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Psicologia Hospitalar

versão impressa ISSN 1677-7409

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.13 no.2 São Paulo ago. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

 

Repercussões psicológicas do isolamento de contato: uma revisão

 

Psychological effects of insolation contact: a review

 

 

Tássia de Lima DuarteI1; Luciana Freitas FernandesII2; Marta Maria Costa FreitasII3; Kátia Cristine Cavalcante MonteiroII2

IUniversidade de Fortaleza - UNIFOR
IIHospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará - UFC

 

 


RESUMO

A importância do isolamento de contato para o controle de infecção hospitalar é inquestionável na atualidade. O impacto psicológico do isolamento nas reações do paciente internado tem produzido discussões científicas em torno do assunto. O presente artigo é uma revisão de literatura cujo objetivo foi identificar as repercussões psicológicas decorrentes do isolamento de contato em pacientes hospitalizados e as estratégias para redução das repercussões negativas. Foram encontrados 52 artigos publicados entre os anos de 1997 e 2013, dos quais 18 artigos foram considerados para discussão. Os resultados encontrados apontam para a presença de sintomas de ansiedade e depressão, principalmente em função do estigma da vivência da doença infectocontagiosa e da interrupção do fluxo de interação social. As sugestões para minimizar as repercussões psicológicas negativas foram organizadas nas seguintes categorias: educativas, organizacionais, estruturais, comunicativas e avaliativas. A prática da Psicologia tem a possibilidade de contribuir para a assistência integral da pessoa em isolamento.

Palavras-chave: Isolamento, Segurança do paciente, Efeitos adversos, Psicologia.


ABSTRACT

At the current time, the importance of contact isolation for infection control is unquestionable. The psychological impact of isolation on inpatient reactions have produced scientific discussions about the subject. This article is a literature review aimed at identifying the psychological repercussions of contact isolation in hospitalized patients and strategies to reduce the negative effects. Fifty-two articles were found that were published between 1997 and 2013, of which 18 articles were chosen for discussion. The results point to the presence of symptoms of anxiety and depression, mainly due to the stigma of co-existence with infectious disease and the discontinuity of social interaction. Suggestions to minimize the negative psychological repercussions were organized in the following categories: educational, organizational, structural, communicative and evaluative. The practice of psychology is able to contribute to the comprehensive care of the person in isolation.

Keywords: Isolation, Patient Safety, Adverse Effects, Psychology.

 


 

 

1. INTRODUÇÃO

A segurança do paciente vem sendo amplamente debatida nas últimas décadas, assumindo um papel cada vez mais relevante nas discussões acerca das boas práticas assistenciais. Atualmente entende-se que a segurança do paciente faz parte das dimensões da qualidade em saúde, junto à efetividade, eficiência, acesso, aceitabilidade, continuidade, adequação e respeito aos direitos das pessoas (Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ANVISA, 2013).

Há constatação de que os efeitos das práticas de cuidado na saúde do paciente estão associados aos processos de trabalho na assistência. Em especial no que tange à segurança do paciente, embora programas e políticas específicas datem das últimas décadas, sua história remonta à origem do hospital como lugar de cuidado.

De acordo com Foucault (1992), originalmente, o hospital não era um local de cura, mas sim uma instituição de assistência, bem como de separação e exclusão destinada aos pobres. A ideia de que o hospital pode e deve ser um instrumento destinado à cura surge de forma mais clara em torno de 1780, com o nascimento de uma disciplina hospitalar que transformou as condições do meio.

Dessa forma, as maneiras de pensar e agir diante do adoecimento foram sendo modificadas. Em especial o desenvolvimento da tecnologia médica conferiu uma maior complexidade ao cuidado à saúde, que passou de simples, pouco efetivo e relativamente seguro para uma prática complexa, efetiva, mas potencialmente perigosa (Mendes Jr., 2012).

Na esteira dessas modificações, tendo a disciplinarização do espaço hospitalar como fundo, surgiram as primeiras práticas que visavam a promoção da segurança do paciente. O isolamento de pessoas com doenças ditas contagiosas, por exemplo, data do século XVIII, quando os pacientes passaram a ser isolados em hospitais próprios (Antunes, 1991).

