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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.14 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2018

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000354 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000354

 

O enfrentamento do estigma vivido por mulheres/mães usuárias de crack*

 

La confrontación del estigma vivido por mujeres/madres consumidoras de crack

 

 

Paola de Oliveira CamargoI; Michele Mandagará de OliveiraI; Lieni Fredo HerreiraI; Maria de Fátima Duarte MartinsI; Camila Feijó LuftI; Luciane Prado KantorskiI

IUniversidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

 

 


RESUMO

O estudo objetivou conhecer como mulheres usuárias de crack vivenciam a maternidade e enfrentam os estigmas estabelecidos pela sociedade. Realizou-se observação participante com cinco mulheres, entrevistas semi-estruturadas e construção de diário de campo, elencadas categorias culturais e os dados tratados a partir do Interpretativismo de Geertz. Percebemos o quanto as participantes enfrentam dificuldades para criar seus filhos, principalmente pelo preconceito que sofrem, o quanto foi difícil lidar com a maternidade e o uso de crack ao mesmo tempo. Estas mulheres sofrem com a exclusão social e a marginalização, muitas vezes resultando em dificuldades no acesso aos serviços de saúde.

Descritores: Cocaína Crack; Mulheres; Criança; Relações Mãe-Filho; Estigma Social.


RESUMEN

El objectivo del estudio fue conocer cómo las mujeres consumidoras de crack confrontan los estigmas de la maternidad establecidas por la sociedad. Hemos llevado a cabo la observación participante con cinco mujeres,  por meo de entrevistas semiestructuradas , y un un diario. Las categorías culturales mencionados y los datos transformados a seguiron la base de interpretativismo de Geertz. Nos dimos cuenta de lo mucho que los participantes están luchando para criar a sus hijos, sobre todo por el sufrimiento con lo prejuicio, de lo difícil que fue la experiencia de la maternidad con el consumo de crack. Estas mujeres sufren de exclusión social y la marginación, a menudo resulta en dificultades para acceder a los servicios de salud.

Descriptores: Cocaína Crack; Mujeres; Niño; Relaciones Madre-Hijo; Estigma Social.


 

 

Introdução

O uso abusivo de crack entre as mulheres tem sido crescente nos últimos tempos, bem como o número de internações destas usuárias. A procura por tratamento, anteriormente, prevalecia entre os homens, porém, esta diferença vem caindo cada vez mais, independentemente de classe social(1).

Mulheres gestantes e usuárias de crack vivenciam sentimentos de insegurança, preocupação e responsabilidade, assim como qualquer outra mulher na mesma situação, a diferença é que ao mesmo tempo, pelo fato de serem usuárias de drogas, as mesmas também vivenciam sentimentos de culpa, desamparo e constrangimento, por não se enquadrarem na situação de "boa mãe". Apesar dessas situações, pouco se pensa nas dimensões subjetivas de uma gravidez permeada por um contexto social vulnerável e pelo uso abusivo de drogas(2).

É importante aprofundar os estudos sobre o conhecimento das repercussões do uso de crack na gestação, para compreender essa relação e a vivência das mulheres usuárias de drogas, no seu contexto social, no intuito de se aproximar de todas as faces deste uso abusivo, contemplando os aspectos psicológicos, culturais, fisiológicos e sociais.

A assistência prestada a uma gestante usuária de drogas é mais complexa e exige preparo especial da equipe de profissionais que lhe prestarão cuidados. Estes devem estar preparados e saber lidar com as características psicológicas e sociais destas mulheres.

O preconceito, a discriminação e o racismo são apontados como barreiras principais para que as usuárias solicitem tratamento, quando estas se encontram grávidas, o preconceito é ainda maior, o que aumenta a dificuldade de acesso ao atendimento de saúde e diminui o número de acompanhamento pré-natal(3).

Atualmente parte dos estudos publicados tem enfocado os prejuízos que a substância pode causar a mulher e ao feto, deixando de abordar a dimensão subjetiva que circunda a experiência da maternidade e não considerando os estigmas que diariamente as mesmas enfrentam para levar uma vida ao lado da família, sem serem rotuladas, ignoradas e julgadas(2).

