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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.63 no.1 Rio de Janeiro  2011

 

ARTIGOS

 

Psicoterapeutas iniciantes: os desafios das diversidades afetivo-sexuais

 

New psychotherapists: challenges regarding affective-sexual diversities

 

Psicoterapeutas novatos: los desafíos con las diversidades afectivo-sexuales

 

 

Maria Alves de Toledo Bruns

Docente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo. Brasil. toledobruns@uol.com.br

 

 


RESUMO

O presente artigo consiste em um relato de experiência a partir de supervisões de casos de clientes com queixas afetivo-sexuais atendidos por psicoterapeutas iniciantes seguidores da terapia centrada na pessoa, de Carl Rogers (1902-1987), e na Gestalt-terapia, de Fritz Perls (1893-1970). Seu objetivo é refletir criticamente sobre limitações existentes na formação desses psicoterapeutas acerca das diversidades sexuais contemporâneas na interface com o paradigma fenomenológico existencial, considerando que o sujeito contemporâneo vem sofrendo profundas modificações em seu lebenswelt, mundo vivido, em suas relações afetivas, emocionais e sexuais, as quais, dialeticamente, refletem seu aprisionamento ao paradigma de um prazer sexual isento de frustrações e conflitos, ou seja, de crises inerentes aos horizontes de crescimento individual. O texto constitui-se numa interlocução crítico-reflexiva com autores comprometidos com essas questões, que vêm apontando os impasses e desafios da clínica pós-moderna.

Palavras-chave: Terapeutas iniciantes; Formação profissional; Diversidades sexuais; Fenomenologia; Clínica contemporânea.


ABSTRACT

This article is a report of a supervision experience with cases of clients with affective-sexual claims brought to me by psychotherapists adopting the Person-centered approach developed by Carl Rogers (1902-1987) and the Gestalt Therapy, by Fritz Perls (1893-1970). Its aim is to foster a critical reflection upon a gap in new psychotherapists’ education regarding the contemporary sexual diversity in an interface with the existential phenomenological paradigm pondering that contemporary individuals have been experiencing profound transformation in their lebenswelt, lifeworld, in their affective, emotional and sexual relationships which dialectically reflect their imprisonment to the paradigm of sexual pleasure as to abominate frustrations and conflicts, crises inherent to the horizons of an individual’s development. The article establishes a critical-reflexive dialog with authors committed to researching such issues, who have been pointing out the impasse and challenges of the contemporary clinic.

Keywords: New therapists; Professional education; Sexual diversities; Phenomenology; Contemporary clinic.


RESUMEN

El presente artículo es un relato de experiencia a partir de la supervisión de casos de clientes con quejas afectivo-sexuales tratados por psicoterapeutas novatos que siguen la terapia centrada en la persona, de Carl Rogers (1902-1987), y en la terapia Gestalt, de Fritz Perls (1893-1970). El objetivo es reflexionar críticamente sobre las limitaciones existentes en la formación de estos psicoterapeutas acerca de las diversidades sexuales contemporáneas en la interrelación con el paradigma fenomenológico existencial, teniendo en cuenta que el sujeto contemporáneo ha sufrido profundas transformaciones en su lebenswelt, mundo vivido, en sus relaciones afectivas, emocionales y sexuales, las cuales, dialécticamente, reflejan su aprisionamiento al paradigma de un placer sexual libre de frustraciones y conflictos, es decir, de crisis inherentes a los horizontes de crecimiento individual. El texto constituye un diálogo crítico y reflexivo con autores comprometidos con estos asuntos, los cuales vienen señalando las dificultades y los desafíos de la clínica postmoderna.

Palavras-clave: Terapeutas novatos; Formación profesional; Diversidades sexuales; Fenomenología; Clínica contemporánea.


 

 

Neste texto, busco socializar minha experiência como supervisora de casos de clientes com queixas sexuais, que são situações trazidas a mim por psicoterapeutas recém-formados e/ou com especialização na abordagem de Carl Rogers (1902-1987), o pai da terapia centrada na pessoa/cliente, e de seu contemporâneo Fritz Perls (1893-1970), o ícone da Gestalt-terapia.

As recorrentes questões sexuais de seus clientes trazidas para a supervisão dizem respeito às disfunções sexuais masculinas – ejaculação precoce e disfunção erétil – e às femininas – ausência de excitação sexual e dispareunia –; aos conflitos dos transexuais masculinos e femininos com desejo de realizarem a cirurgia de transgenitalização (troca de sexo por transexuais masculino e feminino) e/ou daqueles que já realizaram a cirurgia e necessitam de acompanhamento para acolher o “novo corpo”; à prática do sexo virtual por adolescentes, jovens, adultos e velhos, independentemente de sua orientação sexual; ao fenômeno da parentalidade de gays e lésbicas; à prostituição infanto-juvenil feminina e masculina; à violência intrafamiliar; à pedofilia; à homofobia e às dúvidas e angústias de pais que buscam ajuda do psicoterapeuta para saber qual a “hora certa para falar de sexo” com seus filhos.

