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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol vol.67 no.146 São Paulo jan. 2017

 

RESENHA

 

 

Políticas de inclusão social da infância e da adolescência: uma perspectiva internacional

 

Policies of social inclusion of childhood and adolescence: an international perspective

 

 

Resenhado por Manuella Castelo Branco PessoaI,*; Denise Pereira dos SantosII,*; Tâmara Ramalho de Sousa AmorimIII,*

IUniversidade Federal da Paraíba e Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência (Nupedia) - PB - Brasil
IIUniversidade Federal da Paraíba e Prefeitura Municipal de João Pessoa - PB - Brasil
IIIUniversidade Federal da Paraíba - PB - Brasil

 

 

Lucas, A. P., & Seller, E. P. (2016)

Este livro apresenta reflexões sobre os direitos da infância e adolescência, reunindo pesquisadores do contexto iberoamericano, de distintas áreas de estudo das ciências sociais. Produções acadêmicas como esta merecem destaque, pois colocam em evidência os direitos infanto-juvenis, contribuem para a difusão de pesquisas e intervenções com esse enfoque e trazem reflexões, tanto no sentido teórico quanto no prático, de forma a colaborar para a construção de uma cultura de direitos. A obra reúne 20 capítulos, organizados em duas partes: 1. Políticas de cidadania e inclusão social da infância e da adolescência, trazendo capítulos de cunho teórico e empírico; e a 2. Relatos de boas práticas, na qual são expostas experiências de intervenção no tema dos direitos infanto-juvenis.

O primeiro capítulo expõe o tema das políticas sociais de emancipação juvenil na Espanha, traçando o perfil das políticas de juventude, as quais ainda aparecem como fragmentadas, apesar de a área da assistência social ter se desenvolvido. Os autores apontam as linhas estratégicas para desenvolver novas ações neste setor, relacionadas à formação e ao emprego, ao desenvolvimento da autonomia dos jovens e à participação juvenil.

Retratando a participação infanto-juvenil no ordenamento jurídico espanhol, o segundo capítulo discute a diferença entre o conceito de participação e o direito à participação e a ser escutado, tecendo a análise a partir da Convenção dos Direitos da Criança e da legislação espanhola. A primeira contempla o direito a ser escutado, e a segunda, o direito a ser ouvido, se referindo ao âmbito processual, e o direito à participação, no sentido de liberdade de expressão, de associação e manifestação. O capítulo convida a refletir ainda sobre o conceito de participação infanto-juvenil, e sobre a importância de envolvê-los ativamente nos assuntos que lhes dizem respeito, de forma que eles possam expressar suas opiniões e participar no sentido mais amplo possível.

O terceiro capítulo apresenta a e-inclusão da infância nas decisões relacionadas à tecnologia, ressaltando a exclusão infanto-juvenil, quando se trata de atuações conjuntas com adultos nesse contexto e trazendo a importância do processo educativo na formação de crianças e adolescentes para uma participação criativa no sentido da e-inclusão. No capítulo seguinte são retratados sete casos emblemáticos de violação de direitos humanos cometidas pelo Estado e julgados pela Corte Iberoamericana dos Direitos Humanos, os quais possibilitam perceber que, apesar de haver um rico fundamento jurídico para os direitos das crianças e adolescentes, é necessário transcender da aplicação do direito para a aplicação de políticas públicas que eliminem as condições que geram violação de direitos.

No capítulo cinco, nomeado El enfoque de derechos de la infancia como paradigma comunitario alternativo: especial atención a la participación infanto-juvenil, a autora chama a atenção para a concepção da infância como passiva, fragilizando o direito a uma participação infanto-juvenil efetiva. Este capítulo traz de maneira contundente um posicionamento a respeito do conceito de participação infantojuvenil, posicionamento este que permeia todo o livro nos demais capítulos. Dessa forma, o conceito de participação é estendido à esfera da gestão das políticas públicas. Para tal, a autora proporciona ao leitor um apanhado de considerações sobre a participação política da infância nos assuntos que lhe dizem respeito, abordando os contextos da África, América Latina, Ásia e Europa. Brinda-nos ainda com uma discussão a respeito da "participação decorativa", ou seja, quando crianças e adolescentes são consultados, porém não se compartilha decisões, nem se converte em realidade as mudanças que eles propõem.

