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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.32 no.99 São Paulo  2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve

 

Memory evaluation in children and adolescents with limitrophe intellectual capacity and mild intellectual disability

 

 

Amanda Morão PereiraI; Carolina Rabelo AraújoII; Sylvia Maria CiascaIII; Sônia das Dores RodriguesIV

IPsicóloga, São Carlos, SP, Brasil
IINeuropsicóloga, mestre em Ciências Médicas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
IIIProfessora Livre-Docente do Departamento de Neurologia e Coordenadora do DISAPRE - Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção - FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
IVPedagoga, Psicopedagoga e Psicomotricista, Mestre e Doutora em Ciências Médicas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo avaliar e comparar a memória de crianças e adolescentes classificados como intelectualmente deficiente (grau leve), inteligência limítrofe e sem comprometimento intelectual. Especificamente, foram analisadas a memória operacional, memória de curto prazo imediata e memória de longo prazo (episódica e semântica) nos três grupos mencionados. Participaram deste estudo 38 sujeitos divididos em três grupos: deficientes intelectuais de grau leve (GDI), limítrofes (GL) e controle (GC), constituído por crianças com quociente de inteligência dentro da normalidade. Para avaliação dos diferentes tipos de memória foram utilizados os instrumentos: Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), Blocos de Corsi (TBC) e os subtestes da WISC-IV dígitos, sequência de números e letras e vocabulário. Os dados obtidos demonstram que, quando comparado ao GC, o GDI apresentou prejuízo significativo na memória operacional e na memória de longo prazo semântica, mas não na memória episódica. Em teste que utiliza a repetição de informações, as crianças do GDI tiveram melhor desempenho. Tal dado é importante, pois remete à ideia de que estratégias de ensino embasadas nessa abordagem podem favorecer a aprendizagem dessas crianças. Quanto ao GL, constatou-se prejuízo significativo em todos os tipos de memória avaliados, quando comparado ao GC. A comparação entre o GL e o GDI demonstrou que os primeiros tiveram melhor desempenho (estatisticamente significativo) apenas na memória semântica. Diante disso, considera-se importante que se discuta a necessidade de crianças com inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacional especializado oferecido às crianças intelectualmente deficientes.

Unitermos: Memória. Aprendizagem. Inteligência. Deficiência intelectual.


ABSTRACT

This study aimed to evaluate and compare the memory of children and adolescents classified as intellectually disabled (mild degree), limitrophe intelligence and with no intellectual impairment. Particularly the operational memory, the short-term immediate memory and long-term memory (episodic and semantic) were subjected to analysis in the three aforementioned groups. Thirty-eight subjects participated in this study divided in three groups, all of which were composed by children with intelligence quotient of normality: intellectually disabled of mild (GDI), limitrophe (GL) and control degree (GC). In order to evaluate the different types of memory the Rey Complex Figure, the Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT), the Corsi Block Test (TBC) and the WISC-IV digits, sequence of numbers and letters, and vocabulary subtests were performed. The obtained data shows that when compared to GC, the GDI presented meaningful loss in the operational and in the long-term semantic memory, but not in the episodic memory. With tests that use information repetition, children with GDI had better performance. Such data is important because refers to the idea that teaching strategies based on this approach may favor these children learning. As for the GL, a meaningful loss in all the types of evaluated memory was noticed, when compared to the GC. The comparison between GL and GDI presented that the firsts had better performance (statistically meaningful) only in the semantic memory. Accordingly, the debate regarding the need of children with limitrophe intelligence receiving at school the same specialized educational support offered to children intellectually disabled is considered important.

Key words: Memory. Learning. Intelligence. Intellectual disability.


 

 

INTRODUÇÃO

O aprendizado pode ser definido como a modificação de comportamentos em resposta ao meio, cuja principal característica é aquisição de informações. A base do aprendizado é composta por diversas funções cognitivas, como atenção, percepção, gnosias, memória, linguagem, praxia, inteligência e funções executivas, além de adequado aparato neuropsicológico. Interessa-nos, neste estudo, abordar a memória, função cognitiva responsável pela aquisição, formação, conservação e evocação de informações1-3.

