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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2022  Epub 17-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2022.66450 

PSICOLOGIA SOCIAL

Responsabilização ou Punição: Violações de Direitos na Medida Socioeducativa de Internação

Liability or Punishment: Violations of Rights in Socio-Educative Measure of Confinement

Responsabilizacion o Castigo: Violaciones de Derechos en la Medida Socioeducativa de Internacion

Cibele Soares da Silva Costa1 

Psicóloga, graduada pela Universidade Federal da Paraíba, Mestra e doutoranda no Programa de Pósgraduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba.


http://orcid.org/0000-0002-7004-2818

Maria de Fatima Pereira Alberto1 

Pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Titular do Departamento de Psicologia e do Programa de PósGraduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba.


http://orcid.org/0000-0003-2515-9571

Erlayne Beatriz Félix de Lima Silva1 

Psicóloga. Mestra em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


http://orcid.org/0000-0002-3380-2881

1Universidade Federal da Paraíba - UFPB, João Pessoa, PB, Brasil


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as violações de direitos na vida de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de internação. Foi realizada uma pesquisa com dez jovens que cumpriam medida socioeducativa de internação em uma cidade do estado da Paraíba. Utilizou-se uma entrevista aberta individual abordando o cotidiano dos jovens na unidade de internação. Os dados foram analisados a partir da Análise Temática de Conteúdo, organizados na classe temática Violações de direitos durante o cumprimento da medida socioeducativa, com as respectivas categorias: Violência física e psicológica, Enclausuramento, Superlotação, Negligência, Consequências da medida disciplinar e Revista íntima vexatória. Conclui-se que o cumprimento da medida socioeducativa de internação se caracteriza pela permanência da cultura punitiva, evidenciando a necessidade de um projeto pedagógico que norteie as ações nas unidades e as atividades de todos os profissionais que atuam nas instituições de medidas socioeducativas, e que efetive a garantia de direitos dos jovens.

Palavras-chave: medidas socioeducativas; violação de direitos; juventude.

ABSTRACT

This article aims to analyze violations of rights in the lives of young people in fulfillment with socio-educative measures of confinement. A survey was conducted with ten young people who fulfilled socio-educational measures of confinement in a city in the state of Paraíba. An individual unstructured interview addressing the daily life of young people in the confinement unit was used. The data were analyzed from the Thematic Content Analysis, organized in the thematic class Violations of rights during the fulfillment of the socio-educational measure, with the respective categories: Physical and psychological violence, Enclosure, Overcrowding, Neglect, Consequences of disciplinary action and Vexatious intimate search. It was concluded that fulfillment with the socio-educative measure of confinement has been characterized by the permanence of punitive culture related to the absence of activities based on the pedagogical dimension, evidencing the need for a pedagogical project that guides the actions in the units and the activities of all professionals who work in the institutions of socioeducational measures, and that effectively guarantees the rights of young people.

Keywords: social-educational measures; violation of rights; youth.

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar las violaciones de los derechos en la vida de los jóvenes en cumplimiento de las medidas socioeducativas de internación. Se realizó una encuesta con diez jóvenes que cumplen medida socioeducativa de internación en una ciudad del estado de Paraíba. Se utilizó una entrevista individual abierta para abordar la vida cotidiana de los jóvenes en la unidad de internación. Los datos se analizaron a partir del Análisis de contenido temático, organizados en la clase temática Violaciones de derechos durante el cumplimiento de la medida socioeducativa, con las respectivas categorías: violencia física y psicológica, encierro, enclaustramiento, negligencia, consecuencias de la medida disciplinaria y revista vejatoria íntima. Se concluye que el cumplimiento de la medida socioeducativa de internación se ha caracterizado por la permanencia de la cultura punitiva, evidenciando la necesidad de un proyecto pedagógico que oriente las acciones en las unidades y las actividades de todos los profesionales que trabajan en las instituciones de medidas socioeducativas, y para garantizar los derechos de los jóvenes.

Palabras clave: medidas socioeducativas; violación de derechos; juventud.

Este artigo tem como objetivo analisar as violações de direitos vivenciadas por jovens que estavam cumprindo medida socioeducativa de internação. A responsabilização dos jovens pelos atos infracionais passou por mudanças na história do Brasil com legislações que, anteriormente, tratavam da identificação de uma situação irregular em que crianças e adolescentes eram encaminhados a instituições com práticas repressivas e punitivas (Figueiró, Minchoni, & Mello, 2014). Somente após a abertura democrática e a organização dos movimentos sociais foram incluídos os direitos das crianças e adolescentes na Constituição Federal de 1988. Dois anos após foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069, 1990) - estabelecendo a proteção integral a todas as crianças e adolescentes.

O ECA institui o paradigma da proteção integral a partir de um sistema integrado de garantia de direitos baseado na perspectiva dos direitos humanos de crianças e adolescentes, a partir das quais as ações do Estado e intervenções públicas devem ser formuladas e executadas, objetivando a garantia do pleno desenvolvimento desses sujeitos (Oliveira, 2014). A instituição desse paradigma na legislação brasileira atende aos marcos legais internacionais de direitos humanos como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), as Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (ONU, 1985), as

Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (ONU, 1990a) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (ONU, 1990b).

