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Revista Polis e Psique
versão On-line ISSN 2238-152X
Rev. Polis Psique vol.8 no.3 Porto Alegre set./dez. 2018
https://doi.org/10.22456/2238-152X.83984
ARTIGOS
Uma discussão sobre disciplina: juventude em conflito com a lei e cárcere
Discussing about discipline: the youth in conflict with the law and the incarceration
Discusión sobre la disciplina: la juventud en conflicto con la ley y el encarcelamiento
Andrea ScisleskiI, Ana Ligia Saab VittaII, Luis Henrique da Silva SousaIII, Maria Eduarda Parizan ChecaIV, Maria Júlia DiasV
I Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, Brasil.
II Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, Brasil.
III Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, Brasil.
IV Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, Brasil.
V Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, Brasil.
RESUMO
A presente escrita tem o objetivo de investigar a articulação entre os saberes psicológicos e jurídicos, problematizando seus efeitos na construção discursos sobre a população infanto-juvenil em conflito com a lei. Como procedimentos metodológicos foram realizadas consultas a documentos em nível estadual e nacional, bem como pesquisa bibliográfica sobre estudos referentes ao tema da juventude em conflito com a lei, visita a um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e em um presídio masculino estadual, localizado em Campo Grande – MS. Nossa análise se dá a partir da perspectiva foucaultiana, discutindo a produção do encarceramento como forma de punição aplicada à população jovem. Concluímos que o encarceramento, a partir da segurança, opera como uma intervenção proposta para tratar de questões sociais, mas que, contudo, acaba subordinando-as a lógicas individualizantes.
Palavras-chave: juventude em conflito com a lei; Foucault; encarceramento.
ABSTRACT
This article discusses the articulation between psychological and legal epistemological field, problematising their effects on discourses about the youth in conflict with the law. The methodological approach is based on the Brazilian national and regional documents related to youth in conflict with the law, as well on bibliography studies directed to this population, a visit to a Brazilian Specialised Social Services Centre (CREAS) and a visit to a male prison in Campo Grande/Brazil. Our analysis is built on the perspective of Michel Foucault in order to discuss the production of imprisonment as punishment directed to young population. As a conclusion, we state the incarceration is used, in the security discourse, as a strategy to manage social questions into an individual perspective.
Keywords: youth in conflict with the law; Foucault; incarceration.
RESUMEN
La presente escrita tiene el objetivo de investigar la articulación entre los saberes psicológicos y jurídicos, indagando sus efectos en la composición de uma esfera de comprensión acerca de la población infantil y juvenil en conflicto con la ley. Como procedimientos metodológicos, fueron realizadas consultas a documentos en nível estadual y nacional, así como uma búsqueda bibliográfica sobre estúdios referidos al tema de la juventud en conflicto con la ley, visita a un Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) y en uma prisión estatal masculina, ubicada em Campo Grande – MS. Nuestra análisis ocurrea partir del panorama de Foucault, debatiendo la formación del encarcelamiento como un método punitivo utilizado a los jóvenes. Concluímos que la encarcelacíon, a partir de la seguridad, actua como una intervención propuesta para manejar cuestiones sociales, pero que, sin embargo,acaba subordinándo las a lógicas que, todavia, individualizan.
Palabras-clave: juventud en conflicto con la ley; Foucault; carcel.
Introdução
Este artigo aborda alguns pontos da articulação entre os saberes psicológicos e jurídicos que emergem como produtores de verdades no que tange à juventude em conflito com a lei. Problematizamos a ideia do encarceramento como punição considerada necessária a essa juventude, em um paralelo com a configuração do sistema carcerário contemporâneo. Utilizamos algumas ferramentas metodológicas: realizamos uma análise de documentos voltados para a população carcerária brasileira e para a população jovem em conflito com a lei, como o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, e o Panorama Nacional de execução das medidas socioeducativas de internação; e, posteriormente, visitamos um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e um presídio masculino estadual, ambos localizados em Campo Grande – MS. Pontualmente, desenvolvemos a ideia de encarceramento, quando pontuado como necessidade iminente e emergente no atual contexto político brasileiro. Tal aspecto se vê presente especialmente com o aumento da popularidade do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 171/1993 (Couto, 2015), que muda a imputabilidade penal de 18 para 16 anos, bem como a iminência de outros Projetos de Leis com o mesmo teor político, que produzem efeitos que se dirigem a essa juventude.
É no entrecruzamento discursivo entre a Psicologia e o Direito que buscamos traçar nossa discussão, tendo como finalidade primordial apontar algumas pistas de como tem sido analisado o percurso desses jovens por essa dupla de saberes. Ao serem constituídos enquanto campos de saber, tanto a Psicologia quanto o Direito tornam-se dispositivos que possibilitam determinada disposição de fatos, acontecimentos e eventos, afirmando evidências que devem ser constantemente iluminadas pelo saber científico (como veremos adiante) e, desse modo, propondo uma continuidade que seria condizente com a realidade.