Existem diferentes tipos e classificações de memória. No que se refere ao tempo, esta função é normalmente dividida em memória operacional, memória de curto prazo (MCP), memória de longo prazo (MLP) e memória remota1,4.

A memória operacional mantém a informação durante alguns segundos, no máximo poucos minutos, até que seja utilizada para solucionar alguma tarefa. Tem também como característica a possibilidade de atualizar as informações necessárias para a concretização de uma atividade, ou para realizar outra tarefa. Quatro componentes compõem a memória operacional: a alça fonológica, que armazena as informações auditivas; o esboço visuoespacial, que sustenta as informações espaciais e visuais; o buffer episódico, que integra as informações auditivas, visuais e espaciais provenientes dos outros subsistemas; e o executivo central, que gerencia e controla o fluxo de informações e tem a capacidade de acessar a informação, manipulá-la e modificá-la5.

Quanto à MCP, esta se estende dos primeiros segundos ou minutos seguintes ao aprendizado até 3 a 6 horas, o que representa o tempo de efetivação da MLP. O papel da MCP é permanecer tempo suficiente para que o indivíduo possa dar continuidade a alguma tarefa por meio de uma "cópia" momentânea da memória principal, que será gradativamente substituída pela MLP1.

A MLP armazena grande quantidade de informações e permanece por muitas horas, dias ou até anos e, neste ultimo caso, tem o que se denomina de memória remota4.

Quanto ao conteúdo, a memória costuma ser dividida em declarativas, que registram fatos, eventos ou acontecimentos, e procedimentais, que estão relacionadas com procedimentos automáticos (motores) e com informações adquiridas por condicionamento e habituação4,6.

A memória declarativa se subdivide ainda em função do tipo de conteúdo, ou seja, denominam-se de memória episódica os eventos aos quais assistimos ou dos quais participamos e de memória semântica àquelas relacionadas a conhecimentos gerais, fatos, conceitos e vocabulário. É a memória operacional que define o que será guardado na memória declarativa ou procedimental e que memória deverá ser evocada em cada caso1.

A memória operacional é um forte preditor da capacidade de raciocínio, ou seja, quanto maior o nível de agregação da memória operacional, maior a capacidade de raciocínio e inteligência geral. Nesse sentido, a memória operacional tem papel essencial na realização de tarefas complexas7.

A literatura indica que o treinamento da memória operacional pode melhorar a inteligência, já que as tarefas desse tipo de memória necessitam de processos de execução variados, intimamente associados à inteligência fluida8.

A titulo de esclarecimento, entende-se por inteligência a capacidade mental geral, que inclui raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas e aprendizagem. Inteligência fluida e cristalizada são subtipos desse conceito mais amplo. Enquanto a primeira se refere às operações mentais utilizadas pelo indivíduo em tarefas novas que não podem ser executadas de forma automática, a segunda refere-se à habilidade de aplicar definições, métodos e procedimentos aprendidos previamente, para lidar com situações-problema8-10.

Um dos modos de medir a inteligência é a quantificação, o que pode ser realizado com o uso de instrumentos psicológicos variados. Dentre estes instrumentos, destaca-se a Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-IV), que utiliza a seguinte classificação em termos de Quociente de Inteligência (QI): muito superior (QI de 130 ou mais), superior (QI de 120 a 129), médio superior (QI de 110 a 119), médio (QI de 90 a 109), médio inferior (QI de 80 a 89), limítrofe (QI de 70 a 79) e intelectualmente deficiente (QI abaixo de 69)11.

No presente estudo, atentamo-nos para deficiência intelectual e para inteligência limítrofe.

A deficiência intelectual é definida pela American Association on Mental Retardation (AAMR) como incapacidade que se caracteriza por limitações consideráveis principalmente no funcionamento intelectual e também na capacidade adaptativa, competências práticas, sociais e emocionais. Desenvolve-se antes dos 18 anos e resulta em prejuízos no funcionamento social do indivíduo. Aprendizagem, raciocínio e resolução de problemas são capacidades cognitivas que também são prejudicadas nesse quadro9.