No decorrer do tempo, novas técnicas foram sendo implementadas para evitar a contaminação e disseminação de infecções. Tomemos como exemplo a higienização das mãos. Kirchner (2010) aponta que a preocupação com a higienização das mãos iniciou-se no século XIX, quando surgiu a primeira evidência científica de que a limpeza das mãos evitava a transmissão de infecções. Tal descoberta modificou as formas de se pensar os cuidados aos doentes, tendo sido um marco para o desenvolvimento de ações voltadas à segurança do paciente e à qualidade dos serviços.

O Ministério do Trabalho estabelece normas regulamentadoras (NR) de segurança e saúde no trabalho, dentre elas pode-se destacar as normas nº06 e nº32. A NR-6 contempla o Equipamento de Proteção Individual (EPI), ou seja, todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaças à segurança e à saúde no trabalho. A NR-32 considera a segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde, e tem por finalidade estabelecer as diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral (Brasil, 2015).

Dentre os importantes marcos históricos do movimento de segurança do paciente, podemos citar ainda a divulgação, em 1998, do relatório Errar é Humano, baseado em pesquisas sobre a incidência de eventos adversos em hospitais americanos. Outro marco relevante foi o lançamento da Aliança Mundial para Segurança do Paciente, em 2004, pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa iniciativa recomendava aos países uma maior atenção à questão da segurança do paciente e objetivava o desenvolvimento de uma classificação internacional para esse campo.

Observa-se que noções como segurança do paciente, dano e evento adverso, conceituadas pela OMS a partir dessa classificação, são amplamente empregadas, tendo sido incorporadas também nas discussões nacionais. No cenário brasileiro, podemos citar como marco o estabelecimento da Rede de Hospitais Sentinelas, em 2011, com o intuito de monitorar os eventos adversos nos atendimentos aos pacientes (ANVISA, 2011).

Destaca-se o lançamento, em 2013, pelo Ministério da Saúde, do Programa Nacional de Segurança do Paciente, para o monitoramento e prevenção de danos na assistência à saúde. O programa tem como objetivo geral contribuir para a qualificação, em território nacional, do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos.

A portaria nº 529 do Ministério da Saúde regulamenta o Programa de Segurança do Paciente e discute seus princípios e suas categorias fundamentais. De acordo com esse documento, segurança do paciente é a redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde. A portaria define dano como o comprometimento da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito dele oriundo, incluindo-se: doenças, lesão, sofrimento, morte, incapacidade ou disfunção. O dano pode ser físico, social ou psicológico.  O evento adverso pode ser definido como o incidente que resulta em dano ao paciente (Brasil, 2013).

Tendo em vista essa definição e levando em conta o espaço hospitalar e as práticas assistenciais, podemos considerar que o paciente internado está frequentemente suscetível à ocorrência de alguma espécie de dano ao longo da hospitalização e do tratamento, caracterizando a hospitalização como uma situação potencial de vulnerabilidade. Nesse cenário a gestão do risco é fundamental, uma vez que seu papel é coletar informações sobre a segurança e qualidade e encaminhá-las à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, subsidiando suas ações regulatórias.

De forma geral, o processo de adoecimento e hospitalização traz comumente mudanças na organização da vida do sujeito, com rupturas de suas relações, suas atividades cotidianas e do que lhe é familiar e seguro, podendo gerar sofrimento psíquico relacionado com a interrupção de planos, reação às normas da instituição, reações à duração da internação e dificuldade de adaptação ao ambiente físico, além de questões inerentes ao adoecimento, como a dor física (Camon, 2003).

Transplante é um tratamento que consiste na substituição de um órgão ou tecido doente de uma pessoa por outro sadio de um doador vivo ou falecido. O paciente transplantado, em especial, lida com eventos como episódios de rejeição, exames invasivos e ocorrência de comorbidades relacionadas ao próprio tratamento que podem gerar repercussões como apreensão, insônia, ansiedade e humor deprimido. Em virtude do rebaixamento do sistema imunológico, efeito dos fármacos imunossupressores utilizados para manutenção do órgão transplantado, o paciente é mais vulnerável a ocorrência de infecções, que são, frequentemente, tratadas com medidas de isolamento.

