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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.9 no.2 Rio de Janeiro dez. 2013

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20130016 

ARTIGOS DE REVISÃO REVIEW ARTICLES

 

Contribuições da terapia cognitivo-comportamental para o tratamento da fobia social

 

Contributions of cognitive-behavioral therapy for the treatment of social phobia

 

 

Estefanea Élida da Silva GusmãoI; Hysla Magalhães de MouraII; Káren Maria Rodrigues da CostaIII; Laurentino Gonçalo Ferreira FilhoIV; Bruna da Silva NascimentoV; Elba Celestina do Nascimento de SáVI

IDoutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora de Avaliação Psicológica na Universidade Federal do Ceará (UFC)
IIMestranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental. Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)
IIIEspecialista em Saúde Mental e Psicóloga do centro de Referência de Assistência Social, formada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)
IVEspecialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Psicólogo do Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Psicólogo graduado pela Universidade Federal do Piauí(UFPI)
VDoutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)
VIMestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Especialista em Saúde Mental. Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetivou realizar uma revisão da literatura acerca das perspectivas e intervenções da terapia cognitivo-comportamental sobre a fobia social. Inicialmente, apresenta-se uma explanação desse transtorno, para, posteriormente, apontar possíveis intervenções para essa psicopatologia. No decorrer deste estudo, pode-se verificar que essa enfermidade causa bastante comprometimento nas mais diversas esferas da vida social e pessoal, em decorrência de suas comorbidades e cronicidade, assim como, por ser debilitante, sendo um dos transtornos mais prevalentes na população em geral. Frente a isso, é de grande relevância que o diagnóstico e a intervenção sejam iniciados o mais breve possível. Destaca-se a psicoterapia e a farmacologia como as principais formas de intervenção. Igualmente, ressalta-se a psicoterapia de base cognitivo-comportamental como uma das abordagens que tem demonstrando grande eficácia no tratamento. Isso posto, serão apresentadas as técnicas de intervenção: reestruturação cognitiva, treino de relaxamento, treino de habilidades sociais, experimentos comportamentais e indicações farmacoterápicas. Por meio da revisão apresentada, conclui-se que é fundamental as pesquisas apresentarem maior quantidade de estudos empíricos que verifiquem a eficácia das diferentes perspectivas ou modelos teóricos e de técnicas de intervenção cognitivo-comportamentais.

Palavras-chave: fobia, terapia, tratamento.


ABSTRACT

This article aimed to perform a review of the literature on the perspectives and interventions of cognitive-behavioral therapy on social phobia. Initially, an explanation of this disorder is presented so that subsequent highlights about possible interventions for this psychopathology are pointed out. Throughout this manuscript, one can verify that this disorder causes many consequences in several spheres of the social and personal life due to its chronicity and comorbidity, as well as being debilitating, as it is one of the most prevalent disorders in the general population. As a result, it is of great relevance that the diagnosis and intervention is initiated as soon as possible. Psychotherapy and pharmacology are pointed out as the main forms of intervention. Moreover, the cognitivebehavioral psychotherapy is highlighted as one of the approaches that has been demonstrating great effectiveness in the treatment. Having said that, the following techniques of intervention are presented: cognitive restructuring, relaxation training, social skills training, and behavioral experiments, as well as pharmacotherapeutic indications. Through the presented review, it is concluded that it is crucial that researches present a greater amount of empirical studies which verify the effectiveness of different perspectives or theoretical models and cognitive-behavioral techniques for this psychopathology.

Keywords: phobia, therapy, treatment.


 

 

INTRODUÇÃO

Segundo Del Prette, Del Prette e Barreto (1998), na sociedade contemporânea, cada vez mais, espera-se que as pessoas tenham um bom desempenho em suas tarefas, realizando-as de forma aceitável e bem elaborada. É nesse contexto de exigências, de grandes expectativas e pressões que se instauram os transtornos de ansiedade (Mochcovitch, Crippa, & Nardi, 2010).

Castillo, Recondo, Asbahr e Manfro (2000) caracterizam o transtorno de ansiedade como um quadro clínico em que os sintomas ansiosos se apresentam de forma primária, ressaltando, ainda, que é comum essa enfermidade se apresentar de forma concomitante com outros transtornos psiquiátricos. É importante mencionar que esse acometimento possui quatro marcadores de diferentes esferas, que podem ser discriminados em dois grupos: relativo aos indicadores somáticos, motores e cognitivos, e referente aos aspectos cognitivos de contensão da ansiedade (Reppold & Hutz, 2013).

