procura a terapia, sendo que seu objetivo é ajudá-lo a aprender novas estratégias para atuar no ambiente de forma a promover mudanças necessárias. A metodologia utilizada na terapia é de uma cooperação entre o terapeuta e o paciente de forma que as estratégias para a superação de problemas concretos são planejadas em conjunto (Lima e Wielenska, 1993).
Na Terapia Cognitivo-Comportamental, procura-se definir claramente objetivos, especificando-os de acordo com os problemas e questões trazidas pelo paciente. O ponto de partida do tratamento é a fonte de sofrimento do cliente, ou seja, a partir das distorções que estão ocorrendo na forma do sujeito avaliar a si mesmo e ao mundo. Denomina-se "esquema", a base para a avaliação das experiências. As estruturas cognitivas organizam-se em níveis nos quais os esquemas encontram-se no núcleo. Durante a terapia, procura-se explorar cada um destes níveis de organização, partindo dos pensamentos automáticos até chegar ao sistema de crenças do sujeito. Nesse sentido, as crenças são testadas, a partir de argumentos e propostas de exercícios que o paciente realizará durante a terapia e em demais contextos (Shinorara, 1997).
A Teoria Cognitivo-Comportamental tem como um dos principais objetivos corrigir as distorções cognitivas que estão gerando problemas ao indivíduo e fazer com que este desenvolva meios eficazes para enfrentá-los. Para tanto, utilizam-se técnicas cognitivas que buscam identificar os pensamentos automáticos, testar estes pensamentos e substituir as distorções cognitivas. As técnicas comportamentais são empregadas para modificar condutas inadequadas relacionadas com o transtorno psiquiátrico em questão. É importante salientar que a mudança de comportamento só será permanente, mediante a mudança de pensamentos e crenças, isso não quer dizer, que não se possa utilizar a mudança de comportamento apriori da mudança cognitiva, pois esta pode servir de meio para testar hipóteses e corrigir distorções.
Relato de Caso
O paciente em questão foi atendido entre 2008 e 2009 numa clínica-escola da região metropolitana de Porto Alegre/RS, a partir da abordagem Cognitivo-Comportamental, na modalidade de Psicoterapia Breve. Para preservar a identidade do paciente, utilizaremos o nome fictício de Ricardo. Antes de iniciarmos os atendimentos, o paciente passou por uma entrevista de triagem e neste momento assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual ele tomou consciência e concordou que seus dados pudessem ser utilizados para estudos científicos. Foram realizadas sessões semanais de 45 minutos, totalizando 20 encontros.
Ricardo procurou atendimento psicológico com a queixa de ser muito irritado, pois não conseguia conversar com seus familiares em casa. Afirmava que a esposa não o deixava participar do sistema da casa e dizia: "Ela não quer dar as rédias pra mim" (sic.), Ricardo dizia também: "Quero viver uma vida normal" (sic.). Após análise cuidadosa do discurso de Ricardo e das queixas trazidas, constatamos que o foco a ser trabalho seria a independência, capacidade funcional e o ajustamento à nova condição de vida após o AVC, sendo este um foco adequado para a modalidade de psicoterapia breve.
História passada
Ricardo nasceu no interior, o que fazia com que se sentisse menos valorizado que as pessoas da cidade. Começou a trabalhar por volta dos 12 anos. Quando adolescente, trabalhou como cobrador de ônibus. Ele gostava muito do emprego, pois se relacionava com muitas pessoas. Nesse tempo, ele teve algumas relações afetivas não muito intensas, pois gostava de "curtir a vida", ir a festas, consumir bebidas alcoólicas, fumar e paquerar as mulheres. Nesta época, ele conheceu Joana. Começaram a se relacionar e em seguida ele foi para o exército. Quando voltou, continuaram o namoro e se casaram. Ele se tornou motorista, um emprego que gostava muito, pois tinha muito prazer em estar em movimento. A vida agitada era uma vida ideal para Ricardo. Mesmo após casar, ele sentia a necessidade de participar de festas, como fazia quando solteiro.
Desde o princípio do casamento, ele sentia que a esposa não lhe supria a necessidade de atenção. Assim, não se sentia totalmente satisfeito afetivamente. Quando caminhoneiro, os filhos foram nascendo. A relação com a família era "superficial", não tendo grande participação no sistema da casa e na educação dos filhos. Ricardo era bastante ativo profissionalmente, estava sempre viajando a trabalho. Com sua esposa, tinha uma relação boa. Conversavam e mantinham relações sexuais.