A deficiência intelectual subdivide-se em leve (QI na faixa de 50 a 69), moderada (QI na faixa de 35 a 49), grave (QI na faixa de 20 a 34) e profunda (QI abaixo de 20). Na deficiência intelectual leve, ocorrem dificuldades na aprendizagem, porém há facilidade na adaptação; quando adultos, podem conseguir trabalhar e manter relacionamentos sociais9,12.

Indivíduos classificados com inteligência limítrofe apresentam capacidade suficiente para, com apoio, alcançar bom grau de autonomia nas atividades de vida diária. Quanto às características dessa população, destacam-se: ausência de traços físicos aparentes; defasagem entre a idade cronológica e a idade mental; carecem de iniciativa; tem dificuldade para generalizar mecanismos racionais que lhes permitam desenvolver-se com autonomia em situações cotidianas; dificuldade na tomada de decisões e na resolução de conflitos; dificuldade para adaptar-se com êxito em situações difíceis; baixo desempenho escolar; dificuldade para estabelecer e manter relações interpessoais, bem como em organizar o tempo livre; baixa autoestima e baixa tolerância ao fracasso e à frustração13.

Em se tratando da relação entre aprendizagem e memória, chama-se a atenção para a memória operacional, pois há relatos de que dificuldade nessa habilidade pode impactar de forma negativa o aprendizado.

No caso de crianças e adolescentes com deficiência intelectual, estudos referem que estes apresentam estrutura de memória operacional semelhante à de indivíduos com desenvolvimento cognitivo dentro do esperado. Considera-se que, possivelmente isto ocorre porque tais sujeitos se apoiam em conhecimentos armazenados na memória de longo prazo, ou nas habilidades executivas centrais, o que maximiza o seu desempenho nessa habilidade. Assim, quando se compara a memória operacional de deficientes intelectuais com aqueles que têm desenvolvimento cognitivo dentro do esperado, pode não haver diferença significativa entre ambos14.

Há estudos, no entanto, que sugerem o contrário, ou seja, que há diferenças significativas entre os dois grupos mencionados, no que diz respeito a vários elementos da memória operacional. Essa diferença estaria relacionada, principalmente, ao comprometimento na alça fonológica, região responsável pelo armazenamento de informações auditivas. Nesse caso, haveria redução da capacidade de armazenamento, e não na precisão de processamento. Supõe-se, ainda, que esse prejuízo seria fator causal na deficiência intelectual, cujos efeitos ocorrem desde o início do desenvolvimento cognitivo15,16.

Estudo comparando o desempenho de deficientes intelectuais e sujeitos classificados como limítrofes com crianças de grupo controle constatou que somente crianças com deficiência intelectual tiveram defasagem em atividades processadas pela alça fonológica; sujeitos com inteligência limítrofe obtiveram o mesmo desempenho que o grupo com desenvolvimento cognitivo dentro do esperado15.

Em relação à recuperação de informações complexas, dados sugerem que crianças e adolescentes com deficiência intelectual apresentam melhor desempenho quando estas são aprendidas de forma implícita, e não explícita, enquanto os sujeitos com desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade apresentam desempenho eficiente, independente da forma que são dadas as instruções17.

Diante do até então exposto, a questão que se coloca é se crianças e adolescentes com deficiência intelectual leve e com inteligência limítrofe se diferenciam em termos de funcionamento nos diferentes tipos de memória. O conhecimento de tal dado é importante, pois a partir disso se pode direcionar e elaborar estratégias eficazes que possam favorecer positivamente o aprendizado de tais crianças.

Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo principal avaliar e comparar a memória de crianças/adolescentes classificados como intelectualmente deficiente de grau leve e crianças/adolescentes com inteligência classificada como limítrofe. Especificamente, foram avaliadas e comparadas a memória de curto prazo (imediata e operacional) e de longo prazo (episódica e semântica) de crianças com deficiência intelectual leve, inteligência limítrofe e com desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade.

 

MÉTODO

O presente estudo foi realizado no Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (DISAPRE/FCM/UNICAMP) e em duas escolas públicas dos municípios de Campinas e Limeira, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer: 923.066). Contou com a participação de 38 sujeitos, de ambos os gêneros, com idade entre 7 e 15 anos.