Ainda segundo Castillo e colaboradores (2000), uma maneira eficiente de se distinguir a ansiedade normal da patológica é por meio de uma avaliação, verificando se os sintomas se apresentam em nível compatível com o estímulo, observando, ainda, sua duração e se é, ou não, autolimitada (tem um curso determinado e limitado). Ademais, os autores destacam fatores que devem ser considerados na avaliação e no tratamento dos transtornos de ansiedade no que se refere à infância, porém, tais informações são importantes em qualquer etapa do desenvolvimento:

... É fundamental obter uma história detalhada sobre o início dos sintomas, possíveis fatores desencadeantes (p. ex., crise conjugal, perda por morte ou separação, doença na família e nascimento de irmãos) e o desenvolvimento da criança. Sugere-se, também, levar em conta o temperamento da criança (p. ex., presença de comportamento inibido), o tipo de apego que ela tem com os pais (p. ex., seguro ou não) e o estilo de cuidados paternos (p. ex., presença de superproteção), além dos fatores implicados na etiologia dessas patologias. (Castillo et al., 2000, p. 20).

Além disso, existem vários transtornos de ansiedade, contudo, o foco deste artigo centra-se no transtorno de ansiedade social (TAS), também conhecido por fobia social. Assim, será apresentada uma revisão teórica sobre as perspectivas e intervenções da teoria cognitivo-comportamental acerca desse transtorno psicológico. Vale mencionar que a abordagem cognitivo-comportamental tem se mostrado eficaz no tratamento do TAS, partindo tanto de uma intervenção individual como em grupo (McEvoy, Nathan, Rapee, & Campbell, 2012), justificando, dessa forma, a escolha dessa perspectiva, que, juntamente com a farmacoterapia, constitui importante ferramenta para o tratamento dessa enfermidade.

Com esse intuito, foi realizada uma pesquisa em manuais diagnósticos que abordam os critérios sintomatológicos para o diagnóstico do TAS, como também em importantes bases de dados internacionais, como CAPES, Scielo e BVS Psi. Para a pesquisa, foram consideradas sete expressões: social phobia; social anxiety disorder; cognitive-behavioral; therapy; psychotherapy; treatment; model of cognitive behavioral therapy.

 

TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL

A palavra fobia advém do grego phobos, que corresponderia a um intenso medo e terror (Cordás, 2014; Lopes, 2013; Silveira & Valença, 2005). Disso, pode-se concluir que fobia social seria, então, um temor à exposição a situações sociais e/ou demonstração de uma imagem negativa de si mesmo.

Mululo, Menezes, Fontenelle e Versiani (2009a) apontam que o TAS foi reconhecido oficialmente na década de 1980. Além disso, de acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association [APA], 2014, p. 202), essa enfermidade seria considerada um "... medo ou ansiedade acentuados acerca de uma ou mais situações em que o indivíduo é exposto a possível avaliação por outras pessoas".

Do mesmo modo, essa psicopatologia é caracterizada pelo DSM-IV-TRTM (APA, 2002) como o medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho nas quais o indivíduo poderia sentir vergonha (Critério A); ademais, a exposição à situação social ou de desempenho provoca, quase que invariavelmente, uma resposta imediata de ansiedade (Critério B).

Enquanto isso, a Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10 (Organização Mundial da Saúde [OMS], 1993) identifica como critérios de preenchimento para um diagnóstico definitivo de fobia social (F.40.1) os seguintes aspectos: (a) os sintomas psicológicos, comportamentais ou autonômicos devem ser primariamente manifestações de ansiedade, e não secundários a outros sintomas; (b) a ansiedade deve ser restrita ou predominar em situações sociais; e (c) a evitação das situações fóbicas deve ser um aspecto proeminente. A partir da exposição dos critérios de ambos os manuais diagnósticos, pode-se verificar que apresentam descrições semelhantes da patologia, de modo que fica a critério do profissional qual desses instrumentos utilizará como referência.