Desde jovem, Ricardo tinha um comportamento agressivo, sua comunicação tinha tom áspero, rude e as palavras utilizadas eram de um vocabulário grosseiro. O paciente se dizia muito impulsivo. Ao sofrer o AVC hemorrágico, em 2003, teve uma mudança de vida brusca. Passou a utilizar cadeira de rodas por um ano, resultando em um estilo de vida oposto ao seu ideal. Isto deixou seu comportamento agressivo e impulsivo mais intenso, causando muitas dificuldades na relação familiar, principalmente discussões e brigas, as quais eram relatadas por Ricardo como forma de desrespeito e desconsideração a sua opinião. Após um ano, com o acompanhamento fisioterápico, ele já caminhava com auxílio de bengala, embora dependesse de Joana para fazer qualquer coisa.
O ambiente em que se encontrava era dominado por um clima tempestuoso e desarmônico. A esposa passa a desempenhar um papel de cuidadora, auxiliando-o no banho, ao vestir-se, locomover-se, na alimentação, no banheiro, ausentando-se da sua função matrimonial. Neste momento da vida, Ricardo não consome bebidas alcoólicas, não fuma e não participa mais de eventos boêmios. Converte-se em evangélico, passando a frequentar a Igreja. Suas condições de vida mudam. Ele tenta suprir sua necessidade de atenção por meio de passeios até a parada de ônibus e o bar que fica perto de sua casa, onde ele busca, agora, apenas uma conversa, uma interação harmônica, fugindo das discussões de sua casa. Outro lugar onde ele referia sentir-se bem era na fisioterapia, espaço onde ele conversava e falava de seus problemas. Logo, o fisioterapeuta percebeu a demanda para atendimento psicológico e o encaminhou. Ricardo aceitou e, motivado, iniciou a psicoterapia.
História Atual
Ricardo, na época do atendimento, tinha 49 anos. Estudou até a 6ª série. No momento em que buscou tratamento, estava aposentado, frequentava a Igreja Evangélica e residia na região metropolitana de Porto Alegre com sua esposa, o filho e a filha mais nova. A filha mais velha já estava casada e morava em outra casa. Sua mãe estava viva e seu pai já falecera, devido a problemas pulmonares.
Ricardo era o mais velho de uma prole de oito irmãos, sendo que três eram mulheres e cinco homens. Em relação a sua saúde, ele estava com diabetes, pressão alta, fazia uso de fenitoína, em razão do coágulo no cérebro e apresentava hemiparesia no lado esquerdo. Além disso, fazia fisioterapia duas vezes por semana e psicoterapia uma vez por semana.
Ao longo do tratamento, o paciente passa a apresentar melhor qualidade de vida, ficando menos irritado e tendo mais paciência. Assim, consegue se relacionar melhor com os filhos, mantendo uma conversa, trocando informações e participando mais da vida destes. Seu comportamento agressivo não aparecia mais, demonstrando lidar de uma forma mais adequada com os conflitos intrafamiliares. Apresentava ainda dificuldade de se relacionar com a esposa, Joana (nome fictício), de modo que ela atuava apenas como uma cuidadora, e não como esposa. Eles não mantinham relação sexual e tampouco um diálogo amistoso.
Ricardo não faz atividades físicas regularmente, apenas algumas caminhadas. Executa poucas ações de lazer em seu cotidiano. Seus momentos de lazer estão ligados a visitas a parentes. Com o tratamento, ele conquistou maior autonomia, agregando novas atividades de vida diária (AVD) e atividades instrumentais (AIVD) ao seu repertório, tais como: tomar chimarrão, passear até a parada de ônibus, dormir, ver televisão, ir à Igreja, escutar a rádio da Igreja. No final do tratamento, passou a vir à psicoterapia sozinho, vestir-se, ir ao banheiro, fazer algumas ações na cozinha (faz sanduíche, utiliza microondas) e sair de casa para fazer novas atividades (ir com amigo visitar outra cidade, passear). Ricardo está buscando constantemente fazer coisas novas, evitando auxílios desnecessários, como: caminhar, ao invés de pegar carona, usar bengala, ao invés de muleta somente quando estritamente o necessário. Um fato muito representativo é que no início da psicoterapia, Ricardo vinha com Joana e usava muleta. Ao final, ele vem sozinho com sua bengala e da sala de espera até a sala de atendimento psicoterápico, ele não utiliza nem um auxílio para caminhar. O paciente está aderiu ao tratamento e seus avanços demonstram os resultados positivos alcançados.
