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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.7 no.3 Calle  2015

https://doi.org/10.5579/rnl.2013.0275 

DOI: 10.5579/rnl.2013.0275

 

Procedimento complementar de análise do discurso conversacional por frequência de comportamentos comunicativos desviantes

 

Procédure complémentaire de l'analyse du discours conversationnel

 

Procedimiento complementario de análisis del discurso conversacional por frecuencia de comportamientos comunicativos desviados

 

Complementary procedure of conversational discourse analysis

 

 

Natalie PereiraI; Lilian HübnerI; Fabíola Casarin; Nicolle ZimmermannII; Perrine FerréIII; Yves JoanetteIII; Rochele Paz FonsecaI

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
III Université de Montréal, Canadá

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O processamento de discurso conversacional é uma das mais complexas tarefas humanas cotidianas, por sua alta demanda de controle cognitivo e de habilidades comunicativas, além de seu papel essencial nas relações sociais. A análise conversacional pode fornecer ao profissional da saúde importantes informações quanto ao perfil de funcionamento cognitivo de pacientes neurológicos e psiquiátricos, principalmente na clínica neuropsicológica. Historicamente a avaliação do discurso propunha-se a estudar quantificações que não representam as dificuldades reais dos pacientes, já que, na maioria dos casos, concentravam-se em número de palavras, orações, entre outros aspectos. Assim, o objetivo do presente artigo é apresentar a construção do Procedimento complementar de análise do discurso conversacional (PCDADC). Serão relatadas as cinco fases de criação e adaptações julgadas pelos juízes envolvidos (n=4), a partir da análise já oferecida no subteste Discurso conversacional da Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação – versão abreviada – Bateria MAC Breve (MAC B), e no modelo teórico de Van Dijk sobre o discurso adaptado ao contexto conversacional de maneira online e constante. Além disso, será apresentado um estudo piloto para ilustrar a aplicabilidade do PCDADC, que teve como participantes n=2 juízas experts e n=20 participantes (20% pertencentes ao grupo clínico de traumatismo cranioencefálico e 80% pertencente ao grupo controle -participantes saudáveis). Por fim, serão comparados os resultados com a tarefa referência da MAC B. O protocolo final é composto por 44 itens que auxiliam a identificar a frequência de comportamentos desviantes, tais como: "Faz revisões ou auto-correções" (de 0 a 8 ocorrências) e "Repete palavras" (de 3 a 23 aparecimentos). Houve concordância de pontuação entre juízes de 83,59%. Este método complementar de exame do discurso pode contribuir com uma quantificação mais aprofundada dos comportamentos desviantes, auxiliando, assim, no diagnóstico funcional da avaliação neuropsicolinguística e no planejamento de tarefas mais específicas e efetivas na reabilitação comunicativa.

Palavras-chave: Neuropsicologia, Discurso conversacional, Produção discursiva, Comunicação.


RESUMEN

El procesamiento del discurso conversacional es una de las tareas humanas de la vida cotidiana más complejas, por su alta demanda de control cognitivo y de habilidades comunicativas, además de su rol esencial en las relaciones sociales. El análisis conversacional puede proporcionar información útil para los profesionales de la salud en relación al perfil de funcionamiento cognitivo de pacientes neurológicos y psiquiátricos, principalmente en la clínica neuropsicológica. Históricamente la evaluación del discurso se propuso estudiar cuantificaciones que no representan las dificultades reales de los pacientes, ya que en la mayoría de los casos se concentraron en el número de palabras, oraciones, etc. De este modo, el objetivo del presente artículo es presentar la construcción del Procedimiento complementario de análisis del discurso conversacional (PCDADC). Se informarán las cinco fases de creación y adaptación juzgadas por los jueces involucrados (n=4), a partir del análisis presentado en la subprueba Discurso conversacional de la Batería para la Evaluación de la Comunicación de Montreal versión abreviada (MAC B) y del modelo teórico de van Dijk sobre el discurso adaptado constantemente al contexto conversacional de forma online. Además, será presentado un estudio piloto para ilustrar la aplicabilidad del PCDADC, con 2 jueces expertos y 20 participantes (20% pacientes con traumatismo craneoencefálico y 80% participantes del grupo control sin lesión cerebral). Por último, serán comparados los resultados con la tarea de referencia de la MAC B. El protocolo final está compuesto por 44 ítems que ayudan a identificar la frecuencia de comportamientos desviados tales como "hace revisiones o autocorrecciones" (de 0 a 8 ocurrencias) o "repite palabras" (de 3 a 23 apariciones). Hubo concordancia entre las puntuaciones de los jueces en un 83,59%. Este método complementario de evaluación del discurso puede contribuir con una cuantificación más profunda de los comportamientos desviados, lo que aporta al diagnóstico funcional de la evaluación neuropsicológica y la planificación de tareas comunicativas más específicas y efectivas en la rehabilitación comunicativa.

Palabras-clave: Neuropsicología, Discurso conversacional, Producción discursiva, Comunicación.


RÉSUMÉ

Traitement de discours conversationnelle est l'une des tâches quotidiennes de l'homme les plus complexes, en raison de sa forte demande sur le contrôle cognitif et les capacités de communication, en plus de son rôle essentiel dans les relations sociales. Analyse conversationnelle peut fournir de la santé des informations importantes concernant le profil professionnel du fonctionnement cognitif des patients neurologiques et psychiatriques de, principalement dans la neuropsychologie clinique. Historiquement, l'évaluation discours visant à étudier quantifications qui ne représentent pas des difficultés réelles des patients, une fois, dans la majorité des cas, ils ont été centré dans le nombre de mots, clauses, la durée des peines, entre autres aspects. Ainsi, le but de cet article est de présenter la construction de la procédure complémentaire de l'analyse du discours conversationnel (CPCDA). Les cinq étapes de développement et adaptations nécessaires jugées par les juges concernés (n = 4 experts) seront décrits, de l'analyse proposée dans le sous-test du discours conversationnel de la batterie d'évaluation de la communication Montréal - version abrégée - Brève Batterie MAC (MAC B), et à partir du modèle théorique proposé par Van Dijk sur le discours adapté au contexte de la conversation d'une manière régulière et en ligne. En outre, une étude pilote sera présenté pour illustrer l'applicabilité de la CPCDA, qui comprenait que les participants n = 2 juges experts et n = 20 participants (20% appartenant au groupe clinique avec traumatisme crânio-encéphalique et 80% appartenant au groupe de contrôle - participants en bonne santé). Enfin, il y aura une comparaison des résultats avec la tâche de référence du MAC B. Le protocole final est composé de 44 articles, qui aide le clinicien à identifier la fréquence des comportements déviants. Il y avait 83,59% accord de pointage des juges. Cette méthode complémentaire de l'examen du discours peut contribuer à approfondir la qualification des comportements d'écart, cette façon d'aider au diagnostic des fonctions d'évaluation neuropsycholinguistique et à la planification des tâches plus spécifiques et efficaces en matière de réadaptation communicative.

