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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.6 no.2 Ribeirão Preto ago. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Implicações na saúde mental de cuidadores de idosos: uma necessidade urgente de apoio formal

 

Implications on the Mental Health of Elderly Caregivers: An Urgent Need for Formal Support

 

Implicancias en la salud mental de cuidadores de ancianos: Una necesidad urgente de apoyo formal

 

 

Renata Cristina Virgolin Ferreira de Camargo

Assistente Social da Prefeitura Municipal de Araraquara, com especialização em Saúde Mental pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), SP, Brasil. E-mail: revirgolin@yahoo.com.br 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ato de cuidar de idosos dependentes no domicílio, atualmente, é tarefa cada vez mais frequente para as famílias que, nesse cenário, vivenciam contextos de fragilidades física, financeira e social, além de implicações na saúde mental do cuidador. A metodologia adotada é de estudo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa que, pautada na literatura, objetivou contribuir com subsídios teóricos para a melhor compreensão de quem é o cuidador de idosos dependentes e quais implicações impactam o mesmo. Como proposta, o artigo aponta para a importância de se promover políticas públicas de intervenção de cuidado ao cuidador, em diferentes níveis, proporcionando-lhe melhoria do bem-estar, prevenção de conflitos e estresse e segurança na realização dos cuidados prestados.

Descritores: Cuidadores; Idosos Dependentes; Estresse; Saúde Mental.


ABSTRACT

Providing care for dependent elderly at home is currently an increasingly common task from families who, in that setting, experience contexts of physical, financial and social fragility, in addition to implications on the mental health of the caregiver. This is an exploratory-descriptive study, performed with a qualitative approach. Based on the literature, the purpose of this study was to contribute with theoretical support to better understand who the caregiver of dependent aged people is, and what implications affect them. As a proposal, the article points at the importance of promoting public policies for care intervention to caregivers at different levels, providing an improvement of their wellbeing, preventing conflicts and stress, and promoting their safety while delivering care.

Descriptors:Caregivers; Frail Elderly; Stress; Mental Health.


RESUMEN

Actualmente, el acto de cuidar ancianos dependientes en el domicilio es una tarea cada vez más frecuente para las familias que, en tal escenario, experimentan contextos de fragilidad física, financiera y social, además de implicancias en la salud mental del cuidador. La metodología adoptada es de estudio exploratorio descriptivo, con abordaje cualitativo que, referido en la literatura, objetivó contribuir con contenidos teóricos para una mejor comprensión de quien es cuidador de ancianos dependientes y de las implicancias que impactan al mismo. Como propuesta, el artículo resalta la importancia de promover políticas públicas intervencionistas de atención al cuidador en diferentes niveles, brindándole mejoras en su bienestar, prevención de conflictos y estrés y seguridad en la práctica de la atención prestada.

Descriptores:Cuidadores; Anciano Frágil; Stress; Salud Mental.


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, o grande aumento na incidência do envelhecimento, associado a doenças crônicas e degenerativas, tem despertado a atenção de pesquisadores para evidenciar o contexto familiar e o novo lócus do cuidado. Atualmente, permeiam como desafios ao Sistema Único de Saúde (SUS) a prevenção dessas doenças e o suporte aos cuidadores familiares.

No Brasil, a transição demográfica e a transição epidemiológica apresentam, cada vez mais, quadro de sobrevivência de idosos na dependência de uma ou mais pessoas que supram as suas incapacidades para a realização das atividades de vida diária(1).

Culturalmente, essas pessoas, chamadas cuidadores, são, em sua maioria, mulheres que atuam como protagonistas anônimas nessa nova esfera de cuidados, o domicílio, onde estão presentes também dimensões emocionais e afetivas(2). Sentimentos de desespero, cansaço, ansiedade, angústia, desamparo são frequentes em famílias de cuidadores de doentes crônicos e graves(3).

Essa atribuição de cuidar, comumente, é esperada pela sociedade(4), porém, vale destacar que esses cuidadores são doentes em potencial, e sua capacidade funcional está constantemente em risco, uma vez que são pessoas comuns que, de um momento para outro, se veem na situação de cuidar de alguém que lhes é próximo.