Os sujeitos foram divididos em três grupos: onze indivíduos no grupo experimental 1, com deficiência intelectual (GDI); 10 no grupo experimental 2, com inteligência limítrofe (GL) e 17 no grupo controle, sem comprometimento cognitivo (GC).

Os sujeitos dos grupos experimentais (GDI e GL) foram avaliados no referido laboratório, enquanto que as crianças do grupo controle (GC) foram avaliados na própria escola que frequentavam. Os seguintes critérios foram definidos para inclusão nos grupos experimentais: 1) os sujeitos do GDI deveriam ter QI entre 50 e 69, segundo a Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-IV)9 e, assim, serem classificadas como deficientes intelectuais de grau leve; 2) os sujeitos do GL deveriam ter QI entre 70 e 79, segundo a mesma escala e, assim, serem classificadas como inteligência limítrofe; 3) Ambos os grupos (GDI e GL) não poderiam apresentar nenhuma síndrome ou patologia de base que justificasse tal quadro; 4) Os pais ou responsáveis deveriam assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) As crianças/adolescentes deveriam ser informadas sobre a pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinando o Termo de Assentimento para Menores.

Os sujeitos do grupo controle (GC) foram escolhidos aleatoriamente em duas escolas públicas dos municípios de Campinas/SP e Limeira/SP, tendo sido estabelecidos como critérios de inclusão: 1) crianças/adolescentes sem alteração neurológica ou queixas de dificuldade de aprendizagem, de acordo com seus professores; 2) deveriam estar regularmente matriculados na série correspondente à sua idade cronológica; 3) deveriam ter QI acima de 80, segundo a WISC-IV e, assim, serem classificadas no mínimo com inteligência dentro dos padrões de normalidade; 4) os pais ou responsáveis deveriam assinar o TCLE, após esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) as crianças/adolescentes deveriam ser informadas sobre a pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinando o Termo de Assentimento para Menores.

Para avaliação da memória foram utilizados os seguintes instrumentos: WISC-IV, Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) e Blocos de Corsi (TBC).

A memória de curto prazo imediata foi avaliada pelo subteste dígitos ordem direta da WISC-IV e Blocos de Corsi (ordem direta). A memória operacional foi avaliada pelo teste Blocos de Corsi (ordem inversa) e pelos subtestes dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV. A memória de longo prazo episódica verbal foi avaliada pela evocação tardia (RAVLT - A7) e aprendizagem verbal (RAVLT - A1-A5); a memória de longo prazo episódica visual pelo teste Figura Complexa de Rey (reprodução); a memória de longo prazo semântica foi avaliada pelo subteste vocabulário da WISC-IV.

Foram realizadas duas sessões com duração de aproximadamente uma hora com cada participante para aplicação dos testes neuropsicológicos citados. Após coleta de dados, os mesmos foram analisados de forma qualitativa e quantitativa. A análise estatística foi feita por meio de programas SAS System for Windows (versão 16.0). Foi considerado significativo valor de p igual ou menor que 0,05.

 

RESULTADOS

Dos 38 sujeitos que constituíram a presente casuística, 23 eram do gênero masculino. A idade variou de 7 a 15 anos (média de 10 anos).

Conforme mencionado anteriormente, a WISC-IV foi o instrumento utilizado para classificar as crianças dos grupos experimentais (GDI e GL) e controle. Em relação a este último, foram obtidas as seguintes classificações: superior (2 sujeitos), médio superior (3 sujeitos), médio (7 sujeitos) e médio inferior (5 sujeitos). Nos tópicos seguintes serão apresentados os dados relativos à comparação dos três grupos analisados, nos diferentes tipos de memória.

Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória operacional

Nos subtestes dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV, GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior quando comparados ao GC. Entretanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre o GDI e GL nos referidos subtestes (Tabela 1).

No Teste Blocos de Corsi (ordem inversa), é possível observar que GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior ao GC. Porém, o mesmo não foi observado quando se comparou o desempenho entre GDI e GL (Tabela 2).