Mots-clés: Neuropsychologie, Discours conversationnel, Production discours, Communication.


ABSTRACT

Conversational discourse processing is one of the most complex daily human tasks, due to its high demand on cognitive control and communicative abilities, besides its essential role in social relationships. Conversational analysis may provide the health professional important information regarding the profile of neurological and psychiatric patients' cognitive functioning, mainly in the neuropsychological clinic. Historically, discourse assessment aimed at studying quantifications that do not represent the patients' actual difficulties, once, in the majority of cases, they were centered in the number of words, clauses, length of sentences, among other aspects. Thus, the aim of this article is presenting the construction of the Complementary procedure of conversational discourse analysis (CPCDA). The five stages of development and necessary adaptations judged by the judges involved (n=4 experts) will be described, from the analysis offered in the subtest of the Conversational discourse from the Montreal Battery of Communication Assessment – abbreviated version – Brief MAC Battery (MAC B), and from the theoretical model proposed by Van Dijk on the discourse adapted to the conversational context in an online and steady manner. Moreover, a pilot study will be presented to illustrate the applicability of the CPCDA, which included as participants n=2 expert judges and n=20 participants (20% belonging to the clinical group with cranioencephalic traumatism and 80% belonging to the control group – healthy participants). Finally, there will be a comparison of the results with the reference task of MAC B. The final protocol is composed by 44 items, which aid the clinician to identify the frequency of deviant behaviors. There was 83,59% score agreement among judges. This complementary method of discourse examination may contribute to deepen the qualification of deviation behaviors, this way aiding to functional diagnosis of neuropsycholinguistic assessment and to the planning of more specific and effective tasks in communicative rehabilitation.

Keywords: Neuropsychology, Conversational discourse, Discourse production, Communication.


 

 

A capacidade de manter uma conversa com interlocutores é uma das habilidades e necessidades humanas naturais que podem fornecer informações valiosas quanto à condição cognitiva dos pacientes (Brandão, 2010). Na prática neuropsicológica, no entanto, a avaliação refinada dessa habilidade linguística/ comunicativa ainda é pouco utilizada pela maioria dos profissionais da saúde (fonoaudiólogos e psicólogos com abordagem neuropsicológica), possivelmente pela manifestação dos sintomas não ser identificada como de origem linguística/comunicativa e também pela falta de difusão acadêmica, clínica e científica dessa prática. Os pacientes com patologia neurológica adquirida podem apresentar dificuldades de linguagem diferentes das clássicas afasias. O discurso é a unidade da linguagem que transmite a mensagem (Ulatowska & Bonde-Chapman, 1989) e que permite inserirmo-nos e participarmos efetivamente dos âmbitos familiares, laborais e sociais. Assim, entende-se que tal avaliação necessita ser aprimorada e difundida para que os pacientes possam se beneficiar posteriormente da reabilitação cognitiva.

Dessa forma, o objetivo do presente artigo é o de apresentar a construção do: Procedimento complementar de análise do discurso conversacional (PCDADC), relatando o seu processo de criação. Por fim, para verificar sua aplicabilidade será apresentado, ainda, um estudo piloto. Ressalta-se que o PCDADC foi construído tendo como referência a tarefa do discurso conversacional pertencente à Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação – versão abreviada – Bateria MAC Breve (MAC B) (Casarin et al., 2013, 2014; Joanette, Coté& Ska, 2004). Ressalta-se que o PCDADC propõe a análise da tarefa do discurso conversacional (DC); no entanto, de uma maneira diferente, mais aprofundada e, portanto, considerada complementar. Tal análise não tem como objetivo substituir a pontuação original da tarefa do DC da MAC B, e sim ser complementar à esta. Ainda, ressalta-se que o PCDADC por sua vez pode ser aplicável a todo e qualquer modalidade de discurso.

Para produzir discurso, os sujeitos necessitam que os processos macro e microlinguísticos sejam recrutados de maneira hierárquica. A integração entre componentes linguístico-comunicativos e cognitivos beneficiará os falantes e fará com que a comunicação verbal ocorra com qualidade. Os processos macrolinguísticos (conexões semântico-pragmáticas, coesão e coerência global) referem-se às habilidades relacionadas ao conteúdo da mensagem, enquanto os microlinguísticos (fonologia, morfologia e sintaxe, funções intra-frases e sentenças) referem-se à estrutura. Ambos contribuem para que o produto final da mensagem seja transmitido com eficiência (Coelho et al., 2005; Marini et al., 2011).

Além disso, o processamento discursivo envolve atenção, memórias, planejamento, resolução de problemas e as demais habilidades de funções executivas. Recentes estudos parecem atentar-se justamente para essa complexa interação propondo-se avaliar alterações comunicativas durante a conversação nas mais diversas possibilidades (Barbey, Colom, & Grafman, 2014; Marini et al., 2011; Perkins, Body, & Perkins, 2004; Steiner & Mansur, 2008).

O modelo de discurso baseado no contexto e na pragmática, proposto por Van Dijk (2012), refere que o discurso é complexo e acontece em tempo real, necessitando da constante atualização online (ou updating) por parte dos pacientes (Kintsch & Van Dijk, 1978; Van Dijk, 2012). Apesar do modelo não avançar em como se deve analisar o discurso (para além da análise proposicional sugerida em suas obras anteriores), a base teórica pode ser utilizada como norteadora para a avaliação e reabilitação neuropsicológica. Nessa perspectiva, a análise dos mecanismos comunicativos adaptativos usados pelos interlocutores nos contextos espacial e temporal se torna relevante (Steiner & Mansur, 2008).

Histórico dos estudos sobre o processamento discursivo

Nos anos 1960, o campo da linguística empenhou-se em investigar os conceitos que contribuíram para a avaliação do discurso (contexto e pragmática) para além da avaliação baseada quase que exclusivamente nas estruturas de linguagem (sentenças e verbos, por exemplo) (Van Dijk, 2012). No entanto, as primeiras contribuições para tal visão continuaram sendo estruturalistas e formais, já que as primeiras "gramáticas do texto" focavam ainda na frequência de sentenças e verbos geradas pelos usuários, por exemplo (Van Dijk, 1972). Junto a isso, a psicologia cognitiva debruçou-se sobre o "contexto cognitivo" do discurso (Van Dijk & Kintsch, 1983), como nas obras de Kintsch & Van Dijk (1978), Van Dijk (2003) e Van Dijk (2012).

