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Psicologia Hospitalar

versão impressa ISSN 1677-7409

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo dez. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A gravidez na adolescência na favela Sururu de Capote em Maceió, Alagoas

 

Teenage pregnancy in the Sururu de Capote slums, in Maceió, Alagoas

 

 

Niraldo de Oliveira SantosI,1; Gláucia Rosana Guerra Benute I,2; Anamarina de Oliveira SoaresII,3; Rosa Carla de Mendonça Melo LoboII,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,5

IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC).
IISetor de Psicologia da Santa Casa de Misericórdia de Maceió.

 

 


RESUMO

Na capital do estado de Alagoas, Maceió, 30,6% das mães são adolescentes. Objetivo: Estudar o fenômeno da gravidez na adolescência na favela Sururu de Capote, em Maceió. Método: Entrevistas semidirigidas com 80 gestantes com idade entre 10 e 19 anos e 11 meses. Resultados: Média de idade de 16,92 anos; média de filhos foi 1,63; e de idade na iniciação sexual 14,01 anos. O uso de anticoncepcional foi referido por 45% delas, sendo que 82,5% referiram conhecer os riscos de engravidar. Constatou-se que as gestantes cuja avó, mãe e alguma irmã apresentaram gravidez na adolescência apresentaram maior probabilidade de ter intenção de engravidar (p=0,005). Conclusão: A gestação na adolescência mostrou-se intimamente relacionada a aspectos sociais, com ênfase no status conferido pela maternidade, repetindo o ciclo já trilhado pelas mulheres da família.

Palavras-chave: Gestação, Adolescência, Comportamento adolescente.


ABSTRACT

Introduction: In Maceió, the capital city of the State of Alagoas in Brazil, 30.6 percent of mothers are teenagers. Objective: To study the issue of teenage pregnancy in the Sururu de Capote slums, in Maceió. Method: Semi-scripted interviews with 80 pregnant women between 10 and 19 years, 11 months of age. Results: On the average, subjects were 16.92 years old; the average number of children per subject was 1.63; the average age at the first sexual encounter was 14.01. Forty-five percent of the subjects reported using contraceptive methods and 82.5 percent of the subjects reported knowing about the risk of becoming pregnant. It was found that pregnant women whose grandmothers, mothers or sisters were pregnant during their teenage years were more likely to want to become pregnant themselves (p=0.005). Conclusion: Teenage pregnancy has closely related to social facets to it, especially the coveted social status granted by motherhood, making these young women travel once again the road paved by their senior female relatives.

Keywords: Pregnancy, Adolescence, Adolescent Behavior.


 

 

INTRODUÇÃO

A atividade sexual na adolescência vem se iniciando cada vez mais precocemente, com consequências indesejáveis nessa faixa etária – tais como doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. A menarca, em última análise, é a resposta orgânica que reflete a interação dos vários segmentos do eixo neuroendócrino feminino e, portanto, quanto mais precocemente ocorrer, mais exposta estará a adolescente à gestação. Nas classes socioeconômicas mais desfavorecidas, onde há maior abandono e promiscuidade, maior desinformação, menor acesso à contracepção, está a grande incidência da gestação na adolescência (Kassar, Lima, Albuquerque, Barbieri & Gurgel, 2006).

Na capital do estado de Alagoas, Maceió, o índice de gravidez em adolescentes é elevado: 30,6% das mães são adolescentes (Maceió – Secretaria da Saúde, 2003).

A incidência da gravidez no período compreendido entre 10 e 19 anos é maior nas populações de baixa renda. Em estudo realizado na cidade de São Luis/MA com 2.429 mulheres no período pós-parto, sendo 714 adolescentes, os autores (Aquino, Heilborni & Knauth, 2003) concluíram que estas últimas apresentaram piores condições socioeconômicas e reprodutivas que as demais mulheres, maior proporção de pré-natal inadequado (39,2%) e muitas não tinham companheiro (34,5%).

