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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.8 no.2 Porto Alegre maio/ago. 2018

https://doi.org/10.22456/2238-152X.80294 

ARTIGOS

 

Literatura de autoajuda, sugestão e contemporaneidade: uma leitura psicanalítica

 

Self-help literature, suggestion and contemporary times: a psychoanalytic reading

 

Literatura de autoayuda, sugestión y contemporaneidad: una lectura psicoanalítica

 

 

Mateus Abreu PereiraI, Maurício Rodrigues de SouzaII

I Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil.

II Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil.

 

 


RESUMO

Um dos fenômenos da atualidade que merece destaque é a alta popularidade da literatura de autoajuda. As obras desse gênero propõem o cultivo de práticas de influência interpessoal, que incorrem geralmente no recurso à sugestão, criticada por Freud desde antes do século XX. Com efeito, utilizando como principal referencial teórico a psicanálise freudiana, privilegiando a noção de sugestão e, de maneira complementar, a análise de conteúdo de uma obra representativa da autoajuda, o presente estudo objetivou analisar alguns dos mecanismos presentes em tal modalidade literária e discutir os fatores que influenciam na sua ampla aceitação hoje. Em termos conclusivos, aponta que a relação estabelecida entre autor e leitor na autoajuda, pautada por processos psíquicos de identificação e transferência em favor da adesão às propostas do autor, permite que este renove continuamente a promessa de conduzir o leitor ao sucesso.

Palavras-chave: literatura de autoajuda; sugestão; psicanálise.


ABSTRACT

One of the phenomena of contemporary times that deserve mention is the high popularity of self-help literature. The works of this genre encourage practices of interpersonal influence, which usually incur in the use of suggestion, criticized by Freud since before the twentieth century. Indeed, using Freudian psychoanalysis as the main theoretical framework, focusing the notion of suggestion and, in a complementary way, the content analysis of a representative work of self-help, this study aimed to analyze some of mechanisms present in such literary genre and discuss the factors that influence its wide acceptance today. Thus, points out that the relationship between author and reader in self-help, guided by psychological processes of identification and transfer in favor of accession to the proposals of the author, allows him continually to renew this promise to lead the reader to success.

Keywordsself-help literature; suggestion; psychoanalysis.


RESUMEN

Las obras de la literatura de autoayuda proponen prácticas de cultivo de influencia interpersonal, que generalmente incurren en el uso de la sugestión, criticado por Freud desde antes del siglo XX.  El psicoanálisis freudiano fue el principal recurso teórico y metodológico para revisión de la literatura, privilegiando la noción de la sugestión y, de manera complementaria, el análisis de contenido de una obra representativa de la autoayuda, este estudio tuvo como objetivo analizar algunos de mecanismos presentes en tal literatura y discutir los factores que influyen en su amplia aceptación en la actualidad. En términos concluyentes, señala que la relación entre el autor y el lector en la autoayuda, guiada por los procesos psicológicos de la identificación y la transferencia a favor de la adhesión a las propuestas del autor, permite renovar continuamente esta promesa de conducir al lector hacia el éxito.

Palabras-clave: literatura de autoayuda; sugestión; psicoanálisis.


 

 

Dentre as conspícuas transformações que o projeto da modernidade trouxe consigo, merece destaque o modo como as pessoas passaram a conduzir suas vidas, com a condição da individualidade mais e mais associada a uma ética apartada dos interesses comunais e que entrega ao próprio sujeito a pena com a qual deverá escrever o seu destino (Birman, 2006). Não por acaso, uma consequência de tal processo pode ser observada mediante a emergência de práticas específicas e direcionadas ao desenvolvimento de medidas consideradas “mais adequadas” a uma melhor adaptação à vida moderna. Dentre elas, destacamos aqui a literatura de autoajuda, caracterizada por Rüdiger (1996) como: “... o conjunto textualmente mediado de práticas por meio das quais as pessoas procuram descobrir, cultivar e empregar seus supostos recursos interiores e transformar sua subjetividade” (p. 11).

Se cotejarmos o que propõe Corso (1994), a literatura de autoajuda pode, ainda, ser dividida em duas modalidades distintas: a laica e a mística. A modalidade laica: “...prega a saída pelo sucesso individual e usa como parâmetro a performance e a inserção efetiva do sujeito na circulação pelos valores sociais estabelecidos”, ao passo que o ramo místico: “...contenta-se com um aperfeiçoamento espiritual do sujeito, com uma busca pelo equilíbrio e pela paz interior” (Corso, 1994, p. 6-7). A enunciação de um sujeito que pode solucionar todos os impasses da vida contando apenas com o recurso às suas forças interiores, porém, apresenta-se como algo comum às duas subdivisões. Nesses termos, valores familiares ou fatores socioeconômicos, por exemplo, exerceriam influência menos significativa sobre a não realização dos desejos do leitor do que o mau aproveitamento de recursos interiores – sejam eles mentais, morais ou espirituais.