Há, em menor número, as queixas sexuais trazidas pelos pais de crianças, adolescentes ou adultos com necessidades especiais (independentemente do gênero, da faixa etária ou classe social), como cegos, surdos, mudos, cadeirantes, portadores de Síndrome de Down, entre outros, que vêm progressivamente conquistando espaço na sociedade, desconstruindo tabus, preconceitos e estigmas a respeito de suas necessidades afetivo-sexuais, de modo a terem garantido o direito não só à inclusão social, educacional, cultural, mas também sexual. Tais conquistas ocorreram substancialmente nas últimas décadas do século XX, demarcadas pela visibilidade do lebenswelt, mundo vivido, daqueles com necessidades especiais que clamaram seus desejos por respeito às diferenças físicas, psicológicas, espirituais, sexuais e culturais, entre outras.

Mas, enfim, ainda que as queixas advindas desse grupo sejam em menor número, vale ressaltar que a busca desse segmento populacional por profissionais que compreendam suas representações sociais, símbolos, desejos e fantasias eróticas a respeito da vida afetivo-sexual, bem como a dimensão das fases do impulso e da resposta sexual, é uma realidade a ser considerada.

No decorrer da supervisão dos casos citados tenho constatado que inúmeras dificuldades do psicoterapeuta recém-formado em lidar com as queixas sexuais trazidas pelos clientes lhe demandam conhecimento acerca de conflitos de identidade de gênero e de orientação do desejo, de transtornos do desejo e da resposta sexual, de questões relativas à excitação e ao orgasmo feminino. E essa vivência permite-me identificar que tais dificuldades estão centradas na aquisição insuficiente de conhecimentos acerca das dimensões bio-psico-sócio-culturais da sexualidade humana, no decorrer de sua formação profissional.

Outro aspecto tributário dessa problemática é a superficialidade do conhecimento acerca da abordagem psicológica eleita pelo psicoterapeuta iniciante, que desconhece, muitas vezes, a produção científica realizada por docentes/pesquisadores comprometidos com a qualidade da formação teórica, metodológica, técnica e ética do psicólogo que, há décadas, vêm se dedicando a uma análise crítica acerca das abordagens de Rogers e de Perls, de modo a disponibilizarem ao público acadêmico um corpo de conhecimento atualizado. Situo ainda a postura resistente desse profissional para visualizar os horizontes da prática clínica multidisciplinar.

Tal realidade desvela que a formação de tais psicoterapeutas iniciantes que ancoram sua prática clínica no paradigma fenomenológico existencial merece uma reflexão crítica pela ausência de domínio da fundamentação teórico-metodológica específica acerca das inúmeras expressões das diversidades sexuais contemporâneas, cujas consequências refletem na qualidade de sua relação terapêutica com o cliente.

Urge dizer que essas dificuldades citadas impedem que esse profissional possa promover uma fala autêntica com seus clientes acerca de suas queixas afetivo-sexuais no sentido de aliviar as dores e conflitos identitários vividos por eles – sujeitos contemporâneos aprisionados ao paradigma de prazer sexual que abomina frustrações, conflitos e crises inerentes à desvinculação do sujeito do “sólido e fixo” modelo da heteronormatividade, retroalimentado por séculos pelo modelo patriarcal.

Segundo Amatuzzi (1989), a promoção da fala autêntica do cliente solicita a fala autêntica do psicoterapeuta e acontece “[...] só à medida que a fala do terapeuta for uma modulação sincrônica de sua própria existência, uma transformação de ser, que a sua resposta ao cliente será original, primária, autêntica. A verdadeira empatia é indissociável da autenticidade. Mas isso significa que só posso compreender verdadeiramente alguém no ato de ser profundamente eu mesmo” (p. 33).

No presente contexto, cabe acrescentar que a real qualidade da escuta autêntica, além de dever estar entrelaçada à extensão do domínio de conhecimentos teóricos, interdisciplinares, técnicos, juntamente com os aspectos éticos adquiridos durante a formação profissional, deve levar em conta a extensão das diversidades e demandas sexuais da contemporaneidade.

É oportuno esclarecer ao leitor que as razões que levam um psicoterapeuta a solicitar minha supervisão de casos clínicos com queixas afetivo-sexuais devem-se a vários fatores, dentre os quais destaco: primeiramente, minha opção pelo paradigma fenomenológico-existencial, no qual ancoro minhas pesquisas sobre as diversidades afetivo-sexuais. Optar por um paradigma, ou seja, por uma visão de mundo, um modelo de ciência, é de máxima importância, considerando-se que os paradigmas são constituídos de pressupostos epistemológicos e filosóficos e são a instância ancoradora do método, da teoria, das possibilidades de “estratégias/técnicas” e da postura ética em direção ao desvelamento de horizontes de matizes de sentidos das sexualidades contemporâneas.