Inicialmente, porém, pesquisadores limitaram-se ao contexto verbal, que enfatizava a geração e a quantidade de palavras, sentenças, proposições, enunciados ou turnos conversacionais que precedem a conversação. Em paralelo, na sociolinguística, no final dos anos 1970 e início dos 1980, estudava-se amplamente a Etnologia da fala (Labov 1972, 1972b; Bauman & Sherzer, 1974), princípios que, em seguida, começaram a ser incorporados pela psicologia cognitiva. Assim, começa-se a incorporar sistematicamente o contexto social, histórico e cultural, como verificado em Kintsch & Van Dijk (1978), Van Dijk (2003) e Van Dijk (2012).

Estruturado ou amparada inicialmente na sociopolítica e sociolinguística, sob a perspectiva da "Linguística Crítica" (Fowler, Hodge, Kress & Trew, 1979), tal abordagem deu origem ao trabalho de Fairclough (1995) intitulado "Análise de Discurso Crítica (ADC) (Critical Discourse Analysis), que abordou o discurso do poder, estudando o discurso crítico político, ideológico, etc. Nesse momento, surgiram tentativas novas de estudar as dimensões sociais e políticas, no entanto, sem produzir uma teoria própria do contexto e das suas relações com o discurso (Van Dijk, 2012). Enquanto isso, a psicologia cognitiva problematizava as características individuais dos participantes do discurso, como o gênero, a idade e características socioculturais (Van Dijk, 2012).

Discurso e Contexto

Van Dijk (2012) ressalta que, apesar desse avanço nas últimas décadas, a maioria dos psicólogos cognitivos ainda não valoriza as abordagens sociolinguísticas da contextualização. Ao invés disso, concentram-se nos mecanismos cognitivos subjacentes à interpretação do discurso e não incluem também o papel do contexto na produção e na compreensão. Assim, a sua mais recente publicação sobre o tema teve como objetivo principal propor uma abordagem multidisciplinar e integrada do contexto, que pode ser útil para interpretação de tarefas como as do discurso conversacional, por exemplo.

O autor assume que os contextos são: (a) construtos subjetivos dos participantes (pois estes falam das experiências individuais); (b) experiências e construtos únicos; (c) modelos mentais; (d) esquemáticos: (e) passíveis de serem controlados e produzidos (pois são regidos por regras estruturais e gramaticais). Os modelos mentais desenvolvidos ao longo das situações de cada indivíduo, como usuário do discurso, estão calcados nas representações a priori (memória episódica, semântica e autobiográfica) formadas por ele. Essas representações controlam a percepção e a interação progressiva e contínua de eventos e ações que estão dividindo os momentos de conversa. Por isso, diz-se que são passíveis de serem esquematizadas. Formar categorias, planejar e organizar situações compartilhadas, dividi-las em convencionais e/ou formais de acordo com a base cultural facilita o entendimento, a representação e a atualização das situações discursivas complexas que acontecem em tempo real, em frações de segundo, de modo online.

Aspectos Metodológicos: possibilidades de análises discursivas

Quanto às modalidades de avaliação do discurso, essas existem nas suas mais variadas formas, com diferentes complexidades, as quais requerem diferentes processamentos cognitivos e linguísticos. Metodologicamente as modalidades são divididas em discurso descritivo, procedural, narrativo, persuasivo, expositivo e conversacional. A modalidade (a) descritiva envolve a evocação de conceitos, relações e atributos estáticos (por exemplo, explicar como aconteceu algum fato histórico), (b) o discurso procedural é utilizado para exemplificar ordens ou instruções específicas (por exemplo, como dirigir um automóvel, como chegar a um determinado local), (c) o discurso narrativo transmite ações e eventos ao longo do tempo (por exemplo, narrar uma festa de aniversário ou recontar uma história), (d) o persuasivo elenca razões e fatos que embasam uma opinião com o intuito de gerar um convencimento (por exemplo, convencer alguém a comprar algo que não necessita), (e) o expositivo é aquele em que informações factuais e interpretações pessoais sobre um tópico são fornecidas (por exemplo, explicar sobre racionamento de água) e, por último, o discurso (f) conversacional comunica pensamentos, ideias e sentimentos para o(s) interlocutor(es) em uma interação contínua e bilateral (Marini, 2012; McDonald, Togher, & Code, 2000; Saling, Woodcock, & Saling, 2014). A partir dessas modalidades, o foco tende a ser a interpretação da qualidade do conteúdo da interlocução, não apenas a quantidade de palavras e/ou a velocidade de evocação.

Estudos que utilizam análises mais clássicas da linguagem, geralmente relacionados com afasia, podem não identificar o funcionamento cognitivo dos pacientes e fornecer falsos positivos na avaliação justamente devido à heterogeneidade dos comportamentos comunicativos (Body & Perkins, 2004; Matsuoka, Kotani & Yamasato, 2012; McDonald, Togher & Code, 2000). Sendo assim, percebe-se, a necessidade de uma avaliação do discurso ampla, de fácil manejo por parte dos profissionais, e que no futuro, possa oportunizar uma maior exploração de relações entre os déficits comunicativos e os executivos (Coelho et al., 2005; Hinchliffe, Murdoch, & Chenery, 1998; McDonald, Togher & Code, 2000; Ylvisaker & Szekeres, 1989).

Discurso e cognição e interpretações dessas relações que podem ser inferidas: relação com as funções executivas

As funções executivas (FE) são responsáveis por todo o funcionamento cognitivo complexo daquelas atividades que exigem que os sujeitos saiam do seu "modo padrão". Diamond (2013) enfatiza que as FE são as habilidades capazes de organizar mentalmente metas, desafios, planejamentos e objetivos, bem como resistir às tentações externas, ou manter-se concentrado em atividades com múltiplos estímulos.

Três são as principais habilidades das FE que a autora categoriza como principais e norteadoras, são elas: inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Tais funções são importantes para o desempenho social, laboral e emocional, são treináveis e podem melhorar a funcionalidade de pacientes e inclusive usuários sem lesão cerebral (Diamond, 2013).

Tais habilidades complexas da cognição humana são demandadas no discurso, por exemplo, em situações nas quais os pacientes necessitam monitoramento do sentido do discurso em tempo real, de acordo com as mudanças do contexto (Perkins et al., 2004) exigindo, nesse momento, flexibilidade cognitiva. Para controlar as situações comunicacionais é necessária uma efetiva adaptação, recrutando-se as habilidades pragmáticas, de memória semântico-episódica e de flexibilidade cognitiva (O'Keeffe et al., 2007; Van Dijk, 2012).