Projeção de indicadores sociodemográficos realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – base 1991-2030) indicou média nacional em torno de 8%, em 2030, para a mortalidade infantil, contrastando com as projetadas para Maranhão e Alagoas, 16,10% e 19,40%, respectivamente. Em 2000, o Distrito Federal passou a ocupar a primeira posição no ranking das unidades da federação com a mais elevada esperança de vida ao nascer (73,64 anos), enquanto Alagoas permaneceu no último posto (63,84 anos). De acordo com as projeções, Santa Catarina passa à liderança a partir de 2015, mantendo-se neste patamar até 2030. Por outro lado, as perspectivas para Alagoas mantêm-se desfavoráveis ao longo das 3 décadas analisadas, com sua expectativa ao nascer posicionando-se em último lugar (Brasil - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009).

Tanto no Brasil, como também nos EUA (Adams & Kocik, 1997; Costa, Santos, Nascimento Sobrinho, Freitas & Ferreira, 2001; Gama, Szwarcwald, Leal & Thelme Filha, 2001), essas mães adolescentes têm menos renda per capita, residem em piores condições e têm menor escolaridade. Consequentemente, seus filhos ficam expostos a um maior risco de doença desde o nascimento (baixo peso, desnutrição) e também maior risco de morte no primeiro ano de vida (Almeida, 2002; Dadoarian, 2000; Costa et al., 2006; Trindade, 2007). Nas favelas do Recife, de cada 10 mulheres que são mães, uma é menor de 15 anos, sendo que 60% das mulheres têm menos de 20 anos de idade (Salem, 1981).

Aqui, observa-se o lado mais perverso da situação da maternidade na adolescência: a trajetória definida dessas jovens pobres continuarem vivendo em condições de miséria (Costa et al., 2001; Gama et al., 2001). A grande parte dos estudos nacionais e internacionais observam e enfatizam, como decorrência da gravidez na adolescência, o aumento das famílias monoparentais e chefiadas por mulheres com prole numerosa, a esterilização precoce através da ligadura de trompas, o abandono escolar, a não inserção no mercado de trabalho ou então a inserção extremamente precária (Almeida, 2002; Trindade, 2007; Rossetto, Schermann & Béria, 2014).

O contexto familiar tem relação direta com a época em que se inicia a atividade sexual. Assim sendo, adolescentes que iniciam vida sexual precocemente ou engravidam nesse período, geralmente vêm de famílias cujas mães também iniciaram vida sexual precocemente ou engravidaram durante a adolescência (Furstenberg, Levine & Brooks-Gunn, 1990; Hardy, Astone & Brooks-Gunn, 1998; East & Kierman, 2001; Barber, 2001; Campa & Eckenrode, 2006; Bonell et al., 2006; East, Reyes & Horn, 2007; Ferraro et al., 2013). Quanto mais jovens e imaturos os pais, maiores as possibilidades de desajustes e desagregação familiar (Baldwin & Cain, 1980). O relacionamento entre irmãos também está associado com a atividade sexual: experiências sexuais mais cedo são observadas naqueles adolescentes em cuja família os irmãos mais velhos têm vida sexual ativa.

Em estudo qualitativo realizado com mulheres que se tornaram mães na adolescência, residentes na periferia de Maceió, foi observado que a vida dessas mães é marcada por condições de grande desigualdade em todas as esferas: social, econômica, cultural e de gênero. Portanto, não encontram oportunidades objetivas de romperem com o contexto de vida em que estão inseridas, apesar do desejo manifesto de mudança (Pommier, 1991).

Profissionais do programa Saúde da Família (PSF) em Alagoas, que promovem trabalhos educativos e preventivos nas escolas e comunidades, além de realizar pré-natal e assistência ao parto, confessam: “pouco se consegue no sentido de evitar uma segunda ou terceira gravidez antes dos 20 anos de idade”. A declaração da representante pela área de Atenção à Saúde da Adolescente e do Jovem Alagoano da Secretaria da Saúde (Trindade, 2007) vai mais além, e afirma: “É grande a evasão escolar entre essas adolescentes, o que expõe mais ainda ao abortamento, violência na própria família, abandono de filhos, marginalidade, prostituição e subemprego”.