A mulher usuária de substâncias psicoativas encontra sentimentos contrários no assunto maternidade, algumas relatam a negação deste processo e outras acabam vendo este processo como uma oportunidade de mudança em suas vidas, por enxergar a maternidade como uma nova chance ou um ponto de partida para uma mudança de vida(4).

Seguindo na linha de pensamento dessa investigação, tem-se como objetivo geral: conhecer como a mulher usuária de crack que vivenciou a maternidade enfrenta os estigmas já estabelecidos pela sociedade.

 

Método

O presente estudo é de natureza qualitativa e foi desenvolvido entre os meses de maio à agosto de 2014, a partir da observação participante, da construção de diário de campo e de entrevistas semiestruturadas, fazendo parte da dissertação de mestrado intitulada: A visão da mulher usuária de crack sobre a experiência da maternidade: vivência entre mãe e filho.

O estudo foi realizado na cidade de Pelotas/RS, em cinco bairros da zona periférica da cidade. Os locais não foram escolhidos a partir de nenhum critério pré-estabelecido, sendo estas famílias já acompanhadas pelo projeto de extensão da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, intitulado "Promoção da saúde no território: acompanhamento de crianças filhas de usuárias de álcool, crack e outras drogas", do qual a autora faz parte desde 2013.

Os dados foram coletados através da observação participante, diretamente com as famílias do estudo, através da inserção no território e construção de diário de campo, onde se descreveu tudo aquilo que foi considerado relevante para a pesquisa. O Local de estudo foi a própria residência de cada família e os locais onde elas estão inseridas na sociedade, sendo estes praças, serviços de saúde, grupos comunitários ou casas de amigos e familiares.

As participantes foram cinco mulheres que tivessem utilizado crack durante a gestação e que aceitaram participar do estudo através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As mulheres foram identificadas por nomes de flores e as crianças por nomes de princesas e super-heróis, a escolha de cada participante, outros familiares tiveram seus nomes substituídos por nomes fictícios, preservando assim suas identidades.

O projeto foi encaminhado a Plataforma Brasil e teve a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas em abril de 2014, sob o parecer 643.166. Os princípios éticos considerados para a elaboração deste estudo vão ao encontro da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, sobre Pesquisa com Seres Humanos(5), sendo todos os direitos dos participantes preservados conforme a resolução.

A análise dos dados foi realizada a partir do Interpretativismo, ou Teoria Interpretativa da Cultura, escrita por Cliffort Geertz(6) e se deu ao fim do trabalho de campo. Uma análise dos dados, nada mais é do que interpretações de segunda e terceira mão, pois quem faz primeiramente uma interpretação são os próprios sujeitos e o pesquisador acaba por fazer então a interpretação de uma interpretação já existente.

Assim para chegar aos resultados foi feita uma interpretação de tudo que foi observado e registrado em diário de campo durante toda a inserção no campo, além da análise das entrevistas semiestruturadas realizadas durante a coleta de dados.

Após a leitura detalhada do diário de campo e das transcrições das entrevistas realizadas, chegou-se a uma única categoria cultural, denominada "Experiência da Maternidade", que foi dividida em outras três subcategorias, sendo elas: descoberta da gravidez/planejamento/aborto/relação mãe e filho, participação ou não do companheiro/participação ou não de uma cuidadora (avó da criança) e a relação da usuária com a sua mãe, e a tentativa de enfrentamento de estigma, sendo esta última descrita nesse artigo.

 

Resultados

Durante a leitura das transcrições e dos diários de campo percebeu-se que muitas das mulheres referiam que ser mãe e ao mesmo tempo usuária de drogas, era uma situação que elas tinham consciência de ser errada, mas que também se enxergavam como diferentes de muitas outras mulheres nessa mesma situação, pois tentavam quebrar o estigma imposto por elas e pela sociedade, transparecendo que zelavam pelos exemplos passados aos filhos e que tentavam fazer com que o uso de drogas não interferisse nessa relação. Porque eu sou um exemplo então eu tento não passar pros meus filhos. (Dália). Porque nunca faltou comida né, isso eu nunca deixei faltar. (Margarida). Mas sempre salienta que jamais deixa de comprar alguma comida pra filha pra gastar com pedra. (Diário de Campo 13/06/2014, Íris).