 

 

Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória de curto prazo

GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior, quando comparados ao GC no subteste dígitos ordem direta da WISC-IV. Na comparação entre ambos, no entanto, constatou-se que o GL teve melhor desempenho que o GDI, porém a diferença não foi estatisticamente significativa. No Teste Blocos de Corsi (ordem direta), apenas GL teve desempenho significativamente inferior ao GC; não houve diferença estatisticamente significativa entre GDI e GL (Tabela 3).

Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória de longo prazo

No subteste vocabulário da WISC-IV, GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior quando comparado ao GC; também houve diferença estatisticamente significativa na comparação do GDI e GL, com melhor desempenho do GL (Tabela 4).

 

 

Na avaliação da aprendizagem verbal (A1-A5 do RAVLT), observa-se que apenas GL apresentou desempenho significativamente inferior, quando comparado ao GC. GDI obteve resultados inferiores ao GC, mas superiores ao GL, porém, em ambos os casos, não houve diferença estatisticamente significativa. Já a avaliação da evocação tardia (A7 do RAVLT), GDI teve desempenho inferior ao GC e superior ao GL, mas ambos sem diferença estatisticamente significativa. GL teve desempenho significativamente inferior, quando comparados ao GC (Tabela 5).

Na cópia da Figura Complexa de Rey, GDI e GL apresentaram desempenho inferior, estatisticamente significativo, quando comparados ao GC. Entre GDI e GL, GDI obteve melhores resultados na cópia, mas não foi significativo do ponto de vista estatístico. Em relação à reprodução da figura, apenas GL apresentou desempenho significativamente inferior, quando comparado ao GC. GDI apresentou resultados inferiores ao GC e superiores ao GL, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa em ambos os casos (Tabela 6).

 

DISCUSSÃO

Indivíduos com limitação intelectual muitas vezes são prejudicados na aprendizagem acadêmica e, em parte, isso decorre do fato de que a escola não costuma se atentar para as defasagens e habilidades cognitivas dessa população.

A memória é uma dessas habilidades que merece atenção, já que está intimamente relacionada à aprendizagem. O planejamento das atividades de ensino, então, deveria levar em consideração o desempenho desses sujeitos nos diferentes tipos de memória.

Isso, no entanto, requer que os profissionais da educação tenham conhecimento sobre os subtipos de memória e seu funcionamento. Entretanto, comparado a outras causas que resultam em dificuldade de aprendizagem, pode-se dizer que são escassos os estudos sobre funções cognitivas nessa população, principalmente no que diz respeito às crianças com inteligência limítrofe. Tal constatação é que motivou a realização deste estudo, que teve como objetivo principal investigar memória operacional, de curto prazo e de longo prazo em crianças com quociente de inteligência abaixo dos padrões de normalidade, mais especificamente, em crianças com deficiência intelectual leve e com inteligência limítrofe. Os resultados obtidos trazem informações interessantes que serão a seguir relatadas.

Em relação à memória operacional, constatou-se que os grupos experimentais (GDI e GL) tiveram pior desempenho (estatisticamente significativo) que o controle (GC) nos testes que avaliam processamento de informações auditivas (avaliado por meio dos subtestes de dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV). A hipótese que se levanta é que tal fato está relacionado à menor capacidade de armazenamento da alça fonológica, um dos componentes da memória operacional responsável pelo armazenamento de informações auditivas.

A literatura a respeito dessa temática é controversa, pois trazem dados divergentes. Encontram-se dados que sugerem não haver diferenças estruturais na memória operacional de deficientes intelectuais quando comparados a grupo controle, pelo menos no que diz respeito à alça fonológica, esboço visuoespacial e executivo central14. Por outro lado, outros estudos demonstram o contrário.

Alloway18, por exemplo, avaliou e comparou o desempenho da memória operacional de deficientes intelectuais (grau leve), limítrofes e grupo sem comprometimento cognitivo. Os dados obtidos demonstraram déficit específico na capacidade de armazenamento da alça fonológica em crianças com deficiência intelectual leve. Entretanto, diferente do nosso estudo, não foi encontrada diferença significativa no grupo de crianças com inteligência limítrofe.

