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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.5 n.2 Rio de Janeiro dez. 2005

 

RESENHA

 

Os caminhos filosóficos do amor

 

The philosophical ways of the love

 

 

Leandro Castro Oltramari*

Universidade do Vale do Itajaí
Universidade do Sul de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 

Este livro foi escrito pela professora Maria de Lourdes Borges, que é docente do curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina, e se coloca um grande desafio, qual seja discutir um dos fenômenos mais difíceis de definição de que temos notícia: o amor. Em nossos dias, talvez nunca se tenha indagado tanto sobre para onde estão caminhando as relações amorosas. É bem verdade que talvez ninguém saiba muito bem se estas relações vão a algum lugar, mas, nos últimos tempos, têm proliferado inquietações como estas, as quais têm resultado em manuais de sobrevivência para os relacionamentos afetivos, como namoros, casamentos, ou seja, relacionamentos a dois.

Maria de Lourdes Borges é bastante audaz quando discute sobre o amor, pois sua perspectiva não parte de uma psicologia de “estantes de auto-ajuda”, mas sim de uma discussão filosófica sobre o assunto. Ela inicia fazendo uma abordagem sobre a clássica obra de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, que, segundo afirma, foi a causadora de inúmeros suicídios no século XVIII. O livro trata da dor de um amor não correspondido, assunto que talvez dificilmente alguém não saiba o que seja. Talvez por isso a referida obra tenha tido tanto sucesso em sua época.

A autora faz inquietantes colocações sobre o porquê da necessidade de fazer uma discussão para explicar racionalmente aquilo que se sente tão intensamente quanto o amor. Ela irá explicar os três tipos de amor, tendo como ponto de partida os gregos: Eros, philia e caritas. O amor Eros é, com certeza, o mais conhecido e o de maior sucesso, tanto na literatura quanto nas populares novelas. Este amor é originado, segundo aponta, de Platão e lembra o amor romântico. O amor Eros é aquele ligado à falta, ou seja, ao sofrimento. Neste ponto, vale ressaltar a obra de Denis de Rougement (2003), intitulada História do amor no Ocidente, que trata de forma muito interessante sobre a constituição do amor no mundo ocidental.

Borges fala, ainda, sobre o outro amor, chamado de philia, que está próximo àquele definido por Aristóteles e é percebido como o que tem um desejo de partilhar a companhia do outro, principalmente se for através da virtude. É querer o bem do outro. Algo que nos parece difícil nos dias atuais. Este modelo de amor, podemos dizer, seria um modelo spinoziano, segundo Borges. No amor, para Spinoza, não existe falta nem necessidade de um outro ser amado e de se unir a ele. O amor está atrelado à alegria da existência do outro, mesmo que a ele não se esteja unido. Ou seja, um amor quase altruísta. A pessoa é feliz porque o amado existe. Por último, ela cita o amor ágape ou caritas. Este está mais próximo da philia. É um amor que está atrelado ao bem do outro, muito próximo do humanismo cristão.

A partir de então, a autora faz uma análise sobre como os filósofos analisarão o amor a partir de sua fórmula mais conhecida, e mais contundente, o amor/Eros. Ela começa citando a obra O Banquete, de Platão, que é um elogio ao amor, principalmente ao amor que se estrutura sobre a virtude. Os filósofos, n’O Banquete, dizem que nada pode ser censurado se for para elevar a virtude do amor, mesmo se depender da humilhação. Borges exemplifica, de forma brilhante, através de uma fala de Sócrates, as origens mitológicas do amor. Segundo Sócrates, o amor é filho de Pênia, a pobreza, e Poros, o esperto. Pênia, deitando-se ao lado de Poros, que estava embriagado em um jardim, concebe o filho Eros, que possui características dos pais. Portanto, o amor é, por um lado, “pobre, rude e sujo como sua mãe, vivendo a mendigar de porta em porta”; por outro, é “astuto e trama estratagemas e maquinações”. Assim, a “essência do amor é fazer a ponte entre o humano e o divino” (p.15). Ainda assim, a autora afirma que o amor “é a busca pela sua metade perdida, busca que evidencia a carência constitutiva de sua pobreza intrínseca” (p. 15).

Vale a pena lembrar, como já relatado anteriormente, o exemplo do livro de Rougement. Para este autor, o romance que melhor ilustra o sentimento amoroso descrito acima é a obra de Tristão e Isolda. Neste romance, citado por Borges, o amor é uma doença da alma, doença que os doentes decidem contrair. Existe a caracterização de que o amor é algo ao qual a pessoa está condenada, pois nele Isolda fornece a Tristão uma poção mágica. Ele, desta forma, apaixona-se perdidamente e ambos não podem ficar sequer longe um do outro, sobre pena de morrerem de amor. O desfecho da obra garantiu o seu sucesso, ao melhor estilo consagrado posteriormente por Shakespeare: os dois amantes morrem ao final.