Porém, de modo oposto, é a partir da ideia de conhecimento como invenção, ideia que Foucault retoma do pensamento nietzschiano (Foucault, 2016) que este texto se apoia, considerando a verdade não por seu caráter absolutista e factual, mas, justamente, por sua constituição meio à multiplicidade de acontecimentos, demarcado pela descontinuidade. Isso significa que, enquanto pesquisadores, fazemos uso dessa lente para desmembrar um campo, aproximando-nos das constâncias sociais e propondo que a naturalização dos efeitos seja problematizada. Fazemos isso não para construir um decreto de determinado pensamento ou saber sobre algo, mas, justamente, para desconstruir o que é tido como pronto, naturalizado, esperado. Para nós, isso se dá no desenvolvimento de um estudo que evite transcendências e compreenda que, em vários níveis, os sistemas de pensamento propostos pela ciência são apenas uma das inúmeras versões a serem contadas.
Desconstruindo os óbvios
Os jovens, aqui, são tidos como objeto de uma intervenção que demarca os limites do nosso saber, visto que o exercício de pensá-los nos desloca, incessantemente, para a problematização disto que é tido como óbvio a respeito deles no campo da ciência; esse território fértil de discursos (Foucault, 2014) estigmatizantes que toma como objeto esses jovens, especialmente os que entram em conflito com a lei. Falar de jovens em conflito com a lei, portanto, não é falar somente dos que são capturados pelas medidas socioeducativas, é antes pensar nos discursos que produzem jovens tidos como delinquentes. Em termos efetivos, é na palavra decisória do juiz e na enérgica afirmação dos laudos psicológicos que um tipo de discurso do "óbvio" se constrói. O óbvio, aqui, diz respeito a algumas práticas discursivas que, por produzirem formas de se pensar e de se ver a realidade, produzem a própria realidade em si, constituindo uma "naturalidade" que nada tem de natural, mas que se forja justamente na imanência das relações (Foucault, 1996).
Assim, como contraponto às formas psicológicas tradicionais de se fazer pesquisa, temos a proposta que Scisleski e Huning (2016) nos trazem, indicando a experiência da escrita no e com o escuro, de forma a não apenas produzir outras formas de escrita que não partam das cristalizações, como também de potencializar a desconstrução dessa “racionalidade forjada como natural ou necessária [...] como ordem de uma evidência iluminada. Obscurecer um pouco a luz [..] permitir que tatear/sentir/viver sejam possibilidades não-determinadas por normativas" (p.24). Benevides (2005), quanto a isso, critica a obviedade da produção da ciência psicológica que opera a partir da constatação de evidências, de modo que a presente forma de fazer pesquisa propõe uma relação mais subjetiva e interativa em face ao modelo objetivo e positivista que tomou conta das formas de produzir conhecimento na psicologia ao longo da história.
Em uma perspectiva similar, Scisleki e Guareschi (2011) problematizam o ritualístico "promete falar a verdade"; o que, de fato, nos leva a questionar essa verdade em termos não apenas jurídicos ou penais, como também no alcance de algumas formas discursivas que ressonam em práticas e saberes científicos. Observa-se, no que toca às práticas jurídicas, a constituição de um arranjo que é capaz de questionar, interrogar, examinar (em forma de inquérito) um sujeito que deve, obrigatoriamente, explanar a verdade. Assim, a ideia de trazer à tona a verdade seria, em realidade, o emergir das tecnologias disciplinares, isto é, de como o saber molda e opera sobre os corpos dos sujeitos.
Para Foucault (1996, 2008a, 2015), as tecnologias disciplinares surgiram em uma reformulação nas formas de se pensar as disposições dos corpos nas instituições, como a escola, o hospital, a fábrica, dentre outros. Em um primeiro momento, essas técnicas reguladoras dos comportamentos se davam a nível individual, ou seja, na maneira como os sujeitos se adequavam às normas estabelecidas. Entretanto, tais normas diziam respeito também a um arranjo de relações micropolíticas que determinavam ações e comportamentos no campo social, com um alcance no corpo-indivíduo. A disciplina vai, assim, se materializando no surgimento de instituições cada vez mais calcadas no ajustamento do indivíduo (Foucault, 1996, 2015). Hillesheim e Cruz (2008) afirmam que a disciplina abriu espaço ao desenvolvimento da vigilância e das tecnologias de controle, fazendo emergir o que Coimbra e Nascimento (2008) entendem como dispositivo da periculosidade, ou seja, técnicas científicas que objetivam disciplinar as possíveis populações infratoras, prevendo a possibilidade de algumas formas de ser jovem/sujeito de tornaram-se violentas.