A partir desse paradigma, crianças e adolescentes são considerados como sujeitos de direitos, vivenciando uma condição peculiar de desenvolvimento na qual devem ser garantidos o desenvolvimento físico, mental, moral e social em condições de dignidade, devendo ser protegidos de qualquer tipo de exploração, negligência, violência e discriminação. Esse paradigma destina-se a todas as crianças e adolescentes sem distinção de sexo, cor, religião, deficiência e condição econômica (Lei n. 8.069, 1990). Desse modo, tanto as medidas de caráter protetivo quanto as medidas de responsabilização dos jovens que praticam atos infracionais devem cumprir com a proteção e promoção dos direitos humanos fundamentais, coibir e denunciar qualquer tipo de violação de direitos.

No que se refere à responsabilização dos jovens pela prática de atos infracionais, no ECA foram determinadas as medidas socioeducativas (MSE), sendo estas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional. Sendo verificada a autoria do ato infracional, a autoridade competente pode aplicar, associadas às MSE, medidas protetivas previstas no artigo 101 da referida lei quando identificadas situações de ameaça ou violação de direitos aos jovens (Lei n. 8.069, 1990).

As medidas socioeducativas foram posteriormente regulamentadas por meio do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) através da Lei n. 12.594 (2012). O Sinase trata de um tipo específico de política de atendimento à juventude: a política de socioeducação. A aprovação da lei do Sinase representou significativos avanços no que diz respeito ao atendimento do jovem em cumprimento de medidas socioeducativas, estabelecendo diretrizes pedagógicas que fundamentam o atendimento socioeducativo (Oliveira, Oliva, Arraes, Galli, Amorim, & Souza, 2015). No entanto, esses autores apontam que, apesar dos progressos do Sinase, a lei não especificou a forma como ocorreria a responsabilização por meio de uma conceituação teórica e metodológica do termo socioeducação, consequentemente se expressando em contradições na relação entre aplicação da sanção e a execução dos aspectos pedagógicos do atendimento.

As diretrizes pedagógicas presentes no Sinase têm como base a prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente sancionatórios, afirmando a existência de um duplo caráter em que deve sobressair a execução de atividades socioeducativas, de garantia de direitos e exercício da cidadania; a existência de um projeto pedagógico como ordenador das ações e da gestão socioeducativa com base nos princípios do Sinase, a participação dos jovens na construção e no monitoramento e avaliação das ações realizadas, o respeito à singularidade do jovem, a presença socioeducativa e a exemplaridade dos profissionais que atuam na política de socioeducação, compreensão e respeito por parte dos profissionais no atendimento socioeducativo, a dinâmica horizontal e a disciplina norteada por parâmetros pedagógicos com regras claras e definidas (Secretaria Especial dos Direitos Humanos & Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2006). Essas diretrizes foram estabelecidas buscando-se propiciar aos jovens o acesso e a garantia de direitos por meio de um conjunto de ações e políticas articuladas visando promover o desenvolvimento destes (Faermann & Nogueira, 2017).

Neste artigo foi considerada a medida socioeducativa de internação definida pelo ECA como a medida mais grave em relação às demais MSE. Sua aplicação se dá em três situações: quando o ato infracional praticado ocorreu com grave ameaça ou violência à vítima, na reiteração de outros atos infracionais graves, e em razão do descumprimento de outras medidas socioeducativas anteriormente aplicadas. A aplicação da MSE de internação está sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e ao respeito à condição peculiar de desenvolvimento do jovem, com observância e garantia dos direitos humanos fundamentais (Lei n. 8.069, 1990).

A internação é considerada como a MSE mais gravosa por se caracterizar pela privação de liberdade do jovem, não podendo exceder o tempo máximo de três anos. Neste período devem ser garantidos aos jovens todos os direitos fundamentais para o seu pleno desenvolvimento. Para isso, as entidades e programas de atendimento devem oferecer estrutura física adequada, equipe técnica qualificada e articulação com as demais políticas para assegurar o direito à escolarização, saúde, profissionalização, convivência familiar, esporte, cultura e lazer (Souza & Costa, 2012). Diante do descumprimento desses direitos ou verificada a ocorrência de violações, o ECA e o Sinase estabelecem a responsabilização dos gestores e entidades executoras, por meio de sanções administrativas e criminais (Alencar, 2014).

Apesar das limitações inerentes às condições de execução da medida socioeducativa de internação, todos os direitos dos jovens devem ser garantidos durante o período de cumprimento da MSE. No entanto, na prática, ao observar a aplicação da MSE de internação, verificam-se vários entraves à efetivação desta política enquanto garantidora de direitos (Faermann & Nogueira, 2017).