As gestações sucessivas na adolescência também estão associadas às características sociais, econômicas e culturais de cada região. Nas regiões mais desenvolvidas do Brasil, como Sul e Sudeste, seus percentuais variam de 5,2% a 16%, enquanto que nas regiões do norte e nordeste, atingem o percentual alarmante de até 62% (Almeida, 2002). Foi possível compor um quadro que elenca situações de risco para gestações sucessivas e rápidas, relacionadas à biologia, a aspectos psicossociais, econômicos e de acesso ou não às tecnologias da saúde, através de análise de trabalhos que tratam da recorrência da gravidez em diferentes localidades (Stevens-Simon, Parsons & Montgomery, 1986; Coard, Nits, Park & Felice, 1998; Rigsby, Macones & Driscoll, 1998; Stevens-Simon, Kelly & Kulick, 2001; Kershaw et al., 2003; Persona, Shimo & Tarallo, 2004; Gomes, Speizer, Gomes, Oliveira & Moura, 2008; Christofides et al., 2014).

Este trabalho tem o objetivo de dimensionar e configurar o fenômeno da gravidez na adolescência na favela Sururu de Capote, município de Maceió, Alagoas.  Baseado em duas hipóteses.

Primeira hipótese: a gravidez é indesejada – as adolescentes engravidam por falta de informações a respeito da sexualidade, anticoncepção e gestação, e a proposta é a prevenção da situação por meio de estratégias e políticas educacionais as mais variadas.

Segunda hipótese: a gravidez é desejada – a causa da gravidez na adolescência encontra-se mais além da questão da informação e envolve o significado simbólico da sexualidade, da maternidade e parentalidade considerando possibilidades de construção da autonomia pessoal dentro de um contexto social, econômico e cultural específico.

 

MÉTODO

O Campo da pesquisa

O estudo foi desenvolvido na favela Sururu de Capote. Tal escolha se deu por se tratar de área segregada com alta concentração de pobreza. Residir em tal área afeta de diferentes formas as perspectivas de vida da população de gestantes adolescentes, além de implicar riscos para a saúde, com impacto sobre a capacidade de trabalho e renda. O local (favela) é elemento da questão política e social; abrange a natureza multidimensional da pobreza e da gravidez na adolescência. O espaço, o território onde habitam, é parte constitutiva das situações sociais, dentre elas a gravidez na adolescência.

A favela Sururu de Capote, em Maceió, Alagoas, está localizada às margens da Lagoa Mundaú e grande parte de seus moradores possuem a atividade de retirada e preparação do sururu para a venda – são os “marisqueiros”. De acordo com informações da liderança comunitária obtidas em setembro de 2007, a favela Sururu de Capote possuía uma média de 1.100 barracos, com mais de 300 adolescentes grávidas. Três incêndios aconteceram na favela nos meses de fevereiro, setembro e outubro de 2008. Estes incêndios fizeram com que diversas famílias fossem realocadas em outra favela de Maceió. Deste modo, a favela Sururu de Capote abrigava, no momento do estudo, cerca de 400 adolescentes (entre homens e mulheres) que possuíam filhos ou que estavam extremamente vulneráveis ao fenômeno da gravidez na adolescência. Após estes acontecimentos, houve diminuição considerável no número de gestantes adolescentes que residiam no local.

A amostragem se deu por conveniência, onde as gestantes encontravam os pesquisadores de campo a partir de convite feito pela líder comunitária da Favela Sururu de Capote. Foram incluídas 80 adolescentes gestantes (gravidez autorreferida) com idade entre 10 e 19 anos e 11 meses, independente de serem primigestas ou do tempo gestacional, sem distinção de escolaridade, estado civil ou nível socioeconômico. Nenhuma adolescente foi excluída do estudo.

O período para a coleta de dados foi de 2 meses, compreendendo os meses de maio e junho de 2008. Este estudo foi previamente aprovado por comissão de ética, sendo obtido o consentimento por escrito da própria gestante e de seu responsável legal. As entrevistas foram realizadas por três pesquisadores devidamente treinados. Inicialmente foi realizado estudo piloto a fim de verificar a adequação do instrumento e a adequação do treinamento desenvolvido para a aplicação do mesmo. Após a adequação do instrumento, foi realizada a coleta de dados propriamente dita. Para tanto, foram realizadas entrevistas individuais, face a face, no domicílio do sujeito da pesquisa. As respostas foram imediatamente transcritas pelos pesquisadores treinados.