As habilidades comunicativas, apesar de serem únicas - já que em cada momento acontecem de uma maneira diferente num contexto sócio-histórico e cultural diferente – são desenvolvidas previamente, ou seja, não são construídas a partir do momento zero da interação, pois baseiam-se em conhecimento semântico e de mundo. Em outras palavras, pressupõe-se que os participantes do discurso conheçam previamente e construam mentalmente as situações vivenciadas anteriormente a partir de lembranças comunicativas semelhantes. Esse pré-entendimento acontece tanto no caso das conversas mais formais, quanto nas espontâneas. Dessa forma, a teoria do contexto pretende explicar como os usuários de uma língua adaptam sua intenção discursiva de acordo com os entornos socioculturais e cognitivos específicos da situação (Van Dijk, 2012).

Estudos constataram que as demandas cognitivo-comunicativas dizem respeito a: (1) entender o sentido não-literal de frases sarcásticas ou linguagem abstrata (figurada); (2) entender nuances do humor na fala do outro; (3) produzir entonação melódica adequada, com pistas de ritmo e entonação; (4) engajar as ideias em frases com mais de uma sentença complexa (ao invés de discurso oral ou escrito desorganizado); (5) produzir frases objetivas e coerentes (ao invés de informações tangenciais, prolixas e mal organizadas); (6) escolher palavras adequadas à uma determinada situação (ao invés do uso de linguagem imprecisa); (7) produzir um número necessário e suficiente de informações linguísticas (ao invés de número insuficiente de informações, tanto devido à velocidade de fala mais lenta quanto à dificuldade em encontrar palavras corretas e∕ou adequadas para o contexto) e (8) comunicar-se por meio de gestos (Angeleri et al., 2008; Bosco & Angeleri, 2012; Dimoska, McDonald, Pell, Tate, & James, 2010; Glosser & Deser, 1992; LeBlanc, Guise, Feyz, & Lamoureux, 2006).

Assim, no intuito de contribuir com a análise da comunicação dos participantes o PCDADC foi proposto. Este procedimento pretende ser mais flexível, já que propõe quantificação da frequência de aparecimento dos comportamentos comunicativos desviantes como uma variável contínua (e sem quantidade máxima de ocorrências). Até onde se sabe, esta abordagem não existe na literatura internacional com um protocolo que englobe as mais diferentes variáveis. O presente artigo apresenta a construção do: Procedimento complementar de análise do discurso conversacional (PCDADC), relatando as suas etapas e fases. Ao final, um estudo piloto é apresentado para ilustrar a utilização do PCDADC.

 

Método

Procedimentos

O PCDADC proposto neste estudo teve cinco fases principais (a) Construção do procedimento complementar de análise do discurso conversacional (PCDADC); (b) Itens analisados por expert (c) Revisões e reformulações; (d) Treinamento do PCDADC e (e) Estudo piloto.

A tarefa que norteou a criação do PCDADC foi o discurso conversacional da Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação – versão abreviada – Bateria MAC Breve (MAC B) (Casarin et al., 2014). A MAC B é um instrumento breve, composto por 10 subtestes, que avaliam os componentes discursivos, pragmático-inferenciais, léxico-semânticos, prosódicos, compreensão de leitura e de escrita. Tal instrumento, por sua vez, foi desenvolvido tendo como base a sua versão expandida denominada Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação – Bateria MAC (Fonseca, Parente, Cote, Ska, & Joanette, 2008; Joanette et al., 2004).

Na tarefa do DC, o participante é solicitado a falar sobre um determinado assunto durante dois minutos e após o examinador troca por outro assunto por mais dois minutos. A pontuação é feita a partir de 22 itens correspondentes a quatro índices (expressão do discurso, compreensão do discurso, comportamento não-verbal e prosódia linguística e emocional). O escore máximo de pontuação é 44 pontos e cada item é pontuado como 0 (duas frequências de aparecimento ou mais), 1 (uma frequência de aparecimento) ou 2 (nenhuma frequência de aparecimento). São extraídos escores parciais e total de tal tarefa. A seguir serão descritos os itens investigados em cada escore parcial:

(A) Expressão (14 pontos): apresenta falta de iniciativa verbal, fala muito, repete-se, expõe as ideias de forma pouco precisa, procura ou troca palavras, troca de assunto, corta a fala e/ou faz comentários inapropriados, ou ininteligíveis;

(B) Compreensão (8 pontos): compreende mal o que lhe é dito, perde o fio da conversa, compreende mal a linguagem indireta e/ou fica indiferente a comentários do tipo brincadeira ou piada;

(C) Comportamento não verbal (6 pontos): tem um contato visual inconstante ou ausente, tem expressão facial imobilizada e/ou adapta-se mal à troca de assunto;

Prosódia linguística emocional (14 pontos): tem velocidade de fala diminuída ou aumentada, faz pausa inapropriada entre as palavras (ritmo), apresenta uma entonação monótona, transmite mal a entonação linguística, compreende mal a entonação linguística e/ou transmite mal a entonação emocional e compreende mal a entonação emocional de tristeza, alegria ou surpresa.

(1) Fase A - Procedimento complementar de análise do discurso conversacional (PCDADC)

A partir de uma revisão não sistemática prévia da literatura, identificaram-se quais análises dos processamentos discursivos estão sendo utilizadas nas principais publicações internacionais (de Lira, Ortiz, Campanha, Bertolucci, & Minett, 2011; Matsuoka, Kotani, & Yamasato, 2012; Rousseaux, Vérigneaux, & Kozlowski, 2010; Saling et al., 2014; Wright, Koutsoftas, Capilouto, & Fergadiotis, 2014). Desta forma, pretendeu-se unificar em um único protocolo de análise discursiva que pudesse abranger ao máximo as características identificadas nesse levantamento.

A Bateria MAC B possui método de aplicação do discurso conversacional padronizado, com normas específicas de registro, pontuação e interpretação para o Português Brasileiro. No entanto, o diferencial do PCDADC está no fato de que, além dos itens incluídos, a análise desses pretende ser mais flexível, já que propõe quantificação da frequência de aparecimento dos comportamentos comunicativos desviantes, começando em zero, sem quantidade máxima pré-estabelecida.

A Figura 1 esquematiza o fluxo de construção do protocolo.

 

 

Etapa 1: foram consultados 35 artigos que preenchiam os critérios de analisar uma tarefa de discurso e que compunham os itens avaliados de forma detalhada (Cozby, 2003).

Etapa 2: iniciou-se a construção do protocolo piloto de registro, sendo que 22 itens já eram os avaliados na Bateria MAC B e que no PCDADC foram mantidos (tanto quanto ao nome de cada comportamento como quanto ao conceito) por concordarem com a revisão não sistemática da Etapa 1. Ao final, 74 itens compuseram a primeira versão do PCDADC (50 itens referentes à avaliação do paciente e 24 itens referentes à avaliação do aplicador/avaliador).

(2) Fase B - Itens analisados por experts

Etapa 3: após revisão da juíza externa especialista com formação em linguística (Tabela 2 – letra "c"), foram excluídos todos os itens novos referentes à participação do avaliador (24) e incluídos ou modificados os itens que foram avaliados como necessários conforme Tabela 1 a seguir.