De acordo com Oliveira et al. (2015), apesar do Sinase determinar que as medidas socioeducativas devem ser realizadas com base em princípios pedagógicos, existe uma falta de compreensão acerca de como devem ser executados tais princípios e sobre a intencionalidade das MSE. Como consequência, tais lacunas abrem espaço para a permanência de práticas repressoras nas unidades socioeducativas de internação. Paiva, Gomes e Valença (2016), ao analisarem as violações de direitos humanos aos jovens em cumprimento de MSE no estado do Rio Grande do Norte, identificaram que essas se caracterizam como graves e recorrentes. Segundo esses autores, as unidades de MSE ainda operam segundo a lógica menorista, destinando um tratamento violento aos jovens e seus familiares. Apontam que, contrariando o Sinase, as unidades se encontram em condições inadequadas para receber os jovens que irão cumprir MSE, a exemplo da insalubridade das instituições, insuficiência de profissionais associada ainda à precarização das condições de trabalho destes, frequentes intervenções policiais repressivas e tortura.

Observa-se que a utilização da revista íntima vexatória nas unidades de meio fechado ainda se faz presente, sendo realizada por meio de um procedimento de inspeção nas mulheres e homens que vão visitar os jovens, caracterizada pelo ato de despir-se e agachar-se na presença de um profissional da instituição, cujo objetivo é impedir a entrada de celulares, drogas, etc. (Andrade & Barros, 2018). Além da revista pessoal, os objetos portados pelos visitantes também são submetidos à inspeção. Esse procedimento causa constrangimento aos familiares dos jovens, principalmente porque, na maioria das vezes, as visitas são realizadas pelas mães e companheiras dos jovens (Gomes & Conceição, 2014; Medeiros & Paiva, 2015).

Outro aspecto significativo na execução das MSE se relaciona com a ausência ou insuficiência da aplicação e garantia de medidas protetivas aos jovens. Sobre esse aspecto, Jacobina e Costa (2011) analisaram o monitoramento da execução de MSE nos prontuários de jovens, identificando que o acompanhamento da medida socioeducativa por parte das instituições do sistema de garantia de direitos se refere às práticas de controle em que se busca verificar situações de descumprimento por parte do jovem e que não eram realizadas supervisões sobre a efetividade ou condições de execução da medida socioeducativa ou ações de efetivação de direitos.

Em relação à execução da MSE nas unidades de internação, Faermann e Nogueira (2017), ao analisarem o atendimento socioeducativo nas unidades, apontaram que os profissionais contratados não possuem a qualificação necessária para o desempenho dessas funções e defendem a existência de capacitações permanentes para o exercício do trabalho socioeducativo. Ao tomar como base os relatos de jovens em cumprimento de MSE de internação, denunciando as violências físicas e psicológicas sofridas, as constantes humilhações a que são submetidos os jovens e seus familiares, esses autores verificaram que as práticas recorrentes nas unidades ainda variam entre práticas assistencialistas e repressoras.

Dados semelhantes foram encontrados por Lúcio (2018) ao analisar as principais violações de direitos em uma unidade de MSE de internação na Paraíba, identificando, a partir de entrevistas com os jovens e de relatórios de inspeção, superlotação, maus tratos aos jovens e seus familiares, insuficiência de atividades pedagógicas, culturais e profissionalizantes, além de problemas na escola da unidade. Essas violações possuem um caráter estrutural que configura a medida de privação de liberdade, assemelhando-a aos ambientes prisionais, cujo foco da medida socioeducativa não tem sido promover educação, mas apenas de manter a segurança (Souza & Costa, 2012).

Faermann e Nogueira (2017) discutem ainda a importância do tratamento destinado aos jovens por parte dos profissionais que atuam nas unidades de MSE. Segundo esses autores, este deve pautar-se em uma perspectiva pedagógica emancipatória, baseada em uma relação empática e de respeito. No entanto, o que se verifica são ações autoritárias e disciplinarizadoras baseadas na submissão e obediência dos jovens às regras institucionais, nas quais o descumprimento implica em uma nova punição. Costa e Alapanian (2013) também verificaram esses elementos ao analisarem o trabalho do educador social na socioeducação no estado do Paraná, identificando a indefinição da função desse profissional, que recebe diferentes nomenclaturas, a exemplo de agentes socioeducadores. Como consequência da indefinição das características da função, esses profissionais são contratados sem que haja a escolha por uma formação específica, apresentam experiências profissionais anteriores heterogêneas, nos quais há prevalência do histórico de cargos na área de segurança, como agentes penitenciários, policiais militares e seguranças do setor privado.

Paiva, Gomes e Valença (2016) analisam que as dificuldades em cumprir as determinações do ECA e do Sinase quanto ao trabalho socioeducativo nas unidades relacionase com a manutenção de uma cultura prisional, nos quais são observadas a aplicação de regras similares, percebendo-se a existência de superlotação nas unidades de internação, e permanente exposição à violência (Zappe & Dias, 2011), o que, por sua vez, interfere na possibilidade de execução de um trabalho socioeducativo que possa ofertar formação educacional e profissional aos jovens.

Tais condições são reflexos da falta de investimento na política de socioeducação, que implica na existência de um número insuficiente de profissionais em relação à alta demanda, comprometendo a qualidade dos atendimentos que tem se realizado a partir de aspectos ora burocráticos, restritos à elaboração de documentos ao judiciário, ora por práticas imediatistas, visando atenuar os constantes conflitos decorrentes da dinâmica institucional (Oliveira, FélixSilva, & Mascimento, 2014; Oliveira et al., 2015; Scisleski, Bruno, Galeano, Santos, & Silva, 2015). O desinvestimento nesta política, tanto no que se refere à manutenção das unidades de MSE, quanto nas demais políticas que formam o sistema socioeducativo, colaboram para a composição de um quadro nacional de precarização do atendimento socioeducativo (Conselho Nacional do Ministério Público, 2013; Medeiros et al., 2014).

