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Ciências & Cognição
versão On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.16 no.3 Rio de Janeiro dez. 2011
Ensaio
A coavaliação como instrumento formativo no ensino-aprendizagem da produção escrita em português como língua estrangeira
Co-assessment as formative tool in the learning-teaching written production in portuguese as a foreign language
Edirnelis Moraes dos Santos
Programa de Pós-Graduação em Letras (Linguística), Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
Resumo
Verificar o quanto os aprendentes conseguem evoluir no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira não é uma tarefa fácil. Muitas teorias têm auxiliado ao professor a avaliar o progresso de seus alunos. Entretanto, não cabe somente ao professor o papel de avaliar, os aprendentes também devem se sentir responsáveis pela avaliação de sua aprendizagem. Neste ensaio, temos como objetivo apresentar a coavaliação como instrumento formativo no ensino-aprendizagem da produção escrita em português língua estrangeira, tomando como exemplo a produção de um artigo de opinião. Para tanto, tomaremos como base pressupostos teóricos que versam sobre a avaliação formativa (autoavaliação, autorregulação e coavaliação). Discorreremos, também, sobre o procedimento Sequência Didática, evidenciando como ela pode auxiliar o professor a explorar e fomentar momentos de coavaliação das produções escritas dos alunos. Desta forma, buscamos mostrar que se instrumentos como a coavaliação forem utilizados, os valores "negativos" que geralmente são atribuídos a avaliação poderão ser redimensionados, pois, professor e aprendente adotarão novas posturas, o primeiro não será mais visto como o "corretor" e o segundo como o "corrigido", ambos serão responsáveis pela avaliação da produção escrita. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (3): 037-042.
Palavras-chave: coavaliação; avaliação formativa; sequência didática; produção escrita; português como língua estrangeira.
Abstract
Verifying how much learners can develop in a foreign language learning process is not that easy. Many theories have helped teachers to assess their students' progress. However, assessment is not a job that lies only on the teacher's shoulder: learners also must feel responsible for assessing their own learning. In this essay, we aim at presenting co-assessment as a formative tool in the teaching and learning of writing in Portuguese as a foreign language, having as an example the production of an opinion article. In order to achieve our goal, our theoretical route includes theories about formative assessment (self-assessment, self-regulation and co-assessment). We will also, discuss about Didactics Sequence, explaining how it may help teachers to explore and promote moments of co-assessment of students' writing productions. Therefore, we intend to show that if tools such as co-assessment are used, "negatives" attributes which are usually related to assessment might be questioned, as the teacher and learner will adopt new attitude: the teacher is no longer seen as the one to "correct" and the learner is not the one to be "corrected" any longer; both of them are responsible for the writing production assessment. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (3): 037-042.
Keywords co-assessment; formative assessment; didactics sequence; written production; portuguese as foreign language.
Quando se ensina uma língua, seja ela materna (LM.1 ou estrangeira (LE.2, é importante termos consciência de que nosso objetivo principal é promover a interação tanto na modalidade oral quanto escrita. Segundo Júdice (2005, p. 31), trabalhar com uma "língua significa, em síntese, saber criar (...) oportunidades para os aprendizes interagirem, utilizando-a em contextos diversificados".
Os docentes que costumam trabalhar na área do Português como Língua Estrangeira (PLE), mais especificamente com a produção escrita, deparam-se com manuais didáticos que pouco estimulam a produção de textos escritos em diversos gêneros textuais 3, como atestam os estudos de Castro (2006) e Almeida e Duarte (2005).
Portanto, o professor tem um papel importante, pois é ele quem viabiliza aos alunos situações de ensino-aprendizagem, por isso, é fundamental que ele planeje as intervenções que levará para a sala de aula, planejamento que requer que muitos aspectos sejam considerados, tais como: a modalidade a ser trabalhada (escrita/oral), a habilidade a ser aperfeiçoada, os instrumentos de trabalho, as formas de abordar, os materiais a serem utilizados e os métodos de avaliação.
Verificar o quanto os aprendentes conseguem evoluir no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira não é uma tarefa fácil. Muitas teorias têm auxiliado ao professor a avaliar o progresso de seus alunos. Dentre as que priorizam o processo de aprendizagem está a avaliação formativa, pois, de acordo com Fernandes (2006, p. 22), "trata-se de uma avaliação interactiva, centrada nos processos cognitivos dos alunos associadas aos processos de (...) auto-avaliação e auto-regulação das aprendizagens".
A autoavaliação é "uma avaliação feita por aquele que aprende" 4 (Cuq, 2003, p. 30), isto é, consiste em uma avaliação que o aprendente faz do seu processo de aprendizagem, levando em conta aquilo que lhe foi ensinado e o que ele verdadeiramente aprendeu, verificando se seus esforços foram suficientes e se seu desempenho foi satisfatório. Segundo Hadji (2001, p.102-103), a autoavaliação visa desenvolver atividades de cunho metacognitivo, favorecendo a tomada de consciência por parte dos estudantes acerca dos diferentes aspectos e momentos das atividades cognitivas que fazem parte do seu processo de aprendizagem.