 

 

 

 

(3) Fase C - Revisões e reformulações

Etapa 4 e 5: ao final de todas as observações e apreciações, 44 itens compuseram o PCDADC (Figura 2).

 

 

(4) Fase D - Treinamento do PCDADC

Como critério de inclusão para iniciar a pontuação, foram escolhidos juízes (Tabela 2 – letras "a" e "d") que tinham treinamento prévio e experiência com a pontuação padrão da MAC B (de 3 a 4 anos de experiência) e que tivessem entre si concordâncias conforme indicações psicométricas de Glosser & Deser (1992) entre 78% a 98% e Rogalski, Altmann, Plummer-D'Amato, Behrman, & Marsiske (2010) de 85,09% a 88,49%. Como a concordância obtida entre as duas juízas previamente na pontuação do protocolo da MAC B foi de 86,91%, entendeu-se que tais percentuais foram suficientes para dar prosseguimento no processo e passar para a pontuação do PCDADC.

Cada item do protocolo foi explicado para a juíza "d" em questão, com três exemplos de cada situação e, após, algumas falas dos pacientes foram selecionadas e apresentadas para que a juíza "d" pudesse colocar em prática o que havia sido treinado.

(5) Fase E - Estudo piloto

Após conferência das porcentagens de concordância prévia, as juízas (Tabela 2 – letra "a" e "d") fizeram avaliação do discurso de 20 casos, de forma independente e cega, ou seja, as juízas não tiveram contato durante a avaliação do PCADC e desconheciam se o discurso transcrito e escutado era de um individuo saudável ou com traumatismo cranioencefálico. Em caso de itens com discordância uma terceira juíza (Tabela 2 – letra "b") foi consultada.

Participantes

Caracterização da amostra dos profissionais envolvidos na construção do PCDADC

Participaram da construção do PCDADC, de acordo com as suas respectivas fases de construção, 4 profissionais, sendo eles: 1 juíza com PhD especialista em linguística com alta experiência em análise discursiva (extenso currículo discente e publicações acerca do tema de interesse); 1 juíza com PhD neuropsicóloga; 2 juízas fonoaudiólogas (uma com mestrado) com experiência em neuropsicologia. A equipe de avaliação realizada anteriormente a essas fases (pertencentes ao projeto guarda-chuva vinculados a esse artigo - projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob o nº 10/05148, sob os números de parecer consubstanciado 11-077 e 001.017641.12.8). foi composta por 9 profissionais psicólogos e fonoaudiólogos com experiência e treinamento em neuropsicologia. As etapas e papéis de cada juiz são explicadas na tabela a seguir (Tabela 2).

Descrição da amostra durante Fase E - estudo piloto do PCDADC

A amostra foi composta por n=20 participantes, retirados de banco de dados de projetos relacionados, que responderam à tarefa de discurso conversacional. Dessa forma, os 20 participantes contidos nesse estudo piloto de pontuação eram pertencentes tanto ao grupo clínico de traumatismo cranioencefálico (20%), quanto ao grupo controle -participantes saudáveis (80,0%). Os participantes foram escolhidos de forma aleatória, por um pesquisador que não teria acesso à posterior pontuação e que nesse momento serviu apenas para selecionar os casos que seriam pontuados.

Participavam desse banco de dados pacientes recrutados com diagnóstico de traumatismo cranioencefálico (n=4) dos principais hospitais públicos da cidade de Porto Alegre e região metropolitana ou ainda por indicação de médicos parceiros. A concordância para participar na pesquisa foi feita mediante a assinatura dos participantes de um termo de consentimento livre e esclarecido. Os pacientes precisaram preencher os seguintes critérios de inclusão (1) serem maiores de 18 anos e falantes do português brasileiro, (2) diagnosticados com TCE leve, moderado ou grave, classificado em ordem de relevância de acordo com: (a) Escala de Coma de Glasgow (Teasdale & Jennett, 1974), atribuída no momento de admissão hospitalar (a partir dos registros médicos); (b) por auto-relato da duração de perda de consciência (menos de 30 minutos – leve; de 30 minutos a 24horas – moderado; mais de 24 horas – severo); (c) auto-relato da duração de amnésia pós-traumática (menos de 24 horas – leve; de um a sete dias – moderado; mais que sete dias – grave) (Iverson & Lange, 2011); (3) não terem histórico prévio de outras doenças neurológicas (AVC, TCE, Epilepsia pré-morbida), segundo informações nos prontuários e na falta desse primeiro, por auto-relato; e (4) terem sofrido um TCE não-penetrante, sem perda encefálica.

Foram excluídos todos participantes que: (1) eram analfabetos; (2) estavam incapazes de serem submetidos à avaliação cognitiva formal por razões clínicas (sonolência excessiva, pacientes acamados ou com dor aguda descontrolada, por exemplo) e (3) apresentaram sinais de demência investigados pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (Chaves & Izquierdo, 1992) e/ou escore abaixo do esperado nas tarefas de Compreensão oral e escrita do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN sugerindo afasia (Fonseca, Salles, & Parente, 2009). Optou-se por incluir pacientes com diagnóstico psiquiátrico pré e pós-TCE devido a sua grande incidência nessa população (Mainland, 2010). Em estudos anteriores, em que os pacientes foram acompanhados por 30 anos, em torno de 62% dos pacientes apresentavam psicopatologia clínica antes da lesão cerebral, enquanto 48% começaram a apresentar sintomas do eixo 1 pós-TCE (Koponen et al., 2002; Maas et al., 2010, 2011).

Já para os participantes controles, cada indivíduo precisava preencher os seguintes critérios de inclusão: serem falantes do Português Brasileiro, com pelo menos quatro anos completos de estudo formal, idade mínima de 18 anos, sem histórico de uso, abuso ou dependência de drogas ilícitas, neurologicamente saudáveis e sem diagnóstico atual psiquiátrico diagnosticado pela Entrevista Clínica Estruturada para Transtornos do Eixo I do DSM-IV (SCID-I).

Na Tabela 3, as características sociodemográficas dos participantes são apresentadas.

 

 

 

Resultados

Versão final do PCDADC

Os itens com ** são os mesmos utilizados na análise da tarefa de discurso conversacional da Bateria MAC B (Casarin et al., 2014). Os itens "NVA, RASF, RACAA e TADA" não foram identificados em nenhum artigo publicado, mas foram incluídos por entendermos que tais critérios podem contribuir para o entendimento do perfil discursivo dos participantes avaliados. Abaixo segue uma breve definição operacional para cada categoria.