A ausência de investimentos na política de socioeducação compõe o cenário de precarização de todas as políticas sociais no capitalismo, acentuadas no contexto neoliberal, sendo essas compreendidas como respostas ou modos de enfrentamento às expressões da questão social, organizadas como forma de proteção e controle social frente às relações de exploração do capital sobre o trabalho (Behring & Boschetti, 2011). As políticas sociais representam as relações de disputas entre as necessidades da sociedade e o estado, sendo que este se utiliza de estratégias de controle em que se reproduzem as condições para a manutenção da ordem (Woicolesco & Figueiredo, 2017).

Considera-se o ato infracional com uma das novas expressões da questão social (Iamamoto, 2008), que se caracteriza pelo conjunto de manifestações das desigualdades sociais, resultantes das contradições do processo de acumulação capitalista que produzem contextos de vulnerabilidade e são acompanhados da ausência ou ineficácia das políticas sociais de proteção. Nas últimas décadas, a questão social incorporou novos aspectos associados às condições econômicas, como a perda dos direitos sociais e do exercício da cidadania, a fragilidade dos vínculos familiares e comunitários, a estigmatização cultural, racial e sexual e, por isso, a questão social vem se expressando de maneira ainda mais aguda, por meio da violência estrutural e cotidiana, e pela desproteção social que atinge de forma intensa crianças, adolescentes e jovens, principalmente pobres e negros (Beretta, 2010)

Ao considerar o contexto e as condições objetivas de vida dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa e as outras expressões da questão social, amplia-se a análise para as mediações que levaram estes jovens a executarem o ato infracional. Diante de um cenário de negação de direitos e invisibilidade social, outras estratégias de sobrevivência e pertencimento ganham força na vida dos jovens, como a inclusão em outros espaços marcados por risco social. As violências estruturais, institucionais e cotidianas representam a expressão mais aguda da questão social, e o ato infracional é considerado como parte da engrenagem social marcada pela exclusão e violência decorrentes do capitalismo contemporâneo que atingem jovens e suas famílias (Beretta, 2010).

A juventude analisada nesse artigo é compreendida como um período do desenvolvimento com suas próprias necessidades e interesses, atravessados pelos determinantes da questão social, e demanda por políticas públicas específicas de trabalho, educação e assistência, acesso a determinados bens sociais e exercício dos direitos e da cidadania e com maior participação social (Trancoso & Oliveira, 2014). No entanto, o Estado destina apenas gastos residuais às políticas sociais, privilegiando os interesses econômicos em detrimento da garantia plena dos direitos sociais, o que traz consequências para a juventude, principalmente para a parcela que se encontra em situação de vulnerabilidade decorrente da desigualdade social.

A juventude pobre foi sendo visibilizada através do status de problema social, em que a pobreza, o aumento da violência e o uso de drogas foram identificados como marcas de uma determinada juventude, enquanto as ações realizadas pelo Estado como forma de combater essas expressões são realizadas por meio da contenção e da repressão, principalmente por meio de internações de jovens em instituições fechadas (Scisleski, Reis, Hadler, Weigert, & Guareschi, 2012). Para Silva (2010), esse conjunto de violências estruturais, institucionais e cotidianas que se expressam na vida de crianças e adolescentes por meio da ausência de políticas educacionais, de saúde, de cultura, esporte e lazer, bem como o aumento da repressão e encarceramento por parte do Estado configuram o chamado controle sociopenal juvenil. Assim, as medidas socioeducativas acabam por se caracterizar como uma forma de controle sociopenal juvenil que corresponde a um modo de controle das expressões da questão social, ou seja, formas de controle social que correspondem a determinados interesses de classes e que se modificam ao longo da história de acordo com os interesses de quem ocupa o poder (Silva, 2010).

Diante do exposto, parte-se do pressuposto, que apesar das mudanças legislativas do ECA e do Sinase e do estabelecimento de princípios pedagógicos norteadores das MSE, a medida socioeducativa de internação apresenta limitações no cumprimento de seus objetivos, pois além de privar os jovens da liberdade, os têm privado de seus direitos, reproduzindo a estratégia de controle sociopenal juvenil como expressão de controle da questão social.

Método

Participantes

Participaram dessa pesquisa dez jovens que estavam em cumprimento de medida socioeducativa de internação em uma unidade de meio fechado no estado da Paraíba. A escolha dos participantes foi feita pelo critério de conveniência, pois o acesso aos jovens se deu a partir da autorização dos diretores da unidade. Em seguida, foi apresentado o objetivo da pesquisa para os dez jovens que aceitaram participar das entrevistas. A idade dos jovens variou entre 15 e 17 anos, com tempo de cumprimento da MSE de um a dois anos.