Esses três trechos, sendo os primeiros retirados das entrevistas e o terceiro um fragmento do diário de campo, mostram o quanto essas mulheres também se preocupam com a imagem de si que passam para os filhos, dizendo não querer passar um mau exemplo. Em outras falas referiram jamais fazer o uso da substância na frente dos filhos, principalmente dos maiores, os quais já compreendiam a situação.

Segundo informação a partir dos diários de campo e das observações, as participantes nos mostram alguns exemplos nos quais essas mulheres tentam passar para sociedade, neste momento representada pela própria pesquisadora, que por mais "na nóia" que estivessem, jamais deixariam, por exemplo, faltar comida para os filhos, pois sabiam que essa era uma atribuição delas e que por isso não podiam falhar.

Percebe-se nos próximos depoimentos, como essas mulheres enfrentam uma barreira invisível, que serve de proteção a elas mesmas, tentando sempre representar que apesar da situação que se encontram como usuárias de drogas, elas se esforçam para mostrar que conseguem cumprir com as suas atribuições de mãe e assim enfrentar o estigma presente na sociedade de que todo o usuário de drogas é violento e sem perspectivas de vida. E eu que ficava com o dinheiro (do patrão), mas nunca peguei nada dele, nunca peguei nada sabe? Tudo que era dali era dali [...] A gente nunca roubou, nunca fizemos nada, nunca, nem eu, nem ele (companheiro), se prostituímos, nunca. (Margarida). Disse que nunca roubou, que trabalha em várias casas da volta e nunca pegou o que não era dela por causa do crack. (Diário de Campo,13/08/2014, Íris).

Os depoimentos das participantes desta pesquisa, assim como o que foi observado durante os meses de coleta de dados, mostram que algumas delas conseguiram diminuir e até mesmo cessar o uso do crack por medo de perder a guarda dos seus filhos, procurando estratégias para evitar que o uso da droga não fique a cima dos cuidados e do amor aos filhos e família. Eu diminui por que mandaram eu fazer uma radiografia do pulmão e disse que tava por demais o meu pulmão, imagina como não tava os da criança. O médico falou e eu me apavorei, eu disse, não, tem que para, porque tem que para e não consegui parar com tudo. (Dália)

O depoimento de Dália mostra um sentimento de proteção com o seu filho que estava por nascer e ao mesmo tempo, sente-se culpada por estar de alguma forma expondo a criança ou o feto a um ambiente considerado por elas mesmo como inapropriado, admitindo os riscos que isso pode acarretar. Através disto tentativas de proteção são criadas. Paro, já parei! Já parei e não quero mais, não quero, dessa vez é sério mesmo [...] Então agora eu digo não, não vou deixar de tá com a minha filha, na minha vizinha, tomando chimarrão, pra pegar e me enlouquecer numa pedra. (Crisântemo). Vou ter minha casa de novo, se Deus quiser, tô fazendo tudo né, porque eu não quero mais, não quero isso pra mim, eu sei que não vale a pena e não faz bem nenhum. Só faz mal. (Margarida). Ela sempre relata jamais deixar a filha de lado, mesmo no momento em que está sob o efeito da droga, ai sim que ela fica perto, abraça, fica preocupada e não sai da volta. (Diário de Campo, 13/08/2014, Iris).

Estes fragmentos de entrevistas e do diário de campo mostram justamente essa tentativa de enfrentamento de estigmas por mulheres usuárias de crack que vivenciam a maternidade, pois tanto Crisântemo, como Margarida e Íris afirmam estar decididas, mesmo sabendo das dificuldades que é se manter em abstinência, a parar o uso e viver com seus filhos longe do consumo de drogas, que reconhecem como algo que não faz bem, desejando outros momentos ao lado das famílias e amigos. Eu diminui, porque no caso assim eu fumava antes de engravidar, entre dia e noite na base de cem, cento e cinquenta reais, dependendo do dia, as vezes até mais, quando engravidei eu comecei a fumar um pouco menos, pra tentar não prejudicar tanto. (Dama da Noite).