Heimberg, Liebowitz, Hope e Schneier (1995) defendem que o TAS se expressaria por um intenso desejo de transparecer uma imagem favorável de si mesmo para os demais, sem que, para tanto, haja uma segurança sobre as habilidades de executá-la. Em adição às consequências dessas experiências ansiogênicas, as pessoas que possuem esse transtorno começam a desenvolver um conjunto de hipóteses sobre si mesmas e sobre o mundo, o que as predispõem a entender que estão em perigo em um ou mais contextos sociais. Essa concepção é corroborada por Castillo e colaboradores (2000) e por Barros Neto (2000, p. 310) ao defenderem que essa psicopatologia se caracterizaria por uma "... intensa ansiedade em situações sociais (de contato interpessoal) ou de desempenho, ou mesmo ambas, acarretando sofrimento excessivo ou interferindo de forma acentuada no dia a dia da pessoa".

Corroborando com essa perspectiva, Mululo e colaboradores (2009a) descrevem o TAS como uma ansiedade desmedida diante de diferentes contextos sociais, em que o sujeito teme não se comportar de modo adequado, seja por mau desempenho, seja por demonstrar ansiedade e, consequentemente, ser alvo de crítica ou de reprovação. Frente a isso, o indivíduo rotineiramente costuma se desviar ou suportar a situação com elevada ansiedade e sofrimento, mesmo que seu desejo seja o de estabelecer contato social (Leite, Dotto, & Lopes, 2007; Mululo et al., 2009a), o que acarretaria prejuízos no desempenho acadêmico, social, ocupacional e/ou sexual (Angélico, Crippa, & Loureiro, 2012; Vilete, Coutinho, & Figueira, 2004).

De acordo com Picon, Gauer, Fachel e Manfro (2005), o TAS se configura como um medo intenso e persistente de uma ou mais situações sociais, no qual o indivíduo se sente exposto a um contexto desconhecido ou está vulnerável a uma determinada situação na qual possivelmente será avaliado.

Estudos na área demonstram que a trajetória do TAS é marcada por sua cronicidade, bem como por ser incapacitante e ter elevados índices de comorbidade (Picon et al., 2005), não havendo grande diferenciações sintomáticas nas diferentes faixas etárias (Vilete et al., 2004).

Os estudos epidemiológicos demonstram que a prevalência do transtorno é maior entre mulheres, porém, em amostras clínicas, o contrário também é verificado, sendo desconhecidas as razões dessa variação (Kaplan & Sadock, 2007). Pesquisas revelam, ainda, que o percentual quanto à predominância do TAS situa-se entre 3 e 13%, podendo variar de acordo com os parâmetros delimitados para mensurar o desconforto clínico e os tipos de contextos sociais (Pereira et al., 2011).

Leite e colaboradores (2007) apontam que geralmente o TAS se inicia na adolescência e está frequentemente atrelado a uma trajetória de timidez desde a infância. Essa concepção é corroborada por Ahrens-Eipper (2006) ao afirmar que geralmente o transtorno se manifesta em torno de 11 a 12 anos de idade. No entanto, Kaplan e Sadock (2007) destacam que, apesar de a idade de pico para o início ser em torno dos 10 anos, ele é comum a partir dos 5 até os 35 anos de idade.

No que tange ao auxílio da família para solucionar o transtorno, de modo geral, os pacientes inicialmente contam com a colaboração e cuidado dos entes mais próximos, porém, com o passar do tempo e depois de diversas tentativas de mudanças de comportamento, os familiares e os amigos se desestimulam e passam a tecer críticas, o que propiciaria o agravamento do quadro fóbico (Vilete et al., 2004).

Os estudos de Heimberg e colaboradores (1995) demonstram que quando indivíduos acometidos pelo TAS se envolvem em determinadas situações, eles acreditam que estão em apuros, passando, então, a se comportar de maneira desajustada e inaceitável. Tais atitudes trariam consequências negativas com relação às questões referentes ao status, perda da palavra e rejeição. Dessa forma, quando a pessoa portadora do transtorno percebe que está diante de uma situação temida, automaticamente é ativado um conjunto de sintomas fóbicos, atingindo as esferas cognitiva, afetiva e comportamental (Heimberg et al., 1995).