O presente estudo objetivou contribuir com subsídios teóricos para melhor compreensão de quem é o cuidador de idosos, acometidos por doenças crônicas e degenerativas, e quais implicações subjetivas do cuidar em família impactam esse cuidador.

A literatura denota evidências de alterações emocionais, físicas e sociais em cuidadores, sendo essencial, nesse processo, ampla estrutura de apoio para enfrentar as diferentes etapas do cuidado. Sendo assim, faz-se necessário apresentar propostas de intervenção, trabalho de acompanhamento, educação em saúde para prevenção de ansiedade dos cuidadores e familiares, ou seja, políticas de proteção focalizadas no cuidador familiar.

O método de pesquisa adotado foi o estudo teórico, cujo ponto de vista da abordagem do problema pode ser considerado como qualitativo, através de objetivos exploratórios, tendo como base o levantamento bibliográfico.

 

Cuidando de idosos no contexto familiar

Em virtude do crescimento gradativo do envelhecimento populacional e das mudanças observadas no padrão de morbidade dos idosos, tem crescido a possibilidade de que as famílias venham a se dedicar a esse mister, uma vez que o envelhecimento é fenômeno biológico, psicológico e social, no qual a plenitude do ser humano pode se modificar em relação ao mundo e à sua própria história.

O envelhecimento, quando acompanhado por doenças crônicas e limitações físicas, cognitivas e sociais, impõe às suas famílias questões nunca antes experimentadas na dinâmica das relações(5).

O estado de doença acarreta algumas repercussões psíquicas inevitáveis, como preocupações, angústias, medos, alterações na autoimagem e algum nível de dependência(6). No tocante a essa dependência, pode-se definir como condição do idoso, a qual se caracteriza por degenerescência decorrente de doenças crônicas ou de outras patologias que ameaçam a integridade física, social e econômica, diminuindo ou impedindo a capacidade do indivíduo para atender suas necessidades(7).

Estudos revelam que cerca de 40% dos indivíduos com 65 anos ou mais de idade precisam de algum tipo de ajuda para realizar pelo menos uma tarefa, como fazer compras, cuidar das finanças, preparar refeições e limpar a casa(8). Uma parcela menor, 10%, requer auxílio para realizar tarefas básicas como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, alimentar-se, sentar e levantar de cadeiras e camas. Para cada idoso de alta dependência que se encontra institucionalizado, há dois sendo cuidados em casa pela família(9-10).

Estima-se, também, que 13% dos indivíduos, entre 64 e 74 anos, 25% dos indivíduos, entre 75 e 84 anos, e 46% daqueles acima de 85 anos apresentam algum tipo de incapacidade(11).

No contexto brasileiro, aproximadamente 85% dos idosos apresentam pelo menos uma doença crônica e, desses, pelo menos 10% tem, no mínimo, cinco afecções concomitantes(12). Nos USA, há, aproximadamente, uma em cada quatro famílias (23% ou 22,4 milhões de famílias) envolvidas em cuidados de pessoas maiores de 50 anos(13-14). Estima-se também que, em 2025, o Brasil terá a sexta maior população de idosos do mundo, cerca de 13,8% da população composta por essa faixa etária.

Diante desse novo contexto, destaca-se a figura do cuidador familiar, principal agente do sistema de apoio informal no cuidado ao idoso com problemas de saúde, caracterizando-se como primeiro abrigo e fonte de assistência aos idosos(10,15). Essa ocupação, a de cuidador de idosos, é contemplada pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sob código 5162, que define o cuidador como alguém que cuida a partir de objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida.

A escolha do cuidador não costuma ser ao acaso e a opção pelos cuidados nem sempre é do cuidador, mas, muitas vezes, expressão de um desejo do paciente, ou falta de outra opção, podendo, também, ocorrer de modo inesperado para um familiar que, ao se sentir responsável, assume esse cuidado, mesmo não se reconhecendo como cuidador(16).