A portaria nº 2616 do Ministério da Saúde dispõe sobre o Programa de Controle de Infecções Hospitalares e visa à redução da incidência e gravidade das infecções hospitalares. São considerados, dentre os pacientes críticos, os pacientes submetidos a transplantes de órgãos (Brasil, 2012).

O isolamento é definido como o leito destinado ao usuário com suspeita ou portador de doenças transmissíveis, instalado em ambiente adequado ao isolamento por meio de barreiras que impeçam a contaminação, de acordo com a legislação vigente (Brasil, 2012).  De uma forma geral, essas barreiras compõem um conjunto de medidas dentre as quais podemos citar a redução de visitas, uso de equipamentos de proteção (avental, máscara, luva etc.) e procedimentos específicos de manuseio do paciente e de material contaminado.

A importância do isolamento para o controle de infecção é reconhecida por diversos autores, como Geelhoed (1978), Ward (2000), Findik (2012), entre outros. As respostas ao isolamento são variadas, no entanto, pesquisas ressaltam os efeitos adversos do isolamento no paciente. Os pacientes em isolamento não só têm sua rotina interrompida, mas estão expostos a mais estresse, restrições sobre a liberdade de movimento e a capacidade de se comunicar, o que pode levar a manifestações emocionais e comportamentais (Ward, 2000).

Na década de 70, Geelhoed (1978) já apontava prejuízos multidimensionais das medidas de isolamento. Dentre os prejuízos médicos, o autor assinala a diminuição da frequência e da duração dos contatos com os médicos e enfermeiros. Na dimensão psicológica faz referência à solidão devido ao confinamento, claustrofobia, medo da doença que levou a equipe a isolá-lo, receio de estar colocando as pessoas em risco e a síndrome do leproso (o paciente se sente impuro, achado que aparece comumente em outras pesquisas com diferente nomenclatura). No que se refere à dimensão social, o autor cita a restrição da deambulação, diminuição dos exercícios físicos e a limitação das visitas. Custos extras, tais como quarto individual, material e custo de pessoal, são elencados como desvantagens econômicas das medidas de isolamento.

Dessa forma, apesar de essencial para o controle de infecção, há relatos da associação do isolamento de contato a efeitos adversos em pacientes. A compreensão desses efeitos é essencial para reflexão sobre a prática e desenvolvimento de ações voltadas ao manejo dessas ocorrências. Frequentemente observa-se em pacientes hospitalizados algum nível de sofrimento psíquico que pode se expressar em quadros de labilidade de humor, insônia, ansiedade e depressão, dentre outros. Entende-se que, quando reativos ao isolamento de contato, esses quadros podem ser classificados como dano psicológico, considerando que podem ser eventos evitáveis mediante algumas intervenções. Apesar da medida de isolamento ser um imperativo, há como evitar ou reduzir seus efeitos prejudiciais, ou seja, reduzir o dano desnecessário, seja ele físico, social ou psicológico.

Conforme salientou Geelhoed (1978), o impacto do isolamento de contato é multidimensional. Decorridas algumas décadas, entende-se que essa consideração ainda se mostra bastante pertinente atualmente. No presente trabalho nos interessa investigar a dimensão psicológica.

A experiência de ter uma doença contagiosa e ficar confinado em isolamento pode ser significativamente ansiogênica e perturbadora para alguns pacientes. O dano psicológico oriundo dessa experiência é ainda pouco discutido e mesmo considerado, uma vez que a medida de isolamento é um imperativo em alguns casos, não havendo alternativa se não, isolar o paciente.

O interesse em ampliar a compreensão acerca dessa temática surgiu na experiência como Residente de Psicologia em um serviço de Transplante Renal e Hepático, a partir da observação do impacto psicológico, na grande maioria das vezes negativo, do isolamento de contato, assim como seus efeitos na prática assistencial, em pacientes transplantados em uma unidade de internação.