Uma abordagem clínica em um caso com consequências psicológicas prevalecendo sobre consequências físicas após AVC
O caso de Ricardo denota as repercussões psíquicas do AVC. Trata-se de um acontecimento que gerou limitações físicas e incapacidades, que acabou acarretando um aumento das distorções cognitivas relativas à sua identidade, intensificações de sintomas depressivos e ansiosos já existentes a priori ao evento. Abaixo, segue a evolução do paciente.
Evolução
A psicoterapia iniciou no dia 05/11/2008. Foram aplicados o Inventário de Depressão Beck (BDI), o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) e a Escala de Desesperança Beck (BHS), de modo que a pontuação foi de 7, 3 e 1, respectivamente. Todos caracterizados como nível leve. Ricardo veio acompanhado de sua esposa e usava bengala para se locomover. O paciente se vinculou facilmente e mostrou necessidade de ter alguém que o escutasse e o acolhesse. Ele falou muito de sua dificuldade de se relacionar com seus familiares. A queixa estava relacionada à impulsividade, agressividade verbal e dificuldade de comunicação. Durante o processo, trabalhamos a questão da agressividade por meio do empirismo colaborativo.
Ricardo estava motivado a melhorar sua vida, mas está resistente em se responsabilizar pela sua mudança, logo, inicialmente, ele estava pouco ativo na terapia. Trabalhamos a responsabilidade dele em sua melhora e a motivação para modificar os comportamentos. Juntos, conseguimos identificar comportamentos desadaptativos relacionados à expressão da irritabilidade. Ele se conscientizou de sua conduta agressiva e provocadora.
O paciente passa a controlar seu comportamento e isto faz com que ele perceba sua responsabilidade nas relações familiares disfuncionais. Seguimos no processo terapêutico trabalhando a comunicação, centrando-se no fato de o paciente não manter diálogo. Na maioria das vezes, ele respondia agressivamente ou ironicamente qualquer comentário de seus familiares. Isto ocorre de forma automática. Através das distorções na comunicação, identificamos os pensamentos automáticos e através de exercícios nas sessões, ele passou a dialogar e se comunicar de uma maneira mais funcional, melhorando a qualidade das relações. Foi assim que, pouco a pouco, ele passou a reconhecer um clima mais harmônico dentro de casa.
Após a melhora em relação à conduta agressiva e melhora na habilidade comunicativa, passamos a trabalhar a relação de dependência de Ricardo. Constatou-se que grande parte das AVD não eram feitas por ele. Assim, como nenhuma AIVD. Ele relatava que era acomodado. Na realidade, estava resistindo em aceitar a importância de ser autônomo e independente. Assim, delegava aos outros a responsabilidade por suas dificuldades em relação a estas questões. Durante as sessões, foi percebido um sentimento prevalente em sua vida, que é o desamparo, o que pode explicar a relação de dependência como comportamento compensatório. Quando conversamos sobre a relação de dependência, Ricardo afirmou que esta já existia anteriormente, que nunca fez nada dentro de casa. Ele tinha um discurso repetitivo e continuava resistente em responsabilizar-se, integralmente, pela sua vida. Tinha pensamentos distorcidos em relação às suas capacidades, sua independência e autonomia. O questionamento socrático foi utilizado a fim de conscientizá-lo de que ele estava se responsabilizando, parcialmente, pela situação. Solicitamos que ele fizesse novas AVD e AIVD, desenvolvendo suas habilidades e reforçando sua autoestima e autoconfiança.
Após nossas combinações, Ricardo passa a vir sozinho ao tratamento. Trouxe a bengala, mas vai até a sala de atendimento sem utilizá-la. Falamos sobre o evento de sua vinda independente. Foi possível confirmar a hipótese de que ele é capaz de se locomover sozinho. Até aquele momento, foi possível constatar que a agressividade diminuíra, a qualidade das relações melhorara significativamente, sendo mais expressiva nas relações com os filhos. Neste momento do processo, vemos a possibilidade de tentarmos a psicoterapia diretamente na independência, já que o contexto familiar se apresenta adequado para o paciente desenvolver suas habilidades e capacidades.