Nesse contexto, Leite e colaboradores (2007) apontam um ciclo para o TAS: a ansiedade antecipatória propicia o surgimento de cognições disfuncionais, que, por sua vez, despertam sintomas ansiogênicos nas situações fóbicas, direcionando o sujeito a ter um mau desempenho, real ou percebido, aumentando, assim, a timidez e a ansiedade antecipatória. Segundo os mesmos autores, a exposição aos contextos fóbicos provoca, de modo geral, uma resposta súbita de ansiedade, que pode ocorrer por meio de um ataque de pânico ligado à situação ou pré-determinado por ela.

Geralmente o perigo percebido não é condizente com a real situação, no entanto, devido à percepção do indivíduo, os sintomas fóbicos são cada vez mais reforçados. Somado a isso, Heimberg e colaboradores (1995) defendem que os fóbicos sociais preocupam-se com suas respostas somáticas e pensamentos negativos, o que atrapalha o desenvolvimento de suas habilidades diante da situação ameaçadora. A maneira como o indivíduo se comporta diante do sintoma fóbico pode provocar atitudes de desaprovação de outras pessoas, contribuindo para o agravamento dos sintomas. A ansiedade nas situações sociais, portanto, é um ciclo vicioso, uma vez que a ansiedade antecipatória leva o indivíduo a evitar as situações temidas, o que, por sua vez, aumenta a ansiedade antecipatória e a ansiedade das situações sociais.

Barros Neto (2000) defende que o fóbico social sabe que seu temor é exacerbado, porém, teme transparecer indícios de ansiedade, como tremor e sudorese, por exemplo. Além disso, vários temores referem-se a parecer ser tolo, de ser o centro das atenções, de cometer equívocos, dentre outros, e, por causa disso, frequentemente pensa que é alvo de comentários ou risos.

Por meio dos estudos realizados, Picon e Gauer (2003) perceberam que o transtorno possui alto nível de comorbidade com fobia simples, agorafobia, alcoolismo, depressão maior e abuso de drogas. De acordo com Vilete e colaboradores(2004), a incidência de transtorno depressivo e ideação suicida é maior em adultos e adolescentes que apresentam TAS. Então, verifica-se a importância de mais estudos e intervenções no intuito de prevenir o surgimento, ou mesmo o agravamento, dessas enfermidades.

Diante do exposto, ressalta-se a importância de o diagnóstico e o tratamento serem realizados o mais breve possível, concepção corroborada por Picon e colaboradores(2005), dado que a cada situação fóbica a probabilidade de estar havendo o reforço do transtorno é aumentada, ampliando o rol de implicações nas diversas esferas da vida do indivíduo, podendo, assim, atingir os âmbitos laboral, acadêmico, social e sexual do sujeito (Angélico et al., 2012). No entanto, segundo Barros Neto (2000), os critérios diagnósticos, até o momento de sua pesquisa, não estavam bem delimitados, dado que os manuais de transtornos mentais, como o DSM-III-TR, levam em consideração que os fóbicos são indivíduos que temem ou se esquivam da maioria das situações sociais. Contudo, o manual não estabelece critérios operacionais que determinem o que seriam tais situações sociais, lacuna que persiste no DSM-IV-TRTM.

Nesse contexto, destacam-se os instrumentos de medida dos sintomas de ansiedade social, utilizados não somente nas pesquisas empíricas, mas também no ambiente clínico para averiguar a presença ou não do transtorno, bem como seu nível clínico, propiciando, dessa forma, uma melhor intervenção do profissional.

Picon e colaboradores (2005) relatam que, tradicionalmente, costuma-se utilizar medidas clínicas, além do uso de medidas de rastreamento e mensuração de sintomas autorrelatados, manuseadas em maior escala, principalmente no que diz respeito ao TAS. Quanto às escalas utilizadas na mensuração do TAS, destacam-se: SPIN (Vilete et al., 2004), SPIN (Connor et al., 2000), MINI-SPIN (Connor, Kobar, Churchill, Katzelnick, & Davidson, 2001), SIPASS e SPSBS (Pinto-Gouveia, Cunha, & Salvador, 2003).

Além das possibilidades de medidas para a avaliação do transtorno, conta-se com uma diversidade de perspectivas tanto para sua avaliação como para seu tratamento. Entre elas, discute-se, neste estudo, aquelas advindas da teoria cognitivo-comportamental, em que se busca traçar uma descrição nesse âmbito, sem negar o reconhecimento das demais intervenções.