As cinco participantes reconhecem os danos que podiam estar causando aos filhos com o consumo de crack durante a gestação, mas juntamente com este sentimento de culpa, o fato de abandonar o uso por completo também é uma dificuldade muito grande enfrentada por elas. Porém nesses relatos ao reconhecer as possibilidades de danos as suas crianças, elas reduziram o consumo da substância, visando reduzir estes danos, pois manter-se completamente abstinente, para algumas delas, não foi possível.

Esta experiência da maternidade pode ser transformadora na vida de algumas mulheres, inclusive mulheres usuárias de drogas, visto que a gestação pode influenciar de forma positiva algumas atitudes, entre elas, a redução significativa do padrão de uso e por vezes até a interrupção total do consumo, como consequência da nova situação em que esta mulher se encontra. É eu sentia culpa, sentia tudo de ruim, eu senti uma depressão. Ela nunca viu eu usar, só que era aquela coisa, quando parece que falta um motivo a mais pra ti querer parar de usar [...] Só que a gente fazia as coisas tudo assim e depois fica no arrependimento entendeu? Na gravidez eu usei, o vicio falou mais alto, mas de noite eu botava minha cabeça no travesseiro e pensava assim, poxa mas eu queria ter outro filho pra parar e olha o que eu tô fazendo com esse pobre inocente [...] tanto é que eu tava com medo e preocupada que eu peguei e lá no hospital eu falei [...] A assistente social, veio conversar ai eu peguei e disse, eu pensei vou falar agora e se a criança nascer com algum problema eles vão saber do que é e então eles vão tratar. (Margarida). Eu tive muito medo de perder a Cinderela, se eu perdesse ela eu não estaria aqui contando essa história, eu estaria na rua, porque ela que é o meu porto seguro (Crisântemo).

Um fator importante relatado por Margarida e Crisântemo é o medo e dúvida constante das mulheres usuárias de drogas, que é a revelação ou não aos serviços de saúde. Assim pra mim foi maravilhoso, a gente os vê nascer, tu sente dor, é uma dor horrível, mas depois que tu pega assim e bota no teu colo e vê que é um pedacinho de gente que é teu, que saiu de ti, é muito emocionante. E eu quando peguei ela parece que reconheceu a minha voz, botaram ela de lado assim, ai eu falei, ah ela é a cara do pai dela, e ela virou, parecia que tava me entendendo, ai eu abençoei ela e disse, tomara que tu seja muito feliz, que a mãe vai te dar toda a sorte do mundo, te ajudar e te cuidar, ai eu peguei e ali eu fiquei muito emocionada. (Crisântemo).

Vergonha e medo são sentimentos comuns entre os usuários de drogas e isto não foi diferente durante esta pesquisa, pois as participantes admitiram em diversos momentos que sabem o quanto o uso de drogas e os usuários são discriminados e estigmatizados pela sociedade e consequentemente excluídos e marginalizados.

A sociedade em geral foca apenas na questão da substância e do consumo, culpando os usuários e reforçando o preconceito que sofrem e fazendo com que se sintam esquecidas não somente pela sociedade, mas pelos amigos, familiares e até mesmo pelos serviços de saúde.

Percebe-se através das experiências relatada por essas mulheres, quão forte é o sentimento de discriminação sofrido pelas mulheres usuárias de drogas e muito mais quando são gestantes ou mães. Sendo constantemente estigmatizadas pela sociedade, que as deixam a margem, considerando-as como pessoas loucas, doentes e irresponsáveis, por não se enquadrarem naquilo que é regulamente imposto e esperado.