Para a coleta de dados foi utilizado questionário previamente elaborado com questões abertas e fechadas voltadas para a elucidação do objetivo proposto. O referido instrumento, elaborado a partir de pesquisa realizada por Aquino et al., (2003), contém perguntas referentes a 8 temas centrais que são: Dados pessoais (12 itens), Situação familiar (11 itens), Identificação do parceiro (8 itens), Renda (9 itens), Gravidez e parentalidade (8 itens), Menarca/anticoncepção (7 itens), Sexualidade (6 itens) e Sobre a gestação (12 itens), totalizando 73 itens abordados.

A primeira hipótese foi verificada por meio dos itens: a) não estar matriculada em programa educacional antes da primeira gestação; b) não possuir conhecimento sobre menstruação e sexualidade; c) não possuir conhecimento sobre métodos contraceptivos; d) não possuir conhecimento sobre o risco de engravidar; e) ausência de conversa prévia sobre gravidez e uso de contracepção na iniciação sexual.

Para a segunda hipótese, os itens investigados foram: a) estar inserida em programa educacional regular antes da primeira gestação; b) possuir informações a respeito da sexualidade, concepção e métodos de prevenção da gestação indesejada; c) possuir a intenção de engravidar; d) estar na 2ª ou 3ª gestação; e) reação positiva do pai da criança frente à gestação; f) repetição geracional – gravidez na adolescência como fenômeno recorrente em avós, mãe e irmãs.

Os dados obtidos no estudo foram tabulados em programa SPSS 15.0. Para comprovar ou rejeitar a primeira hipótese, foram realizadas descrições das variáveis de interesse com cruzamentos entre as medidas avaliadas para verificar a existência de alguma associação entre essas medidas, com uso do teste qui-quadrado (Kirkwood, & Sterne, 2006), teste exato de Fisher ou teste da razão de verossimilhanças - quando a aplicação do teste qui-quadrado não foi adequada.

As perguntas referentes às idades dos parceiros ou idade do pai da criança foram descritas com uso de médias e desvios padrões e comparadas entre as categorias das variáveis de interesse com uso de análises de variâncias (ANOVA), (Kirkwood, & Sterne, 2006).

Para a análise estatística da segunda hipótese, foram realizadas descrições das variáveis de interesse com cruzamentos entre o fato de a avó ter apresentado gravidez na adolescência; da mãe ter tido gravidez na adolescência e de alguma irmã ter apresentado gravidez na adolescência. Além da intersecção das três terem tido gravidez na adolescência com as medidas de interesse e verificada a existência das associações destas medidas com qualquer relato de gravidez na adolescência em gerações anteriores.

Para tanto, foram utilizados testes da razão de verossimilhanças (para amostras pequenas e tabelas maiores) ou testes exatos de Fisher (para amostras pequenas e tabelas 2x2) ou testes qui-quadrado (Kirkwood, & Sterne, 2006).

Os testes foram realizados com nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

a) Dados sociodemográficos

A média de idade foi de 16,92 anos (mínima de 12 e máxima de 19 anos e 11 meses); quanto ao estado civil, 53,8% referiram possuir união estável. O número de gestações variou de 1 a 5, com média de 1,63. A média de filhos vivos foi de 0,57 e a de abortos provocados foi de 0,11.

Houve predominância de autorreferência à cor parda, 60%, seguido da cor negra, 21,2%. No que diz respeito à escolaridade anterior à primeira gestação, 86,2% referiram inclusão em programa escolar; entretanto, apenas 32,5% frequentavam a escola na ocasião da investigação – 85% estavam cursando ou pararam de estudar durante o ensino fundamental. Dentre as gestantes que interromperam os estudos, 23,8% referiram ter sido em virtude da gestação.