Assim propostas, as descrições sócio-históricas da literatura de autoajuda poderiam, sem embargo, dialogar com a investigação acerca de elementos psicológicos presentes no conteúdo deste tipo de obra. Nesse sentido, vale resgatar alguns dos argumentos presentes no estudo realizado por Carvalho e Fontenele (2010), que promove uma reconstituição histórica da sugestão na obra de Freud, apontando tal conceito como fonte de compreensão do sucesso e pregnância da literatura de autoajuda. Para os autores, o papel fundamental da sugestão no conteúdo textual da autoajuda aproximaria o referido gênero literário de psicoterapias similares às terapias sugestivas empreendidas no século XIX.

De forma semelhante, também partimos aqui da premissa de que a sugestão é um fenômeno de proa no conteúdo textual da autoajuda, fundamentando em elementos do pensamento freudiano tal afirmação. Diversamente, porém, de Carvalho e Fontenele (2010), avaliamos que, embora uma sujeição de caráter terapêutico possa vir a desempenhar papel importante na grande aceitação da autoajuda, sua plena subsunção à categoria de psicoterapia seria passível de suspeita e exame crítico, porquanto nos parece mais adequado analisar a literatura de autoajuda pela perspectiva apresentada por Alves (2005). A autora considera que as obras desse gênero poderiam ser compreendidas por um viés terapêutico-pedagógico, cujo estilo de escrita e endereçamento aos leitores visa prescrever normas e exercícios para um bem-viver à maneira de uma pedagogia restritiva e coercitiva. Alves (2005) aponta que em uma psicoterapia, não caberia ao terapeuta ser, de maneira direta, um educador, conquanto a relação terapêutica possa permitir outros tipos de aprendizado. A literatura de autoajuda, por sua vez, visa disciplinar e “educar” seus leitores a alterar condutas seguindo orientações bem específicas e visando resultados sem se ocupar da complexidade e compreensão mais profunda que uma psicoterapia pode ter.

Destarte, estruturamos o presente trabalho a partir de uma conjunção entre reflexão teórica e empiria que, utilizando como exemplo privilegiado de análise o best-seller Você Pode Curar Sua Vida, de autoria de Louise Hay, objetiva expor e analisar alguns dos elementos de influência psicológica, subjacentes do entendimento psicanalítico sobre a sugestão, presentes na literatura de autoajuda e discutir os fatores que influenciam na sua ampla aceitação na contemporaneidade. Embora reconheçamos outros importantes referenciais teóricos dentro da psicologia e da psicanálise como possíveis de serem usados para analisar a problemática em questão, privilegiaremos aqui a psicanálise freudiana como principal aporte teórico, levando em conta também os limites inerentes ao espaço de um artigo.

É importante ressaltar que não há aqui qualquer intenção de desqualificar a autoajuda com a finalidade específica de promover a psicanálise de maneira substitutiva e, muito menos, ortopédica. O que motiva a nossa escrita é, seguindo uma já centenária tradição de diálogos entre psicanálise e cultura que remonta virada do século XX, retomarmos as ideias de Freud como suficientemente críticas para promover uma reflexão fecunda acerca deste fenômeno literário que goza de ampla influência na atualidade.

Nesses termos, o presente trabalho apresentará, a seguir, três seções. Na primeira, faremos uma breve caracterização histórica da literatura de autoajuda, acompanhando algumas de suas transformações desde suas origens até o período no qual as obras do gênero passaram a prescrever o desenvolvimento de uma “personalidade influente”. Na segunda seção, buscaremos um fundamento psicanalítico para pensar a questão da influência pessoal existente nas obras de autoajuda, recorrendo ao conceito de sugestão como um fenômeno de proa, subsidiado por processos como identificação e transferência. Na terceira e última seção, ilustraremos a discussão aqui proposta mediante uma breve análise do conteúdo uma obra de autoajuda.

 

A autoajuda: de Samuel Smiles aos pregadores da “personalidade influente”

Originalmente publicado em Londres, no ano de 1859, o livro de Samuel Smiles intitulado Self-Help apresentava como principal tese a crença de que a felicidade e o bem-estar dependiam principalmente do indivíduo. A reforma e atuação das instituições seriam, portanto, incapazes de prover tais benefícios se comparadas ao poder individual. Smiles (1859/2002) veio reiterar a importância da lealdade à disciplina advinda do trabalho e também da obediência às regras sociais, subsumindo as virtudes ao cumprimento inconteste de tais normas. Entretanto, os recursos necessários para a adequação a esses deveres estariam todos depositados no interior de cada um, e não na reforma das instituições. Desde seu marco inicial, pois, a literatura de autoajuda tende a incutir no indivíduo a tarefa de atribuir suas mazelas somente a si e procurar na autodisciplina a solução para elas.