Instrumento

Foi utilizada uma entrevista aberta individual. A entrevista foi feita a partir de uma pergunta geradora sobre o cotidiano dos jovens na instituição de internação, e ao tratarem das atividades realizadas e sobre a rotina, possibilitaram a identificação da presença de violações de direitos durante o cumprimento da MSE.

Procedimentos

A pesquisa atendeu a todos os preceitos éticos pertinentes às Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, tanto no que diz respeito à carta de anuência da instituição quanto à assinatura do Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e à submissão ao comitê de ética apreciado com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 51438715.4.0000.5188.

Análise dos Dados

As entrevistas foram transcritas e analisadas com base na Análise de Temática de Conteúdo (Minayo, 2014), seguindo as etapas de Leitura flutuante, Constituição do corpus de análise, Classificação e Categorização do material e Tratamento e interpretação dos dados categorizados. A análise do conjunto das entrevistas foi guiada pelo critério da identificação da presença dos temas relacionados às Violações de direitos durante o cumprimento da MSE, e a partir disso, as categorias temáticas foram nomeadas a posteriori. Os temas que deram origem às categorias temáticas foram organizados de acordo com a presença desses elementos no cotidiano dos dez jovens entrevistados. Ao tratar o cumprimento da MSE de internação, os jovens apontaram as violações existentes nas atividades de rotina na unidade, abordando a forma de tratamento dos profissionais, a estrutura física e impedimentos decorrentes da privação de liberdade.

Resultados e Discussão

A análise temática do conjunto das entrevistas permitiu identificar as violações de direitos sofridas durante o cumprimento da MSE as quais foram organizadas nas categorias: Violência física e psicológica; Enclausuramento; Superlotação; Negligência; Consequências da medida disciplinar; e Revista íntima vexatória.

Na categoria Violência física e psicológica, os jovens relataram que alguns profissionais que trabalham na unidade de MSE agem com violência física e psicológica no cotidiano da instituição, e que sofrem com a omissão por parte dos atores que deveriam garantir-lhes a proteção, pois os jovens não são encaminhados pela instituição para a realização do exame de corpo de delito quando sofrem agressões. Dessa forma, os autores da violência não são responsabilizados, como assinala um dos jovens:

Bate em nós e passa um pano por cima e acabou-se, se ficar roxo... hematoma, perdeu a visita. Só vai pra visita quando ficar melhor... Falar tantinho assim, grita muito com a gente (...). Pra fazer corpo de delito... se ficar roxo, aí nossa mãe vai no juiz e fala "quebraram meu filho lá e ficou com hematoma, eu vou correr atrás do corpo de delito". O juiz e o diretor: “aconteceu nada não, acabou”. (Jovem 2, 17 anos)

As violências físicas e psicológicas relatadas pelos jovens dessa pesquisa não se limitam apenas à unidade de MSE visitada, pois tais agressões são constatadas em outros estudos sobre a MSE de internação, tal como discutido por Paiva et al. (2016) e Lúcio (2018). Essas situações são reflexo da cultura punitiva que caracteriza as instituições de MSE, principalmente em relação à medida de internação, que não tem se diferenciado das unidades prisionais.

As situações de violência aqui analisadas foram apontadas como realizadas por um grupo específico de profissionais: os agentes socioeducativos. Podemos observar que os dados analisados se relacionam com a literatura sobre a atuação dos agentes socioeducativos em unidades de internação, em que a função desses operadores está ligada à manutenção da ordem institucional e da disciplina, usando para isso a força e a coesão como formas de controle. Esse tipo de ação se relaciona também com a falta de formação específica dos agentes socioeducadores e indefinição da função a ser realizada, posto que realizam atividades de segurança, em que a violência se torna o instrumento de trabalho (Costa & Alapanian, 2013).

A categoria Enclausuramento se refere ao sentido produzido pelos jovens em relação à MSE de internação. Essa é caracterizada por variadas limitações referentes à privação de liberdade, que se expressa na limitação do convívio social, decorrente da própria separação estabelecida nas unidades de internação com o mundo externo a ela. Os jovens relataram efeitos na saúde mental decorrentes desse afastamento do mundo externo e do longo período de encarceramento.

Isso não é vida de ninguém, tá trancado não. Só um quadradinho assim com menino dentro de um quarto, trancado. A pessoa fica meio doido, de um ano, dois anos, só trancado assim, sem nem puder nem sair. Sem puder ir numa praia, sem puder ir num mercadinho assim. Sem puder ir no shopping dá uma voltinha com a família da pessoa e não tem ninguém da família da pessoa. (Jovem 5, 17 anos)

Em relação a essa categoria, destaca-se que no Sinase há a previsão de realização de atividades externas, sejam estas individuais ou coletivas, incluindo sua previsão nos Planos Individuais de Atendimento (PIA) que são instrumentos de previsão, orientação e registro das atividades realizadas durante o cumprimento da MSE. No entanto, o que se verifica é que a realização dessas atividades é reduzida, restringindo as ações ao espaço da unidade de MSE, que também são repetitivas e realizadas de forma massificada, sem considerar as necessidades e interesses individuais. Os efeitos dessa separação com o mundo externo têm provocado sofrimento psíquico nos jovens, que estão afastados do convívio familiar e não podem realizar suas próprias escolhas, posto que estão subordinados a uma rotina massificadora que caracteriza as unidades de privação de liberdade. Este sofrimento psíquico também se caracteriza como uma violação aos direitos destes jovens, tendo em vista que está sendo produzido a partir do enclausuramento decorrente da MSE de internação e, como consequência, os jovens vivenciam medos, aflições e angústias durante o processo socioeducativo (Medeiros & Paiva, 2015).