Em um segundo momento, o aprimoramento dessas técnicas se dá no desenvolvimento de novas estratégias de governo. O investimento das ações se dá a nível populacional, a partir do esquadrinhamento dessa população em subcategorias (crianças, idosos, homens trabalhadores, desempregados, doentes, etc), objetivando potencializar a "naturalidade" dessas populações para nelas poder intervir. Foucault (2008) enfatiza que são subcategorias criadas juntamente à emergência do Estado Moderno e que funcionam – especialmente em seu teor de naturalidade – para melhor governar a população. A disciplina então passa a se articular com a gestão das populações que regulam seu próprio comportamento em razão do Estado e, posteriormente, em razão do Mercado e de uma produção atravessada pelo liberalismo econômico (Foucault, 2008b).
É por um investimento em técnicas cada vez mais imateriais e subjetivas que se efetivam formas de mudanças no controle da população para uma disciplina dos corpos individuais, assim fabricando uma individualização em que se prioriza uma modelização das experiências subjetivas e o aperfeiçoamento das técnicas de investimento de poder (Foucault, 1999). Nesse sentido, o “jovem” é produzido não apenas com ênfase na individuação dos sujeitos, no controle dos corpos, mas também de forma a se assujeitar a certas formas de governo. Quanto a isso, Foucault (2014) sinaliza a articulação entre saber e discurso, e o ponto de encontro entre ambos. Pois, a partir de Nietzsche, Foucault (2014) compreende que a busca pela solidez, pela segurança e pelas certezas palpáveis e comprováveis são esperadas tanto pelo sistema jurídico, quanto pela ciência como um todo.
Assim, a ciência empreende a cristalização como norteadora, construindo práticas tecnicistas, automáticas e vigilantes; uma busca pela verdade que negligencia o imprevisto, o que não é óbvio (Foucault, 1996, 2015). Com efeito, vemos que a ideia de um "menor infrator", proposta pelo Código de Menores de 1927, quando articulada com teorias das ciências humanas que denotam a "desestrutura familiar" e a "problemática da pobreza" enquanto produtoras de violência, fazem emergir, na contemporaneidade, um discurso do "óbvio" que enfatiza uma juventude pobre equivalente a uma juventude violenta, e consequentemente, criminosa (Coimbra & Nascimento, 2008).
Nesse aspecto, o óbvio enfatizado aqui diz respeito às conexões entre o discursivo e o não discursivo (Rodrigues, 2015), de modo que o que se constrói sobre uma juventude em conflito com a lei se dá pela articulação tanto de eventos que atravessam a história desses jovens, quanto pela performatização de tais eventos no campo da linguagem, ou seja, em termos de enunciado, forjando uma configuração do jovem em conflito com a lei firmada, sobretudo, sobre a obviedade científica.
A juventude (que está) em conflito com a lei
Em 1988, a Constituição Federal, mais tarde endossada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Código Penal, substituiu a Doutrina da Situação Irregular pela Doutrina da Proteção Integral. Aqui, a principal mudança consistia na proteção legal à criança e ao adolescente, considerando crianças e adolescente como sujeitos de direito (Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). Ademais, nos casos de cometimento de ato infracional, não existe na legislação a possibilidade de prisão ou cárcere como forma de punição para menores de 18 anos, visto que o objetivo estabelecido tanto para as medidas abertas quanto para as de internação, é terminadamente educativo e ressocializador. Exemplo disso é a criação do PIA (Plano de Atendimento Individual), um instrumento de gestão das atividades que são desenvolvidas ao longo do período em que o adolescente estiver em medida socioeducativa que objetiva uma linearidade no processo ressocializador do jovem. Paradoxalmente, vemos que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (2012), apenas 3% dos jovens infratores da região Centro-Oeste tem seu PIA preenchido, dado que se cola, também, aos 5% de PIA preenchidos a nível nacional. O não-cumprimento dessas medidas pedagógicas, quando em consonância com um grande apelo popular que clama por uma justiça imediatista e vingativa, nos dá indícios da reformulação de algumas lógicas já obsoletas que ressonam, ainda, em alguns paradigmas científicos atuais.
Para Coimbra e Nascimento (2008), tal racionalidade emerge a partir da concepção de que as ações do sujeito possuíam uma origem genética, abrindo precedente para que a ideia de uma pureza racial pudesse existir; assim, alguns modos de vida passam a ser considerados imorais e inadequados. Isso, com efeito, tornou-se presente ao longo do desenvolvimento de uma nova configuração social, atravessada tanto pela emergência da industrialização, quanto pela demarcação social da pobreza.
Por essa perspectiva, preocupa-se cada vez mais com a ordenação do campo social (Faleiros, 2009), atribuindo uma parcela de culpa à juventude, primeiramente, por uma condição inata que atinge o jovem de forma naturalizada e irracional, sendo a ele atribuída uma má índole; e como segundo ponto, fazendo referência à convivência com os males da rua e com a pobreza cotidiana.