Uma vez consolidada nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha e contando com o advento de técnicas de reprodução gráfica cada vez mais eficientes, a literatura de autoajuda passou a ser difundida de maneira significativa principalmente ao final do século XIX, tornando-se um importante veículo de difusão dos pressupostos do “espírito” do capitalismo. Para Weber (1904/2004), tal “espírito” seria um ethos cujas especificidades iriam além da simples astúcia nos negócios ou da busca de meios de ascensão social: o “espírito” do capitalismo traria consigo uma ética agora inerente aos negócios, ditada por regras cuja infração tenta contra o próprio sentimento de dever. Para Weber (1904/2004), a afinidade entre esta ética e aquela outra, disciplinadora e característica do protestantismo, subsidiou a valorização do trabalho como um meio que serviria tanto a fins seculares quanto religiosos.

Progressivamente, as obras desse gênero literário se tornaram bens de consumo destinados a instruir o homem comum a conduzir sua vida de acordo com o ditame da acumulação de bens, mandamento este associado a noções como as de virtude e obediência a Deus. A partir de tal cenário, a sociedade se organizaria em trabalhadores e empregadores movidos pela auri sacra fames, o avaro e incessante ímpeto de acumular dinheiro, outrora fora condenado por pensadores como Cícero e Sêneca.

Diversamente dos livros sagrados, porém, as normas que levariam alguém a se construir como um ator bem-sucedido na complexa malha social do capitalismo não estavam ainda escritas de forma explícita. Com isto, podemos compreender a importância de uma obra pioneira como o Self-Help de Samuel Smiles, que dissemina em forma de tratado os valores da ética do capital como uma resposta aos anseios do sujeito na modernidade, anseios que curiosamente eram engendrados pelos desafios do próprio capitalismo.

Repleto de orientações diretas, o conteúdo dos livros de autoajuda remonta a uma relação mista de autoridade e proximidade do autor sobre o leitor, de forma muito semelhante ao modus operandi das modalidades psicoterapêuticas que utilizavam técnicas como a hipnose e a sugestão. Também oriundas do zeitgeist da segunda metade do século XIX, essas psicoterapias estavam erigidas sobre os mesmos valores e necessidades subjetivas de orientação e direcionamento que impulsionaram a ascensão da literatura de autoajuda à época. A relação verticalizada e autocrática entre terapeuta e paciente, típica dessas vertentes terapêuticas, também se observaria de maneira análoga entre autor e leitor na autoajuda, fomentando não o debate de ideias, mas a implantação delas por meio da sugestão.

A partir de meados do século XX, a veiculação de técnicas sugestivas nos livros de autoajuda se intensificou sob a principal influência do publicista estadunidense Napoleon Hill. Daí por diante, não só o pensamento positivo e a crença nos poderes da mente seriam tidos como preponderantes para o crescimento pessoal, mas também a construção de uma ética fundamentada na manipulação da própria personalidade e daquelas de outras pessoas. Esse novo ethos tomou expressão máxima com Dale Carnegie, autor de Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas.

Para Carnegie (1936/1995), o crescimento pessoal seria corolário da construção de uma personalidade agradável e tal modelagem se daria de dentro para fora do indivíduo. Aqui, além de pensamentos positivos, o treino de atributos sociais favoráveis, como boa oratória, olhar atraente, postura confiante, etc., seria o fundamento da personalidade influente. O bom emprego das palavras, posturas e atitudes passa a ser tratado como uma ferramenta capaz de persuadir as pessoas a atender aos interesses do indivíduo portador de uma personalidade influente. Em tal contexto, a faculdade de influenciar seus semelhantes deveria ser inerente a alguém que pretende liderar, e não ser liderado.

O entendimento de que as relações sociais não prezam pela equidade, e sim pela dominação do outro, conforme preconizava Carnegie (1936/1995), leva fundamentalmente a ações no sentido de manipular as pessoas para que elas se curvem e trabalhem a favor dos interesses do sujeito influente. Já o exercício de tal poder pessoal só seria alcançado por meio de rigorosa disciplina para a construção de uma imagem influente, aparentemente poderosa e capaz de provocar devaneios e fantasias naqueles que se pretende persuadir. Entretanto, além de saber sugerir sentimentos, seria preciso deter ainda o know-how de fazê-las sentirem que estão obtendo também vantagens para si ao servirem aos interesses alheios.

Portanto, podemos apontar que a influência pessoal adquiriu um progressivo protagonismo no esquema do discurso da autoajuda, que permanece arregimentando adeptos desde os tempos de Carnegie (1936/1995). Diante disto, parece-nos relevante a promoção de uma discussão acerca dos aspectos da influência da autoajuda sobre seus leitores. É o que faremos de maneira mais pormenorizada no próximo tópico, contando para tanto com o auxílio do pensamento de Freud. Em particular, com algumas das suas ideias voltadas à temática da sugestão.

 

Alguns comentários sobre a sugestão na perspectiva freudiana

A sugestão aparece inicialmente caracterizada por Freud (1888/2003) como um tipo de influência psíquica na qual: “...é despertada no cérebro de outra pessoa uma ideia que não é examinada quanto à sua origem, mas que é aceita como originada espontaneamente no cérebro dessa pessoa” (p. 17). Vale lembrar aqui que, após uma temporada de estudos em Paris sob a orientação de Charcot, Freud começou a usar a hipnose em sua prática terapêutica. Algum tempo depois, entrou em contato com os trabalhos de Hippolyte Bernheim sobre a sugestão de ideias em pessoas em estado de vigília e, a partir daí, passou a ser ele mesmo um entusiasta dessa proposta tanto no âmbito teórico quanto no clínico.