Não obstante, a esse novo papel de cuidar, verifica-se que a maioria o fará sem nenhuma ajuda informal ou formal sistemática. A literatura aponta que boa parte das famílias e das mulheres brasileiras não está preparada, seja por causa dos eventos apontados seja em virtude das pressões econômicas, ocupacionais, familiares e provenientes do sistema de saúde, igualmente despreparado para acolher as necessidades dos idosos e de suas famílias(17).

As famílias, no entanto, são parte integrante da intervenção em saúde em todas as fases do processo saúde e doença, uma vez que a interação desenvolvida entre o cuidado do indivíduo e o contexto familiar tem sido apontada como algo indispensável para o cuidado integral da pessoa doente(3). Tomar a família como perspectiva é considerar o contexto familiar no processo de cuidar em saúde não apenas como o local onde o cuidado é dado e recebido durante a vida, mas onde todo um processo de viver a vida e transições da vida está sendo construído a cada dia(18).

No que diz respeito ao perfil do cuidador, a literatura gerontológica mostra que, na grande maioria dos países ocidentais, o desempenho das tarefas de cuidar em família é, geralmente, atribuição feminina, e a idade média, no geral, é de 46 anos(10). A atribuição de papéis e tarefas de cuidar segue normas culturais que esperam do homem o sustento da sobrevivência material da família e a autoridade moral, e, da mulher, a organização da vida familiar, o cuidado dos idosos e tudo o que se relacione à casa. Essa realidade também é presente para as mulheres que trabalham fora, pois, caso não assumam o cuidado, tornam-se alvo de pressão social e familiar, surgindo conflitos e sentimentos de culpa.

O cuidado exercido por mulheres é fruto de construções históricas e sociais, determinadas pela divisão sexual do trabalho, e o cuidado tem sido o foco principal de sua atividade e a expectativa da sociedade em relação a elas.

A literatura internacional apresenta quatro fatores presentes na designação da pessoa que assume o cuidado ao idoso dependente: parentesco (cônjuges), gênero (principalmente mulher), proximidade física (vive junto) e proximidade afetiva (conjugal, pais e filhos)(1)

Independente desses fatores, o processo de construção da identidade do cuidador dá-se a partir do enfrentamento da rotina de cuidados e da reflexão desencadeada por esse enfrentamento(19). O dia a dia é o espaço de imediato, no qual cuidadores devem funcionar por meio do saber prático.

Vale ressaltar que, além de fatores geracionais, tornar-se cuidador pode depender de outros eventos como morar na mesma casa, ter condições financeiras, dispor de tempo e, principalmente, laços afetivos em relação à pessoa cuidada. Fatores emocionais, motivação, capacidade de doação podem interferir nas tarefas de cuidar.

Os valores culturais e individuais sobre a velhice e o cuidado influenciam também na aceitação dos papéis de cuidar e também na forma de lidar com o processo(20). Ser cuidador principal implica num processo que envolve toda a dinâmica familiar(18), pois, nessa esfera de cuidados não há somente as expectativas, mas, também, os conflitos que são transmitidos multigeracionalmente.

O relacionamento entre o cuidador e o idoso, bem como os esforços cognitivos e comportamentais para lidar com as exigências do cuidar, é afetado por referências sociais, por exemplo, sobre o que é considerado apropriado em dada situação(5,21).

Considerando a atual pluralidade de arranjos familiares, as reações são as mais variadas e refletem também as demandas econômicas e socioculturais(2). Em geral, o cuidador passa a assumir múltiplas funções, tornando-se cuidador único, sendo essa relação dependente da sua história de vida e do aporte familiar.

Estudos apontam que as faces do cuidar, a progressão da incapacidade, a instalação súbita ou gradual da dependência, o prognóstico da moléstia do idoso e os recursos, dos quais o cuidador dispõe para desenvolver suas tarefas, oneram a sua resistência física e psicológica(5). E a redução desses problemas, decorrentes do cuidar, depende em parte da habilidade do cuidador em lidar com várias situações adversas ao mesmo tempo, de compatibilizar tarefas de cuidar com tarefas da casa, de organizar o próprio comportamento e o de outros, de mobilizar recursos pessoais internos e apoios externos e de tomar decisões(5).