Antes da primeira gestação, 35,4% das entrevistadas moravam com a mãe e 24,1% moravam com companheiro/marido. No momento da entrevista, 42,5% referiram morar com o companheiro/marido. Quando questionadas se a gestação prejudicou a atividade remunerada, 35% responderam positivamente. Das gestantes entrevistadas que referiram possuir trabalho remunerado no momento do estudo (21,7%), 57,1% cuidavam de outras crianças (babás) e apenas 14,3% trabalhavam na preparação da pesca/mariscos, sendo a principal atividade o pré-cozimento do sururu para a liberação de sua concha (capote) e posterior comercialização. O sustento da casa foi apontado como assumido pelos pais da gestante (28,8%) e o companheiro atual (27,4%); em 12,4% das respostas, a própria gestante assume o sustento da casa. A renda familiar encontrada no estudo variou de R$ 1,00 a R$ 830,00, com uma média de R$ 246,49, o correspondente a 53% do salário mínimo brasileiro no momento da pesquisa, com uma família composta por, em média, 2 membros. Das gestantes entrevistadas, 35% referiram receber auxílio de programas sociais do governo. Para 70,1% das entrevistadas, a questão financeira é motivo de preocupação.

b) Itens relacionados à hipótese de gravidez indesejada: falta de informação a respeito da sexualidade, métodos contraceptivos e gravidez

A menarca ocorreu nas adolescentes em uma média de idade de 12 anos (variando entre 8 e 16 anos); a média da iniciação sexual referida foi de 14,01 anos, variando entre 10 e 18 anos; quanto ao parceiro da iniciação sexual, a média da idade referida pelas adolescentes foi de 19,35 anos. A primeira relação sexual, de acordo com as respostas atribuídas, aconteceu, predominantemente, com o namorado da época (47,5%) ou com o companheiro atual (36,2%). O tempo de relacionamento com o parceiro da iniciação sexual, para 48% das entrevistadas, foi acima de 6 meses.

Dentre as gestantes entrevistadas, 58,8% referiram possuir conhecimento sobre menstruação e sexualidade (destas, 27,5% obtidos por meio de conversas com a mãe e 8,8% em discussões na escola). Para 40% das entrevistadas, as informações recebidas foram suficientes. O uso de anticoncepcional foi referido por 45% das entrevistadas (pílula 20% e preservativo 25%), mas com uma frequência irregular, ou seja, apenas 10% referiram uso em todas as relações. Das entrevistadas, 82,5% referiram expressamente ter conhecimento sobre o risco de engravidar.

Em relação à primeira gestação, 92,3% dos pais dos bebês eram parceiros fixos e apenas 7,7% referidos como parceiros eventuais. Quando questionadas a respeito da existência de conversa prévia e uso de contraceptivos na iniciação sexual, 45,5% referiram ter discutido o assunto com o parceiro (31,6% conversaram e usaram e 13,9% conversaram e não usaram); além desses dados, 20,3% alegaram ter usado preservativos mesmo sem ter havido conversa prévia.

Quando investigadas a respeito do tempo de relacionamento com o pai do filho atual, 66,2% referiram parceria acima de 1 ano; destas, 23,4% possuíam relacionamento há mais de 4 anos. Em caso de ter mais de 1 gestação, 47,2% referiram que o parceiro foi o mesmo. Ainda no que diz respeito ao pai da criança da gestação atual, de acordo com as entrevistas, 73,4% estavam trabalhando, e 23,8% não assumiram a responsabilidade paterna com o filho atual.

c) Dados relacionados à hipótese da gravidez ter sido desejada e a causa da gravidez localizada para além da falta de informações

Em nosso estudo, solicitamos às entrevistadas que respondessem a uma questão que, para nós, parece central no que concerne à hipótese da gravidez ter sido desejada, ou seja, a intenção (consciente) de engravidar. Frente a isto, 22,5% das adolescentes referiram que estavam tentando engravidar e outras 40% disseram que queriam engravidar mais tarde. Estes dados agrupados apontam para um número de 62,5% dos sujeitos com o desejo de se tornarem mães. Quando questionadas a respeito dos fatores que motivaram a iniciação sexual, 69% das entrevistadas referiram ter sido por “desejo” (51,3%) ou “curiosidade” (17,7%).

Mediante a informação de que se encontravam grávidas, 37,2% alegaram sentimentos positivos e 25,6% sentimentos ambivalentes. No que diz respeito à reação do pai da criança da gravidez atual, de acordo com as gestantes, 67,5% deles responderam à notícia da gravidez com sentimentos positivos e 83,8% deles assumiram o futuro bebê.