Ricardo continua resistente em se tornar mais independente. Sabendo que sua crença central é algo enraizado e produzido por diversas influências desde a infância. Percebemos como é comum que ele apresente esta hesitação em sair desta posição de vítima e assumir sua parcela de responsabilidade pela sua situação. Trabalhamos a motivação para aumento da independência.
O paciente relatou mudanças de hábitos em relação ao seu cotidiano. Reforçamos o objetivo da psicoterapia. A confrontação, a descoberta guiada, o questionamento socrático foram utilizados ao longo de todo processo terapêutico, fazendo com que Ricardo refletisse, entendesse seu problema, explorasse possíveis soluções e desenvolvesse um plano para lidar com as dificuldades. Ele conseguiu perceber o quanto suas limitações eram psicológicas, que o não fazer e o não assumir suas atividades funcionais era apenas uma decisão dele, sendo resultado de uma crença que ele tinha de que era uma vítima e de que os outros deveriam cuidar dele. Ricardo enxergou que não existia incapacidade física, apenas uma limitação, em relação a qual ele foi se adaptando e vendo novas possibilidades para realizar ações desejadas. Combinamos que ele continuaria a vir sozinho nas próximas sessões e ele permanece vindo sozinho.
O paciente passa a se mostrar mais ativo dentro da terapia, trazendo AVD desenvolvidas por ele, como: vestir-se, buscar objetos, locomover-se dentro de casa, arrumar o banheiro depois de utilizar, vir sozinho à psicoterapia. Ele demonstra estar investindo na independência, a partir de mudanças de comportamento e de suas crença. Ricardo passa a reconhecer que pode fazer muitas coisas independentes, e isto lhe traz satisfação, o que reforça o enfraquecimento da crença de desamparo. Foi feito feedback positivo, demonstrando que Ricardo continuava evoluindo em relação à independência. Trouxe novas atividades realizadas por ele, tais como: ir ao barbeiro, vestir peças de roupas mais difíceis, alimentar-se, fazer sanduíche, subir e descer escadas, arrumar o jardim, caminhar em um terreno irregular, abrir portas, entrar no carro sozinho, passear com amigos em outra cidade, etc.
Em relação aos sentimentos, o que chamou atenção foi o fato de ele não conseguir definir o que é tristeza. Tudo era irritação para ele, sem conseguir discriminar momentos de tristeza no seu cotidiano, ou seja, a agressividade dele era expressão de tristeza distorcida, o que identificamos como traços depressivos. Outro sentimento trabalhado foi a solidão. Ricardo afirmou se sentir solitário em casa, o que vem a reforçar aquele sentimento de carência relacionado aos familiares, oriundo da crença de desamparo já presente no passado, desde a infância, e que conseguimos enfraquecer, mas não modificar, o que é justificado pela modalidade de atendimento breve limitado em 24 sessões.
Na última sessão, ocorrida enquanto relatava este caso, foi solicitado a Ricardo que relatasse suas evoluções. Ele disse que antes era muito "burro", agressivo, que xingava e se irritava com facilidade, mas atualmente conseguia ver que, na maioria das vezes, era ele quem provocava as brigas. Com isso, ele falou que aprendeu a conversar e evitar comportamentos agressivos. Logo, a comunicação melhorou e os conflitos familiares foram significativamente reduzidos. Ricardo também mostrou satisfação em dizer que, atualmente, ele fazia muito mais coisas sozinho, como as AVD e AIVD já citadas anteriormente. Logo, tornou-se mais independente funcionalmente, resultando em uma melhor qualidade de vida. O paciente disse que planejava aumentar suas capacidades/habilidades motoras por meio da fisioterapia e treinar e exercitar AVD e AIVD em casa, visando melhorar seu ajustamento as suas condições de vida atual e ser mais independente.