 

Discussão

Outro fator que colabora com a exclusão e o estigma dessas usuárias são os serviços que prestam atendimentos aos mesmos e enfrentam grandes dificuldades na prestação destes cuidados, pois também acabam sofrendo grande preconceito por trabalhar em prol de pessoas que são intitulados como perigosos e doentes, muitas vezes dificultando o apoio e parceria realizada pela sociedade ou o poder público com estes serviços(7).

Quando discutimos sobre mulheres usuárias de crack o estigma sobre elas é ainda de maior relevância, por serem vistas pela sociedade como responsáveis por toda a família, através da ideia de serem as principais cuidadoras, assim quando fazem uso de alguma substância, deixam de serem vistas como mulheres respeitadas e automaticamente são vistas como promiscuas e irresponsáveis pelos seus atos(8).

Devido ao consumo de crack muitas mulheres são rotuladas pela sociedade como pessoas irresponsáveis, criminosas, sem condições de cuidar de uma família e que acabam por viver apenas na ilegalidade e na marginalidade, corroborando com a visão deturpada que a sociedade espera das mulheres, aumentando assim cada vez mais o estigma e o preconceito sofrido diariamente pelas usuárias de drogas(9).

Não há apenas um ou dois tipos de estigmas, há vários e um deles é o estigma que se refere a culpa de caráter individual, que transparecem a ideia de fraqueza do próprio indivíduo e que por este motivo são inferidas justamente nos relatos de prisão e doença mental(10).

Muitas mulheres usuárias de crack que vivenciam a experiência da maternidade também enfrentam outro estigma que é a visão da sociedade de que uma mulher usuária de crack não seria capaz de se importar e se preocupar com os seus filhos e que assim jamais seria capaz de amar, criar e educar seus filhos(4).

Observa-se que alguns usuários de crack conseguem manter o seu trabalho e o uso da substância de forma controlada, colocando o uso em determinados momentos do dia da forma que a sua rotina não sofra mudanças com este consumo(11).

Indivíduos que consomem algum tipo de substância, por vezes se posicionam como vítimas da situação e da substância e consequentemente o exercício da maternidade, vivenciado por essas mulheres, acaba por se constituir como um sofrimento, repercutindo fortemente nas suas vidas e no seu papel como mães(4).

Algumas gestantes acabam por procurar tardiamente ou até mesmo não procurar os serviços de saúde, pois acreditam ser necessário estarem somente em abstinência para receber atendimento, devido a discriminação que muitas vezes ocorre por parte dos profissionais ao saberem do uso de substâncias psicoativas(12).

Em contrapartida Margarida e Crisântemo enfrentaram este estigma, apesar de saber do preconceito ao qual poderiam estar sujeitas, fizeram isso em prol dos cuidados e da saúde da sua filha. É extremamente importante este reconhecimento do consumo da substância pela mãe para os profissionais de saúde, pois ajuda a prevenir futuras complicações no momento do parto.

Mulheres usuárias de crack apresentam sentimentos de culpa ao descobrir a gestação, relatando tentativas sem sucesso de parar com a substância. Este consumo faz com que as mulheres usuárias que vivenciam a maternidade, desenvolvam sentimentos de culpa, visto que sabem, na maioria das vezes, que suas atitudes podem acarretar danos ao feto. Ficam divididas em dois cenários, como a possibilidade de gerar um filho dentro de si e a dúvida entre assumir ou não a responsabilidade deste novo ser que estar por nascer(2).

No período gestacional algumas mulheres relatam vontade de diminuir ou parar o uso do crack, sendo a gestação uma oportunidade de mudança nas suas rotinas e modo de vida(4).

Este contato entre mãe e filho desde o primeiro momento é de suma importância para estimular uma mudança positiva na vida da mãe, isto explica a importância da relação entre a mãe e seu filho, que proporciona sensação de segurança à criança e favorece o crescimento do afeto(13).

Pensando em todo o preconceito que uma pessoa que se desvia da regra passa, ou seja, como os indivíduos que não seguem a ordem ou não se deixam controlar da maneira que a sociedade deseja, não se deixando domesticar como a sociedade impõe, são tratados, reexaminamos os conceitos de estigmas e também o de identidade social.