Entende-se por autorregulação da aprendizagem a capacidade "do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progressos, suas estratégias diante das tarefas e obstáculos." (Perrenoud, 1999, p. 96), dando-se ênfase à participação do aprendente em todas as etapas da construção do conhecimento.
Os dois processos mencionados mostram que não cabe somente ao professor o papel de avaliar o processo de aprendizagem, os aprendentes também devem se sentir responsáveis pela avaliação de sua progressão. A título de exemplificação, apresentaremos um caminho possível de ser adotado para que alunos do 3º nível do curso de Português como LE (PLE) se tornem autoavaliadores e autorreguladores de sua aprendizagem, tornando-os coavaliadores da aprendizagem de sua produção escrita.
A coavaliação é um momento em que os alunos podem se auxiliar mutuamente, observando o que cada um fez de inadequado e apontando uma possível solução. Entretanto, é necessário que as regras do jogo sejam expostas: o erro deve ser visto como algo natural ao processo de aprendizagem, não como fator negativo. É nos momentos de coavaliação que os alunos analisam textos que servem de modelo e depois são colocados "em situações de confronto, de troca, de interação, de decisão, que os forcem a explicar, a justificar, a argumentar, expor ideias, dar ou receber informações para tomar decisões, planear ou dividir o trabalho, obter recursos" (Perrenoud, 1999, p. 99).
Sabe-se que muitos destes estudantes de PLE estão se preparando para se submeterem a um exame de proficiência1 em língua portuguesa, por isso uma alternativa interessante pode ser o trabalho com os gêneros escritos que frequentemente são solicitados nas tarefas desse exame. Dentre esses gêneros, escolhemos o artigo de opinião, justificando sua utilização pelo fato de esse gênero ter sido requerido em seis tarefas das dez últimas aplicações do exame (2006-2010).
Para executar tarefas que envolvam a produção de um artigo de opinião, faz-se necessário um planejamento das atividades e procedimentos que serão utilizados para o trabalho com esse gênero. Esse planejamento pode se dar por meio da elaboração de uma Sequência Didática (SD), a qual é definida como "um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito" (Dolz, Noverraz & Schneuwly, 2004, p. 97).
Em uma SD, parte-se da apresentação de uma situação, a partir da qual os alunos deverão desenvolver a produção inicial de texto (oral ou escrito), para que se possa verificar o que eles sabem sobre o gênero a ser trabalhado e se produzi-lo, e a partir do que for verificado, o professor poderá começar o processo de aperfeiçoamento da produção de seus alunos, conscientizando-os dos problemas que apresentam e estabelecendo quais atividades serão utilizadas para superá-los, e quais serão os parâmetros empregados para verificar o percurso do aperfeiçoamento da escrita do gênero até que cheguem à produção final.
Na produção final, espera-se que o aluno demonstre na prática os conhecimentos construídos e adquiridos separadamente nas atividades. A partir dos textos produzidos nesta etapa, o professor poderá analisar se houve progresso referente à produção inicial e avaliar o desempenho de seus alunos na última produção. Assim, perceberá se os conteúdos apresentados por ele contribuíram para que seus alunos conseguissem dominar/aprimorar o gênero estudado (o artigo de opinião).
Dentre as atividades que podem ser feitas, apresentamos algumas em que momentos de coavaliação podem ser inseridos. A estes momentos chamamos de análises coletivas. Para a Análise coletiva da Primeira Produção organiza-se um material contendo cópias das produções iniciais dos alunos para que eles analisem os textos e respondam aos seguintes questionamentos:
Os alunos, cujos textos forem analisados coletivamente, poderão fazer anotações acerca dos comentários feitos. Anotações estas que, provavelmente, ajudarão na reescritura de seus textos.
Propiciam-se aos aprendizes atividades que favoreçam a apropriação de aspectos discursivos e lingüísticos do gênero artigo de opinião, para posteriormente serem incorporados aos textos finais.
Apresentamos abaixo - fundamentados em Bräkling (2000) e Rodrigues (2000) - alguns exercícios de aspectos que podem ser identificados:
O professor e os aprendentes poderão construir conjuntamente um modelo didático do gênero artigo de opinião. A elaboração conjunta de um modelo didático seja de um artigo de opinião ou de outro gênero é relevante porque estimula a atuação dos alunos no processo de ensino-aprendizagem do gênero selecionado: eles deixam de apenas assimilar o conteúdo proposto pelo professor, passando a construir com este o saber que será importante para sua competência de produtor de textos, e terão maior consciência de como serão avaliados.
Para a Análise coletiva da Produção Final organiza-se um material contendo cópias das produções finais dos alunos para que eles analisem os textos, com a finalidade de avaliar se houve a apropriação dos aspectos estudados nas etapas anteriormente, assim como e se ocorreu a adequação ao modelo do gênero elaborado.