Mas a rua é o perigo permanente, debaixo de mil e uma formas [...] Mas se aqueles (os pais) não devem ser advertidos por essa situação, têm responsabilidade, entretanto, pelos desastres que ocorrem com os filhos já saídos da puerícia, a cuja educação não provêm devidamente, deixando-os à solta, entregue aos seus próprios instintos, nessa escola de todos os vícios que é a rua das grandes cidades (Mota & Schraiber, 2009, p.101)
Para Foucault (1973), é com a constituição de uma ciência dos criminosos a criminologia – que se inicia um processo de naturalização da delinquência. O efeito delinquência, desenvolvido com a emergência das prisões, é um fenômeno que institui a pena não pelo fato do crime ter ocorrido, mas sim pelas próprias especificidades do sujeito. O foco de intervenção deixa de ser o ato em si, e passa a ser a possibilidade do sujeito de voltar a cometê-lo, a sua condição de periculosidade.
Tal demarcação de cunho científico teve ressonâncias ao longo de toda legislação do século XX direcionada à população infanto-juvenil, como é o caso do tratamento dado à juventude pelo Código de Menores de 1927 e pelo Código de 1979. De acordo com Scisleski (2010), o persistente uso do termo menor na atualidade faz ainda referência à presença de um modelo menorista, de práticas ainda punitivas. Concomitante a isso, Coimbra e Ayres (2009) citados por Brasil (2014) enfatizam que a operacionalização da lei se dava em uma aliança entre médicos e juristas, objetivando uma assistência pautada em parâmetros morais e higienistas. O discurso jurídico formalizado pelo Código de 1927 estabeleceu a proteção legal do jovem até os dezoito anos de idade, em que os jovens possuíam a possibilidade (mas não o direito formal) de guarda, vigilância e educação, determinadas pelas autoridades competentes (Faleiros, 2009). Seguindo essa mesma lógica, o Código de Menores de 1979 trouxe a internação em massa (Brasil, 2014) como estratégia para manter esses jovens fora da rua. Nessa transição, a mídia se apropriou do tema e desenvolveu manchetes sobre “meninos de rua”, reforçando o estigma em volta dessa população (Faleiros, 2009).
No que tange a configuração de normativas e legislações acerca dessa população, cabe enfatizar que houve uma série de avanços nas últimas décadas, materializados principalmente pela mudança da Doutrina Irregular (que demarcava aspectos considerados inadequados e imorais nos modos de vida da infância pobre) para a Doutrina da Proteção Integral. Tal mudança coincidiu com uma série de transições político-sociais configuradas no período pós-ditatorial brasileiro, como a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a Reforma Sanitária e Psiquiátrica e a instauração da Constituição Brasileira de 1988. De fato, a emergência dessas mudanças de cunho normativo teve enorme ressonância no modo pelo qual se pensa a juventude, a pobreza e violência, viabilizando, assim, a emergência da noção de ressocialização nas práticas. Isso, com efeito, foi possível de ser visto até mesmo na constituição de um arcabouço legal que assegurasse o direito à saúde, à moradia e à alimentação, delimitado pela interdisciplinaridade implicada no ECA.
Ao longo do século XX construiu-se uma legalidade acerca do jovem em conflito com a lei que configurou essa dupla qualificação do sujeito: a jurídica e a médica (Foucault, 2010), ambas atravessadas por discursos higienistas e disciplinarizantes. Com a transição para o ECA, tornou-se necessária a presença da Psicologia, do Serviço Social, da Medicina, da Enfermagem, do Direito, dentre outras áreas, objetivando uma compreensão integral desse jovem, não apenas por delimitações médico-jurídicas.
Entretanto, Reis (2009) pontua que, ainda hoje, os campos científicos muitas vezes se colocam a serviço da justiça, desenvolvendo uma cientificidade que nega seu caráter político ao optar pelo viés da neutralidade. Nesse âmbito, são desenvolvidas políticas sociais punitivas à população jovem em conflito com a lei, proporcionalmente a políticas preventivas em relação ao perigo incessante que seriam esses jovens. A regulamentação jurídica da juventude traz, ainda, resquícios de um Estado que tutela esse jovem, enquadrando-o de acordo com tais discursos, que são pano de fundo para o desenvolvimento de Políticas Públicas contemporâneas para a infância e juventude; assim, o que antes emergia de forma disciplinar e coercitiva, atualmente se faz presente pela institucionalização da disciplina como via de controle, de modo capilar.
A pessoa em cárcere: produzindo o perigo
Paralelamente a questão da socioeducação, como parte da trajetória da pesquisa, estivemos em um estabelecimento penal de Segurança Máxima no estado de Mato Grosso do Sul. Nesse local, conversamos com alguns funcionários no local, especialmente do setor psicossocial, e, também, foi realizada uma visita ao setor educacional, local em que os presos possuem aulas ao longo da semana. A necessidade de se realizar uma visita a um estabelecimento penal se deu devido ao fato do objetivo deste estudo circundar não unicamente a aplicabilidade das medidas socioeducativas, como também problematizar os discursos proferidos sobre um recorte populacional, atravessado por questões sociais, econômicas políticas e demográficas; para dar continuidade a essa problemática, tornou-se emergente compreender o funcionamento dessa demanda do “óbvio”, visto aqui como uma lógica individualizante que, discursivamente e objetivamente, toma forma no percurso dessa população. De fato, a noção de “percurso” é um aspecto importante para o presente estudo; especialmente devido ao fato da população carcerária atual ser majoritariamente atravessada pela reincidência no crime, ou seja, ter seu percurso delineado pelo crime. Logo, a maioria dos homens em situação de cárcere foram, previamente, a juventude já em medida socioeducativa.