O objetivo dessa revisão é realizar o levantamento das repercussões psicológicas decorrentes do isolamento de contato relatados na literatura especializada. A revisão objetiva ainda a identificação de propostas para prevenção ou redução dos efeitos negativos.

 

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão da literatura acerca das repercussões psicológicas decorrentes do isolamento de contato em pacientes hospitalizados e das estratégias para redução desses danos.

Após a identificação da questão norteadora, a revisão seguiu algumas etapas que, em linhas gerais, podem ser descritas como: levantamento e seleção dos artigos relevantes nas bases de dados, leitura crítica e sistematizada, organização e síntese dos estudos e discussão.

Para a seleção dos artigos e construção do corpus de pesquisa, realizou-se uma busca na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS Saúde), nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem on-line (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e CENTRAL (Registro de ensaios clínicos controlados). Os descritores foram definidos com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) disponibilizados na BVS. Para realização da busca utilizaram-se os operadores de pesquisa AND para relacionar os termos. Também foi utilizado o truncamento com cifrão ($) para buscar por radicais de palavras, com o intuito de recuperar todos os registros que contivessem qualquer palavra com a raiz fornecida. Assim, foram utilizados os seguintes descritores: isola$, infecção hospitalar e psico$, resultando inicialmente em 110 artigos.

Os critérios de inclusão definidos para seleção dos artigos foram: artigos publicados em português, inglês e espanhol e disponíveis na íntegra. Não foi utilizado filtro para o período de publicação, com o intuito de ampliar o tamanho do corpus.

A busca resultou em 52 artigos publicados entre os anos de 1977 e 2013. Destes foram excluídos os que não possuíam temática diretamente relacionada aos objetivos da pesquisa (por exemplo, aspectos epidemiológicos da infecção, práticas relacionadas ao uso de antibióticos, avaliação de custos). Ao final, o corpus foi constituído por 18 artigos, 12 disponibilizados em meio eletrônico e 06 adquiridos via Serviço Cooperativo de Acesso a Documentos (SCAD).

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 Observa-se que houve um predomínio de periódicos internacionais de língua inglesa. Nenhum artigo relevante foi encontrado em português, o que demonstra que o tema não tem sido abordado na literatura nacional. As primeiras publicações datam da década de 70, porém há um predomínio de trabalhos de 2000 em diante, o que coincide com o período de maior discussão e estruturação de programas pela OMS.

Dos artigos encontrados, 13 eram pesquisas clínicas, 04 eram revisões e 01 era relato de experiência. Um artigo discutia especificamente o isolamento em UTIs. As especialidades que mais abordam o assunto são Enfermagem e Medicina. Não foram encontrados trabalhos de Psicologia com essa temática. Após leitura crítica e sistematizada dos artigos, os resultados foram organizados através de tabelas.

3. 1. Efeitos psicológicos do isolamento de contato

A maioria dos artigos analisados menciona efeitos negativos da experiência de isolamento de contato em internação hospitalar, conforme mostra a tabela 01. Pacientes em isolamento de contato ficam, de modo geral, propensos à solidão e depressão, bem como se sentem estigmatizados (Madeo, 2003; Morgan, 2013; Zastrow, 2011).

 

 

As repercussões psicológicas mais relatadas foram: ansiedade, depressão, raiva, sensação de confinamento, estigmatização e solidão (Abad et al., 2010; Day et al., 2012; Day et al., 2013; Findik et al., 2012; Gould et al., 2009; Kellerman et al. 1977; Loach, 1997; Madeo, 2003; Mauder et al., 2003; Mehorotra 2013; Morgan et al., 2013; Newton et al., 2001; Russo et al., 2006; Ward, 2000; Wilkins et al., 1988; Zastrow, 2011). Além disso, foram observados em menor frequência: pesadelos, delírios, problemas com higiene, comportamento autodestrutivo, perda cognitiva e queixas psicossomáticas (Day et al., 2012; Kellerman et al., 1977; Loach, 1997).

A frequência global de transtornos do humor em pacientes internados no hospital geral varia de 20% a 60% (Botega et al., 1995).  Sintomas como ansiedade e depressão já são descritos como os mais recorrentes durante a internação hospitalar de modo geral, mas podem ser acentuados pelo isolamento de contato. Então, qual seria a diferença entre os efeitos de uma internação comum e uma internação com medidas de isolamento?