Posteriormente, Freud viria a abandonar o uso da sugestão e da hipnose em sua prática terapêutica. E uma das primeiras tentativas de expor os motivos que o levaram a isto pode ser encontrada no artigo Sobre a Psicoterapia. Na ocasião, Freud (1905/1996) afirmou que entre a sugestão e a psicanálise haveria: “...a maior antítese possível” (p. 247). Para sustentar tal postulado, recorreu a uma analogia com as artes proposta originalmente por Leonardo da Vinci onde o célebre artista expunha o contraponto entre a pintura e a escultura. Com efeito, a sugestão, tal como a pintura, operaria per via di porre - ou seja, procuraria depositar (no psiquismo, neste caso) elementos que antes não se encontravam ali; já a psicanálise, como a escultura, operaria per via di levare, retirando da pedra da mente os aspectos que encobririam uma estátua nela contida (no caso, repressões e resistências).

Contudo, a despeito da mudança de rumos descrita no parágrafo anterior, mudança esta que, como também sabemos, deu origem ao próprio método psicanalítico, orientado não mais pela sugestão direta, mas pela livre-associação e pela escuta equiflutuante, é certo afirmar que a preocupação sobre o maior ou menor grau de influência pessoal do analista sobre o paciente assombrou o homem Freud até o fim de sua vida, aparecendo claramente em variados trabalhos.

Assim, nos primeiros anos da década de 1910, com a publicação dos chamados artigos sobre a técnica, Freud (1912/2011c; 1912/2011b; 1914/2011b) propõe modelos de relação e investimento afetivo supostamente extrínsecos ao contexto clínico, mas que repercutiriam na relação entre analista e paciente. Isto em virtude deste último (o paciente) trazer consigo expectativas libidinais insatisfeitas, já que apenas parte dos impulsos que determinariam a vida amorosa estariam acessíveis à personalidade consciente e à realidade. Outra parcela desses impulsos ficaria retida em seu percurso, podendo se expressar na fantasia ou se manter em sua totalidade no inconsciente. E é desta forma que estereótipos e padrões de escolha amorosa poderiam ser observados ao longo da vida do sujeito, o qual conduziria cada novo relacionamento de acordo com as expectativas libidinais não saciadas.

Um acréscimo importante a tal ideia aparece na constatação de Freud (1912/2011b) de que o analista não escaparia ao padrão exposto acima. Afinal, o investimento amoroso do paciente em relação a si estaria vinculado a modelos (imagos) mais antigos, como os paternos e maternos, os quais seriam transferidos para o analista. Então, por meio de um manejo adequado de tal transferência, seria possível auxiliar o paciente a desmontar suas resistências de forma mais autossuficiente, o que, por seu turno, permitiria a repetição e a elaboração de conteúdos recalcados, bem como a extração de fragmentos de memórias represadas. Tudo isto, cabe enfatizar, a partir do discurso espontâneo do paciente. Desta forma, seria minimizado o risco de influenciar e sugestionar o analisando, evitando, por conseguinte, a tarefa redundante de procurar aquilo que já se saberia (Freud, 1912/2011b; 1914/2011b).

Poucos anos depois, na conferência Terapia Analítica, Freud (1916/1996) estabeleceria mais um ponto de divergência entre sugestão e psicanálise. E o fez afirmando que a primeira (a sugestão) procuraria dissimular e encobrir um fato mental, operando no sentido de proibir a manifestação dos sintomas e fortalecer as repressões, mas sem alterar seus processos de formação (e isto por meio da autoridade do terapeuta). Por seu turno, a psicanálise agiria no sentido de expor e eliminar as causas e processos de formação dos sintomas, indo às origens dos conflitos que os originaram. Freud (1916/1996) resume essa diferença básica com a seguinte metáfora: a sugestão atuaria como cosmético, ao passo que a psicanálise funcionaria como cirurgia.

Podemos então afirmar que a sugestão não é um fenômeno autossuficiente em relação a outros modos de relação e experiência afetiva. Pelo contrário, o que Bernheim denominava sugestionabilidade - ou seja, a tendência a sugestionar e ser sugestionado por outros – Freud (1912/2010b; 1916/1996) diz ser nada mais do que uma tendência à transferência, isto é, a tendência a evocar protótipos infantis de ligação afetiva assentados no inconsciente. Logo, a sugestão se apresenta como um evento psíquico pontual, subsidiado por relações libidinais e subsumido à teia de fenômenos transferenciais, andando lado a lado com processos como o de identificação. Para Freud (1912/2010a), pois, tal compreensão seria capaz de fornecer uma explicação dinâmica sobre a sugestão, em vez de uma mera descrição.