Em segundo lugar, por ser dessa posição que elejo a metodologia qualitativa fenomenológica para conduzir com rigor científico os passos da análise compreensivo-interpretativa de vivências afetivo-sexuais de homens e de mulheres na interface com os pertinentes saberes heidegeriano, buberiano, merleau-pontyano, entre outros, bem como de autores de áreas afins que se ocupam em elucidar os processos identitários singulares nas relações amorosas atuais.

E, por fim, também pelo fato de o universo das pesquisas realizadas sob minha responsabilidade ser constituído por vivências afetivo-sexuais contemporâneas que ocorrem a partir dos horizontes de elucidação das feminilidades e masculinidades, ou seja, do mundo-vida de mulheres e de homens na interface com a sexualidade em trânsito vivida pelos transexuais e travestis, entre outros.

Entre tantas pesquisas realizadas acerca da sexualidade, elejo alguns autores que vêm se ocupando de desvelar aspectos que vão ao encontro das queixas sexuais de clientes trazidas a mim por esses psicoterapeutas.

Pesquisa de Pinto e Bruns (2006) realizada com homens transexuais em busca de realização da cirurgia de adequação sexual visa solucionar o conflito oriundo de sua não aceitação de seu sexo anatômico e o desejo de adequá-lo ao almejado – conflito esse vivido com profunda dor psíquica, ao ponto de provocar neles sintomas depressivos, tendência à automutilação e até ao suicídio. Nesse caso, como em outros, é indispensável que o psicoterapeuta reconheça que ele próprio poderá contribuir para ampliar o mundo-vida de seu cliente através da busca, por exemplo, por um profissional da psiquiatria, endocrinologia, sexologia e/ou urologia, para juntos compartilharem decisões inerentes à complexidade do caso.

A avaliação psicológica de transexuais evidencia as condições de seu lebenswelt, desvelado na e pela sua história de vida, que engloba: os contextos familiar, emocional, psicológico e profissional; a mudança de nome e de gênero; bem como suas condições para enfrentar os variados graus de estresse gerados nessa vivência (Pinto; Bruns, 2009).

Outro aspecto importante está relacionado à sua vida amorosa. A parceria estável ou não solicita postura específica do terapeuta no pré e no pós-operatório. Na parceria estável, a psicoterapia ocorre com o casal e lida com questões acerca do novo corpo e imagem corporal, dos novos papéis de gênero social, das possibilidades de orgasmos após a vaginoplastia (construção de uma neovagina por intermédio da técnica cirúrgica) e do alerta sobre as questões econômicas e jurídicas relacionadas à retificação do Registro Civil (Vieira, 2009).

Situação semelhante ocorre com a mulher transexual, que deseja submeter-se à mastectomia (retirada de mamas) e à histerectomia (retirada do útero) para adequar o seu sexo biológico ao psíquico e necessita de psicoterapia a fim de visualizar as possibilidades de ter suas expectativas em relação ao novo corpo atendidas ou não. Deve haver também preparo psicológico de familiares e repasse de informações quanto aos riscos inerentes à cirurgia, entre outras questões.

Em suma, a complexidade que envolve esse tipo de queixa sexual, entre outras, solicita do psicoterapeuta o domínio de conhecimento acerca de gênero, das questões relacionadas à retificação do Registro Civil, bem como a disposição para inovar o “fazer clínico” pelo horizonte da multidisciplinaridade. Como afirmam Pinto e Bruns (2009):

“A integração entre o cirurgião e os demais profissionais da equipe – psiquiatra, psicólogo, endocrinologista, assistente social – é fundamental, bem como a enfermagem que participa do processo trans e pós-operatório e outras equipes de apoio, como a de fisioterapia, fonoaudiologia, otorrinolaringologia, dermatologia, ginecologia e a de cirurgia plástica também são envolvidas no processo de tratamento de pessoas transexuais” (p. 81).

É notório que esse “fazer clínico” atende a demandas, sutis e extremosas, que advêm de um universo de possibilidades, queixas, problemas e conflitos qualitativamente diferentes daquele vivido pelas gerações do período em que as abordagens centradas no cliente e a Gestalt-terapia foram elaboradas por seus ícones.

O século XX foi marcado por significativas transformações tecnológicas – do nascimento dos anticoncepcionais ao teste de paternidade, passando pelas novas técnicas de tratamento para as disfunções sexuais de homens e mulheres, pelas revolucionárias técnicas reprodutivas, como a fertilização in vitro e banco de espermas, entre outras descobertas científicas que desencadearam e/ou desencadeiam ainda hoje profundas modificações nas relações de gênero, novos arranjos familiares, ênfase no individualismo e significativas mudanças nas práticas amorosas e em nosso modo de expressar a nossa sexualidade, tão presentes nas queixas afetivo-sexuais na contemporaneidade.