(1) Tempo total do discurso em segundos (TTD): O tempo total do discurso do participante é avaliado. Esse item é transformado em segundos para que o item NTPPM possa ser calculado, a fórmula utilizada é (TTD=Tempo em minutos*60);
(2) Número total de palavras (NTP): O número total de palavras evocadas pelos participantes;
(3) Velocidade de fala: número total de palavras por minuto (NTPPM): A fórmula utilizada para calcular o número de palavras proferida pelo sujeito é: (NTP∕TTD*60). Não foi utilizado o número de preposições ou unidades por sentenças porque o foco desse estudo não está centrado na complexidade sintática do discurso (Rousseaux et al., 2010; Saling, Woodcock, & Saling, 2014).
(4) Número total de orações (NTO): O número de orações presentes na fala dos avaliados foi levantado; utilizou-se como critério qualquer verbo ou locução verbal proferida pelo participante. As orações não foram classificadas conforme seus subtipos em subordinada, coordenada e reduzida (de Lira et al., 2011) pelo mesmo motivo do terceiro item NTPPM;
(5) Demonstra falta de iniciativa verbal (FIV)**: tem como objetivo observar quando o participante não consegue evoluir na conversação sem o auxílio do examinador. Percebe-se que o participante apenas limita-se a responder, de maneira breve, às perguntas que são feitas pelo examinador, não as desenvolvendo, constituindo-se em uma conversação dirigida do tipo perguntas e respostas;
(6) Fala muito (FM)**: tal item é observado quando o sujeito não realiza pausas em seu discurso, chegando a quase não permitir que o examinador faça perguntas ou que interrompa o tópico conversacional. Observam-se longos trechos de discurso do avaliado, além de tentativas de interação, geralmente frustradas, do examinador;
(7) Troca de assunto (TA)**: A TA acontece quando o participante, espontaneamente, introduz algum assunto que é tangencial ou possui relação indireta com o tópico conversacional vigente. O participante pode ou não retornar ao assunto; se a segunda situação ocorre, tal comportamento evolui para a categoria Perde o fio da Conversa (PFC), explicada posteriormente;
(8) Não volta ao assunto (NVA); tal situação é observada quando o sujeito realiza o item TA, mas não consegue se auto-monitorar para retornar ao assunto, evoluindo para o PFC, caso ainda haja tempo para conversa entre o avaliador e o avaliado;
(9) Retorna ao assunto sozinho - sem feedback do avaliador (RASF): tal item é observado quando o sujeito consegue, sem monitoramento externo, retornar ao assunto após realizar o item TA;
(10) Retorna ao assunto devido à ajuda do avaliador (RACAA): tal item é observado quando o sujeito consegue apenas com monitoramento externo retornar ao assunto após realizar o item TA; geralmente o avaliador faz alguma pergunta referente ao assunto de que estavam falando;
(11) Troca o assunto devido ao avaliador (TADA): tal item é observado quando o avaliador insere um assunto tangencial ou que não possui relação indireta com o tópico conversacional vigente. Esse item foi pensado para que, quando houvesse tal situação, o avaliado não fosse prejudicado e também pensando que, em alguns momentos da conversa, por ser o mais natural possível, possa ocorrer tal situação;
(12) Corta a fala do interlocutor (CF)**: Ocorre quando, durante o discurso, a fala (frase ou palavra) do examinador é interrompida pelo participante. Este aspecto evidencia provavelmente dificuldades de inibição, não permitindo que o examinador contribua com o discurso, além de não observância aos turnos de fala;
(13) Faz comentários inapropriados ou ininteligíveis (CI)**: este critério refere-se a palavrões mencionados durante o discurso ou a comentários fora de contexto, por exemplo. Tal ação deixa, no avaliador, uma sensação de não estar entendendo o porquê daquele comentário naquele momento;
(14) Faz interrupções abruptas (IA): Este item ocorre quando o sujeito realiza pausas ou interrupções na sua fala; o interlocutor tem a sensação de que a frase irá continuar mas isso não acontece, ficando assim subentendido o conteúdo da fala. Muitas vezes, é acompanhado de comportamentos não-verbais como expressões corporais. Ex (e o pessoal que tem mais grana é mais mal educado que o pessoal que não tem grana, então estressa um pouco. Mas a gente sempre tem que... mesmo se a gente tiver com razão é pedir né... desculpa.) (Galski, Tompkins & Johnston, 1998);
(15) Repete palavras (RP)**: A repetição, neste caso, refere-se à emissão repetida de expressões (toda e qualquer repetição imediata, de palavras ou expressões) e de ideias anteriormente já debatidas/apresentadas na conversação (adaptado de de Lira et al., 2011);
(16) Faz uso inconstante de pronomes ou de referência (UI): este critério é observado quando a referência de um pronome não está clara ou o sujeito do verbo é ambíguo ou incorreto (adaptado de Galetto, Andreetta, Zettin & Marini, 2013);
(17) Realiza erros contraditórios (EC): Nesse item são pontuadas novas informações que contradizem o que foi falado anteriormente (Saling et al., 2014);
(18) Realiza erros de Relação (ER): Os sujeitos apresentam novas informações que não possuem relação com as previamente apresentadas (Saling et al., 2014);
(19) Repete a última coisa que o avaliador disse (CP): Tal item acontece como uma forma de estratégia do participante em buscar respostas e ganhar tempo para confirmar sobre o que tem de ser falado. Ex (A: Ah então você teve festa de aniversário. E: Se eu tive festa de aniversário?)
(20) Expõe suas ideias de forma pouco precisa (EIPP)**: Esse item é observado quando o discurso do paciente não é claro e preciso. Em alguns momentos, apresenta frases com construção sintática adequada, mas com pouco conteúdo. O discurso é considerado tangencial, sendo que o examinador não consegue compreender os elementos principais, causando uma sensação de estranhamento;
(21) Utiliza artigo de maneira inadequada (UAI): Ao falar, o sujeito troca os artigos relacionados aos pronomes, substantivos, adjetivos, etc. Ex: O homem está andando e de repente a homem para. (Carlomagno, Giannotti, Vorano, & Marini, 2011);
(22) Procura ou troca palavras (PP)**: A procura de palavras pode ser observada através das manifestações do paciente em encontrar estratégias na busca por palavras durante o discurso, frente à ocorrência de anomias. O exemplo de procura de palavras mais evidente é: "aquela... puxa aquilo", "aquilo como é que é o nome?" ou "aquilo que faz tal coisa". Aqui também será incluído qualquer dificuldade em encontrar palavras, como tal situação em que o paciente fica evocando "procurar meu..meu..meu...tênis", referente à lacunas de pensamento. Nessa variável também será pontuado quando o paciente encontra dificuldade em acessar a palavra alvo, trocando-a por outra parecida semanticamente Ex: "Pegue a caneta para escrever (referindo-se ao lápis).