Já no texto Psicologia das Massas e Análise do Eu, em busca de possíveis respostas para as transformações anímicas do sujeito quando inserido em grandes aglomerados, Freud (1921/2011) dialoga com influentes estudos da psicologia social de seu tempo, como aqueles conduzidos por Tarde, Le Bon e McDougall, os quais destacavam o papel da sugestão em tal processo. Contrapondo-se em boa medida aos seus antecessores, porém, Freud (1921/2011) argumenta que a sugestão serve como anteparo conceitual para uma compreensão muito mais aguda para a psicologia das massas. Qual seja, a de que elas se ligam por meio da libido - isto é, a expressão de pulsões próximas àquilo que é abrangido pela ideia de “amor”: amor sexual, mas também amor parental, filial, fraternal, dentre outros.

De acordo com Freud (1921/2011) a relação entre os membros da massa faria mais sentido se descrita sob a forma de identificação, tomada como a assimilação das características de um objeto externo pelo eu. Essa mesma identificação aparece aqui também na qualidade primordial de ligação com outras pessoas desde o Complexo de Édipo, no qual o investimento amoroso (com a finalidade de satisfação sexual, neste caso) direcionado às figuras parentais daria lugar progressivamente à busca da assimilação das qualidades destes pais. Em suma, o sujeito enriqueceria o seu eu com os atributos do objeto externo, quer seja por meio da introjeção deste objeto, quer seja na percepção de elementos em comum, como ideias ou afetos, com uma ou mais pessoas que não são necessariamente objeto das pulsões sexuais. Nesse sentido, vale lembrar que, ainda segundo Freud (1921/2011), uma das formas de influência da cultura sobre cada um de nós se daria por meio de sucessões identificatórias, o que resultaria na especialização de uma instância denominada de ideal do Eu (Ichideal), definida a partir de modelos geralmente estabelecidos por pais ou cuidadores admirados e acolhedora dos ideais sociais aos quais procuraríamos nos adequar ao longo da vida.

Para Freud (1921/2011), o processo de identificação se oporia às situações de enamoramento e de hipnose, nas quais o eu, em vez de se enriquecer na relação com um objeto, empobreceria ao colocar o objeto externo e seus atributos como seu ideal do Eu. A relação com o líder de uma massa se daria de forma semelhante, com esse último se tornando modelo e elemento catalisador para que vários sujeitos pudessem se identificar entre si. Um efeito direto disto é que tal líder, assim como o objeto de uma paixão amorosa ou o hipnotizador, conquistaria uma posição de autoridade e influência.

No caso específico da hipnose, a relação entre hipnotizador e hipnotizado aparece descrita por Freud (1921/2011) como uma formação de massa a dois onde o hipnotizador exerceria autoridade semelhante àquela de um líder. Em ambos os casos, tal autoridade aludiria aos protótipos de ligação afetiva oriundos das experiências infantis. Ou seja, as relações transferenciais também permitiriam que estas figuras de autoridade viessem a ocupar o lugar de ideal do Eu para um sujeito. O terapeuta, tal qual um líder de massa, teria a possibilidade de lançar mão de sugestão não só por ele ser um modelo para o Eu, mas também por evocar, por exemplo, a figura de um pai poderoso e capaz de conduzir sua família para longe do sofrimento.

Contudo, é importante marcar aqui a participação da idealização narcísica na adesividade ao objeto tomado como modelo para o Eu. A adesão aos desígnios de um ideal do Eu, personificado aqui na figura do líder ou de um terapeuta por sugestão, também se dá pela moção inconsciente de retorno ao um estado idealizado de onipotência, derivado do narcisismo infantil, denominado por Freud (1914/2010) de “Eu ideal” (Idealich). Reside aí outro fator determinante para que ocorra aquilo que é tratado aqui por sugestão: a aquiescência às prescrições de um terapeuta por sugestão, líder de massa ou autor de autoajuda não é somente ensejada pelo mero exercício de autoridade, mas justamente por esta autoridade ser uma via, enquanto ideal do Eu, para que o sujeito possa uma vez mais ter acesso àquele estado de plenitude narcísica. Contudo, tal adesividade ao objeto modelo se dá de maneira bem menos fixa do que se observa em relação às identificações primordiais. Significa dizer que um processo de sugestão não se alicerça apenas na identificação, mas, de maneira semelhante, na idealização e adesividade a um objeto. Na contramão disso, vale reiterar que a terapia psicanalítica se serve da transferência não como um veículo de sugestões, e tampouco tem como meta a identificação do paciente com o terapeuta. A transferência, em um processo analítico, é o que permite ao analista ser uma espécie de “tela”, na qual o analisando projetará seus afetos com significativa autonomia em comparação a uma terapia por sugestão.