 

O estresse do cuidador: o impacto do prestar cuidados

O cuidado é uma representação de atitudes, de preocupação, de responsabilidade e de envolvimento. No caso de idosos, espera-se que haja alguém capaz de desenvolver ações de ajuda naquilo que esses não podem realizar por si só, assumindo responsabilidades de dar apoio e ajuda para satisfazer suas necessidades, visando a melhoria da condição de vida.

Desempenhar a tarefa de cuidar do idoso no domicílio, no entanto, deflagra diferentes sentimentos que são vivenciados pelos cuidadores diariamente. O cotidiano do cuidado favorece o surgimento de sentimentos de insatisfação por parte do cuidador e a manifestação do seu descontentamento, entre outros motivos, podendo produzir situações de conflito entre ele e o familiar(22).

Atividades que parecem ser simples, para quem as desenvolve, se tornam árduas para quem nunca precisou enfrentá-las. Sendo assim, existem inúmeros estudos referentes ao impacto sobre a família e o ônus para o cuidador, com repercussões físicas, psíquicas, sociais e econômicas sobre os mesmos.

A literatura aponta que as avaliações do cuidador, sobre a situação de cuidar e seus efeitos sobre a saúde física e mental, são resultantes da interação entre a exposição do cuidador aos estressores, sua vulnerabilidade e seus recursos psicológicos e sociais(23-24,10).

Há diferenças entre esses estressores, podendo ser definidos em primários e secundários. Os primários estão relacionados às características do idoso dependente (comprometimento para a realização de atividades de vida diária, déficits cognitivos, alterações no comportamento). Já os estressores secundários estão relacionados ao papel do cuidador (abrangendo conflitos familiares, aspectos econômicos, restrição da vida social e de natureza intrapsíquica)(23).

De acordo com esse modelo, há eventos relacionados ao contexto familiar (de relações pessoais, renda, escolaridade, gênero, idade, saúde, ocupação do cuidador, personalidade, história de relacionamento com o idoso) que desencadeiam os estressores primários e secundários. Cansaço, insônia, irritabilidade, ansiedade, depressão, fragilidade física e psicológica são condições que, somadas ou intensificadas pelos estressores, podem levar o cuidador ao esgotamento e sobrecarga física e mental.

Impacto ou sobrecarga é definido como o estado psicológico que resulta da combinação de trabalho físico, tensão emocional, restrição social e dificuldades financeiras, provenientes da atividade de cuidar(25-26), consequências essas provenientes de práticas variadas e de demandas emocionais do cuidado(27).

Cansaço emocional caracteriza-se pela perda progressiva de energia, fadiga e esgotamento emocional, refletindo a situação em que os trabalhadores não podem dar de si no âmbito afetivo(22,28). É experiência de desgaste psicológico, ocasionado pela assistência cotidiana prestada a usuários que demandam ajuda, ou seja, um fazer solitário onde são vivenciados conflitos e sentimentos ambivalentes.

Esses momentos solitários fazem com que o cuidador e o idoso se lancem numa relação de busca, querendo (re)montar, (re)fazer, (re)estabilizar uma vida cotidiana nos moldes anteriores, o que já não é mais possível pela necessidade e dependência do idoso para com o cuidado(19).

A literatura também aponta os componentes do impacto objetivo e subjetivo no cuidador. Os componentes do impacto objetivo no cuidador são: sobrecarga financeira, tensão gerada pela necessidade de abandonar as responsabilidades com outras pessoas da família, interrupção nas atividades da rotina doméstica, supervisão excessiva e problemas com vizinhos, além dos componentes do impacto subjetivo, que são: sentimentos de embaraço, sobrecarga, ressentimento e exclusão social(26,29-30).

De modo geral, a literatura resume o estresse do cuidador em: ônus físico e financeiro, que tende a se agravar com a evolução da doença, falta de informações suficientes aos cuidadores para exercer o cuidado, poucos recursos sociais de apoio, escassez de pessoas especializadas que possam dar suporte e poucas fontes de apoio emocional, rivalidade entre a tarefa de cuidar e o trabalho profissional, ou mesmo com o papel familiar desempenhado anteriormente pelos cuidadores, sentimentos negativos que podem aflorar na dinâmica cuidar-ser-cuidado, o cuidar solitário, exercido por um único membro da família sem a ajuda, ou reconhecimento dos outros integrantes(31).