Diferentemente do que está dado, tal fator não se cola ao discurso socialmente posto de uma pobreza produtora de violência (e de sujeitos individualmente causadores da violência), mas, sim, a construção genealógica de uma juventude que desde muito cedo não é delimitada como uma juventude assegurada de sua proteção. Quanto a isso, o artigo 27 do Código Penal Brasileiro pontua que menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis e devem ser julgados pelo ECA; este, ao referir-se à prática de ato infracional, reforça essa ideia no art. 104. Da mesma forma, a Doutrina de Proteção Integral estabelece no art. 227 que é dever da família e do Estado assegurar ao jovem seus direitos básicos. Em caso de cometimento de ato infracional, o Capítulo IV prevê a aplicação de Medidas Socioeducativas, especificadas no art. 112; já a última medida refere-se à aplicação de Medidas Específicas de Proteção. Nestas, o artigo traz uma série de especificidades em relação a proteção do menor institucionalizado, tal como o jovem em medida socioeducativa. Primordialmente, há ênfase na reintegração social do jovem em conflito com a lei (Brasil, 1990), bem como na garantia a comida, a moradia, a segurança e a ressocialização do jovem.
Entretanto, ao realizar visita ao presídio, foi possível notar a constituição de uma lógica interna que reproduz uma lógica vista também fora das prisões, atribuindo sentidos muitas vezes dados aos jovens; isto, pois, ao realizarmos visita ao setor psicossocial, observamos, em um primeiro momento, a escassez de funcionários para o setor. No caso, houve a contratação de uma psicóloga e de duas assistentes sociais para uma média de 200 presos; isso, visto que a psicóloga realiza atendimento individualizado (quando requerido legalmente pelo judiciário), faz laudos psicológicos e estava iniciando um programa de atendimento voltado para grupos. Curiosamente, o setor psicossocial da unidade prisional tem sua atuação totalmente dissociada do setor psiquiátrico, que não tem o cargo de psicólogo no enquadre de funcionários. Do mesmo modo, o atendimento psiquiátrico é realizado esporadicamente, mediado, igualmente, ou pelo judiciário ou pelo requerimento jurídico da família. Para nós, isso traz duas problemáticas fundamentais a serem pensadas: a primeira, da clara dissociação da função do psicólogo como profissional de saúde, delimitando sua atuação às demarcações (e demandas) do judiciário; e, como segundo ponto, nos faz questionar a própria função da psicologia no sistema prisional. No que tange à ala psiquiátrica, denota-se a ausência de medicação psiquiátrica (tanto para os presos com diagnóstico psiquiátrico, quanto para os presos regulares), assim como ausência mesma do profissional da psiquiatria. Ao conversarmos com alguns presos durante o "banho de sol", foram relatados, também, casos de negligência médica, com excessos de medicação para dor e/ou descaso em casos de violência interna dos presos.
Ao lermos alguns dos laudos psicológicos e psiquiátricos, observamos a ressonância de termos como "psicopatia", "incapacidade de conviver em sociedade", "desestrutura familiar" e "tendência à agressividade". Isso, geralmente colado ao uso de instrumentos para avaliação psicológica de interpretações totalmente subjetivas, cabendo, muitas vezes, ao próprio profissional a delimitação desses laudos. Tais documentos, de modo geral, tem como objetivo enfatizar e justificar a situação de cárcere, fazendo referência, principalmente, a características marcantes da personalidade e da estrutura familiar dos presos, concluindo a necessidade de tais sujeitos de se manterem em cárcere o máximo de tempo possível. Com efeito, é de fácil constatação os efeitos desses laudos, tanto em termos micropolíticos, quanto em termos macropolíticos; a incidência de presos em boa parte dos presídios masculinos traz à tona um perfil delimitado: um perfil de homens com "tendência à agressividade", que são "incapazes de conviver em sociedade", e que são, de modo geral, negros, pobres e marginalizados socialmente em que se colam ao mesmo discurso proferido à juventude em medida socioeducativa.
Observamos o fato do uso de laudos psicológicos determinar o percurso desse preso dentro da própria unidade, fato que traz consigo o peso de uma verdade já estabelecida antes mesmo deles tornarem presidiários. Assim, antes mesmo do laudo psicológico delinear este caminho internamente na instituição, as condições desses sujeitos já os forjam como futuros presidiários (ou como jovens em conflito com a lei).