No caso do isolamento a barreira à relação social fica ainda mais concreta, ocasionando danos ainda maiores que na internação comum (Madeo, 2003; Zastrow, 2011; Morgan, 2013). Além da ocorrência de ansiedade e depressão, também são observados outros sintomas, tais como raiva, sensação de confinamento, solidão e estigma, em especial a vivência de solidão e estigma estão intimamente associadas à estadia em instituições totais como o hospital, que tem o fechamento como característica. Esse fechamento é manifestado na barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída, sendo seu ponto básico o controle de muitas necessidades humanas pela instituição (Goffman, 2001).

A disposição dos leitos também interfere na forma como o paciente recebe a assistência. Leitos distantes do posto de enfermagem dificultam o acesso do paciente aos profissionais, além de ser inadequado para manter o estímulo mental promovido pela interação social, reforçando mais ainda a sensação de solidão, uma vez que, muitas vezes, os quartos não possuem nenhum meio de estimulação, tais como: janelas, televisão ou rádio (Madeo, 2003).

Findik, Ozbas, Cavdar, Erkan e Topcu (2012) realizaram uma avaliação dos efeitos do isolamento sobre os níveis de ansiedade e depressão dos pacientes, através da aplicação de escala de ansiedade e depressão hospitalar (HADS) e da utilização de um formulário de informação do paciente, incluindo a pergunta: o que você acha sobre o isolamento? Os autores destacam como pontos negativos do isolamento as visitas realizadas de forma diferente dos demais pacientes, o recebimento de menos cuidados e o atraso nos procedimentos. Foi observada uma correlação negativa entre os níveis de ansiedade e depressão dos pacientes hospitalizados e seu grau de informação sobre a doença, além de sentimentos de insegurança, medo, aprisionamento, dentre outros.

Tais pacientes ficam, de modo geral, propensos à solidão e à depressão, além disso se sentem estigmatizados, pois percebem que as atitudes dos funcionários refletem na qualidade de seus cuidados (Madeo, 2003; Morgan, 2013). Com a criação de uma barreira física, essas proteções podem modificar a forma como os profissionais de saúde interagem com os pacientes, afetando de maneira negativa a experiência do atendimento (Mehrotra et al., 2013).

Findik et al. (2012), Mehorotra et al. (2013) e Zastrow (2011) observaram o menor tempo gasto pelos profissionais de saúde com os pacientes isolados, descrevendo assim um efeito direto do isolamento na prática assistencial.

Aspecto semelhante foi apontado por Day et al. (2012). Os autores ressaltam que, em UTIs, fatores como distúrbios eletrolíticos podem ser consequência do menor número de visitas dos profissionais de saúde, ocasionando um monitoramento mais pobre e menos evoluções diárias e mais sintomas de depressão e ansiedade nos pacientes isolados. O delírio é destacado como resultado adverso, incluindo o aumento do tempo de internação, morbidade e mortalidade. Os autores destacam como fatores de risco a ausência de membros da família, falta de leitura, ausência do uso dos óculos, imobilização, desidratação, entre outros.

Para Maunder (2003), pacientes relataram sintomas como medo, solidão, tédio e raiva, além de preocupação com os efeitos da quarentena e contágio sobre familiares e amigos, ansiedade sobre a febre e os efeitos da insônia. Já os funcionários relataram medo de contágio, o que pode gerar impacto direto na prática, conforme observado por outros pesquisadores.

Os efeitos negativos são maiores em pacientes transferidos para o isolamento durante a internação do que em pacientes isolados desde a admissão (Day et al., 2012). A internação observada é organizada por meio de acomodações coletivas, de 2 a 4 leitos por enfermaria. Essa configuração estrutural interfere na forma como os pacientes enfrentam o isolamento, principalmente quando são realocados após um período de internação, podendo desencadear sintomas como solidão, raiva, depressão, entre outros. Pelo que se pode avaliar, contribuem o fato de terem que se afastar de pessoas com que já estabeleceram vínculos, pouca informação disponibilizada ao paciente sobre os motivos da mudança de leito e receios relacionados ao estado clínico.