Hipótese de conceituação cognitiva
Na Teoria Cognitiva-Comportamental, o diagnóstico é feito através da conceitualização cognitiva. Neste caso, foi utilizado o diagrama de conceitualização cognitiva adaptado por Beck e colaboradores (1997). Segundo a mesma autora, a Teoria Cognitiva busca identificar três níveis de cognição: os pensamentos automáticos, nível mais superficial e espontâneo que surge na mente diante de diversas situações do cotidiano; as crenças intermediárias, nos quais os conteúdos cognitivos aparecem sob a forma de regras; e, suposições ligadas ao nível mais profundo, que são as crenças centrais a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo, e que se formam a partir de experiências remotas da infância. A terapia deve basear-se em uma formulação contínua do funcionamento do cliente em termos que valorizem a relação entre situações - pensamentos - emoções - comportamentos. Abaixo, descreverei como foi visto o funcionamento de Ricardo.
Após sofrer o AVC hemorrágico, Ricardo teve uma sequela física conhecida como hemiparesia do lado esquerdo, gerando dificuldades de fazer uso funcional tanto do membro inferior quanto do membro superior do lado esquerdo. Segundo Rosseto e Garros (2007), aproximadamente 70% dos pacientes sobrevivem ao AVC e a prevalência de incapacidades relacionadas a essa enfermidade é alta, pois esses pacientes se deparam com vários danos funcionais e ocupacionais, sendo os mais comuns as hemiparesias ou hemiplegias, incoordenação motora, desequilíbrio, espasticidade, déficits sensitivos, apraxia, afasia e perdas perceptivas e/ou cognitivas. Ricardo não apresenta prejuízo nas funções cognitivas, mas danos psicológicos comuns dentro do quadro pós AVC, como a depressão e a ansiedade. Rocha e colaboradores (1993) afirmam que em relação às consequências psicológicas, alguns estudos revelam ser comuns a ansiedade, a depressão, os distúrbios do sono e da função sexual, distúrbios psicomotores, sensoriais, cognitivos e de comunicação que causam limitações para o retorno ao trabalho produtivo, dentre outros fatores.
Foi identificado um déficit global na vida de Ricardo. A maior parte das atividades de vida diária e atividades instrumentais de vida diária eram, no início do tratamento, executadas por familiares do paciente, demonstrando o seu alto grau de dependência. André (1998)) afirma que a maioria dos sobreviventes exibirá deficiências neurológicas e incapacidades residuais significativas, o que faz do AVC a primeira causa de incapacitação funcional do mundo ocidental. A incapacidade de Ricardo corrobora tais achados. Devemos ter o cuidado, entretanto, de compreender que, no caso de Ricardo, esta incapacidade é o resultado, sobretudo, dos danos psíquicos, e que as consequências físicas dificultam, mas não o impedem de executar atividades.
De acordo com Yang e George (2005), o conceito de incapacidade é definido como a inabilidade ou a dificuldade de realizar tarefas que fazem parte do cotidiano do ser humano e que, normalmente, são indispensáveis para uma vida independente na comunidade. Conforme Rogers e Holm (2002), as atividades de vida diária (AVD) são descritas como tarefas de automanutenção, incluindo 15 domínios: arrumar-se, higiene oral, lavar-se ou banhar-se, higiene no toalete, cuidados com objetos pessoais, vestir-se, comer e dar alimento, medicamento rotineiro, manutenção da saúde, socialização, comunicação social, mobilidade funcional, resolução de problemas e expressão sexual.
Já as atividades instrumentais de vida diária (AIVD), Matsudo e colaboradores (2001) indicam tarefas mais complexas do cotidiano tais como: cozinhar, limpar a casa, fazer compras, jardinagem etc.
Através dos relatos de Ricardo, vimos que tanto as AVD e AIVD eram desempenhadas pelos familiares, resultado da crença central disfuncional, a partir da qual ele acreditava ser impotente e desamparado e por meio da sequela física do AVC. Esta crença é disfuncional, na medida em que produz sentimentos e comportamentos que trazem prejuízos significativos à vida de Ricardo. Não queremos aqui dizer que Ricardo não apresente limitações. O paciente revelou, ao longo da psicoterapia, que há distorções, produzindo assim pressupostos subjacentes de que os outros devem fazer as atividades por ele, sendo cuidado pelos familiares. Quando não obtém esse cuidado, é invadido por sentimentos de irritação e tristeza, provocando comportamentos agressivos, gerando conflitos e dificuldades de comunicação. Pela história de Ricardo, as cognições distorcidas em relação a ser desamparado já estavam presentes desde a infânci, sendo intensificados após o evento traumático do AVC.