Temos, na população brasileira em geral, 53% com cor de pele negra, e, concomitante a esses dados, vemos que 64% da população carcerária possui a cor de pele negra, muito mais da metade da população carcerária. A partir de dados da InfoPen (2016), observamos que é maior a incidência em estabelecimentos penais de homens (74%), com ensino fundamental completo e/ou médio incompleto (42%), com idade entre 18 a 24 anos (30%), 25 a 29 anos (25%), 30 a 34 anos (19%), com a cor de pele negra (64%) ou branca (35%) comparável com um índice de 53% de população geral negra brasileira e 46% de população branca brasileira (InFoPen, 2016). No que tange aos dados por unidade de federação, observamos que o Mato Grosso do Sul se mantém como o estado com a 9º maior população prisional do país (18.688), além de ser o estado com o maior número de presos (696,7 para cada 100.000 habitantes). A faixa etária dessa população é de 18 a 24 anos (24%), 25 a 29 anos (23%), 30 a 34 anos (20%) e 35 a 45 anos (23%). Vemos, também, que a taxa de mortalidade a cada 10 mil pessoas em situação de cárcere é de 19,9, estando o estado do Mato Grosso do Sul entre os 10 estados brasileiros com maior número de óbitos dentro do estabelecimento penal.
No que tange a juventude, o Conselho Nacional de Justiça (2012) nos mostra que 45,7% dos jovens cometem o primeiro delito entre os 15 e 17 anos, sendo 36% referente a roubo e 24% ao tráfico de drogas. Destes, 86% não concluíram o ensino fundamental, apesar de 91% ser alfabetizada. O índice nacional de reincidência é de 43,3%, enquanto que o índice regional é de 45,7% sendo o segundo Estado com maior índice de juventude reincidente.
Bicalho (2014), em uma carta virtual endereçada à Proteção Integral, reafirma o que Bauman (2003) já havia previsto: que dentre as (inúmeras) formas de controle social, o medo e a insegurança emergem como uma lógica, em que formas de existência são produzidas (Bicalho, 2014) culminando em barreiras cada vez mais fortalecidas, e estratégias de controle cada vez mais eficazes. De fato, vê-se a renovação de algumas propostas criminológicas posititivas, fazendo operar um determinado tipo de lógica que (re)produz o extermínio subjetivo como política de contenção (Bicalho, 2014), travestido de proteção social. Foi apenas na modernidade que a preocupação com a vigilância constante das pessoas, das cidades, da circulação emergiu. Juristas e desembargadores fundaram, nessa época, obras filantrópicas – tal como o Patronato de Menores – que tinham como objetivo desenvolver medidas de regulação da juventude em conflito com a lei, tendo como enfoque o tratamento religioso e a preocupação com a ociosidade desses jovens.
Posteriormente, ao longo do século XX, a modernização crescente e a emergência das ciências humanas desenvolveram técnicas cada vez mais específicas – e individualizantes –, que propunham ferramentas capazes de controlar a população, em jogos de força que, de acordo com Foucault (2008a) diziam respeito a uma norma, e a modelos específicos, calcados na disciplinarização dos considerados inadequados, infringindo, também, a emergência de um sistema penal inteiramente embasado no cárcere.
Por um lado, no fim do século XVIII, assiste-se à total reorganização do sistema de penas em torno do encarceramento, e, por outro, essa reorganização é contemporânea da emergência do criminoso como inimigo social [...] à utilização quase exclusiva da prisão como instrumento punitivo (Foucault, 2015, p. 61).
Para além da garantia de direitos humanos básicos, vemos atualmente a emergência de um mercado de trabalho que abre um campo de possibilidade para alguns, e delimita o espaço para outros. Loic Wacquant (2003), quanto a isso, afirma que a construção de uma Guerra ao Crime foi fator fundamental, especialmente em uma gestão das populações mais pobres. Desse modo, quando em consonância com uma veiculação midiática, cria-se uma distorção entre políticas de (in)segurança e políticas punitivas. "A severidade penal é apresentada doravante [...] como uma necessidade saudável" (Wacquant, 2003, p.55). O autor pensa a sociedade através de uma tríplice transformação do Estado, pautado em uma associação entre transformações econômicas-sociais-penais e questionando a transição de um Estado punitivo para um Estado penal, demarcado pelo neoliberalismo e pela generalização do medo e da insegurança social. Desse modo, vemos a constituição de um Estado predominantemente neoliberalista, pautado no livre comércio e na abertura do mercado, mas que, com efeito, opera de forma autoritária com as classes mais baixas.
Para nós, essa ideia de Wacquant torna-se fundamental, especialmente no tocante às formas de gestão das populações na atualidade, que são atravessadas e reguladas não apenas pelo Estado e suas legislações, como também pelos aspectos que constituem o bom funcionamento da economia liberal. Logo, a mídia, as multinacionais, as redes sociais, o apelo popular, a educação, as políticas públicas, dentre outros fatores são engendrados em uma mesma lógica disciplinar, que captura esses corpos mesmo antes da própria institucionalização. Uma juventude quando pobre, negra e marginalizada, se constitui não apenas demarcada pelo campo da anormalidade, como também se vê marginalizada no mercado de trabalho e nas possibilidades de atuação profissional.