De acordo com Kellerman, Rigler e Siegel (1977), alguns pacientes adultos manifestam um padrão regressivo que inclui recusa a tomar medicação e seguir o regime da unidade, postura exigente e comportamento dependente, além de recusa a reconhecer a presença de funcionários (fingem que estão dormindo). Determinados pacientes desenvolveram medo de ficarem sozinhos depois de deixarem o ambiente protegido. De acordo com os autores, as crianças, de modo geral, enfrentaram as medidas de isolamento sem maiores dificuldades.

Loach (1997) afirma que o isolamento seria um dos momentos mais difíceis durante o tratamento de pacientes com câncer, uma vez que os pacientes se sentem no pior momento do tratamento e mentalmente, também, estão mais vulneráveis. A autora ainda ressalta as dificuldades relacionadas ao ambiente de confinamento, a angústia pela perda da liberdade corporal e o choque da deterioração física. O reconhecimento do lado emocional da doença, muitas vezes, se perde em meio à atenção para os detalhes do tratamento, no entanto uma pessoa doente é mais que uma entidade clínica.

A literatura sugere que nem sempre o isolamento é associado a uma experiência negativa. Cada paciente reage de uma maneira particular, evidente que há respostas semelhantes, mas nunca deixam de ter suas especificidades, conforme foi observado na prática assistencial e reafirmado nos estudos realizados (Findik et al., 2012; Madeo, 2003; Russo et al., 2006; Wassenberg et al., 2010; Wilkins et al., 1988).

Assim, é necessário considerar tanto aspectos positivos quanto negativos do isolamento de contato. Evidentemente houve um declínio nas taxas de infecções associadas aos cuidados de saúde, potencialmente como resultado do aumento de esforços de prevenção de infecções nos hospitais.

Pesquisas ressaltam que há avaliações positivas do isolamento por parte do paciente, destacando o aumento da privacidade por estarem em um quarto individual, recebimento de assistência considerada boa, segurança, tranquilidade, limpeza rigorosa e por não se preocuparem em incomodar os demais, principalmente em relação ao contágio (Wilkins et al., 1988; Madeo, 2003; Newton et al., 2001; Russo et al., 2006; Wassenberg et al., 2010; Findik et al., 2012; Zastrow, 2011).

Há uma correlação negativa entre os níveis desses sintomas dos pacientes hospitalizados e seu nível de informação sobre a doença, reforçando o quanto o fornecimento de informações é uma intervenção importante (Abad et al., 2010; Findik et al., 2012; Kellerman et al., 1977; Madeo, 2003; Newton et al., 2001; Zastrow, 2011). A ausência de informações adequadas, assim como a falta de uma preparação prévia apropriada ao ingresso do paciente no contexto hospitalar, gera estresse, que pode levar a repercussões comportamentais negativas, tais como raiva e sensação de confinamento.

Nas pesquisas realizadas por Zastrow (2011), não foram observados efeitos prejudiciais em pacientes que sabiam das normas sobre a infecção antes do isolamento. O isolamento é visto como tendo vantagens e desvantagens. O menor entendimento sobre sua condição ou sua necessidade interfere na compreensão sobre os procedimentos e adesão ao tratamento (Newton et al., 2001).

3.2 Medidas para minimizar repercussões psicológicas negativas

Estudos descrevem medidas para minimizar as repercussões psicológicas negativas, conforme tabela 02:

 

 

Dentre os trabalhos que discutem medidas de minimização das repercussões psicológicas, uma questão que vale ser destacada é a ênfase crescente na obtenção dos pontos de vista do paciente, de modo a buscar melhorias na qualidade da assistência, através de uma avaliação sobre o que os pacientes pensam sobre o isolamento (Findik et al., 2012; Russo et al., 2006).