 

PERSPECTIVAS DA TEORIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Modelo cognitivo

Uma das principais características do fóbico social diz respeito ao foco da atenção em situações temidas. Nessas ocasiões, os indivíduos acometidos pelo transtorno interpretam que estão sendo avaliados negativamente por outras pessoas, portanto, acabam redirecionando sua atenção para o automonitoramento de forma minuciosa. Essa atitude, porém, colabora para o aumento da ansiedade, visto que "... produz uma maior consciência de respostas da ansiedade temida e interfere no processamento da situação e no comportamento das outras pessoas" (Clark & Wells, 2005, p. 70).

Essa perspectiva é corroborada por D'el Rey e Pacini (2006), ao defenderem que os fóbicos sociais possuem pensamentos disfuncionais que propiciam o aumento da ansiedade, que, por sua vez, interferem no bom desempenho social, ocasionando um ciclo vicioso, como já apontado nos estudos de Leite e colaboradores (2007) e de Heimberg e colaboradores (1995). Ainda de acordo com D'el Rey e Pacini (2006), as pessoas portadoras do transtorno teriam expectativas acerca de suas habilidades em contextos sociais não condizentes com a realidade, de modo que superestimam a possibilidade da ocorrência de um ambiente social desfavorável e percebem-se constantemente desaprovadas.

Os autores apontam, ainda, que um dos principais mantenedores desse transtorno diz respeito ao fato de os fóbicos sociais utilizarem-se da própria percepção para construir uma impressão que outras pessoas teriam deles próprios. Já na perspectiva de Falcone (2001), os principais mantenedores seriam atenção autofocada e autoprocessamento negativo, comportamentos de segurança/evitação, efeitos dos comportamentos do ansioso social sobre o comportamento de outras pessoas e processamento antecipatório e pós-evento.

Clark e Wells (2005) pontuam que, segundo o modelo cognitivo, os fóbicos sociais estariam propensos a interpretar uma situação social de modo aflitivo, decorrente de crenças disfuncionais que possuem deles próprios e da forma como devem agir nessas ocasiões. Dessa forma, haveria três classes de crenças desadaptativas: regras relativas a elevadas performances sociais, crenças intermediárias relacionadas à avaliação social e crenças centrais direcionadas ao self.

Modelo comportamental

De acordo com Zamignani e Banaco (2005), o modelo analítico comportamental define a ansiedade como um estado de desconforto emocional, seguido de alterações somáticas, estabelecendo, assim, uma estreita relação com o medo. Considera-se que o padrão de comportamento mais frequente nos transtornos de ansiedade é a esquiva fóbica, em que o indivíduo, diante da iminência de um estímulo ameaçador ou aversivo, tende a afastá-lo ou adiá-lo ao máximo.

Cada transtorno de ansiedade difere em relação ao estímulo experimentado tido como assustador, como também em relação à resposta emitida, com o objetivo de diminuir o incômodo apresentado. No caso específico do TAS, a situação temida são as relações sociais, a avaliação de terceiros, sendo a resposta para essas situações a evitação e a eliminação dos estímulos (Zamignani, 2004; Zamignani & Banaco, 2005).

As pesquisas de Falcone e Figueira (2001) abordam como ocorre o condicionamento do TAS, em que os sintomas passam a constituir-se como uma resposta condicionada e onde a situação ansiogênica/fóbica passa a ser um estímulo condicionado.

Dessa forma, o indivíduo com ansiedade social passa a reforçar a evitação por meio da eliminação ou diminuição da ansiedade condicionada, adotando o comportamento de esquiva, mantendo, dessa maneira, a ansiedade, por não conseguir comprovar que a situação temida não representa tanto ou nenhum perigo (Falcone & Figueira, 2001).

Zamignani e Banaco (2005) afirmam que para haver o entendimento da ansiedade deve-se levar em consideração não só as resposta reflexas perante um estímulo aversivo condicionado, mas, sobretudo, é sine qua non considerar que a ansiedade seria composta de respostas operantes de fuga e esquiva dos estímulos indesejados, incondicionados e condicionados. Em outros termos, quando um indivíduo extingue ou minimiza a magnitude de um estímulo incondicionado aversivo, pode-se afirmar que a resposta que originou tal efeito é de fuga.