A obra Tristão e Isolda acabou se tornando um marco dentro da história romântica universal e, pelo que se percebe, como assinala Borges, o amor Eros, tão difundido pela literatura universal, tem ainda hoje feito suas vítimas - todos aqueles que sofrem por amor. Segundo declara, o amor romântico é aquele no qual nunca haverá a correspondência, portanto o sofrimento é algo intrínseco a ele. Porém, Borges não se priva também de levantar outras hipóteses sobre o amor, hipóteses estas que vão além das especulações metafísicas. Ela discute sobre a duração do amor, a partir da Fisiologia, pois os estudos contemporâneos revelam que o êxtase amoroso dura cerca de 18 meses a 3 anos, em decorrência de uma substância chamada “feniletilamina”, que seria ligada ao sentimento de estar gostando de alguém. É interessante que três anos é o prazo de validade da poção que Isolda dá a Tristão. Pois, então, seria uma infeliz coincidência?

A autora traz passagens interessantes que, para os “não-experts” em Filosofia, causarão surpresas. Primeiro, a preocupação de determinados autores com a temática e, segundo, as reflexões feitas por estes autores. Ela afirma, por exemplo, que, para Hegel, as pessoas não desejam o outro, mas sim “o desejo do outro” (p.18). Posteriormente, irá comentar a posição dos estóicos sobre o amor. Estes se assombravam com o amor, pois procuravam a virtude, a qual estava na “tranqüilidade da alma”. Para os estóicos, o sofrimento e o prazer no amor são faces da mesma moeda. Nada bom para quem procurava a virtude e a calma para filosofar. Mais adiante, Borges cita Descartes e suas “paixões da alma”, que seriam a oportunidade para que as duas substâncias que compõem o ser humano - a res cogitans e a res extensa – pudessem se unir. A autora lembra que Descartes parte de uma teoria do século XVII, a qual explica que a interação da alma e do corpo se fazia “através de fluidos chamados espíritos animais” (p.28). Por isso, para ele, não é possível ter controle sobre as paixões.

Borges vai ainda passando por outros autores, como Kant, que defende o amor/caritas e faz uma crítica ao amor/Eros. Para isso, ele faz uma distinção entre o amor-afeto e o amor-paixão, valorizando mais o primeiro do que o segundo. Para Kant, o amor apenas é possível porque existe uma desigualdade entre aqueles que amam.
Depois de discutir os preceitos filosóficos, a autora ainda tem tempo de lembrar os aspectos cognitivos e fisiológicos do amor, fazendo assim um rápido levantamento sobre a relação existente entre as emoções e as mudanças comportamentais, quando então ela define como alguns autores entendem a relação entre mudanças corporais e paixões. Ela faz referência a teorias que têm, de certa forma, citado este tipo de relação: dentre elas, está a “teoria dos sentimentos” e a “teoria da atitude proposicional”.

A teoria dos sentimentos “diria que emoções são experiências introspectivas, caracterizadas pela qualidade e intensidade” (p.42). Já a teoria da atitude proposicional, de Solomon, defende que as emoções são juízos de valores não verbais. Esta teoria indica que sentimos emoções como o prazer por coisas de que gostamos e que apreciamos, assim como sentimos raiva ou ódio por coisas que sentimos como sendo más. Em uma perspectiva evolucionista, as explicações sobre as emoções revelam que elas aparecem de forma súbita, sem que se consiga controlá-las. Isto porque, nesta visão, os impulsos de emoções são necessários para a resolução rápida de decisões, como, por exemplo, fugir de uma situação adversa.

Ao final da obra, a autora faz uma brilhante colocação para todos aqueles que algum dia já sofreram, sofrem ou sofrerão do que chamamos amor. No apêndice, apresenta uma seleção de textos, como “Tristão e Isolda”, “As paixões da alma”, de Descartes, “Antropologia do ponto de vista pragmático”, de Kant, “Fenomenologia do espírito”, de Hegel, “Strong Felings”, de Jon Elster.

Após ler o livro, poder-se-ia ter quase a sensação da leitura de mais um destes manuais best sellers de auto-ajuda com tom filosófico, tão comum nesta modernidade tardia. Mas não é isto que o leitor sente. A sensação é que a pergunta continua sem ser respondida. Por que se ama e por que o amor nos alegra ou nos torna infelizes? Bom, talvez esta seja uma resposta que apenas os amantes tenham para nos dar, mas, com certeza, essa obra fornece bons caminhos para pensar sobre o assunto.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ROUGEMENT, Denis de. História do amor no Ocidente. 2 ed. São Paulo: Ediouro, 2003.

BORGES, M. L. Amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: leandro@cfh.ufsc.br

Recebido em: 05/10/2005
Aceita para publicação em: 16/11/2005

 

 

NOTAS

* Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Mestre em Psicologia/UFSC e doutorando do Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas/UFSC.

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