De posse desses conhecimentos, recorremos a uma breve análise do conteúdo de uma obra de autoajuda para que se possa verificar e desenvolver algumas considerações deste estudo sobre a relação entre técnicas de sugestão e a literatura de autoajuda na contemporaneidade

 

Reflexões a partir do livro Você Pode Curar sua Vida

O início da leitura de Você Pode Curar Sua Vida, de Louise Hay, revela uma apresentação da trajetória da autora:

Escrevi este livro para compartilhar com vocês, meus leitores, o que sei e ensino. Meu livrinho azul, Cure o Seu Corpo, tornou-se amplamente aceito como uma obra respeitada sobre os padrões mentais que criam doenças. Tenho recebido centenas de cartas pedindo-me mais informações. Muitas pessoas que trabalharam comigo como clientes particulares e também os que participaram dos meus seminários aqui e no exterior insistiram para que eu encontrasse tempo para escrever este livro. Eu o concebi sob forma de sessões, iguais às que vocês teriam se viessem a mim como clientes particulares ou participassem de um de meus seminários. Fazendo os exercícios de forma progressiva, à medida que vão sendo expostos, quando vocês os terminarem terão começado a modificar suas vidas (Hay, 1984, p. 3)

Apesar de parecer apenas uma apresentação comum a uma obra literária, podemos notar que as palavras de Hay (1984) detêm o objetivo de estabelecer desde o início uma relação imediata de proximidade com o leitor. Ao demonstrar que traz consigo um grande conhecimento sobre como contornar problemas e cultivar pensamentos positivos, a autora convida o leitor a ter confiança nela. Tal retórica confere, pela via das relações transferenciais, grande autoridade, e o leitor se encontra mais propenso a colocar em prática os exercícios descritos no livro.

A sugestão é largamente utilizada no livro de Hay (1984) de forma similar à sua aplicação clínica. No excerto abaixo, por exemplo, o leitor é induzido à repetição de padrões verbais associados a posturas corporais que visariam um processo de mudança a partir de “centros energéticos do corpo”. O conteúdo do exercício se direciona para a troca de pensamentos que o leitor supostamente resiste em abandonar e essa atitude, segundo a autora, é exatamente o que precisaria ser mudado:

Vamos usar a afirmação: "Estou disposto a mudar". Repita com frequência: "Estou disposto a mudar. Estou disposto a mudar". Toque a frente do Pescoço enquanto diz isso. Esse é o centro energético do corpo onde ocorre a mudança. Tocando a frente do pescoço, você está reconhecendo O Processo de mudança. Esteja disposto a permitir que as mudanças aconteçam quando surgirem em sua vida. Tome consciência de que onde você não quer mudar é exatamente a área onde mais necessita mudar. "Estou disposto a mudar” (Hay, 1984, p. 20)

Mais uma vez levando em conta a nossa perspectiva aqui – qual seja, a de que seria possível compreender alguns dos principais elementos e, com eles, a pregnância do fenômeno da autoajuda a partir da noção de sugestão tal como estabelecida pelo pensamento freudiano-, torna-se importante destacar, do excerto acima, a conformidade do procedimento adotado pela autora em relação ao modus operandi da sugestão. Nesse sentido, cumpre relembrar que esta visa o convencimento de outrem a ter convicções e ideias que, supostamente, não estavam anteriormente presentes em seu aparelho psíquico. Assim, acreditamos que o livro de Hay (1984) se apresenta como um valioso exemplo tanto do uso da sugestão pelo gênero da autoajuda quanto do papel de protagonismo dessa ferramenta de influência psicológica em tal modalidade literária.

Nesse sentido, Hay (1984) enumera alguns outros pontos fundamentais do seu pensamento, expressos em sentenças como: “...quando realmente amamos a nós mesmos, tudo na vida funciona”, “...cada pensamento que temos está criando nosso futuro”, “...a autoaprovação e a autoaceitação no agora são a chave para mudanças positivas” e “...a liberação do ressentimento pode remover até o câncer” (p. 3). Tais afirmações parecem tentar induzir o leitor a crer que seus pensamentos são quase onipotentes e que o autocentramento é suficientemente capaz de moldar toda a realidade exterior.

Como vimos acima, pela via da sugestão Hay (1984) induz o leitor a crer que o autocentramento, a onipotência de pensamentos e o distanciamento do princípio da realidade são as chaves para a felicidade. Esses atributos, no entanto, são comuns ao estágio de narcisismo primário no desenvolvimento psicossexual do sujeito, no qual este toma a si mesmo como objeto pulsional e é regido majoritariamente pelo princípio do prazer, que diz respeito à atividade psíquica que tem por objetivo evitar o desprazer e aumentar o prazer por meio da diminuição da tensão psíquica. Em oposição, o princípio de realidade é referente à atividade psíquica já afetada pelas exigências do mundo exterior, buscando ainda o prazer, mas sendo capaz de adiar a descarga de tensão psíquica (Freud, 1911/2010; 1914/2011). A autora, portanto, convida seus leitores a voltarem a este estágio. Tal assunção fica evidente na seguinte passagem:

Como você era perfeito quando era bebezinho. Os bebês não têm de fazer nada para se tornarem perfeitos, eles já são perfeitos e agem como se soubessem disso. Sabem que são o centro do Universo (...) Você era assim. Nós éramos todos assim. Então começamos a ouvir os adultos à nossa volta que haviam aprendido a ser medrosos e passamos a negar nossa própria magnificência. Nunca acredito quando os clientes tentam me convencer de como são horríveis ou tão pouco dignos de amor. Meu trabalho é levá-los de volta à época em que sabiam como realmente amar a si mesmos (Hay, 1984, p. 9).