Brankaer et al.16 também investigaram o desempenho na memória operacional de crianças deficientes intelectuais e grupo controle e encontraram alteração não só no processamento da alça fonológica, mas também em outros dois componentes da memória operacional, ou seja, no esboço visuoespacial e executivo central. Sugere-se, ainda, que tais alterações seriam proporcionais ao grau de deficiência intelectual.

Nesse estudo depreendeu-se que os sujeitos dos grupos experimentais tiveram prejuízo no esboço visuoespacial, uma vez que foram encontradas alterações no processamento de informações visuoespaciais, como confirmado por outros autores15,16.

No que se refere ao grau de comprometimento cognitivo, há relato de que sujeitos limítrofes também apresentam prejuízo na memória operacional, quando comparado a controle, tanto em relação ao domínio verbal, quanto visuoespacial. Quanto aos deficientes intelectuais, sugere-se que, quanto maior o prejuízo cognitivo, menor a sua capacidade de memória operacional, o que justificaria o desempenho inferior desse grupo em tais testes16,18.

Vale ressaltar que, no nosso estudo, os deficientes intelectuais tiveram pior desempenho que os limítrofes, no entanto, a comparação entre ambos não foi estatisticamente significativa.

No que se refere à memória de curto prazo, verificou-se que, nas tarefas que envolvem informações auditivas, o desempenho dos nossos grupos experimentais (GDI e GL) foi significativamente inferior ao grupo controle.

Uma possível explicação para esse fato é encontrada na literatura, quando menciona que a memória operacional seria o melhor preditor de habilidades intelectuais para tarefas de memória de curto prazo. Logo, prejuízo na memória operacional resultaria em prejuízos também nas tarefas de memória de curto prazo, em relação à capacidade de armazenamento das informações auditivas. Há relato também de que o prejuízo dos deficientes intelectuais não estaria relacionado somente à redução na capacidade de armazenamento, mas também à lentidão no processamento da informação7,19.

Interessante mencionar que neste estudo uma situação diferente aconteceu nas tarefas que avaliam aprendizagem verbal, que envolve informações auditivas com repetição. Embora o grupo de deficientes intelectuais tenha obtido resultados inferiores, a diferença não foi estatisticamente significativa. A hipótese que se levanta, a partir de dados fornecidos pela literatura19, é que tais sujeitos teriam capacidade para aprender, entretanto, diferentemente daqueles que não possuem comprometimento cognitivo, estes necessitariam de mais tempo e do uso de repetições do conteúdo para o favorecimento da memorização. Quanto maior o comprometimento, maior seria a necessidade de repetições. Isso demonstra que estratégias de ensino envolvendo repetições seriam mais eficazes para o aprendizado desses indivíduos.

No que se refere ao desempenho no teste Blocos de Corsi, que avalia memória de curto prazo com informações visuoespaciais, não foi encontrada diferença significativa, quando se comparou o desempenho dos grupos experimentais (GDI e GL) em relação ao controle (GC). Uma possível explicação para tal fato é que esse tipo de memória envolve um sistema baseado em coordenadas visuoespaciais e um sistema cinestésico, que armazena séries de movimentos, além de componentes motores20, o que pode ter favorecido os referidos grupos a obterem melhor desempenho.

Além disso, tanto a codificação, como o armazenamento das sequências espaciais a serem executadas pelo examinando, estariam envolvidos com o sistema executivo central, além do esboço visuoespacial. A simetria utilizada na realização das sequências espaciais poderia ser uma contribuição da memória de longo prazo, integrada à informação da memória visuoespacial21,22.

Apesar do desempenho no teste Blocos de Corsi ser favorecido por componentes visuoespaciais, ocorreu diferença em relação ao desempenho na ordem direta e inversa, o que pode ser justificado pelo prejuízo na memória operacional.

O pior desempenho, significativo estatisticamente, na memória de longo prazo semântica no GDI e GL, quando comparados ao GC, pode ser justificado pela capacidade de armazenamento limitada desses indivíduos, que dificulta aquisição de vocabulário. Dessa forma, a dificuldade na linguagem também teria influência no pior desempenho desse teste. A literatura indica15 que nos sujeitos com limitação intelectual o processo para adquirir o conhecimento é lento, assim, menos conteúdo é inserido e processado, consequentemente, diminuindo o volume de informações na memória de longo prazo.