A disciplina pela via da lei
Foucault, ao nos mostrar a importância de uma análise descontínua da história, fez questão de enfatizar os atravessamentos que são, de modo desarticulado, constituintes da atualidade. Para a temática tratada aqui, isso significa compreender, por exemplo, o modo como a repercussão do Código de Menores de 1927 implica no poder decisório que chega a esse jovem hoje. Isso acontece de tal maneira que essa associação juventude pobre = juventude violenta se torna cada vez mais presente, mais demarcada e melhor investida por tecnologias disciplinares e reguladoras (Foucault, 2008a, 2008b).
Em plena crise econômica, social e política, contextualizado pelo colapso da democracia brasileira, indicado pelo recente golpe de um impeachment, vemos proliferar um apelo popular que pede, através de meios de comunicação de massa e pelas redes sociais, a criação de penas cada vez mais rígidas e do cumprimento integral das punições estabelecidas, tendo como objetivo imediato o encarceramento. Como apontado anteriormente, a função cristalizadora do encarceramento, nesse contexto, faz referência à reclusão como modelo de penalidade e se centraliza, hoje, na instituição prisional como regulamentadora dos sujeitos anormais. Foucault (2015) enfatiza, também, a generalização não apenas da prisão como penalidade, como do próprio efeito penitenciário ao longo do século XIX e XX, demarcando a existência não apenas das instituições enquanto localidades físicas, como também da reprodução da lógica disciplinar extrapolando as paredes do presídio. Dessa forma, a mídia, a Psicologia, a Psiquiatria, o Serviço Social, dentre outras formas de saber que produzem discursos, direcionam um conjunto de verdade do jovem em conflito com a lei, estabelecendo uma forma de regulação que se vê operando para além do próprio sistema carcerário.
A justiça, de fato, é quem se apropria desse jovem para institucionalizá-lo, mas os discursos que os cerceiam atravessam esse sujeito antes mesmo dele cometer o ato infracional; são condições sociais, demográficas e econômicas que perpassam as vidas desse jovem, delimitando suas possibilidades de acesso a direitos, de visibilidade social, de ocupação da cidade, dentre outros aspectos. Nesse sentido, a lógica do encarceramento possui menos uma função penal, e mais uma função vigilante; isso é compreendido, ilusoriamente, como a vigilância do criminoso, visto potencialmente como inimigo social. Com efeito, a atual popularidade da PEC 171 (Couto, 2015) indica não apenas a reprodução desse papel de inimigo social (referente a concepções maniqueístas que virtualmente enfatizam a dita tendência dos sujeitos criminosos) como também a manutenção da delinquência, materializando nessa juventude em conflito com a lei uma racionalidade que penaliza e individualiza a vulnerabilidade social. De fato, o próprio relatório enfatiza que o critério adotado em seu embasamento para analisar o jovem é biológico, "pouco importando o seu desenvolvimento mental" (2015, s/p), demarcado por uma análise que pensa os "jovens da atualidade em comparação à época da edição do Código Penal, nos anos quarenta" (2015, s/p), partindo, portanto, de uma análise que não problematiza o ato infracional em si, mas sim, traz como evidência os enunciados biológicos que são tidos como verdade sobre esse jovem, pensando-os, também, a partir da mesma análise feita pelo Código Penal em relação a adultos autuados por crimes. Para além deste ponto, denota-se não apenas um retorno a discursos científicos já considerados obsoletos pela atual legislação, como também uma demarcação que coincide com a emergência de discursos criminológicos positivistas do século XXI e XX, de caráter higienistas e exclusórios.
Observa-se aqui que, assim como Foucault nos demonstrou ao analisar o efeito penitenciário na Europa, a constituição de um discurso que apoia essa PEC nos mostra que a lógica de exclusão em relação a essa população já estava em emergência muito antes do próprio surgimento da PEC, materializando-se em ações policiais locais, em noticiários veiculados pela mídia, em protestos contra os direitos dessa população, em projetos de lei, dentre outras ações menores.
Nesse sentido, destaca-se, também, o Projeto de Lei número 219/2015, conhecido como “Lei Harfouche”, ou "Lei do Castigo", que se encontra em trâmite na Câmara Municipal de Campo Grande (2015) e tem como proposta a sanção de castigos – bem como a obrigatoriedade da participação familiar na aplicação dos mesmos – a jovens que cometerem algum tipo de infração no ambiente escolar. S. Harfouche (comunicação pessoal em 18 de agosto de 2017) – propositor do PL – chama esse tipo de ação de “prática administrativa escolar”, defendendo a ideia de que tal projeto diminuiria a judicialização dos conflitos, resolvendo-os na escola e trazendo a família para uma mais intensa participação nesse processo.