Na categoria Superlotação, os jovens relataram a quantidade excedente de jovens nos quartos e nos pavilhões, dificultando a permanência nesses locais. Os jovens passam a maior parte do tempo do dia nos quartos, saindo apenas para as atividades escolares, para o chamado “banho de sol”, e quando são chamados para os atendimentos esporádicos com a equipe técnica de referência, equipe de saúde e assistência jurídica. Para eles, qualquer atividade realizada fora dos quartos proporciona alívio por não estarem em um lugar pequeno e superlotado. A superlotação existente na unidade intensifica o sentimento de enclausuramento vivenciado pelos jovens, pois as atividades realizadas fora dos alojamentos são realizadas em um período menor. Consequentemente, os jovens passam grande parte do dia trancados.

Além disso, os jovens trataram sobre a convivência nos quartos, afirmando desconfiar de alguns jovens e se sentir desprotegidos, precisando estar em constante vigilância para evitar conflitos. Outros participantes relataram ainda incômodo sobre as conversas de alguns jovens, afirmando que quando estão em atendimento técnico conseguem pensar em novos projetos de vida afastados dos atos infracionais, mas quando retornam aos quartos, ficam expostos aos relatos de atos infracionais e violências.

O cara, eu dou graças a Deus que eu tô aqui [na entrevista com as pesquisadoras], mas quando eu chegar lá? Bocado de ladrão, ixi, ... só boy da minha idade tudo trancado num quartinho daquele... 30 boy... (...) Dentro do quarto não, do pavilhão geral. Quando solta, abre as grade ali de manhã é tudo solto no pavilhão, os que mora do lado de lá e os que mora do lado de cá, todos soltos, troca ideia, pra jogar um dominó, mas ninguém sabe da malícia, ninguém sabe da mente de ninguém. Você ali dentro é só ligado, um olho no peixe, outro no gato (...). Na hora da tranca, aí tranca os quartos, aí o pavilhão fica fogo né, fogo pra gente que não trabalha e fica lá (Jovem 2, 17 anos).

A superlotação presente nas unidades de MSE de internação tem dificultado a permanência dos jovens nos quartos e a convivência com os demais. Como efeito da institucionalização que caracteriza a MSE de internação, verifica-se o reforço ao pertencimento e vinculação à infração ao se colocar os jovens em constante exposição aos relatos de violência dos outros jovens, sem oferecer alternativas que possibilitem a construção de novos projetos de vida (Zappe & Dias, 2011). Outro elemento decorrente da superlotação é o déficit de profissionais que são contratados para acompanhar o número de jovens correspondente à capacidade das instituições, mas que na prática são responsáveis pelo atendimento de quantitativo superior de jovens, prejudicando a qualidade do acompanhamento e potencializando as violações de direitos às quais os jovens são submetidos durante o cumprimento da MSE (Oliveira, Félix-Silva, & Nascimento, 2014; Scisleski et al., 2015; Lúcio, 2018).

Na categoria Negligência, os jovens afirmaram que os seus pedidos são ignorados por alguns profissionais da instituição, mesmo em seus direitos mais básicos e fundamentais, como alimentação e higiene pessoal e, além disso, são desacreditados pela equipe quando relatam algumas situações que acontecem nos quartos. Os participantes relataram que quando alguns de seus pedidos são atendidos, isso ocorre na forma de humilhações, ou seja, por meio de violência psicológica:

A gente não pode ter o que quer, pra falar a verdade a gente passa por humilhação, porque até pra gente chegar a encher uma garrafa de água tem que pedir ao monitor... A comida também não é tão boa. O mai difícil é que eles [agentes socioeducativos] não querem fazer o que a gente pede. Eles não querem fazer o que a gente pede. Se a gente pede um negócio, eles num querem fazer. Quer dizer, tudo eles querem que seja do jeito deles. Nunca vê o lado da gente. Principalmente, acreditar na gente, eles não acreditam. (Jovem 5, 17 anos).

As violações de direitos que ocorrem na forma de negligência e de constantes humilhações sofridas pelos jovens são reflexo do modo como a sociedade e alguns profissionais visualizam os jovens que praticam atos infracionais (Souza & Costa, 2012). Estes não são tratados como sujeitos que devem ter os seus direitos garantidos, mas como aqueles que devem receber um tratamento punitivo por terem praticado um ato infracional (Faermann & Nogueira, 2017), justificando, com esse discurso, a utilização e a prática da violência, seja ela física e/ou psicológica. A negligência reflete um quadro que se estende para além da instituição de MSE, posto que tais situações não têm sido monitoradas de forma satisfatória pelo Sistema de Garantia de Direitos (Jacobina & Costa, 2011), de modo que as medidas de proteção também sejam aplicadas aos jovens em cumprimento de MSE.