Modelo cognitivo-comportamental

Esse modelo corrobora as perspectivas apontadas ao longo deste artigo ao mencionar o receio do fóbico de ser desaprovado por outros. Nesse sentido, Ito, Roso, Tiwari, Kendall e Asbahr (2008) acrescentam que, nesse transtorno, estão presentes crenças disfuncionais e estímulos neutros interpretados de forma desadaptativa, ao passo que os estímulos positivos e seguros são descartados.

Dessa maneira, esses autores discorreram acerca do impacto das interpretações errôneas na vida dos indivíduos acometidos pela enfermidade:

Tal percepção distorcida pode desencadear sintomas físicos, comportamentais e cognitivos, que geram desconforto, reforçam a autoimagem de inadequação e sentimentos de humilhação e contribuem para o afastamento do convívio social. A esquiva e o isolamento intensificam a atenção autofocada e impedem a desconfirmação do caráter ameaçador atribuído ao ambiente e às relações sociais. (Ito et al., 2008, p. 97).

Clark e Wells (1995) elaboraram um modelo cognitivo com a proposição de que o indivíduo que sofre de ansiedade social quer dar uma impressão positiva de si mesmo aos outros, no entanto, receia não ter competências adequadas ou suficientes para isso. Por isso, o indivíduo considera bastante provável que venha a fazer ou a dizer algo não adequado, o que levará os outros a avaliarem-no de forma negativa, contribuindo para a diminuição de sua aceitação social, bem como de sua autoestima.

A ansiedade social também denota fortes expectativas irrealistas e perfeccionistas sobre a vida em sociedade, fazendo o indivíduo ver os outros como superiores e dominantes, ao passo que se percebe menos capaz que os demais (Clark & Wells, 1995).

Tendo visto, grosso modo, a delimitação, bem como as implicações desse transtorno na vida do indivíduo, serão traçados alguns apontamentos acerca do tratamento do TAS, tomando como prisma as contribuições advindas da farmacologia e da terapia, abordando mais especificamente a perspectiva da terapia cognitivo-comportamental.

TRATAMENTO DO TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL

No tocante ao tratamento do TAS, destacam-se como abordagens terapêuticas com eficácia empiricamente comprovada a terapia cognitivo-comportamental (TCC) individual, a TCC em grupo (McEvoy et al., 2012) e a farmacoterapia. Alguns estudos indicam, ainda, que o tratamento associado de farmacoterapia e psicoterapia promova melhores resultados do que a aplicação dos mesmos isoladamente (Kaplan & Sadock, 2007).

A TCC é definida como uma intervenção breve, estruturada e focada na resolução de problemas por meio da modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais (Beck, 1997). Essa modalidade de terapia se configura não somente como um modelo de tratamento, mas se caracteriza também como uma teoria da personalidade e da psicopatologia unificadas, tendo comprovação de sua eficácia por meio de evidências empíricas no tratamento de diversos transtornos.

A TCC baseia-se no modelo cognitivo, que pressupõe que as cognições influenciam as emoções e comportamentos (Beck, 1997), que, por sua vez, são afetados pela interpretação e/ou percepção das situações (Breshi & Castro, 2013). Trata-se de uma abordagem psicoterapêutica educativa, focal e baseada em discussões, em que o terapeuta assume uma postura diretiva e colaborativa, utilizando-se de técnicas cognitivas e comportamentais (Beck, 1997; Ito et al., 2008; Wright, Basco, & Thase, 2008). Beck (1997) ressalta que a TCC pode ser adaptada a indivíduos de todas as idades e classes sociais, sendo aplicada não somente a trabalhos individuais, mas também a psicoterapias de grupo, de família e de casais.

Considerando a ampla aceitação da TCC no tratamento de diversos transtornos mentais, Cordioli e Knapp (2008) apontam alguns fatores que contribuíram para tal: uma visão mais abrangente das patologias mentais ao considerar o valor dos pensamentos, das crenças disfuncionais e das aprendizagens errôneas aos diversos modelos etiológicos, propondo, assim, abordagens de grande valor heurístico; a facilidade em se testar empiricamente sua eficácia por meio de intervenções psicoterápicas geralmente breves; a promoção e uma melhor relação custo/benefício no tratamento de transtornos do Eixo I do DSM-IV-TR em relação aos modelos tradicionais, especialmente pela brevidade do tratamento; o desenvolvimento de protocolos e manuais que permitem a sua replicação por outros pesquisadores, bem como a sua padronização; e a elaboração de escalas e instrumentos de mensuração e a brevidade no tratamento, que possibilitam um maior controle de variáveis intervenientes e melhor previsão de resultados.