Na visão de Lipovetsky (2004), estamos diante de uma escalada de extremos: hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hipermercado, hipertudo e, portanto, hipermodernidade. Nesse contexto, o hiperindividualismo, a hiperpatologia, o hiperdistúrbio e os hiperexcessos comportamentais se materializam no modo de ser do sujeito hipermoderno, que desvela na sua dor sua inadaptabilidade para lidar com a desestruturação de seus “firmes alicerces” institucionais.

A percepção do tempo é vivenciada como uma preocupação acompanhada de constante pressão, estresse e distúrbios psicossomáticos. As ameaças de instabilidade compõem a cartografia não apenas dos projetos laborais, como também de relacionamentos afetivo-sexuais. Hoje o que impera é o tempo do risco, da incerteza e da insegurança.

Para este autor, a compulsão presentista é uma fuga em face de um mundo desprovido de futuro, é um escape da angústia existencial. Desse modo, os vínculos afetivos estão sendo cada vez mais ameaçados pela cultura da imediatez, a qual não oferece “ferramentas” para os indivíduos suportarem a solidão, a depressão, a ansiedade, o estresse, entre outras doenças psicossomáticas, o que, reafirmo, demanda que a formação do psicoterapeuta – tanto teórica quanto metodológica e prática – seja fundamentada por um paradigma que leve em consideração essa realidade. Corroborando também a visão de Lipovetsky (op. cit.), Pinto (2006), psicólogo Gestalt-terapeuta, expressa:

“O tempo hoje é o tempo do já. É aqui e agora. Liberdade sem limites e sem responsabilidades. Vida sem frustrações. Amor líquido. Tolerância passional. Saúde só corporal. Responsabilidade social só com os iguais. Honestidade relativa. Beleza narcísica. Conhecimento especializado. Solidariedade estratificada. Urgência. Fast food, fast existence, fast death” (p. 63).

Vivemos hoje a “ditadura do prazer”, sendo o prazer sexual um imperativo, uma obrigação diária. Felicidade aqui e agora – frustração nenhuma. A convivência familiar, com raras exceções, é um campo minado. Cada membro da família se percebe “senhor(a)” do direito de ter todos os seus desejos realizados instantaneamente, como se isso fosse possível.

Abdo (2004), por sua vez, desvela o lado escuro da “ditadura do prazer” ao apontar, por exemplo, que a prevalência de disfunção erétil versus a idade de iniciação sexual em 2.778 homens é de 45,2% entre jovens com até 15 anos; 43,4% para os que iniciaram vida sexual entre 16 e 20 e de 47,5% para aqueles que iniciaram acima dos 20 anos, dados que revelam que a qualidade da vida afetiva e sexual dos jovens não está satisfatória.

Essa constatação leva-nos a refletir que não basta ter um corpo sarado, malhado, cultuado para atender nossas ordens conscientes; é preciso conhecer e respeitar as trajetórias de emoções e seus registros, que desenham caprichosamente nossos desejos. A ansiedade pode, por exemplo, obliterar em muito o desempenho sexual masculino.

Outro aspecto a ser ressaltado é o desconhecimento do homem acerca do corpo da mulher. A valorização da quantidade de relações sexuais em detrimento da qualidade (a tão clamada potência sexual), a dificuldade de estabelecer vínculos afetivos, bem como o medo de “falhar” (desencadeado também pela ansiedade) são apontados como causadores de disfunção erétil.

Importa, ainda, chamar a atenção para a ocorrência de dispareunia (dor insuportável vivida pela mulher durante a relação sexual) e sua consequência na saúde sexual da mulher – um dos fulcros de vivências de angústia e conflito entre os parceiros, podendo ser ao mesmo tempo desencadeadora de busca de ajuda de um psicoterapeuta que domine a dinâmica da cartografia do prazer sexual pela perspectiva das construções sócio-histórico-culturais das relações de gêneros na interface com a repressão sexual, preconceitos, mitos e tabus acerca da sexualidade. A esse respeito, pesquisa realizada por Gerin (2008) com mulheres com queixas de dispareunia constatou ausência de intimidade com o parceiro, desinformação sobre o próprio corpo e sentimentos de culpa originados pela internalização de valores religiosos que associam o prazer sexual ao pecado.

Assim, ressalvadas as exceções, reitero que, devido às dificuldades às quais me refiro no início deste texto, falta ao psicoterapeuta iniciante a escuta atentiva necessária para “passear de mãos dadas com o cliente em seu lebenswelt” (Moreira, 2009) de modo a decifrar na fala desse sujeito/cliente os sentidos ocultos de suas queixas afetivo-sexuais, com vista a suscitar nele a clarificação de sentimentos aflitivos, medos, mitos, tabus, insegurança, ansiedade e preconceitos.