De fato, Hay (1984) parece admitir no excerto destacado que seu trabalho é justamente o de influenciar seus leitores/clientes a regressarem a um estágio pueril, onde eles eram “perfeitos”, pois “capazes de amar a si mesmos” (isto é, antes dos “malefícios” da limitadora influência parental e, com ela, da própria cultura). Diante disso, notemos a ênfase da autora em como, uma vez que o sujeito não teria maiores responsabilidades sobre o seu “passado ruim”, apenas esse mesmo sujeito deteria dentro de si os recursos necessários para construir um futuro repleto de bem-estar. É como se o “segredo” estivesse todo o tempo em “voltar a ser uma criança” que não vê limites para o seu prazer em uma realidade social, cuja marca fundamental é justamente a imposição de limites à busca pelo prazer irrestrito.

Ao longo de seu livro, Hay (1984) ressalta a importância de que o leitor se torne alguém que ame e aceite a si mesmo. Aparentemente, a conjunção dessas faculdades representa a culminância do projeto de “curar a si mesmo” proposto pela autora. Entretanto, este programa se valida à custa da supressão da capacidade crítica do leitor, o qual, como bem lembra a crítica feita por Rimke (2000), deve agora simplesmente ressignificar sua realidade interior como bela e transformadora, desengajando-se da realidade exterior - leia-se: da influência de fatores socioeconômicos, por exemplo.

Tal promessa de que o programa de “cura da própria vida” pode levar a um estágio de total independência a ponto de o sujeito não ter de retribuir as boas ações do mundo exterior nos leva, uma vez mais, a salientar o quão sedutor pode ser o discurso da autoajuda. Sim, este mesmo que propagandeia que todos podem retornar ao período em que se percebiam como centro das coisas, repletos de pensamentos onipotentes a serviço dos quais as pessoas em volta trabalhariam. Se retomarmos o que expusemos acima, por meio do pensamento de Freud (1921/2011) acerca de como as massas podem se submeter docilmente à influência de um líder, fica claro que os fundamentos de tal sedução não são exatamente novos. Na autoajuda, eles aparecem, por exemplo, sob a forma de instruções diretas que nos remetem ao fenômeno da sugestão. Contudo, mesmo esta não se sustenta como completa explicação para a influência deste gênero literário, uma vez que também ele se estabelece a partir da conjunção de fatores transferenciais e identificatórios mediados por uma relação vertical de autoridade. No caso específico da autoajuda, trata-se da autoridade exercida pelo autor sobre os leitores. . Se cotejarmos essa compreensão com o que é dito por Alves (2005), será possível entender que a autoajuda manifesta e consolida essa autoridade mediante uma proposta pedagógica, na qual o autor, no papel de educador, detém um conhecimento privilegiado que o leitor, seu aprendiz, ou não possui ou ainda não acessou de maneira satisfatória.

Portanto, acreditamos ser possível compreender os ensinamentos de Hay (1984) de acordo com os traços típicos do que Corso (1994) chama de relato místico da autoajuda, onde o autocentramento e o recurso a uma suposta força interior se revelariam eficazes na busca de bens simbólicos como felicidade e tranquilidade. Afinal, o engajamento ao princípio de realidade parece trazer consigo pouco ou nada mais que dor, conflitos e frustrações. No entanto, a estratégia, presente em várias passagens do livro de Hay (1984), de tentar recolocar o leitor na posição de Eu ideal, um ser onipotente e centro de seu mundo, não coloca e nem retira ninguém decisivamente da sua deriva e desorientação emocionais. Pode, é certo, trazer um efeito passageiro, tal como a sugestão se manifesta na clínica: como um alívio temporário de sintomas.

 

Considerações Finais

Podemos concluir dos parágrafos anteriores que a relação estabelecida entre autor e leitor na literatura de autoajuda, fundamentada em identificação e transferência de afetos, permite que o autor renove de tempos em tempos a promessa de conduzir o leitor ao sucesso, ainda que apenas uma satisfação fugaz pelo arrefecimento dos sintomas seja a real recompensa deste processo. Conforme sugerimos anteriormente, esta relação nos parece análoga tanto àquela da terapia por sugestão quanto àquela outra, característica das massas em relação ao líder, e que foi exposta no hoje célebre texto de Freud (1921/2011): verticalizada, autocrática e exercida por intermédio de uma figura de autoridade, com o leitor detendo pouca autonomia para efetuar mudanças em si mesmo sem o auxílio do autor.