O sexto capítulo traz reflexões sobre as implicações da dimensão de gênero na infância e juventude, propondo a compreensão da temática por meio da concepção de socialização. Os autores reafirmam ainda a escola como espaço de promoção do discurso dos direitos, proporcionando ao leitor a reflexão sobre como a dimensão de gênero perpassa os diferentes processos e espaços de socialização.

O capítulo sete discorre sobre participação juvenil na formulação de políticas, analisando as obrigações do poder público presentes na Constituição Espanhola a respeito dessa questão. Expõe ações que representam o cumprimento da legislação, como a criação de conselhos de juventude, e argumenta sobre a necessidade de manter as ações existentes, bem como de possibilitar as condições para que os jovens possam exercer essa participação.

A inclusão de crianças com deficiência é o tema do oitavo capítulo, que aborda violações e omissões relacionados à temática na América Latina e, em especial, no México, como a falta de dados atualizados e consistentes, bem como a exclusão no sistema educacional. A autora defende a necessidade de promover o processo de reconhecimento social da diversidade e uma mudança de paradigma cultural, que deve vir dos atores sociais, envolvendo instituições educativas, culturais e defensoras dos direitos.

No nono capítulo é apresentado um panorama das necessidades detectadas para superar a violência contra a infância na Espanha, a exemplo de: unificação de conceitos e critérios acerca do tema, obrigatoriedade de formação especializada para os profissionais que trabalham com a infância, compilação homogênea de dados, melhora das respostas institucionais e compromisso no âmbito educativo. São indicados ao leitor recomendações e exemplos de boas práticas, no sentido de servirem como referência na construção de políticas.

A mediação de conflitos e a guarda compartilhada de crianças e adolescentes é tema do décimo capítulo, o qual explica o exercício da coparentalidade, que consiste na ideia de que a responsabilidade parental deve ser conjunta e equilibrada. E apresenta a mediação como uma ferramenta de gestão para o desenvolvimento dos papéis familiares, sendo também uma possibilidade de fomentar uma mudança de cultura.

O recorrente tema da migração na Europa inaugura a segunda parte desta obra, no capítulo 11, apresentando ao leitor a realidade de crianças e adolescentes equatorianas, comunidade relevante no contexto dos imigrantes na Espanha, como atores no processo migratório, suas experiências subjetivas e percepções sobre os espaços de atuação. É importante destacar a visibilidade que os autores proporcionam a estas crianças e adolescentes, considerando-os como sujeitos e atores sociais, e buscando analisar as relações de poder e trocas entre a infância e a sociedade adulta.

No capítulo 12, a lenta construção dos direitos infanto-juvenis no Brasil é retratada a partir de dados estatísticos sobre a violência contra as crianças e adolescentes, percorrendo também as mudanças históricas pelas quais passaram a concepção de infância e a legislação brasileiras, condicionadas pelas condições socioeconômicas e de classe. Os autores indicam ainda os aspectos necessários para as transformações políticas, econômicas e sociais. Por sua vez, o capítulo 13 oferece uma etnografia das infâncias a partir da realidade de crianças que foram adotadas e de crianças que vivem na rua, buscando dar visibilidade a suas percepções e experiências, e considerando que há uma multiplicidade nas infâncias, marcadas por questões de gênero, classe, etnia e idade.

A experiência de participação infanto-juvenil na Colômbia é ilustrada no capítulo 14 a partir da experiência do Conselho Consultivo de Crianças e Adolescentes em Sincelejo. Os autores partem da concepção de que as crianças têm direito à participação política, como forma de tomar parte nas decisões que afetam suas vidas. Logo, proporcionam ao leitor toda uma reflexão em relação ao direito à cidadania, e como isto se dá na legislação colombiana. No capítulo 15 um mapa da participação juvenil nas políticas de juventude na Espanha é esboçado, considerando a legislação espanhola acerca do tema, ressaltando as dimensões de mecanismos de participação, fins de cada mecanismo e atores, que podem intervir nos mesmos. Além disso, os autores trazem como reflexão a não efetivação da legislação de forma plena, afirmando que não é proporcionado espaço suficiente de participação para o jovem.