Esse profissional iniciante deveria, portanto, reconhecer que se apropriar dos saberes produzidos pelas diversas áreas do conhecimento viabiliza outros horizontes de possibilidades no processo terapêutico, contribuindo para aliviar o sofrimento psíquico de seu cliente, o que é compreendido por mim como promovedor do autêntico encontro psicoterapêutico. De certa forma, isso vai ao encontro do que afirma Asnis (2009), embora abordando a terapia combinada em casos terapêuticos diversos e não apenas no âmbito da sexualidade:

“Psicoterapeutas inexperientes, inseguros e/ou com pouca base teórica poderão não indicar ou retardar a necessária utilização de medicações, por vezes colocando não apenas a psicoterapia em risco, mas também, o que é mais grave, a própria vida do paciente. É importante ressaltar que o sucesso da terapia combinada dependerá do respeito mútuo entre psicólogo e psiquiatra, cada um sabendo exatamente qual é o seu papel nesse delicado processo, mantendo contínuo contato para troca de impressões sobre o paciente” (p. 182).

Com efeito, o que muito se vê nas supervisões é a resistência do psicoterapeuta recém-formado em reconhecer esse espaço da interlocução com outros profissionais. Postura essa que vai de encontro ao paradigma fenomenológico existencial. Como nos esclarece Moreira (2009), “o processo psicoterapêutico se produz na interseção dos lebenswelt do terapeuta e do cliente. O psicoterapeuta passeia de mãos dadas com o cliente em seu lebenswelt (mundo vivido), buscando sempre compreendê-lo, sem nunca separar-se de seu próprio lebenswelt”.

Como já identificado, sinto estar o psicoterapeuta iniciante despreparado também para orientar pais e educadores acerca da erotização e/ou adultização e curiosidades de crianças sobre sexo, das dúvidas e anseios de adolescentes que se percebem ora heterossexuais, ora homossexuais, ora bissexuais, bem como da sexualidade daqueles com mais de 70 anos. Ele se mostra despreparado, ainda, para lidar com os questionamentos e anseios de portadores de cuidados especiais – como são os cegos, os cadeirantes e aqueles com déficit intelectual – acerca de sua sexualidade. Enfim, essa complexa realidade do existir humano clama por significação e sentido. Minha proposta neste texto é, então, apontar que nela o acolhimento em equipe ocupa um lugar extremamente importante.

Diante de todas essas mudanças, revisitar currículos, disciplinas, estágios e supervisões de casos pode contribuir muito para a prática do psicoterapeuta iniciante e daqueles que almejam realizar esse projeto profissional alicerçados numa visão ampla e abrangente da existência humana. Cardoso (1985) e Boris (2008) mostram que o psicoterapeuta iniciante muitas vezes encontra-se com sintomas semelhantes aos vividos por seus clientes e apontam para a importância de o estudante de psicologia submeter-se ao processo psicoterapêutico tanto durante quanto após a graduação, bem como solicitar a supervisão de profissionais experientes e competentes, juntamente com um aprofundamento minucioso do enfoque teórico por ele eleito. Constatação esta que corrobora a realidade vivida por mim em relação ao desconhecimento do psicoterapeuta iniciante acerca dos dilemas sexuais experienciados por crianças, jovens, adultos e idosos na atualidade.

Outro aspecto muito inquietante é a desmotivação de alguns desses profissionais para enriquecer seu currículo oculto tanto de pesquisas acerca da sexualidade contemporânea quanto de pesquisas acerca das teorias/abordagens psicológicas que vêm sendo revisitadas por pesquisadores comprometidos com a realidade atual.

Os resultados de pesquisas nacionais e internacionais realizadas sobre os diversos aspectos da sexualidade contemporânea, sob as diferentes óticas teóricas e trajetórias metodológicas – sejam eles divulgados pela indústria farmacológica, pelos periódicos científicos, pela mídia impressa ou eletrônica – mostram que muito vem sendo feito, contribuindo para a ampliação dos horizontes de conhecimentos acerca das disfunções sexuais masculinas e femininas; da cirurgia de transgenitalização; da reprodução assistida; da sexualidade de cegos; da parentalidade de gays e lésbicas; da homofobia; dos relacionamentos virtuais; da prostituição das classes média e alta, bem como da infanto-juvenil; da pedofilia; da violência intrafamiliar, entre outros aspectos estudados.

Faz-se importante evidenciar também que, não raro, clientes chegam à clínica após terem tido acesso a tais pesquisas, causando ligeiro desconforto em seu psicoterapeuta simplesmente por deflagrarem desinformação ou desinteresse deste em ampliar seus horizontes acerca da produção nacional e internacional no tocante às diversidades sexuais. Para Amatuzzi (1989), “o saber e o posicionar-se são dimensões do processo psicoterapêutico” (p. 15).

Sobre essas últimas colocações, constato que estamos diante de uma realidade complexa e paradoxal. Há uma rica produção nacional e internacional de um corpo de conhecimentos originados de pesquisas sobre sexualidade em contrapartida à desmotivação do estudante/profissional recém-formado para acessar tais conhecimentos de modo a enriquecer seu currículo oculto, somada ainda à resistência dos gestores de cursos de formação de profissionais das áreas da saúde e educação, como lugar de co-conscientização de sujeitos, no que se refere à inclusão no currículo de uma disciplina voltada para o estudo das diversidades sexuais contemporâneas, aspectos da sexualidade e questões de gênero.