Esses fatores evidenciam alguns dos benefícios do tratamento que se utiliza da TCC, o que se aplica também ao emprego dessa abordagem para o TAS, o que vem sendo evidenciado pela literatura (D'el Rey & Pacini, 2005; Ito et al., 2008; Mululo et al., 2009a, 2009b). Ito e colaboradores (2008) apontam alguns passos a serem seguidos na intervenção do TAS, de acordo com o modelo supracitado, ressaltando, assim, que a realização de uma avaliação, psicoeducação, estabelecimento dos objetivos e aplicação de técnicas cognitivas e comportamentais, além da prevenção de recaída, devem ser consideradas.

Para a avaliação em TCC é necessário a realização de uma anamnese completa do paciente e o exame de seu estado mental, além do levantamento de seus sintomas atuais, suas relações interpessoais e sua base sociocultural, seus pontos fortes pessoais, considerando-se também os fatores da história de seu desenvolvimento, da genética, dos fatores biológicos e das doenças médicas (Wright et al., 2008). Nesse sentido, Falcone (2001) ressalta que se deve atentar aos fatores que contribuíram para o desenvolvimento e para a manutenção dos sintomas cognitivos, somáticos e comportamentais, assim como realizar um levantamento dos episódios recentes de ansiedade social.

Ainda, deve-se considerar, em primeiro lugar, os sintomas que causem maior dano ao paciente, pois, conforme o grau do transtorno e o nível de esquiva e disponibilidade do paciente, deve-se realizar o encaminhamento para tratamento individual ou grupal (Ito et al., 2008).

Beck (1997) aponta que é necessária também a educação do paciente quanto ao seu transtorno, de maneira que evite o uso de jargões e rótulos, instaurando a esperança no paciente e lhe mostrando que ele não é o único que enfrenta o mesmo problema. Quanto ao TAS, Ito e colaboradores (2008) apontam para a necessidade de se conversar com o paciente a respeito de um possível tratamento farmacológico e/ou do engajamento da família no processo. A importância da psicoeducação está no esclarecimento dos principais pontos envolvidos no tratamento para o paciente, considerando-se que a TCC é uma abordagem colaborativa, permitindo que ele possa participar ativamente do processo.

Além disso, vale mencionar que a TCC é orientada para metas e, desse modo, os objetivos do tratamento devem ser desenvolvidos entre terapeuta e paciente de maneira colaborativa. As metas mais frequentes abrangem amenizar a ansiedade antecipatória, inerentes aos sintomas fisiológicos da ansiedade e dos pensamentos negativistas que sustentam as crenças disfuncionais e a esquiva fóbica, e desenvolver habilidades sociais (Ito et al., 2008).

São muitas as técnicas cognitivas e comportamentais utilizadas no tratamento do TAS. De acordo com revisão dos principais estudos na área, destacam-se as seguintes técnicas: a reestruturação cognitiva; o treino de relaxamento; o treino de habilidades sociais; e experimentos comportamentais.

De acordo com D'el Rey e Pacini (2005), a reestruturação cognitiva é realizada para ensinar os pacientes a identificar suas cognições irracionais (Boden et al., 2012), realizando um teste de realidade e corrigindo o conteúdo distorcido. Desse modo, os pacientes são instruídos a identificar e a avaliar seus pensamentos automáticos distorcidos segundo evidências reais, o que pode ser realizado por meio de questionamento socrático e experimentos comportamentais, visando a elaboração de crenças menos tendenciosas e padronizadas (Mululo et al., 2009a, 2009b). Pode-se observar que a reestruturação cognitiva objetiva trazer o paciente para a realidade por meio do exame das evidências, o que fará com que ele perceba os erros cognitivos que está cometendo, como a supervalorização de situações ansiogênicas.

O treino de relaxamento, por sua vez, tem o objetivo principal de possibilitar ao paciente atingir um estado de calma mental e física (White et al., 2008). Essa técnica, no tratamento da fobia social, visa fazer o paciente aprender a controlar suas respostas fisiológicas da ansiedade (Ito et al., 2008), podendo ser utilizada por meio do controle da respiração e do relaxamento muscular. Desse modo, as técnicas de relaxamento são uma das primeiras ferramentas no tratamento do TAS, permitindo ao paciente um maior controle de si em situações ansiosas, o que pode servir como parâmetro para a utilização de outras técnicas comportamentais.