A categoria temática Consequências da medida disciplinar diz respeito às violações de direitos que ocorrem como resultado da aplicação de uma sanção pela unidade de MSE frente a faltas disciplinares praticadas pelos jovens e que estão descritas no regimento interno da instituição. Quando os jovens recebem a medida disciplinar, são retirados dos quartos de convívio coletivo e levados para um quarto em separado, permanecendo o dia trancados e sem direito a realizar as atividades que ocorrem no cotidiano da instituição durante um determinado período. Essa vivência é significada pelos jovens como uma ação que restringe ainda mais os poucos direitos destes dentro da unidade, e acentua a sensação de enclausuramento pela ampliação do tempo de permanência trancados. Assim, contribui para potencializar o sofrimento, caracterizando-se também como uma expressão da violência psicológica às quais esses jovens são submetidos. Nessa categoria foram identificadas as subcategorias Isolamento e Não receber visitas familiares.

Na subcategoria Isolamento, os participantes relataram as restrições resultantes da aplicação da medida disciplinar. Quando recebem a medida disciplinar, os jovens permanecem em um quarto separados dos demais quartos de convívio coletivo na instituição. Neste, permanecem trancados, sem direito a exercer as demais atividades que ocorrem na instituição, nem mesmo para o denominado “banho de sol”, não têm acesso à televisão, não podem participar das atividades esportivas ou outras atividades externas durante um período de quinze a trinta dias, dependendo da falta disciplinar praticada. A fala do jovem ilustra essa subcategoria: “Tem vez que até um mês a pessoa fica trancado, sem sair pra canto nenhum, nem pra o banho de sol, só vai pro atendimento. Fica trancado um mês, sem ver... só lá trancado, eles passa o cadeado e pronto” (Jovem 8, 17 anos).

Na subcategoria Não receber visitas, os jovens trataram de uma das consequências da medida disciplinar que é a suspensão das visitas familiares durante o período da sanção. Em relação às visitas familiares, os jovens apontaram que no cotidiano do cumprimento da MSE, essas já são restritas, ocorrendo em apenas dois dias por semana, sendo de curta duração, e que quando recebem a medida disciplinar a suspensão das visitas pode chegar ao prazo de trinta dias, como relatado pelo jovem: “Bota os menino de medida [disciplinar] um mês sem ver a família, no isolado, trancado.... Só lá. Trinta dias, depois de trinta dias bota de novo, num tem, no convívio...” (Jovem 7, 16 anos).

Ressalta-se que as medidas disciplinares são assentidas pelo Sinase. No entanto, a lei restringe a aplicação da medida disciplinar em caráter de isolamento limitando sua aplicação apenas aos casos em que seja imprescindível para a garantia da segurança do jovem ou dos demais internos. Além disso, a aplicação da medida disciplinar de isolamento deve ser comunicada ao defensor, ao Ministério Público e à autoridade judiciária. Entretanto, percebem-se características típicas do modelo prisional em que a punição impera no cotidiano da instituição em detrimento de ações pedagógicas que visem a resolução de conflitos e a responsabilização por outras vias que não a punição (Paiva et al., 2016).

Outro aspecto decorrente da aplicação da medida disciplinar é a ausência das visitas familiares. A proibição das visitas consiste na violação do direito do jovem à convivência familiar e comunitária, e compromete o cumprimento da medida socioeducativa, posto que a participação da família no processo socioeducativo constitui-se como apoio aos jovens (Medeiros & Paiva, 2015), além de fazer parte de seu projeto de vida (Zappe & Dias, 2011).

Na categoria Revista íntima vexatória, os jovens relataram as violações que acompanham o momento da visita dos seus familiares. A revista corresponde a um procedimento ao qual os familiares são submetidos ao entrar na instituição, com o objetivo de verificar se estão portando algum objeto não permitido pela unidade, a exemplo de drogas ou celulares. A revista íntima vexatória é significada pelos jovens como um procedimento que gera vergonha tanto para eles quanto para seus familiares, sendo que algumas mães e companheiras deixam de visitar os jovens por causa disso: “Isso é feio pra nós, a mãe de nós já ficando já de idade, pá, chega dia de visita e se abaixar, é feio pra nós, é feio pra nós...” (Jovem 2, 17 anos).

Os dados apontam que as violações de direitos existentes na medida socioeducativa de internação, além de atingir aos jovens, se estendem aos seus familiares que, para realizarem a visita, precisam obrigatoriamente se sujeitar a esse procedimento (Medeiros & Paiva, 2015). Alguns familiares deixavam de visitar os jovens para evitar passar pela humilhação e constrangimento da revista íntima vexatória, o que se caracteriza como uma ação de criminalização das famílias, consideradas suspeitas pela instituição, e se constitui como um obstáculo à garantia do direito à convivência familiar (Gomes & Conceição, 2014; Andrade & Barros, 2018). Ressalta-se que essa violação de direitos foi identificada no momento da pesquisa e que, atualmente, há um processo de substituição desse procedimento pela realização da revista pessoal por meio de equipamentos eletrônicos nas unidades do estado.