A formação de profissionais com competência teórica, metodológica, técnica e ética é indispensável para o estabelecimento de uma interlocução com estudantes, em todos os níveis de ensino – Fundamental, Médio, Superior –, com familiares e também com a comunidade, sobre a realidade das práticas sexuais contemporâneas. A sexualidade responsável, saudável, voltada à prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDS e de gravidez indesejada e suas consequências; ao combate à pedofilia e à prostituição infanto-juvenil; às reivindicações dos GLTTs, entre outras questões, bem como ausente de preconceitos, de tabus e de outros tipos de desinformação, deve, por intermédio desses profissionais, ser cada vez mais buscada, compreendida e vivida pela sociedade, que clama por esclarecimentos acerca de suas dúvidas e dilemas referentes à sexualidade. Isso sem falar na “escuta autêntica” referente à violência intrafamiliar e seus danos imediatos à saúde física, psicológica e emocional de mulheres/crianças/adolescentes e seus desdobramentos no decorrer da vida desses sujeitos.

Para o psicólogo Angelim (2010), o momento atual pede propostas de trabalho multidisciplinar. Conforme enfatiza o autor, a execução de tais propostas demanda que a formação profissional seja contemplada com conteúdos que perpassem pelo processo de construção da ideologia do patriarcado, dos papéis de gêneros e do ciclo da violência doméstica e de suas intervenções adequadas. Compartilhando da visão desse autor, considero ser esse um caminho que pode levar à tomada de consciência política dos gestores e pesquisadores de instâncias comprometidas com a qualidade da formação profissional do psicoterapeuta na pós-modernidade, conforme já expressado.

Sensibilizada com essa questão, é da perspectiva de comprometimento com os dilemas afetivos, psicoemocionais e sexuais vividos pelo sujeito/cliente que reclama informações, esclarecimentos, compreensão e acolhimento, que situo esta reflexão crítica sobre a formação desses psicoterapeutas. No entanto, não deixo de reconhecer que o lugar ocupado por esse profissional é também povoado de dilemas, dúvidas e angústias originadas por seu olhar fragmentado e superficial acerca da gama de matizes das diversidades sexuais, pela ausência de uma visão integrada e dinâmica dos múltiplos saberes acolhidos pelo paradigma fenomenológico existencial, bem como de uma reflexão crítica sobre as teorias por ele adotadas.

Para o fenomenólogo Merleau-Ponty (1945/2006), a sexualidade expressa o lebenswelt do homem como existência encarnada e finita num corpo que materializa seus infinitos horizontes de possibilidades. “A sexualidade é o que faz com que o homem tenha uma história. Se a história sexual de um homem dá a chave de sua vida, é porque na sexualidade do homem se projeta sua maneira de ser com relação ao mundo, isto é, com relação ao tempo e aos outros homens” (p. 168). Esse pertinente conceito abarca e situa o homem como um ser histórico, social, político e cultural. Portanto, o homem como sujeito sexuado experimenta, ao nascer, um mundo-vida já construído.

Com isso quero dizer que a comunidade precede a biografia da criança, a qual tem sua existência, num primeiro momento, submetida às relações intrafamiliares e, num segundo, às relações extrafamiliares – as quais a criança, nos dias atuais, experiencia já desde a tenra idade nos ambientes da creche, da escola, da igreja, do clube, do grupo de amigos, entre outros locais de trocas significativas e consequente apropriação, intersubjetiva, dos patrimônios linguístico, espiritual/religioso, afetivo-sexual, bem como dos costumes, crenças, tabus, mitos, preconceitos e símbolos que constituem sua dinâmica de transformação.

Desse modo, ela vai ampliando seus horizontes, ou seja, o seu lebenswelt, pela ação/socialização num movimento dialético em que começa a interagir e a interferir tanto no seu mundo intrafamiliar quanto no extrafamiliar.

Nos dizeres de Bruns (2007), é na infância que são edificadas as primeiras cenas da história afetivo-sexual de cada sujeito, cenas que comporão o lebenswelt de todos nós e que nos acompanharão por toda a nossa existência. É a infância o momento de construção de nossas subjetividades, marcadas pelos preconceitos, tabus, estigmas e/ou altruísmo ou princípios solidários, entre outros. É importante considerar que no modo de ser de cada sujeito estão registradas as primeiras lições acerca de como expressar o afeto, o desafeto, o ódio, a raiva, a relação estabelecida consigo próprio, com os demais seres e com o mundo no decorrer de sua existência.