Já os resultados obtidos na memória episódica (evocação tardia) demonstraram que o GDI teve pior desempenho, mas este não foi estatisticamente significativo. Isso pode ser indicativo de que tais indivíduos se apoiam mais em conhecimentos armazenados na memória de longo prazo para compensar seus prejuízos na memória operacional. Tal estratégia foi observada nos deficientes intelectuais, que se lembraram mais facilmente das primeiras palavras (efeito de primazia), que é proveniente da recuperação da memória de longo prazo. Houve ainda sujeitos do GDI que se lembraram com mais facilidade das últimas palavras (efeito de recência), o que pode indicar tanto limitação maior na capacidade de armazenamento, como ausência de revisão. Porém, em relação ao grupo experimental de limítrofes, a diferença de desempenho foi significativa, o que demonstra que a memória de longo prazo episódica desse grupo apresenta prejuízos14,23,24.

O mesmo aconteceu no teste da Figura Complexa de Rey, que também avalia memória de longo prazo episódica. Ambos os grupos experimentais (GDI e GL) tiveram pior desempenho (estatisticamente significativo) quando comparados ao controle na cópia de figura; importante destacar que certo nível de dificuldade foi também observado no GC, possivelmente, isso se deve ao fato de que nesta atividade são exigidos também planejamento e habilidade motora. Os sujeitos com limitação cognitiva, neste caso, têm pior desempenho. No que se refere ao subteste de reprodução da Figura Complexa de Rey, apenas os limítrofes tiveram desempenho significativamente inferior ao controle. Destaca-se que a literatura é escassa, em se tratando desse instrumento de avaliação em crianças e adolescentes. São mais frequentes os estudos que o utilizam para avaliar memória de longo prazo em idosos que tenham sofrido lesões cerebrais.

A escassez de literatura sobre as habilidades cognitivas, especificamente a memória, de sujeitos com inteligência limítrofe, demonstra maior necessidade de estudos nesse contexto.

 

CONCLUSÃO

De acordo com os dados obtidos neste estudo, conclui-se que crianças e adolescentes com deficiência intelectual apresentam pior desempenho nas habilidades de memória operacional auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo auditiva e na memória de longo prazo semântica, quando comparados a crianças com desempenho cognitivo global preservado. Na memória de longo prazo episódica, no entanto, o desempenho, apesar de inferior, não foi estatisticamente significativo; em relação à aprendizagem verbal, este dado pode ser útil, pois aponta o benefício do uso dessa habilidade no desenvolvimento de métodos de aprendizagem na população de deficientes intelectuais.

Finalizando, ressalta-se que o grupo de sujeitos com inteligência limítrofe teve desempenho significativamente inferior ao controle na memória operacional auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo auditiva e visuoespacial e memória de longo prazo episódica e semântica. Quando comparados aos deficientes intelectuais, os limítrofes apresentaram diferença significativa apenas na memória semântica, com melhor desempenho que os deficientes intelectuais de grau leve. Com isso, sugere-se que discussões amplas sejam realizadas no contexto escolar, principalmente, no sentido de se avaliar a necessidade de crianças com inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacional oferecido às crianças com deficiência intelectual. Além disso, sugere-se que seja realizada a análise pormenorizada dos diferentes tipos de memória das crianças que apresentem qualquer nível de comprometimento cognitivo (limítrofe e deficiente intelectual), a fim de que sejam planejadas estratégias adequadas de ensino e de intervenção.

 

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Endereço para correspondência:
Amanda Morão Pereira
Rua Padre Teixeira, 2670 - bloco Roma - apto. 153 - Vila Nery
São Carlos, SP, Brasil - CEP: 13560-210
E-mail: amanda.moraop@gmail.com

Artigo recebido: 28/9/2015
Aprovado: 3/11/2015

 

 

Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (DISAPRE) do Hospital de Clínicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil.

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