Ainda no âmbito das políticas sociais, o capítulo 16 apresenta os planos de ação e políticas específicas para prevenção e erradicação do trabalho infantil na Argentina, realizando uma incursão sobre estes planos e apresentando os avanços nessas políticas em matéria de legislação, saúde, educação e inspeção, a incorporação dos setores empresariais, e a dimensão regional do MERCOSUL. O tema do capítulo 17 é o direito à vida cultural e artística em La Rioja – Espanha. Nesse analisa o grau de realização deste direito a partir dos recursos da própria comunidade autônoma, considerando a legislação local sobre o tema e indicadores como a disponibilidade, tipos de atividade às quais se dedicam, novas tecnologias e recursos.

Uma análise crítica da pesquisa quantitativa e qualitativa no serviço social no âmbito da infância e adolescência é proporcionada no capítulo 18. Os autores brindam o leitor com um texto que aborda os enfoques e as práticas de investigação, fazendo desde uma análise crítica a respeito da produção de conhecimento sobre a cidadania da infância até a exposição de técnicas metodológicas apropriadas para tal.

O capítulo 19 aborda o programa de reforço educativo para crianças e adolescentes em risco de exclusão social na Cataluña, procedendo a uma revisão sobre a questão do fracasso escolar e levantando suas causas. Caracteriza também os centros educativos e os programas desenvolvidos, destacam suas potencialidades, dificuldades e seus impactos para as crianças e as famílias. Com isso, refletem sobre a necessidade de um trabalho colaborativo como resposta ao fracasso escolar.

No último capítulo, o acolhimento residencial e o acolhimento familiar são analisados de acordo com a nova Lei da Infância na Espanha, partindo do pressuposto de que, em casos de falta de proteção social, os melhores recursos são aqueles que melhor se adaptem às necessidades da criança. No âmbito dessa nova lei apresentada pelos autores, o direito à informação e uso dos meios de comunicação são aspectos que devem ser levados em consideração, bem como os direitos políticos e as sanções a crianças e adolescentes, tecendo sugestões para o seu cumprimento efetivo.

Dessa forma, o livro como um todo proporciona ao leitor um leque de questões essenciais na temática da garantia dos direitos, mostrando-se uma obra necessária e atual. Percebe-se um esforço de aceitação e empoderamento acerca dos mesmos por parte da sociedade, havendo um reconhecimento da urgência da proteção ao público infanto-juvenil. Tal visibilidade também foi proporcionada pelo reconhecimento da importância do tema pelos estudiosos, tornando-se objeto de investigação em todo o mundo. O livro traz avanços à medida que desmistifica o tema, trazendo provocações a fim de promover uma mudança de paradigmas por meio do acesso a uma cultura de direitos, contribuindo para a defesa da participação infanto-juvenil na tomada de decisões.

A temática do livro é bastante complexa e mobiliza opiniões diversas. Ainda que se identifiquem avanços, há uma grande necessidade de ações efetivas nesse campo, sobretudo por parte do Estado. Essa produção traz em seu bojo um compromisso e visão crítica imprescindíveis para o desenvolvimento dos estudos na área dos direitos infanto-juvenis dentro das Ciências Sociais. Dessa forma, o livro reúne estudos de relevância social e atende tanto aos requisitos acadêmicos da produção científica, quanto se debruça sobre a realidade, assumindo o papel político da ciência.

 

 

Recebido em 13/06/17
Revisto em 09/07/17
Aceito em 10/07/17

 

 

* Endereço para correspondência: Rua Ana de Fátima Gama Cabral, 701, BL 11, Apto 406, Condomínio Jardim Cabo Branco. Bairro: Portal do Sol. João Pessoa - PB, CEP: 58046-780. Telefone: (83) 98206-3266. E-mail: Tâmara: tamara.rsa@gmail.com; Manuela: manucastelobranco2@gmail.com; Denise: denyps@gmail.com>

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