Porém, é importante frisar que o número de pesquisas que consideram a opinião dos usuários como fator de destaque ainda é bastante reduzido. Como destaca Gould (2009), são necessárias pesquisas para explorar a aceitabilidade, compreensão e acessibilidade das fontes de informação e encontrar formas de reajustar as percepções de risco a níveis realistas, a fim de proporcionar níveis razoáveis de tranquilidade.

Não há uma investigação sistemática sobre o isolamento, conforme destacam Kellerman et al. (1977). Sugerem, a partir da experiência dos próprios inquiridos, orientação detalhada para o paciente e família, incentivando ambos a participarem do processo de cuidados continuados, uso extensivo de trabalho e ludoterapia, programações diárias estruturadas, acesso a relógios, calendários e vista da janela para evitar a desorientação de tempo, além de suporte extensivo para membros da equipe.

Todos os aspectos da experiência hospitalar de um paciente têm influência sobre a saúde geral. Para Loach (1997), pequenas coisas são importantes para a sobrevivência, tais como um telefone no quarto, televisão e limpeza. Madeo (2003) aponta como forma de melhorar a qualidade de vida do paciente durante a internação fazer com que o ambiente pareça o mais familiar possível, fazendo uso de medidas como: incentivar o paciente a usar suas próprias roupas e posicioná-lo de maneira que tenha uma visão de fora do leito; disponibilizar o uso de televisão, rádio, livros, dentre outros, para sua ocupação; e dispor de sino de chamada fácil, para evitar sentimentos de negligência.

A satisfação do paciente em confinamento está diretamente associada a uma boa comunicação sobre os aspectos que envolvem seu processo saúde-doença, ressaltando que, quanto maior a orientação/educação recebida pelo paciente sobre sua situação, menos efeitos adversos relacionados (Abad et al., 2010; Zastrow, 2011).

Para Madeo (2003), uma solução para melhorar a comunicação seria uma enfermeira de ligação na equipe, que possa atuar como um modelo positivo para capacitar o grupo a desenvolver uma boa prática de controle de infecção.

Sugestão semelhante é feita por Maunder (2003), que propõe a criação de uma equipe de comando de liderança e uma unidade de isolamento; implementação de intervenções de apoio à saúde mental para os pacientes e funcionários; superação de problemas com logística e comunicação; superação das resistências às orientações.  O autor sugere o uso de folhetos para dar apoio às explicações, mas que esses não devem substituir a informação verbal. Loach (1997) ressalta o reconhecimento da importância da linguagem, visto que influencia nos modos de pensar e sentir sobre a saúde.

O estigma é um sintoma bastante relevante, visto que tem a capacidade de desencadear e potencializar outros sintomas negativos. Madeo (2003) elenca como medidas para reduzir o estigma do isolamento: manter a confidencialidade, usando um sinal geral a respeito das precauções de controle de infecção; enfermeiros e visitantes devem planejar visitas frequentes ao paciente; evitar o uso desnecessário de vestuário de proteção pessoal.

Observa-se que as sugestões para minimizar as repercussões psicológicas podem ser categorizadas predominantemente em educativas (propiciamento de informações), organizacionais (implementação de ações de apoio à saúde mental de pacientes e funcionários, protocolos), estruturais (melhores instalações, adequação do ambiente), comunicativas (orientações) e avaliativas (triagens).

Esses achados se alinham ao descrito na nota técnica (GVIMS/GGTES/ANVISA n° 01/2015). De acordo com a nota, as ações para redução do risco de dano podem ser direcionadas a pacientes, profissionais e a própria organização. Dentre os fatores relacionados ao paciente estão a disponibilização de apoio adequado (cuidados), orientações, protocolos de apoio à decisão, equipamento de monitorização e sistema de ajuda e dispensação da medicação.

No que se refere aos profissionais inclui-se formação, orientação, supervisão, estratégias para gestão da fadiga, disponibilidade de protocolos, checklist, políticas, bem como número de profissionais adequado à demanda. Dentre os fatores organizacionais estão ambiente físico adequado às necessidades, acesso aos serviços, avaliações de risco, disponibilização de protocolos, políticas, ações de melhoria da liderança, adequação dos profissionais às tarefas, cultura de segurança, assim como cumprimento de códigos, especificações e regulamentos (ANVISA, 2015).