Espera-se que as análises coletivas sejam alternativas, a nosso ver viáveis, que os aprendentes incorporem ao seu estilo de aprender, e dessa forma manifestem a autorregulação da sua aprendizagem, pois eles não receberão somente a correção proposta pelo professor, já que passaram também a serem avaliadores dos seus próprios textos e dos textos de seus colegas.
Espera-se que as análises coletivas sejam alternativas que possam repercutir favoravelmente na apropriação linguageira, pois é vantajoso trabalhar em uma perspectiva de coavaliação, já que o aluno apropria-se da linguagem a partir das experiências de "acerto" e "erro" e, principalmente, a partir das atividades reflexivas sobre o uso da linguagem - compartilhadas com seus colegas, interiorizando práticas de aprendizagem de autorregulação que foram coconstruídas e co-interpretadas, e não apenas correções impostas pelo professor, pois, trata-se de uma parte muito é importante, já que é deste exercício de interpretação coletiva do que está certo (isto é, do que foi apropriado) e do que não está depende, é que os critérios de (auto) avaliação da tarefa de produção escrita serão elaborados.
Incluir a coavaliação em um trabalho desenvolvido a partir de uma Sequência Didática pode envolver ainda mais os aprendentes no processo de aprendizagem, já que se pode prever momentos e atividades em que eles serão levados a pensar sobre as suas próprias produções textuais, analisando-as com um olhar crítico, o que poderá melhorar seu desempenho. Dessa forma, a elaboração didática irá abranger não somente as ações do professor, mas também as ações dos alunos.
É importante que professor tome consciência de que avaliar é uma das etapas do processo de ensino-aprendizagem, e ter uma visão crítica acerca das formas de como se pode verificar o progresso da execução da tarefa escrita, pois, é bom lembrar que, no processo formativo, a preocupação não é com a verificação, com o produto final, e sim com o processo em curso, enquanto ele pode ser orientado. É de extrema importância que os alunos possam participar ativamente dessa etapa de avaliação do processo - a qual, muitas vezes, é temida por eles, já que frequentemente, o que lhes é apresentado é somente a avaliação somativa, isto é, a nota do produto final. A avaliação formativa geralmente suscita adesão dos aprendentes, pois não percebem nela uma ameaça.
Portanto, pretende-se com a coavaliação fazer com que os aprendentes incorporem ao seu estilo de aprender a autorregulação de sua aprendizagem, pois eles não receberão somente a correção do professor, mas passarão a refletir sobre os procedimentos de avaliação, e serão confrontados a formar critérios que visem melhor avaliar o que foi proposto nas atividades, transformando-se em coavaliadores dos seus próprios textos e dos textos de seus colegas.
Se instrumentos como a coavaliação forem utilizados, os valores "negativos" que geralmente são atribuídos a avaliação poderão redimensionados, pois, professor e aprendente adotam novas posturas, o primeiro não será mais visto como o "corretor" e o segundo como o "corrigido", ambos serão responsáveis pela avaliação.
Referências bibliográficas
Almeida, P.M.C.; Duarte, A.L.B. (2005). Produção escrita em materiais de português língua estrangeira: que gêneros discursivos estão sendo privilegiados: In JÚDICE, N. (org.). Ensino da Língua e da Cultura do Brasil para Estrangeiros (p. 81-92). Niterói: Intertexto. [ Links ]
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Notas
E.M.Santos
Endereço para correspondência: Passagem Azevedo, nº 43, qd. 63, Cabanagem, Belém, PA 66.625-110, Brasil.
E-mail para correspondência: di.letras@hotmail.com.
(1) Quando utilizamos a expressão Língua Materna estamos nos referindo "à (...) língua adquirida em primeiro lugar pelo falante em um contexto em que essa língua também é usada para comunicação" (Cuq, 2003, p. 151). Do original: "la langue acquise la première par le sujet parlant dans un contexte où elle est aussi la langue utilisée au sein de la communication". (As traduções do francês para o português são nossas)
(2) Segundo Cuq (2003, p. 150), "toda língua não materna é uma língua estrangeira". Dooriginal: "Toute langue non maternelle est une langue étrangère").
(3) Os gêneros textuais, segundo Marcuschi (2007, p. 22-23), referem-se aos "textos materializados que encontramos em nossa vida diária e apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica" (grifos do autor).
(4) Do original: "est une évaluation prise en charge par celui qui apprend" (Cuq, 2003, p. 30).
(5) O CELPE-Bras é um exame autorizado pelo Ministério da Educação do Brasil, que é desde 1998, com duas aplicações anuais. Este exame tem como característica priorizar a capacidade de uso da língua "em situações reais do dia-a-dia, tais como ler e redigir textos, interagir oralmente ou por escrito" (Sobrinho et al., 2003, p. 3).