A falta de tempo também é queixa importante, pois, além da diminuição da vida social, o cuidador deixa de cuidar de si mesmo para cuidar do idoso, anulando atividades prazerosas.

Devido à ocorrência gradativa de sintomas de ansiedade e depressão, muitos dos cuidadores acabam se tornando pacientes. Estudos revelam agravamento das fragilidades e doenças crônicas em cuidadores, devido à sobrecarga física(32), pois as demandas do cuidado excedem os limites do esforço físico, mental, psicológico, social e econômico.

Em pesquisa realizada, dentre os 50 cuidadores entrevistados sobre as modificações observadas pelos cuidados em si, após o início das atividades de cuidados, 24% relataram modificações psicológicas (aumento do estresse, nervoso, angústia e depressão) e 14% relataram aumento do cansaço e preocupações(3).

Esse efeito, além de perverso, sob o ponto de vista social, acaba por sobrecarregar o sistema público de saúde. É comprovado que quanto menor o nível de suporte social maior é a sobrecarga do cuidador(26).

Quando a família e o cuidador não conseguem encontrar alternativas viáveis, ou quando as habilidades e os recursos familiares são insuficientes para o manejo da situação, há forte tendência para a desorganização familiar e individual, trazendo consequências negativas para o cuidado ao idoso e para o bem-estar do cuidador, uma vez que o próprio processo de envelhecimento da população brasileira está se dando num momento de profunda desordem econômica, deixando, com certeza, a população de baixa renda mais desamparada e carente, demandando posturas compensatórias de apoio a essa realidade(1).

Dar apoio emocional e instrumental, contando com possibilidades mínimas de melhora, e sem perspectivas de retribuição, desgasta as reservas físicas e psicológicas dos cuidadores familiares. Estudos apontam que, aproximadamente, de 46 a 59% dos cuidadores são clinicamente deprimidos, sendo maior a depressão entre as mulheres cuidadoras (49%) como resultado do cuidar(14,33-34).

Cuidar do idoso no domicílio é tarefa que deve ser preservada e estimulada(1), porém, cuidar de um indivíduo idoso e incapacitado não é tarefa para uma mulher sozinha, sem apoios, nem serviços que possam atender às suas necessidades, e sem política de proteção para o desempenho desse papel. O cuidado no domicilio sustenta-se em relações de intersubjetividades e requer novas modalidades de comunicação, de acordos e de responsabilização que estão sob determinações políticas, econômicas, éticas, sociais e culturais(35).

 

Cuidando de cuidadores: uma necessidade de compromisso e preocupação política de proteção social

A literatura revela que muitos cuidadores não se veem como tal, isto é, não se reconhecem como ocupantes de um papel social. Ao contrário, veem suas ações como extensão das relações pessoais e familiares(11). As instituições sociais descumprem o seu papel quando se comportam da mesma forma, isto é, não reconhecem que o cuidador familiar não só corresponde a uma demanda objetiva e imediata dos idosos e, assim, cumpre normas sociais de retribuição, mas também oferece solução para um problema que é de toda a sociedade.

Dessa forma, são necessárias intervenções junto aos cuidadores em diferentes níveis (físico, psicológico, social e financeiro) que incluam suporte adequado a fim de que não acarretem sobre os mesmos impactos emocionais. Intervenções essas que enfoquem as questões relacionadas ao papel, às responsabilidades e ao estresse da família e do cuidador, considerando como urgente a necessidade de apoio formal, uma vez que estudos revelam o comprometimento na saúde mental dos cuidadores(19,32,36-37).