As crenças centrais podem ser categorizadas em 3 agrupamentos, segundo Beck e colaboradores (1997), sendo eles: de desamparo, de desamor e desvalor. Avaliando a conceituação cognitiva de Ricardo, podemos classificar suas crenças mais expressivas nos agrupamentos de desamparo, no qual o sentimento de impotência, carência e necessidade estão presentes, seguido pelo agrupamento de desamor onde há sentimentos de solidão e rejeição. No caso deste paciente, a presença da depressão, já justificada anteriormente, vem a reforçar estas crenças centrais disfuncionais, pois o perfil cognitivo deste transtorno, de acordo com Knapp (2004), é definido como a visão negativa de si, dos outros e do futuro. A visão negativa que Ricardo tem de si está relacionada a ser impotente, vulnerável, carente e incapaz. O transtorno de ansiedade se apresentou em um nível leve e pouco significativo, não tendo grande influência nas crenças, mas sim nos comportamentos impulsivos e agressivos.
Devemos considerar também o tipo de personalidade apresentada por Ricardo. Há dois tipos de personalidade que são influenciadas de formas diferentes no surgimento dos transtornos emocionais, são eles: sociotrópica e autônoma. Segundo Beck e colaboradores (1987), na primeira, o indivíduo valoriza relações interpessoais íntimas e é dependente de gratificações sociais, com ênfase em ser aceito e amado pelos outros. Já a segunda, reflete o autoinvestimento em independência pessoal, obtendo satisfação na liberdade de escolha. O indivíduo mentalmente saudável teria estas duas personalidades equilibradas, já os altamente sóciotrópicos quanto os exageradamente autônomos têm maior vulnerabilidade para problemas emocionais, por razões diferentes. Identificamos em Ricardo a personalidade altamente sociotrópica. Isto mostra a grande vulnerabilidade a transtornos emocionais, refletindo diretamente no desenvolvimento de sua independência em relação a sua nova condição de vida.
Conclusão
O Acidente Cerebral Vascular (AVC) está cada vez mais tendo maior importância na atualidade, sendo reconhecido como problema de saúde mundial. Trata-se de uma doença grave, geradora de incapacidades crônicas, caracterizadas por perda da independência e, muitas vezes, da autonomia, sendo a maior causa de incapacitação em adultos.
Dentre os possíveis danos físicos, estão as alterações motoras (paralisia, fraqueza muscular, etc), alterações fisiológicas durante atividades físicas (dispnéia, angina, hipertensão). As consequências neuromusculoesquléticas do AVC dificultam ou impossibilitam o uso funcional do membro superior, o que pode comprometer as atividades de vida diária. Outros problemas associados ao AVC incluem dificuldades para engolir (disfagia), incontinência urinária e fecal e perda da visão, na direção do lado paralisado (hemianopsia).
Os danos psíquicos mais comuns são os Transtornos Depressivos e de Ansiedade, mas devemos considerar principalmente os 3 níveis de cognição do paciente que sofreu AVC, pois em uma situação de mudança de vida brusca, distorções cognitivas já existentes a priori serão intensificadas e ainda há grande possibilidade que novas distorções surjam. Nesse sentido. é importante desenvolver um trabalho com foco nas distorções cognitivas vinculadas ao dano de uma patologia neurológica, sendo necessário realizar uma conceituação cognitiva adequada para que se possa intervir de forma eficaz, visando, no primeiro momento, o ajustamento do paciente a sua nova realidade e o aumento do seu bem-estar. Na modalidade breve, com limitação de 24 sessões, foi possível ter êxito com o foco estabelecido.
Enfatizamos a importância do paciente manter atendimento com outros profissionais da saúde (fisioterapeuta, neurologista, nutricionista etc.), no sentido de corrigir distorções e refutar hipóteses distorcidas do paciente e, ainda, reforçar crenças e comportamentos funcionais.
Concluindo, percebemos que a psicoterapia é importante para corrigir distorções associadas ao episódio inesperado que é o AVC e também para auxiliar o paciente no seu ajustamento psicológico e social, em conjunto com o trabalho fisioterápico, que visa o ajustamento físico. Estes ajustamentos resultam em uma melhor qualidade de vida, reduzindo sintomas depressivos e ansiosos. É indicado após a obtenção de êxito com este foco, recontratar um novo foco diretamente ligado à crença central disfuncional em uma modalidade de terapia de média a longo prazo.
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Notas
P.S. Schäfer
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