Em nosso estudo, também foi possível investigar (por meio de respostas livres atribuídas pelas adolescentes grávidas) a presença de gravidez na adolescência nas mulheres da família, apontando para uma repetição geracional e a importância do modelo familiar. As respostas válidas sobre a presença de gestação na adolescência em avós (tanto maternas quanto paternas) foram em número reduzido, uma vez que muitas das entrevistadas referiram não possuir tal informação. Ainda assim, 31,3% delas referiram possuir avós que engravidaram na adolescência. A gravidez na adolescência também foi um acontecimento marcado em 67,5% das mães e em 38,8% das irmãs das adolescentes estudadas.

A Tabela 1 mostra que adolescentes cujas mães engravidaram na adolescência estão mais frequentemente casadas (p = 0,018), apresentam mais conhecimento sobre menstruação e sexualidade (p = 0,046) e sabiam mais sobre o risco de engravidar (p = 0,032).

 

 

A Tabela 2 mostra que gestantes cuja avó, a mãe e alguma irmã apresentaram gravidez na adolescência estavam percentualmente com mais intenção de engravidar (p=0,005). Estas mesmas adolescentes estão percentualmente mais na segunda ou mais gestações quando comparadas a adolescentes que não referiram gravidez na adolescência em um membro familiar de geração anterior (p=0,007).

 

 

 

DISCUSSÃO

Os dados analisados apontaram que as adolescentes estudadas iniciaram atividade sexual, em média, 2 anos após a menarca. Chama-nos a atenção a constatação de que, em quase a totalidade da amostra, as adolescentes referiram ter iniciado a atividade sexual com parceiros com quem já mantinham algum tipo de vinculação afetiva (namorado da época), sendo que uma parte importante destes relacionamentos culminou na gestação e em união estável. Na sociedade brasileira o papel social da mulher tem duas faces. Numa delas a mulher de classe média, que não se limita ao papel de mãe. Ao contrário, estende-se também a outras atividades, principalmente profissionais, fazendo com que a maternidade seja postergada. Já em mulheres de classe social inferior, a internalização da ideologia patriarcal e a divisão mais rígida dos papéis sexuais reforçam a definição da identidade feminina através da família. Em outras palavras, ser mulher neste contexto é sinônimo de ser mãe, filha e esposa. Em decorrência deste papel social, a evasão escolar é uma constante, pois a escola não se configura como uma via de rompimento do ciclo de pobreza com vistas a um futuro profissional promissor. Assim, com o desinteresse pela escolaridade e capacitação profissional, a inserção no mercado de trabalho nas adolescentes deste estudo ocorreu de maneira extremamente precária, por meio de subempregos, em grande parte relacionada a trabalhos domésticos com ênfase no cuidado de crianças. De acordo com o relatado pelas gestantes entrevistadas, o sustento financeiro é distribuído em várias frentes, como os pais da gestante, o companheiro atual, a própria gestante e, em alguns casos, o auxílio de programas governamentais. Apesar dessa pulverização das fontes de sustento financeiro, a renda familiar média encontrada corresponde à metade do salário mínimo brasileiro, com adolescentes referindo não possuir fonte de renda familiar, fazendo com que a situação econômica fosse considerada uma via de preocupação constante entre as entrevistadas. Estes fatores reforçam ainda mais a repetição do ciclo de pobreza neste meio (Adams & Kocik, 1997; Costa, Santos, Nascimento Sobrinho, Freitas, Ferreira, 2001; Gama, Szwarcwald, Leal, Thelme Filha, 2001).

A gravidez advinda da falta de informações relacionadas à sexualidade, uso de contraceptivos e vulnerabilidade à gestação (nossa primeira hipótese) não se mostrou evidente em nosso estudo, onde uma parcela considerável das adolescentes referiu possuir conhecimentos a este respeito. Em nossa amostra, há indícios de que o tempo de relacionamento com o pai do filho atual (parceria acima de 1 ano) também contribuiu para a o surgimento da gravidez, sobrepondo o grau de informações a respeito da contracepção, adiamento da gestação ou interrupção do ciclo reprodutivo nas gestantes não primigestas. Dentre os parceiros responsáveis pela gestação em curso, havia inserção no mercado de trabalho e uma quantidade importante deles foi referida como tendo reagido à notícia da gravidez com sentimentos positivos e assumido o filho, fato que também confere um status identitário ao pai.