(23) Realiza parafasia (PAR): Quando o avaliado troca palavras, troca o nome de um objeto ou pessoa por outro. Serão incluídas parafasias semânticas, lexicais ou fonológicas. Adaptado de (Matsuoka et al., 2012)
(24) Faz revisões ou auto-correções (REVI): tal item aparece quando os participantes realizam frequentes interrupções durante a evocação da sentença, porém sem alterar o sentido da frase. O participante faz correções ou reparos durante a fala, evidenciando uma possível dificuldade de planejamento anterior (ex: o homem está fixamente... o homem está olhando o relógio) (Marini et al., 2011);
(25) Realiza False Start (FS): Esse item diz respeito a quando os participantes interrompem abruptamente sua pronúncia (sempre considerado no nível da palavra). Ex (dois me.../meninos estão pre../preparando) (Galetto et al., 2013).
(26) Coerência do assunto 1 (CA1): Coerência do primeiro assunto
(27) Coerência do assunto 2 (CA2): Coerência do segundo assunto
(28) Os itens de coerência recebem pontuação de 1 a 4, conforme observação do avaliador. O paciente recebe um (1) ponto quando sua fala não é relacionada de forma alguma aos estímulos apresentados, nesse caso o discurso caracteriza-se apenas por incluir os itens de informações tangenciais e de perda do fio da conversa. O sujeito recebe dois (2) pontos quando a sua fala é remotamente relacionada aos assuntos conversados, incluindo informações pessoais inadequadas, discurso tangencial ou quando algum elemento da história que não deve ser relevante, é ressaltado. Ainda, o discurso apresenta muitas informações subentendidas e o avaliador necessita de processamento inferencial. Três (3) pontos são dados para os sujeitos em que a fala é relacionada aos estímulos apresentados mas com alguma inclusão de informações tangenciais ou hipotéticas, mas que ainda assim são relevantes para o entendimento dos principais detalhes do discurso. Por último, quatro (4) pontos são atribuídos quando a fala do participante é relacionada ao estímulo e apresenta informações suficientes para que o outro não precise realizar nenhuma inferência para entender o conteúdo do discurso (Carlomagno et al., 2011;Wright, Koutsoftas, Capilouto, & Fergadiotis, 2014);
29) Coerência Global (CG): Esse item refere-se à coerência geral do discurso, é obtida através da fórmula (nº de orações tangenciais – ITEM TA-∕número de orações –Item NTO);
(30) Compreende mal o que é dito (COMPMAL)**: O participante não compreende perguntas ou observações literais realizadas pelo examinador, oferecendo respostas ou comentários que não possuem nenhuma relação com o tema conversacional vigente, por exemplo;
(31) Perde o fio da conversa (PFC)**: Refere-se à quando o participante realiza uma troca de assunto e não consegue retornar ao tópico conversacional vigente espontaneamente e, às vezes, nem até mesmo com a intervenção do examinador;
(32) Compreende mal a linguagem indireta (CMLI)**: Ocorre quando o participante demonstra não compreender a linguagem indireta como atos de fala ou quaisquer unidades linguísticas não literais utilizadas pelo avaliador;
(33) Compreende mal a linguagem figurada (CMLF)**; Ocorre quando o participante demonstra não compreender a linguagem indireta como atos de fala ou quaisquer unidades linguísticas não literais utilizadas pelo avaliador;
(34) Fica indiferente a comentários do tipo piada (FIB)**: O participante não responde, ou demonstra não compreender, a brincadeiras ou piadas realizadas pelo examinador;
(35) Tem um contato visual inconstante ou ausente (CVI)**: O contato visual do participante é considerado inconstante quando o participante desvia seu olhar no examinador. Pode ainda ser considerado ausente quando não fixa contato pelo olhar com o examinador, olhando para os demais elementos da sala de avaliação ou pessoas presentes. No entanto é necessário investigar com os familiares se é uma característica pré-mórbida;
(36) Tem Expressão facial imobilizada (EFI)**: O participante apresenta a mesma expressão facial durante todo o discurso conversacional, não havendo alterações para demonstração de sentimentos ou até mesmo de entonações linguísticas;
(37) Adapta-se mal à troca de assunto (AMTA)**: Diz respeito à dificuldade que o participante apresenta quando o examinador realiza bruscamente a troca de tópico conversacional. O participante pode querer permanecer no tema anterior para concluir um pensamento ou então demorar a transmitir suas respostas;
(38) Tem velocidade de fala aumentada ou diminuída (VF)**: Pontuação referente à velocidade de fala do participante. Esta pode ser considerada muito rápida (acelerada, como se estivesse "atropelando" as palavras) ou muito devagar (lenta);
(39) Faz pausas inapropriadas entre as palavras (PI)**: Durante o discurso é possível observar pausas muito longas ou muito curtas entre as palavras ou ideias, modificando o ritmo da conversação;
(40) Apresenta entonação monótona (EM)**: Não é possível observar, na entonação do participante, variações prosódicas ou melódicas emocionais ou linguísticas. O participante parece não se utilizar de um repertório melódico variado para se comunicar, permanecendo com um mesmo tom ou com restrita variabilidade prosódica;
(41) Transmite mal a entonação linguística (TMEL)**: Referente à capacidade do participante de transmitir, em sua fala, entonações com intenção de ordem, de afirmação ou de interrogação;
(42) Compreende mal a entonação linguística (CMEL)**: Referente à capacidade do participante de compreender, na fala do examinador, quando este formula uma ordem, uma afirmação ou uma pergunta.
(43) Transmite mal a entonação emocional (TMEE)**: Referente à capacidade do participante de transmitir, em sua fala, entonações emocionais de alegria, de tristeza, de raiva, de surpresa ou de outras emoções.
(44) Compreende mal a entonação emocional (CMEE)**: Referente à capacidade do participante de compreender, na fala do examinador, quando este realiza uma entonação de alegria, de tristeza, de surpresa ou de outras emoções.
(45) Quantidade de metáforas fornecidas pelo avaliador (MF): Será quantificada a quantidade de metáforas que o examinador fornece ao avaliado.