Como propostas, existem amortecedores para as pressões externas, anteriormente citadas, como: a ajuda instrumental, cognitiva e emocional oferecida por redes formais e informais de apoio, os conhecimentos e habilidades do cuidador e as estratégias de enfrentamento(10). E o domicílio é espaço privilegiado para o estabelecimento de estratégias de educação permanente, visando a articulação da integralidade, trabalho e educação(38). Além disso, acrescentam-se como mediadores os recursos sociais, incluindo acompanhamento médico e sua opinião em relação ao estado de saúde de seu paciente.

A função do apoio social compreende o nível de recursos fornecidos por outros e pode ser especificada em quatro aspectos: apoio emocional (que envolve expressões de amor e afeição), apoio instrumental (que se refere aos auxílios “concretos”, provimento de necessidades materiais em geral, ajuda para trabalhos práticos e ajuda financeira), apoio de informação (aconselhamentos, sugestões, orientações que podem ser usadas para lidar com problemas e sua resolução) e interação social positiva (que compreende a disponibilidade de pessoas com quem é possível se divertir e relaxar).

Tais processos podem ser entendidos como estratégias de cuidado ao cuidador e podem ser divididos em três grandes vias: processo educativo e de construção de habilidades junto ao cuidador (oferta de módulos educativos sobre provisão de cuidado no domicílio), estabelecimento de parceria dinâmica com a família, com divisão de responsabilidades, e um canal de comunicação contínuo com o paciente e sua família(16).

Os autores ressaltam, ainda, que a única intervenção capaz de reduzir o ônus será aquela dirigida às necessidades do paciente, com medidas que não imponham sobrecarga adicional ao cuidador, nem impacto significativo sobre suas vidas financeiras. Mas, sim, atividades que visem um modelo participativo, com envolvimento ativo, através de processos educativos permanentes, informativos, com utilização de recursos de divulgação, campanhas, veiculação em propagandas e treinamento de profissionais de saúde. 

Afinal, cuidar no domicílio implica em novos modos de fazer e saber dos profissionais de saúde, postura essa que deve primar por efetivar ações que permitam a integralidade, a intersubjetividade e o cuidado direcionado à família(39). Nesse aspecto, igualmente imprescindível é o investimento junto ao corpo clínico dos hospitais, a fim de que possam transferir conhecimentos ao cuidador, como parte do planejamento da alta hospitalar do paciente idoso.

Importante também são os investimentos em Programas de Internação Domiciliar (Lei n.10.424/2002), que tratam de estratégia para a reversão da atenção centrada em hospitais, que propiciem a construção de nova lógica de atenção, com enfoque na promoção e prevenção da saúde e na humanização da atenção. Essa Lei inclui, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de serviço social, necessários ao cuidado integral dos usuários em seu domicilio, pois, além do acompanhamento sistemático, possibilita ao cuidador acesso a informações precisas sobre o diagnóstico e prognóstico da doença, possibilitando que ele se prepare para as necessidades do cuidado.

Existem hoje, no país, várias experiências de internação domiciliar (Santos, SP, Londrina, PR, Hospital de Clínicas da USP-SP, Marília, SP, Hospital Escola de São Carlos, SP, Belo Horizonte, MG), cuja principal característica é o atendimento de idosos com doenças crônicas.

Em pesquisa realizada pelo serviço de atendimento domiciliar em Guarulhos, SP(11), verificou-se que, do total de 56 cuidadores, 23% apresentaram mudança positiva no seu estado emocional, após treinamento e acompanhamento da equipe de saúde no domicílio. Esses resultados evidenciam que a saúde mental dos cuidadores pode ser preservada em decorrência dessas condições de apoio formal(24).

Pode-se afirmar que essa estratégia proporciona às famílias apoio institucional em ações estruturadas e contínuas, de monitoria e apoio profissional e de material para a pessoa cuidada, para os cuidadores e para a família, além de beneficiar o próprio Sistema de Saúde, o Estado e a economia, porque reduz o tempo e o número de internações hospitalares(40).

O treinamento de cuidadores familiares de idosos é área de grande interesse na gerontologia, porém, no Brasil, ainda existem poucos dados sobre o contexto do cuidado, o perfil dos cuidadores e as redes de apoio(11).