Em outras palavras, dir-se-ia que a proposta é aplicar a lógica criminológica e punitiva também na escola e de forma legitimada legalmente, desconsiderando a premissa básica do ECA (1990), que é a proteção integral e, além disso, culpabilizando as famílias pelas infrações que são executadas nas escolas. A proposta é a transformação da escola em um espaço de produção de criminalidade, em que a todo tempo jovens pobres e suas famílias são interpelados pela coerção punitiva que o ECA tenta combater há quase três décadas, desde a sua aprovação. A capilaridade desse discurso denota que, de fato, a eclosão da lógica penitenciária na contemporaneidade se vê cada vez mais reforçada no contexto brasileiro, o que fica mais visível com a mudança do contexto político, enfatizando o direito de fala e de visibilidade dos "trabalhadores", da população produtiva, e do silêncio e invisibilidade das populações improdutivas.
Vemos com isso a "vontade de verdade" trazida por Foucault (2014), que nos faz indagar um tensionamento entre duas forças: o que, no pensamento nietzschiano institui-se enquanto verdade, e o que ainda não se cristalizou enquanto tal e está ali operando como potência. Portanto, um embate constante entre atravessamentos distintos, entre formas de operar que poderiam ter efeitos diferentes. Retomando o pensamento de Scisleski e Huning (2016), problematizamos a necessidade constante da ciência em iluminar certos elementos e deixar outros no escuro. Aqui a visibilidade da lei faz referência justamente a isso: a evidenciação da lei. É importante ressaltar que a lei, neste momento, não se refere ao âmbito legal, mas às diretrizes que norteiam e que põem discursos em voga. Então, uma lei que deve ser visível e cumprida por alguns (os invisíveis: jovens em conflito com a lei, os loucos, pobres, negros), e invisível para outros (os visíveis: a população de bem, os consumidores, os produtores capitalísticos).
De fato, a visibilidade extrema da PEC 171 (bem como da Lei Harfouche) opera e cristaliza uma forma de se pensar a juventude pobre, negligenciando sua potência. Do mesmo modo, uma população que se vê eminentemente excluída do mercado de trabalho, da cultura, da circulação nas cidades, das possibilidades de vida, apenas se vê enquanto potência (na inclusão) quando autuada por um crime, e quando, de fato, é subjetivada por atravessamentos que, de modo descontínuo, (re)produzem uma juventude em conflito com a lei.
Considerações Finais
Vemos, aqui, a presença de discursos de caráter punitivo que se fazem presentes por conexões que atingem, na atualidade, os campos de saberes que gerenciam a juventude em conflito com a lei. É a urgência desses discursos que emergiram nos séculos XIX e início do século XX sobre uma juventude ociosa e pobre como delinqüente e patológica, consolidada como evidência.
Desse modo, à Psicologia, abre-se um leque consideravelmente amplo de possibilidades nas práticas, nas técnicas e nas formas de operar. Isso, pois, uma ciência psicológica que é colada a um objetivismo linear e positivista é capaz, muitas vezes, de reforçar a discursividade do óbvio; a psicologia, assim, acaba reproduzindo essa lógica vigente. Problematizar o binarismo produzido pela incidência da luz, como nos indicam Scisleski e Huning (2016), nos mostram que, enquanto ciência, comumente acabamos ofuscando nossa visão pelo excesso de luminosidade do conhecimento científico, e nos abstemos, do mesmo modo, de desmembrar a emergência das coisas menos óbvias, do não-evidente, evidenciando verdades já (re)produzidas, e ofuscando os caminhos da escuridão, tal qual uma juventude (que está sendo constantemente produzida como) em conflito com a lei.
Desse modo, constitui-se uma rede de saberes que se entrecruzam, constituindo determinada verdade sobre essa juventude, e que confunde, muitas vezes, proteção integral ao jovem com ordenação social; medidas educativas com punitivas; travestindo uma juventude pobre, geralmente negra, desfavorecida social e economicamente como criminosa e de má índole.
Referências
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Data de submissão: 12/02/2018
Data de aceite: 17/05/2018
I Andrea Scisleski é doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2010). Atualmente é docente e pesquisadora no Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). E-mail: ascisleski@yahoo.com.br
II Ana Ligia Saab Vitta é psicóloga graduada pela Universidade Católica Dom Bosco (2017) e ex-bolsista de Iniciação Científica. E-mail: anasvitta@outlook.com
III Luis Henrique da Silva Sousa é graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (2015). Atualmente é mestrando em Psicologia na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). E-mail: luis.henri.que@hotmail.com
IVMaria Eduarda Parizan Checa é psicóloga graduada pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e ex-bolsista de Iniciação Científica. E-mail: duda.checa@gmail.comV Maria Júlia Dias é graduanda em Psicologia e bolsista de Iniciação Científica, ambas na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). E-mail: mjdias.03@gmail.com