Entende-se que a Psicologia, em suas diferentes vertentes de prática (hospitalar, organizacional e institucional), tem a possibilidade de contribuir de forma direta nas categorias educativa, organizacional, comunicativa e avaliativa, e de maneira indireta na categoria estrutural, conforme ilustrado na tabela 03.

 

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática do isolamento como um instrumento de intervenção e controle está relacionada aos significados que a sociedade foi dando ao longo dos anos à saúde e à doença, além de estar diretamente relacionada com o avanço do conhecimento científico (Nichiata, 2004). Atualmente entende-se que é uma prática essencial para o controle de infecção, contudo não isenta de efeitos indesejáveis para o paciente.

Embora a literatura tenha identificado que nem sempre o isolamento está associado a uma experiência negativa, a maioria dos estudos mostrou um impacto negativo da restrição de contato para o paciente, apontando a presença de sintomas de ansiedade e depressão nessa população, bem como sentimentos de raiva e a expressão de sensações de confinamento, estigmatização e solidão.

Identificou-se também que os profissionais de saúde, pelo medo do contágio, diminuem a frequência e a duração dos contatos. Algumas intervenções são sugeridas para essa categoria, tais como: informação, discussão do caso em atendimento, estratégias para gestão da fadiga, disponibilidade de protocolos, assim como número de profissionais adequado à demanda.

A razão por trás dos efeitos psicologicamente negativos do isolamento decorre da sensação de perda de controle por parte do paciente que, além de enfrentar a mudança de rotina decorrente da hospitalização e tratamento, encontra-se privado dos benefícios da interação social. Soma-se a isso o estigma da vivência da doença infectocontagiosa e a interrupção do fluxo de contato com as pessoas, que tem seu início no momento do diagnóstico e é agravado pela medida de proteção.

A política de isolamento não discorre sobre os impactos emocionais da privação de contato nessas pessoas. Há necessidade de avaliar cada caso, que necessite de medida de proteção, de maneira singular. Tal avaliação é importante para que os efeitos causados pelo isolamento naquele paciente específico sejam dimensionados, facilitando um melhor planejamento da intervenção, com vistas à implementação de cuidados integrais à pessoa que passará pela restrição de contato.

A prática da psicologia, seja no âmbito hospitalar e/ou organizacional, tem a possibilidade de contribuir para a assistência integral da pessoa em confinamento, tanto pelo suporte psicológico oferecido, como através de atividades educativas. As ações para auxiliar no enfrentamento dessas condições de privação envolvem, principalmente, as medidas educativas, que fazem uso das informações oferecidas aos pacientes, familiares e equipe de saúde sobre as questões relacionadas à doença, ao contágio e ao tratamento, visando diminuir o preconceito junto a essa situação.

Outras medidas envolvem o incentivo de pacientes e familiares para participarem do processo de cuidado; ludoterapia; programações diárias estruturadas para o paciente; acesso deste a relógios, calendários e quarto com janelas, para evitar a desorientação de tempo. Medidas estruturais, que visem a melhorias das instalações e a adequação do ambiente para a medida de proteção, também compõem o conjunto de ações destinadas a esse tipo de doente.

O controle de infecção é extremamente importante no que se refere à prestação de serviços nos cuidados com a saúde. Porém, há uma tendência a negligenciar os fatores emocionais e ambientais. Pelo que pode ser observado, os itens relevantes são os medicamentos e as medidas protetivas de barreira. No entanto, faz-se necessário levar em consideração os aspectos psicológicos, com maior atenção à preparação do paciente para a entrada no contexto do isolamento, oferecendo a este, aos profissionais de saúde e aos familiares informações claras e suporte psicológico adequado. Enfim, a proteção de pacientes, visitantes e profissionais de saúde deve ser adequada, sem estresse emocional e psicológico indevidos.

 

5. REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
E-mail: duartetassia@hotmail.com

 

 

1Psicóloga pela Universidade de Fortaleza, Brasil.
2Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, Brasil. Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio, Brasil.
3Mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará, Brasil. Enfermeira do Hospital Universitário Walter Cantídio, Brasil.

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