Já no tocante ao treino de habilidade sociais, Savoia e Barros Neto (2000) defendem que essa técnica é bastante utilizada no caso do TAS por conta dos indivíduos portadores da patologia possuírem um déficit em suas habilidades sociais. Logo, a utilização da técnica facilitaria o uso de outras, como a exposição, e auxiliaria a reestruturação cognitiva por meio da redução da ansiedade em meio ao contato interpessoal. Desse modo, justifica-se a utilização da técnica como um dos elementos de suma importância na avaliação do TAS (Bolsoni-Silva, & Loureiro, 2014). Segundo Falcone (2001), o treinamento em habilidades sociais permite o desenvolvimento de capacidades para defender os próprios direitos, expressar opiniões, recusar pedidos, entre outros. Nesse sentido, considera-se que as habilidades sociais são compostas por comportamentos verbais e não verbais e os padrões comportamentais resultantes desses últimos são: o comportamento assertivo, que se expressa; o não assertivo, que evita confrontações; e o agressivo, que explode (Savoia & Barros Neto, 2000). Dessa maneira, o treino de habilidades sociais visa incorporar padrões assertivos ao repertório comportamental do paciente.

Os experimentos comportamentais, como salientado por White e colaboradores (2008), têm como objetivo expor o indivíduo a situações que representam ansiedade, o que deve ser feito de maneira gradual, geralmente envolvendo a dessensibilização sistemática, no qual trabalharia com uma hierarquia de estímulos temidos. Esse procedimento pode ser realizado de duas maneiras: por meio da imaginação, a partir da geração de imagens mentais, e exposição in vivo, onde há a confrontação com o estímulo que representa medo ao paciente (Mululo et al., 2009a, 2009b; White et al., 2008). Geralmente, a exposição in vivo é realizada no estágio final do tratamento, momento em que o paciente sente-se mais seguro para entrar em contato com o objeto de fobia.

O tratamento deve ser encerrado quando houver uma diminuição significativa dos sintomas, momento em que deve ser revisado com o paciente tudo o que foi aprendido durante a terapia para que ele possa se utilizar de tais procedimentos, caso seja necessário, sendo alertado e preparado também para uma eventual recaída (Ito et al., 2008).

Além disso, a associação da psicoterapia com farmacoterapia vem alcançando resultados positivos (Canton, Scott, & Glue, 2013; Cummings et al., 2013; Le Blanc et al., 2014). Nesse sentido, Kaplan e Sadock (2007) apontam alguns medicamentos que têm sido eficazes no tratamento do TAS: inibidores seletivos da serotonina (ISRSs), benzodiazepínicos, venlafaxina e buspirona. Em relação ao uso da medicação, Nardi (1999) alerta que os medicamentos que estejam funcionando corretamente devem ser mantidos por períodos prolongados mais de dois anos, e se, por ventura, houver recaída, deve-se reiniciar o tratamento com o medicamento que produziu melhores resultados na primeira fase do tratamento ou trocar por outro que leve a menores efeitos colaterais.

 

CONCLUSÃO

O TAS é uma enfermidade que causa bastante comprometimento nas mais diversas esferas da vida social e pessoal em decorrência de sua comorbidade e cronicidade e por ser debilitante, sendo um dos transtornos mais prevalentes na população em geral. Frente a isso, é de grande relevância que o diagnóstico e a intervenção sejam iniciados o mais breve possível, a fim de se garantir uma melhora na qualidade de vida e no desempenho nas atividades desenvolvidas.

Também, destaca-se a intervenção da teoria cognitivo-comportamental que, juntamente com a psicofarmacologia (Le Blanc et al., 2014), constitui-se como o recurso terapêutico de maior eficiência e evidência empíricas. Dado os impactos já mencionados ao longo deste estudo, verifica-se a necessidade de mais pesquisas na área a fim de se obter maior compreensão desse transtorno, bem como proporcionar intervenções mais condizentes.

 

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Correspondência:
Estefanea Élida da Silva Gusmão
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 10 de novembro de 2014. cod. 315.
Artigo aceito em 02 de abril de 2015.

 

 

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