Ainda que o argumento de que o analista pouco ou nada influencia no processo terapêutico seja ingênuo, compreendemos a psicanálise como a representação de uma ruptura e de um importante avanço em relação à tradição psicoterápica do final do século XIX e início do século passado, conforme aponta Szasz (1963). Isto por destituir o terapeuta de uma posição meramente autoritária, conferindo grande poder de decisão também ao paciente1. E, no entanto, como afirma categoricamente Roudinesco (2000), o saber inaugurado por Freud vem perdendo um considerável terreno no atual mercado mundial de bens simbólicos. Então a pergunta que inevitavelmente se impõe é: por que a autoajuda permanece como um destacado modo de subjetivação na contemporaneidade enquanto a psicanálise parece assistir a sua popularidade desmoronar?

Uma resposta plausível para essa indagação reside no fato de a psicanálise, após analisar e decompor os elementos da vida mental, não se propor a realizar uma “psicossíntese”. Ou seja, o analista não reconstrói o psiquismo do analisando com as próprias mãos. Essa tarefa é conferida ao próprio analisando por meio da elaboração dos conteúdos, agora conscientes, da sua história pessoal. A terapia analítica, já nos dizia Freud (1919/2011), se recusa a transformar o paciente em sua propriedade ou a moldá-lo de acordo com os ideais do analista. Em contrapartida, o tipo de sugestão que se faz presente na literatura de autoajuda se propõe a direcionar coercitivamente seus adeptos para aquilo que os autores pregam como bem-estar e para a felicidade, algo que certamente soaria para o mesmo Freud, bem como para Alves (2005), como uma educação ou religião demasiadamente violentas e extravagantes ao ofício terapêutico.

A essa altura, seria possível objetar que a psicanálise também maneja a transferência e a identificação para levar o paciente ao alívio de seu sofrimento psíquico. No entanto, enquanto a sugestão que a autoajuda emprega em seu discurso se apresenta como um artifício que vincula o sucesso à autoridade do autor sobre o leitor, a terapia psicanalítica confere ao analisando a tarefa de elaborar o conteúdo apresentado na análise e nas interpretações e construções feitas pelo analista. Há, portanto, uma diferença fundamental no uso da identificação e da transferência nas duas correntes: enquanto a sugestão, na autoajuda, é eficaz apenas temporariamente e o processo de mudança repousa depende de comandos diretos do autor, a psicanálise busca a autonomia do paciente, cabendo a ele a parte majoritária do sucesso do tratamento.

Outra resposta à pergunta acima formulada reside na constatação, já amplamente difundida, de que a sociedade contemporânea, pautada pelos ditames do capital, do consumo espetacular e de uma rede de informações cada vez mais veloz, demanda soluções também rápidas e palpáveis para os seus problemas, mesmo que às custas de maiores doses de profundidade e/ou durabilidade. Embora certamente não natural, torna-se naturalizado que também opte pela aquisição de uma infinidade de medicamentos e “pílulas de sabedoria” presentes em caixinhas e livros de bolso prontos para uso, em vez de se submeter ao longo, por vezes penoso, processo de um tratamento analítico. Em uma contemporaneidade na qual a servidão voluntária e os meios de comunicação de massa parecem compor um acordo que visa retirar de cena a renúncia pulsional, restando ao conflito psíquico a pecha de defeito (ou seria um “pecado”?), a experiência limítrofe entre terapia e religião proporcionada pela autoajuda fornece um complemento nada desprezível à medicina científica na promessa que ambas fazem de curas eficazes, instantâneas e, importante, livres de ambiguidades para males das mais variadas naturezas. Eis a receita do seu sucesso, pautado na tragicomédia de um novo imperativo categórico do tipo: “ingerir para não refletir”.

 

 

Referências

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Data de submissão: 12/02/2018
Data de aceite: 17/05/2018

 

 

1 Embora Thomas Szasz ser conhecido como um expoente da corrente revisionista americana da psicanálise, criticada por distorcer alguns conceitos da teoria freudiana, acreditamos que o texto citado do autor em questão não incorra em tal prática, sendo pertinente para pensar as inter-relações entre psicanálise e sugestão principalmente na primeira década do século XX. Uma posição semelhante pode ser encontrada em Mezan (1996), que, ao debater os laços históricos entre psicanálise e sugestão, enfatiza que ambas se encaixam no conceito de psicoterapia vigente nos primeiros anos do século XX. Qual seja, um procedimento que visava curar doenças nervosas que não tinham causa ou etiologia física, mas psíquica. Acreditamos que a sugestão e a psicanálise não sejam antitéticas nem semelhantes, e que a relação entre elas é principalmente histórica, dentro do espectro de psicoterapias do início do século passado.

 

 

I Mateus Abreu Pereira: Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do grupo Subjetivação, conflito e cultura (UFPA), vinculado ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil/CNPQ. E-mail: mateuspereira21@gmail.com

II Maurício Rodrigues de Souza: Doutor em Psicologia  pela Universidade de São Paulo (USP) e  Pós-Doutor em Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Exerce atualmente o cargo de Professor Associado II junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará. Coordena  o grupo Subjetivação, conflito e cultura (UFPA). E-mail: mrsouza@ufpa.br

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