O desejo de engravidar e se tornar mãe (gravidez localizada para além da falta de informações) foi predominante em nossa amostra; as adolescentes referiram ter tido a intenção de engravidar ou desejar a gravidez em momento posterior. Este dado contrasta com as condições sociais e econômicas próprias à comunidade em que vivem, mas está em consonância com o fato de as adolescentes possuírem união estável em sua grande maioria.

O histórico de gravidez na adolescência nas mulheres da família (avó, mãe e irmã) surge como um fator de grande importância quando analisados os dados desta pesquisa. Ou seja, as adolescentes gestantes cujas mães engravidaram também na adolescência estão mais frequentemente casadas, apresentam mais conhecimento sobre sexualidade, menstruação e tendência a engravidar. Neste sentido, crianças nascidas de mães adolescentes estão mais vulneráveis à gravidez precoce em virtude da instabilidade afetiva no ambiente familiar (Barber, 2001), da diminuição da habilidade destas mães em estabelecerem limites e do ambiente socioeconômico desfavorecido. Dados ainda mais contundentes foram observados quando analisamos a incidência de gravidez nas adolescentes cujas avós, mães e uma das irmãs também tiveram filhos na adolescência. Neste sentido, as adolescentes do nosso estudo que estiveram nesta condição estavam grávidas de um filho desejado, não sendo este o primeiro filho – ou seja, estavam percentualmente mais na segunda ou mais gestações quando comparadas a adolescentes que não referiram gravidez precoce em um membro familiar da geração anterior.

Engravidar ainda na adolescência, ou seja, alguns anos após o início do período de fertilidade, não é fato novo em nossa cultura. Há algumas décadas, mesmo em classes sociais favorecidas, o namoro, o casamento e a primeira gestação costumavam se dar ainda na adolescência, uma vez que a maternidade e os cuidados domésticos eram culturalmente reforçados. Via de regra, o casamento, seguido da maternidade, era a única possibilidade de inserção da mulher na sociedade. Este paradigma foi se modificando com as constantes buscas de igualdade de gênero, fazendo com que a mulher contemporânea e com melhores condições socioeconômicas apostasse em seu futuro por meio da escolarização e profissionalização, adiando ou recusando a maternidade. Porém, em classes sociais marginalizadas, a maternidade se mantém como uma alternativa de grande valor na busca por um status e identidade social, decorrente em grande parte do fenômeno psicológico da identificação e repetição do comportamento já visto nas mulheres da família. "O ser feminino recebeu desde sempre sua definição canônica na maternidade. Ser mãe parece trazer uma solução para as incertezas da identidade, mesmo que tal resposta não deixe de ser acompanhada pela angústia, quando se realiza".

 

CONCLUSÕES

A partir dos resultados deste estudo pode-se constatar que a gestação na adolescência não decorre da falta de informação e orientação sobre questões relativas à sexualidade e gestação, mas está intimamente relacionada a aspectos psicossociais, com ênfase na busca pelo reconhecimento social com vistas ao status que a maternidade pode conferir, repetindo o ciclo de gestação na adolescência já trilhado pelas mulheres da família (avó, mãe e irmã).

 

REFERÊNCIAS

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Agradecimento: Esta pesquisa recebeu aporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Brasil.

 

1Psicanalista. Diretor Técnico da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas (DIP-ICHC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Curso de Especialização em Transtornos Alimentares e Obesidade do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC), São Paulo, Brasil.
2Diretora de Pesquisas da DIP-ICHC/FMUSP. Coordenadora do Curso de Especialização em Psicologia Hospitalar do CEPSIC, São Paulo, Brasil.
3Psicóloga Pesquisadora. Setor de Psicologia da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Brasil.
4Psicóloga Pesquisadora. Setor de Psicologia da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Brasil.
5Psicanalista. Diretora da DIP-ICHC/FMUSP. Presidente do CEPSIC. Coordenadora do estudo.

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