Diante do exposto, observa-se que os jovens entrevistados relataram inúmeras violações de direitos sofridas durante o cumprimento da medida socioeducativa. Ressalta-se que estas violações não se restringem apenas a esta unidade de internação, mas também é prática recorrente em outras instituições de MSE, como já identificado por Medeiros et al. (2014) nas unidades de MSE no município de Natal/RN, e no âmbito nacional (Souza & Costa, 2012; Conselho Nacional do Ministério Público, 2013). Além da prática da violência física e psicológica perpetrada contra os jovens, esses autores discutem que as violações de direitos nas unidades de MSE se caracterizam também pela ausência de um projeto pedagógico institucional que execute a socioeducação, pela precarização das atividades realizadas e pela não realização do Plano Individual de Atendimento, entre outras características que precarizam o atendimento socioeducativo.

Tais violações existentes no cotidiano das MSE contradizem o objetivo destas que é o de promover a integração social e garantir os direitos individuais e sociais dos jovens. Ao invés disso, sobressaem um conjunto de práticas punitivas, recorrentes na instituição, como demonstrado nas falas dos jovens. Apesar da mudança de paradigma com a promulgação do ECA e da lei Sinase, a garantia da proteção integral ainda não se consolidou na sociedade brasileira, o que contribuiu para a manutenção de práticas que oscilam entre o assistencialismo e a repressão, e que, no caso dos jovens autores de atos infracionais, tem sido marcada pela punição e pelo descumprimento dos direitos humanos fundamentais ao seu pleno desenvolvimento (Alencar, 2014; Oliveira, 2014), configurando-se como marcas da violência estrutural que se reproduzem nas instituições e no cotidiano como expressões da questão social (Beretta, 2010).

A ausência de atividades fundamentadas em uma perspectiva socioeducativa que priorize a dimensão pedagógica implica na permanência do caráter punitivo nas unidades de execução de medidas socioeducativas de internação, apesar dos avanços legislativos com o Sinase e o estabelecimento dos princípios pedagógicos norteadores do trabalho (Oliveira et al., 2015). A identificação da ausência de ações pedagógicas e a prevalência de práticas punitivas e de violações de direitos nas unidades de medidas socioeducativas representam estratégias de controle do estado frente à questão social (Behring & Boschetti, 2011), objetivando a manutenção da ordem e o controle sociopenal dos jovens (Silva, 2010; Woicolesco & Figueiredo, 2017).

Considerações Finais

Diante do objetivo deste artigo de analisar as violações de direitos vivenciadas por jovens que estavam em cumprimento de medida socioeducativa de internação, pode-se compreender que o cotidiano dos jovens na MSE de internação é marcado por diversas violências. Dentre estas, as constantes humilhações, negligência em garantir os direitos assegurados pelo ECA, o uso da violência física e psicológica como forma de controle do comportamento dos jovens e da ordem institucional, a superlotação, o enclausuramento e a aplicação do isolamento, dificultando ainda mais o cumprimento da MSE. Pode-se verificar também que as violações de direitos que são praticadas contra os jovens se estendem aos seus familiares, submetidos ao procedimento de revista íntima vexatória, o que se torna obstáculo para a realização das visitas dos familiares.

Os resultados dessa pesquisa mostram o cotidiano da execução da medida socioeducativa de internação, evidenciando a necessidade de um projeto pedagógico que norteie todas as ações nas unidades e as atividades de todos os profissionais que atuam nas instituições de MSE e que coloque em prática a garantia de direitos dos jovens, rompendo com a cultura punitiva dessas instituições. Apesar de considerar fundamental a existência e aplicação de um projeto pedagógico que tenha como intenção a responsabilização dos jovens de forma não punitiva, assegurando os direitos e possibilitando a construção de novos projetos de vida, ressaltam-se as limitações em atender esses objetivos, em razão das contradições resultantes de uma MSE que se caracteriza pela privação de liberdade dos jovens e pela própria estrutura das políticas sociais que são precarizadas no modelo de produção da sociedade capitalista.

Sendo assim, percebe-se que nas vivências dos jovens em cumprimento de MSE, sobressaem as referências a prisão, restrições, enclausuramento, violência e violações de direitos. Nessa direção, os jovens visualizam o afastamento dos atos infracionais como uma forma de não retornar para a unidade de internação, o que demonstra que o objetivo da responsabilização, enquanto ação pedagógica promotora de mudança, não tem sido cumprido. O foco no controle sociopenal dos jovens e as violações de direito vivenciadas por eles têm implicações no desenvolvimento psicológico, obstaculizando a construção de projetos de vida, promovendo o sentimento de “perda da juventude” decorrentes da privação de liberdade e do afastamento dos vínculos familiares e comunitários.

Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de mestrado da primeira autora - Cibele Soares da Silva Costa, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Bolsista Capes/Brasil) - Código de Financiamento 001 e pela bolsa de produtividade em pesquisa da terceira autora - Maria de Fatima Pereira Alberto, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1D.

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Recebido: 24 de Março de 2020; Revisado: 24 de Fevereiro de 2021; Aceito: 24 de Fevereiro de 2021

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