Na infância reside a importância singular que cada unidade familiar possui em relação à erotização do corpo projetada sobre o futuro de seus descendentes, e é nela também que se imprime o projeto que cada sociedade cria e recria no decorrer de sua história. Ensina-nos Merleau-Ponty (1995/2000) que “o mundo não é um objeto no qual possuo em meu íntimo a lei da constituição, ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explicitadas. A verdade não ‘habita’ somente o ‘homem interior’, ou mais precisamente, não há homem interior, o homem está no mundo e é no mundo que ele se conhece” (p. 8).

Por essa ótica abrangente, o homem é um Ser com infinitas possibilidades e dimensões de compreensão/interpretação. É um Ser situado e o seu lebenswelt é o “registro” da sua relação consigo mesmo, com seus semelhantes e com o mundo, dentro de um determinado espaço de tempo em certo momento que é dinâmico e se constitui nas e pelas instâncias dos contextos histórico, religioso, filosófico, político, sexual, espiritual, social, educacional e midiático, entre outros – ou seja, o homem e o mundo constituem uma unidade inseparável e original única.

O corpo é a materialização da presença desse ser no mundo. Com sua mente e sua capacidade intelectual, emocional e espiritual, o homem participa do mundo numa relação dialética constante. E a sexualidade é a dimensão que expressa de modo abrangente sua totalidade.

O corpo é o habitat do erotismo, a força transgressora que triunfa sobre as interdições, valores, preconceitos, estigmas e tabus de cada sociedade. Visto ora pela perspectiva do sagrado, ora pela do profanado, ou ainda do interpretado, o corpo sempre esteve “capturado” pelos modismos de cada época, em consonância com as normas de cada sociedade.

Enfim, no decorrer da história, o corpo tem sido objeto de vários discursos: o religioso, o científico, o político, o psicanalítico, o midiático, o fenomenológico, entre outros. Cada um deles atendendo a um paradigma, a uma temporalidade, mas todos eles paradoxalmente passíveis de mudanças. Assim, essas pesquisas, entre outras, dão força à reflexão que venho desenvolvendo no sentido de revelar a necessidade de profissionais e gestores de faculdades e universidades – instâncias de competência – revisitarem a estrutura curricular (disciplinas/estágios/supervisões), como já citado, de modo a disponibilizarem ao profissional por eles formado um corpo de conhecimento que possa capacitá-lo a lidar com as queixas sexuais do sujeito/cliente contemporâneo.

 

Revisitando as abordagens de Rogers e Perls

A preocupação com todas essas transformações vem ocupando pesquisadores que estão apontando os problemas vivenciados na clínica contemporânea, ancorada na abordagem de Carl Rogers e na Gestalt-terapia, para além do que destaquei até aqui: a carência de conhecimentos acerca da sexualidade na formação por parte dos psicoterapeutas iniciantes e a ausência de leitura crítico-reflexivo sobre as abordagens, bem como acesso às pesquisas acerca dessas questões.

Pesquisas como a de Barreto, C. L. (2001, 2006), Moreira (2007), Belém (2004), Bezerra (2007), pesquisadores comprometidos com o lugar da clínica contemporânea, devem ser conhecidas desse profissional iniciante. Barreto, C. L. (2001, apud BARRETO, 2006), pesquisadora e psicoterapeuta, realiza uma excelente análise crítico-reflexiva acerca da proposta epistemológica de Carl Rogers e dos construtos teóricos de “tendência atualizante” e da “noção de angústia” na interface com a sua prática psicoterapêutica. Percebeu a autora que “algo” emergia da fala de seus clientes. No processo investigativo em direção a desvelar esse “algo” que emergia de suas falas, conclui que, centrando-se na pessoa, essa teoria

“concebe uma dimensão naturalizante e positivista do ser humano, deixando de acolher aquilo que é próprio à condição humana, manifesto na experiência de angústia. Por sua vez, a angústia, desvelada nas falas de clientes, apresentava-se pela experiência de ser possibilidade como presença, como ser-no-mundo. Diz respeito a entregar-se à responsabilidade de ser: de acolher o modo de ser propriamente ou impropriamente” (p. 12).

Moreira (2007), ao também focar sua atenção nessa abordagem centrada na pessoa, retoma o conceito de humanismo antropocêntrico, no qual Rogers ancora sua concepção de pessoa, e expõe que tal visão antropocêntrica considera a pessoa como o centro do mundo – do qual parte e para o qual converge sua tendência atualizante, ou seja, seu poder de mudar não só a si próprio como também o mundo. A autora, ancorada na perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, de homem-mundano, ou seja, eminentemente cultural, esboça o método fenomenológico mundano e desse modo ultrapassa a concepção antropocêntrica de Rogers.