Assim, deve-se pensar nos diversos aspectos de uma pessoa que é estigmatizada por algum comportamento desviante, ressaltando o quanto estes indivíduos são negados pela sociedade, justamente por estarem fora da ordem social exigida, por não se enquadrarem em padrões estabelecidos e não pertencerem aos grupos considerados como "padrões"(10).

O estigma pode levar uma pessoa ao sofrimento e a dor, até mesmo a uma manipulação de sua identidade, pois o preconceito leva a se envergonhar de sua condição e do estigma que acaba carregando, muitos indivíduos acabam mudando o seu comportamento para fugirem do estigma que a sociedade os coloca, empregando assim técnicas adaptativas, tentando reduzir o estigma e preconceito para que possam ser aceitos e assim facilitem a sua convivência com os demais(10).

O apoio social é extremamente importante para que não somente a mulher usuária de drogas, mas para que todos os usuários consigam quebrar o estigma que os deixam em situação de minoria, pois muitas vezes o que os usuários buscam é exatamente a reestruturação das relações, até mesmo para o enfrentamento do uso.

Os serviços de saúde e toda a rede de apoio social devem ser primordiais na atenção aos usuários de drogas e devem ser voltadas ao cuidado integral e humanizado, assim como na criação de vínculos com o usuário, facilitando e garantindo o acesso e permanência no serviço e principalmente garantindo o acolhimento em todos os momentos que a pessoa necessitar do atendimento, até mesmo nos momentos de crise(2).

Os determinantes culturais e sociais influenciam diretamente nestes processos, o ambiente sócio cultural em que estas mulheres estão incluídas exerce um forte poder nas suas experiências, relações e vivências.

A cultura permeia todas as relações e por este motivo deve sempre ser considerada, por isso a importância de retirar o olhar apenas da substância e pensar mais na pessoa que esta por trás da droga e no seu contexto de vida, tentando diminuir o estigma e o preconceito que as distanciam de serem ouvidas e respeitadas pela sociedade.

 

Conclusão

Mulheres usuárias de drogas, em especial quando consomem crack e ainda estão gestantes ou já são mães, são continuamente desrespeitadas, estigmatizadas e vistas como pessoas que não são capazes de cuidar de si mesma e muito menos de uma criança, pois o olhar da sociedade sempre recaí sobre a substância e dificilmente o usuário e o seu contexto sócio cultural são levados em consideração.

Nesta pesquisa percebe-se o quanto as participantes enfrentam dificuldades para criar seus filhos e o quanto o contexto de vida dessas mulheres é permeado por diversos fatores que estão diretamente interligados neste processo.

É necessário se investir em mais espaços que possam ser produtores de cuidado, bem como na formação de profissionais que consigam enxergar o usuário dentro de sua totalidade e de suas especificidades, principalmente no caso destas mulheres, que carregam uma carga muito grande de preconceitos e estigmas devido ao fato de tentarem vivenciar a maternidade juntamente com o uso de drogas.

A experiência da maternidade destas mulheres usuárias de crack pode ser experimentada e vivenciada assim como em qualquer outra mulher que não faça este uso, pois sentimentos como anseios, preocupações, insegurança e angústias podem ser experimentados por todas gestantes e não apenas por usuários de drogas.

Em contrapartida mulheres usuárias de drogas, além destes sentimentos inerentes da condição feminina, ainda precisam enfrentar o preconceito e o estigma da sociedade, que as julgam incapazes de exercer o papel de mãe, sofrendo muitas vezes com a exclusão social, além de enfraquecimento nas relações que estas têm estabelecidas. Estas mulheres devem enfrentar os estigmas que são colocados e viver suas experiências sem anseios e exclusão.

 

Referências

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Recebido: 22.11.2016
Aceito: 27.10.2017

Autor de correspondência:
Paola de Oliveira Camargo
E-mail: paolacamargo01@hotmail.com

 

 

* Artigo extraído de dissertação de mestrado "A visão da mulher usuária de cocaína crack sobre a experiência da maternidade: vivência entre mãe e filho", apresentada à Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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