Pesquisas apontam que é possível perceber a preservação da saúde mental do cuidador familiar, através de experiências nas quais o mesmo se sente amparado, ao contar com apoio e em condições favoráveis para dar continuidade ao seu plano de vida, mediante a liberdade restabelecida(41). Ao contrário do que acontece com a experiência daquele que não conta com apoio que, ao se sentir preso ao papel de cuidador, em face da insegurança de se afastar do doente, passa a conviver com muitas perdas pessoais.

Estudos revelam que os cuidadores que informam maior satisfação com o apoio que recebem e que estão inseridos em cadeias sociais maiores relatam menos sobrecarga(24), menos depressão, maior satisfação com a vida e menos problemas de saúde(42), em comparação aos cuidadores com menos laços sociais.

Quando mencionado anteriormente que o trabalho do cuidador torna-se tarefa solitária, recomenda-se aos profissionais de saúde que encarem a família como coadjuvante nos cuidados e não como empecilho aos mesmos. Que vejam a família como parceira em potencial, de forma a possibilitar a sistematização das tarefas, privilegiando aquelas relacionadas à promoção da saúde, prevenção das incapacidades e à manutenção da capacidade funcional do idoso e seu cuidador, evitando, dessa forma, hospitalizações, asilamentos, negligências e sobrecargas.

Os idosos e suas famílias merecem mais atenção tanto das autoridades públicas como dos profissionais da saúde. É importante que sejam efetivadas estratégias de proteção que se configurem como medidas que deem ao cuidador a possibilidade de planejar e de realizar outros interesses, com evitamento de colapso em sua vida.

E, dessa forma, proporcionar a esses “super-heróis” apoio e contentamento, para que se sintam valorizados e assistidos de forma digna, possibilitando que se percebam não como meros cuidadores, vivendo no anonimato, num domicílio qualquer, mas que existem pessoas envolvidas nesse processo, dispostas e capazes de ajudá-los(22).

 

Considerações Finais

Se se pode afirmar que a atividade de cuidar tende a erodir a vida do cuidador, acarretando agravos significativos em sua saúde física e mental, e se considerando que essa atividade, além do cuidado, deva proporcionar bem-estar ao paciente, quais têm sido os investimentos em proteção e instrumentalização desse cuidador?

Esta pesquisa possibilitou confirmar, com base na revisão de literatura, a árdua e extenuante tarefa do cuidador, com sobrecarga de atividades no cotidiano que o leva, em muitas circunstâncias, ao estado de esgotamento emocional, isolamento social e situações de intensos conflitos, além da complexidade vivenciada no domicílio, com o idoso dependente e o contexto social onde estão inseridos. Também deixa evidente que os idosos dependentes e sem autonomia ainda fazem parte de uma face oculta da sociedade, porque, em muitos casos, são mantidos exclusivamente no âmbito familiar.

As mudanças presentes no envelhecimento populacional rápido e expressivo no Brasil, no entanto, colocam caráter de urgência a busca de conhecimentos especializados. permitindo organizar ajuda a esses protagonistas do cuidado, visando seu bem-estar, através de estratégias que amenizem a realidade enfrentada por esses cuidadores.

Estratégias essas por meio de políticas sociais e de saúde, condizentes com as reais necessidades desse estrato populacional, onde o Estado tem papel preponderante na promoção, proteção e recuperação, conforme preconizado pelo Sistema Único de Saúde, desde planejamento dos cuidados no domicílio, com detecção precoce dos cuidadores e suas vulnerabilidades e intervenções, a fim de minimizar as dificuldades e sobrecarga das atividades do cuidado. E, ainda, viabilizando treinamento e acompanhamento como estratégia eficaz, programas de avaliação e de intervenções implementadas, continuadamente, por equipes de saúde, tendo em vista os benefícios potenciais para a saúde física e mental do cuidador e, consequentemente, a manutenção e promoção de cuidado a idosos dependentes.

 

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Endereço para Correspondência
Renata Cristina Virgolin Ferreira de Camargo
E-mail: revirgolin@yahoo.com.br 

Recebido em: 14/08/2009
Aprovado em: 04/04/2010