Compartilhando dessa inquietação com relação à citada teoria, Belém (2004) também chama a atenção para a crise de paradigmas na contemporaneidade e aponta para “a insuficiência dos parâmetros da tradição moderna – aos quais Rogers manteve-se fiel –, que não dão mais conta de determinados fenômenos” (p. 7). Enfim, essa visão rogeriana (des)territorializa a pessoa de seu enraizamento social, histórico, político e cultural. Simultaneamente, ao inflar seu poder em si mesma, a pessoa empobrece seu mundo vivido por não se abrir ao universo das relações interpessoais imprescindíveis ao encontro com o outro – o TU. É na relação com o outro que se aprende a desenvolver a capacidade de adiar a satisfação de desejos. É no entrelaçamento do EU com o TU que afloram o limite, o civilizar, o tolerar, o frustrar. O entre é o lócus privilegiado para estabelecer o contorno. Quando não há contorno, transborda-se em sintomas decodificados como sofrimento psíquico.

Bezerra (2007), em suas pertinentes reflexões, aponta-nos que as teorias psicoterápicas centradas na pessoa e as da Gestalt-terapia necessitam ser revisitadas em seus contextos teórico-metodológicos de modo a oferecerem ao psicólogo condição para subsidiar um novo fazer clínico que atenda à complexidade dos fenômenos humanos. Vale dizer, complexos e dialeticamente dinâmicos.

 

Desafios para o novo fazer clínico

Importante dizer que essas pesquisas, entre outras, há décadas vêm apontando e denunciando as fissuras inerentes às teorias/abordagens que nem sempre acompanham a dinâmica das transformações sócio-político-culturais, as quais ressoam os novos modos como homens e mulheres vivenciam suas relações amorosas.

Esse novo fazer clínico perpassa pela atualização das abordagens psicológicas com vista a visualizar o já referido paradigma da multidisciplinaridade.

A interlocução com esses autores aqui citados possibilita-me reiterar que um “novo fazer clínico” é, sem dúvida, imperativo. Haja vista os fenômenos desencadeados pelo paradigma da desconstrução de valores morais, afetivos e sexuais ancorados no sistema patriarcal, que vêm abalando o aparentemente “firme alicerce” da heteronormatividade, que, juntamente com a ênfase no individualismo e no hedonismo, demanda atualização de teorias, métodos e técnicas psicoterápicas de tal modo que o terapeuta, ao apropriar-se delas, possa sintonizar com as subjetividades e diversidades voláteis de desejos desses sujeitos/clientes que os revelam em sentimentos de ansiedade, de solidão e de perda de sentido da vida.

No que tange aos dramas da sexualidade, convém retomar o que espelha apenas a ponta do iceberg da diversidade sexual, a saber: o (des)velamento do fenômeno da pedofilia no âmbito da instituição religiosa; a legalização de casamentos entre homossexuais e a adoção de criança por eles; a cirurgia de adequação sexual pelos transexuais masculinos/femininos e sua mudança de nome.

Urge reafirmar que revisitar e recriar teorias, abordagens, métodos e estratégias constituem o movimento do processo da construção, reconstrução e criação do conhecimento que ocorre em todas as áreas. Segundo Roudinesco e Plon (1998), “em 1995 havia no mundo 500 escolas organizadas de psicoterapia, nascidas de dissidências, cisões ou separações do freudismo” (p. 624), tendo sido Perls, ícone da Gestalt-terapia, um entre muitos dissidentes do freudismo.

Não há dúvidas de que cada uma dessas principais escolas está ancorada em um paradigma, o qual espelha a visão de mundo do seu ícone principal – mestre pensante –, que agrega simpatizantes e seguidores. E, por ser o conhecimento dinâmico, com o passar dos tempos e por inúmeras razões, um seguidor se percebe “pronto” para enveredar por outra trilha epistemológico-filosófica e, assim, recria o método, a teoria e as estratégias para atualizar o fazer clínico de modo a possibilitar a compreensão dos complexos meandros do sofrimento humano. Dessa forma, todo processo terapêutico – seja ele ancorado nos saberes da terapia centrada no cliente, da cognitivo-comportamental, da psicanálise, do psicodrama, da Gestalt-terapia, seja de qualquer outra – tem seu modo peculiar de revisitar a história de vida do mundo vivido pelo “cliente”, seu lebenswelt, em que as tramas dos dramas afetivo-sexuais estão presentes.

Enfim, reitero que atualizar a formação do psicoterapeuta acerca das diversidades sexuais e das teorias por ele eleitas é imprescindível, uma vez que ao revisitar seu currículo oculto – guardião de crenças, mitos, tabus e preconceitos – este poderá recriar seu projeto de vida e, em um processo de abertura para a compreensão dos mistérios do outro – “o sujeito/cliente” –, acolher suas queixas, dores e sofrimentos através de uma escuta competente. Além de ser a clínica o local do acolhimento dialógico do outro em sua singularidade psico-afetivo-sexual, ela é também o lugar do fortalecimento de seu diálogo com a pesquisa com vista a engendrar outros significados e sentidos para as práticas sexuais no decorrer dos tempos.

 

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Submetido em: 26/06/2010
Submetido em: 08/02/2011
Aceito em: 19/02/2011

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