Concordância entre juízes no estudo piloto (Fase E)

Todos os 20 participantes foram confrontados em cada item do PCDADC, sendo que cada um desses gerou uma porcentagem de concordância, que ao final foi somada e dividida pelo número de itens. Como concordância final do PCDADC, tivemos 83,59% de semelhanças identificadas pelas juízas. Entendeu-se que tal porcentagem foi adequada devido à subjetividade da avaliação do discurso, além de estarem dentro do aceitável em outros estudos equivalentes (Glosser & Deser (1992) concordância de 78% a 98%; e Rogalski, Altmann, Plummer-D'Amato, Behrman, & Marsiske (2010) de 85,09% a 88,49%,.

Fase C - Estudo piloto

Na Tabela 4, a seguir, pode-se ver a pontuação dos participantes na tarefa de discurso conversacional conforme a pontuação da MAC B e do PCDADC. Ao lado da média e desvio padrão dos componentes discursivos analisados, optou-se por colocar a pontuação mínima e máxima de cada item, tal parâmetro pode identificar que a maioria dos componentes avaliados ocorrem mais de duas vezes e por isso, sugere-se uma avaliação detalhada.

 

 

Dos itens em comum entre MAC B e PCDADC, em sete deles os participantes demonstraram uma frequência de aparecimento maior do que duas vezes, demonstrando a importância deste procedimento complementar. Os aparecimentos mais frequentes foram os de: "repete palavras", "procura ou troca palavras", "faz auto revisões" e "corta a fala do interlocutor". Ressalta-se que a amostra desse estudo piloto é composta em sua grande maioria por participantes saudáveis, evidenciando assim, a importância de também conhecermos as peculiaridades do discurso mesmo em participantes sem lesão cerebral. Dessa forma, a maior utilização e a difusão do PCDADC pode auxiliar para que possamos, no futuro, comparar grupos quanto às ocorrências e identificar o que é pode ser considerado patológico e/ou saudável.

Por fim, o PCDADC possui 44 itens, que possibilitam obtenção de dados para a caracterização do perfil comunicativo dos participantes. Estimula-se que os avaliadores possam pensar nos itens do PCDADC para muito além do que parâmetros linguísticos, já que muitos itens podem ser associados com às funções executivas (controle inibitório, planejamento verbal, velocidade de processamento verbal), metacognição e teoria da mente, tais como: demonstra falta de iniciativa verbal, fala muito, troca de assunto, não volta ao assunto, corta a fala do interlocutor, faz comentários inapropriados, faz interrupções abruptas, repete palavras, expõe suas ideias de forma pouco precisa, procura ou troca palavras, faz revisões ou auto-correções e perde o fio da conversa (Cannizzaro, 2003; Coelho, Liles, & Duffy, 1995).

 

Discussão

O presente artigo apresentou a construção de um procedimento de análise complementar da tarefa do discurso conversacional da MAC B aqui denominado PCDADC, além de demonstrar os processos envolvidos propriamente ditos no desenvolvimento deste procedimento. Por último, dados de um estudo piloto foram exibidos.

Em um primeiro momento, enfatiza-se que as análises aqui apresentadas não são excludentes, mas sim, complementares. Sugere-se que o protocolo para avaliação do DC da MAC B seja utilizado como parâmetro inicial do perfil discursivo. Além disso, que o PCDADC seja utilizado dentro de um contexto amplo de avaliação neuropsicológica, visto que, nenhum diagnóstico deve ser embasado apenas em uma tarefa e sim com uma bateria neuropsicológica complexa e que avalie construtos compatíveis.

Por trabalhar com frequência de aparecimento dos comportamentos desviantes, o PCDADC identifica as maiores dificuldades que os pacientes apresentam durante a comunicação oral. Quanto maior a pontuação, maior a frequência de aparecimento de componentes desviantes e maior dificuldade em inibir tais atitudes. Além disso, os escores de coerência CA1 e CA2 (pontuados de 1 a 4) traduzem para o avaliador o quão clara é a fala do participante, guiando o profissional no momento da reabilitação. Para a prática na pesquisa e na clínica, os profissionais podem lançar mão de tal análise também em outras tarefas de discurso, tais como o procedural, narrativo ou até mesmo durante a anamnese. Faz-se eficaz pesquisar a heterogeneidade de apresentação dos déficits comunicativos, pois instrumentaliza profissionais da área da saúde para que não se realize diagnósticos inadequados e, consequentemente, intervenções ineficientes.

Durante o processo de reabilitação de linguagem e fala, Hatfield et al. (2005) sugerem que o emprego de atividades complexas cognitivas e linguísticas, em conjunto, podem resultar em uma prática mais eficiente e com melhores resultados na comunicação funcional do paciente, desde que haja intervenção precoce. Por exemplo, numa abordagem top-down o clínico pode começar a intervenção priorizando os comportamentos comunicativos desviantes mais frequentes e seguir reforçando-os até o fim da reabilitação. O parâmetro quantitativo traduz, de maneira objetiva para o paciente, as dificuldades ao longo do processo bem como a evolução durante a terapia.

É sabido que os processamentos comunicativos discursivo, pragmático, léxico-semântico e prosódico podem apresentar-se deficitários de maneira isolada ou em combinações após uma lesão cerebral adquirida (Côté et al., 2007; Ferré et al., 2009; Joanette et al., 2008). Sendo assim, a reabilitação neuropsicológica é realizada com o propósito de otimizar ao máximo a adaptação do funcionamento cognitivo, comunicativo e comportamental. Durante esse processo, é importante o raciocínio clínico com o intuito de promover a manutenção das funções total ou parcialmente preservadas para o ensino de estratégias compensatórias, aquisição de novas habilidades e a adaptação às perdas permanentes (De Noreña et al., 2010; Katz, Ashley, O'Shanick, & Connors, 2006; Labos, 2008; Matter, 2003) e o PCDADC parece auxiliar nesse sentido.

Nesse contexto, a ferramenta apresentada neste estudo caracteriza-se como um instrumento para fins clínicos e de pesquisa na avaliação do discurso conversacional. Algumas características da tarefa podem ter interferido nos resultados desta análise inicial dos pacientes com TCE, como o tempo de duração que é a metade do tempo da tarefa original da Bateria MAC expandida. Dessa forma, futuros estudos devem utilizar este instrumento em pesquisas com amostras clínicas maiores e também com maior tempo de análise do discurso e escalas funcionais de comunicação. Assim, poderá ser possível também a investigação do custo-benefício do uso de um maior tempo na avaliação do discurso com o PCDADC, bem como se há relação entre o tempo de análise do discurso com o PCDADC e o nível de disfunção comunicativa observada no cotidiano e na funcionalidade comunicativo-cognitiva do paciente. Além da analise tradicional categórica oferecida para tarefa de DC da MAC B, estimula-se que o PCDADC seja utilizado clinicamente para diagnósticos descritivos, para o raciocínio prognóstico e decisões de manejo terapêutico.

 

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Endereço para correspondência
Natalie Pereira
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Faculdade de Psicologia
Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, sala 932, Bairro Partenon
CEP 90619-900, Porto Alegre – RS, Brasil
E-mail: fganataliepereira@gmail.com

Artigo recebido: 26/10/2015
Artigo revisado (1a revisão): 27/10/2015
Artigo revisado (2a revisão): 13/12/2015
Artigo aceito: 30/12/2015

 

 

Agradecimento: à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por fomento em forma de bolsa aos pesquisadores.

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