Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.36 no.109 São Paulo jan./abr. 2019
ARTIGO ORIGINAL
Processo ensino-aprendizagem do treinamento resistido: pedagogia aplicada na educação não formal
Teaching and learning process of strength training: pedagogy applied to nonformal education
Patrício Emílio MarinI; Leandro FerreiraII
IGraduado em Educação Física - Centro Universitário UNIFAFIBE, Bebedouro, SP, Brasil
IIDoutor em Ciências pela UNIFESP; Centro Universitário UNIFAFIBE, Bebedouro, SP, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Analisar se as dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo são ensinadas pelos instrutores de treinamento resistido (TR)
MÉTODO: Para a realização do estudo, participaram 8 profissionais de Educação Física, todos instrutores de TR em 4 academias de duas cidades da microrregião de Jaboticabal/SP. Os voluntários foram avaliados em três etapas denominadas observação, simulação e entrevista. Na primeira, os voluntários foram acompanhados em sua atuação profissional em um dia normal de trabalho. Na simulação, os profissionais participaram de uma atividade prática, como em uma entrevista de emprego. Na última, os profissionais foram questionados sobre o conhecimento e a orientação de seus alunos nas dimensões do conteúdo. As informações foram organizadas por meio de análise de conteúdo e frequência de ocorrência de casos.
RESULTADOS: Foi observado que os profissionais ensinam procedimentos como postura, amplitude de movimento, volume e intensidade de treinos. Em relação aos conceitos, poucas informações são ensinadas. Para o conteúdo atitudinal, apenas disciplina é ensinada. Quando comparadas as três situações analisadas, apenas para a dimensão procedimental a simulação e a entrevistas concordam com que o que foi observada na prática in loco.
CONCLUSÃO: Pode-se concluir que a dimensão procedimental do conteúdo é trabalhada mais intensamente pelos instrutores de TR se comparada à dimensão conceitual; já a dimensão atitudinal praticamente não é abordada. Há lacunas no processo de ensino-aprendizagem, principalmente nas dimensões conceitual e atitudinal, o que demonstra que é preciso mais comprometimento dos profissionais na atuação referente a essas dimensões do conteúdo.
Unitermos: Conhecimento. Educação. Educação Física e Treinamento. Técnicas de Exercício e Movimento.
SUMMARY
OBJECTIVE: The aim of this study was to analyse if the strength training instructors teach the conceptual dimensions of content, procedural dimensions of content and attitudinal dimensions of contents.
METHODS: Eight physical education professionals took part in order to accomplish this study. They are strength training instructors of four fitness centers at two cities from the Jaboticabal region. The volunteers were evaluated in three stages called observation, simulation and interview. In the first stage the volunteers were followed in their professional performance in a normal day of work. In the simulation phase the professionals participated in a practical activity such as in a job interview. The last step the physical education professionals were inquired about the knowledge and orientation of their students in the dimensions of contents. The information was organized through analysis of content and frequency that it happened the cases.
RESULTS: It was observed that the professionals teach procedures such as posture, range of motion, bulk and intensity of training. Regarding concepts few information is taught, highlighting the names of muscle groups. For attitudinal content only discipline is taught. When the three situations analyzed on this study only for the procedural dimension, the simulation and interviews got an agreement that were observed in practice.
CONCLUSION: It can be concluded that the procedural dimension of the content is more taught by the strength training instructors if compared to the conceptual dimension. The attitudinal dimension is almost not addressed. There are gaps in the teaching learning process mainly in the conceptual and attitudinal dimensions which shows that it is necessary more commitment from the physical education professionals linked to these dimensions of contents.
Keywords: Education. Exercise Movement Techniques. Physical Education and Training. Knowledge.
INTRODUÇÃO
A Educação Física é uma área interdisciplinar que envolve benefícios para o homem como poucas ciências. Segundo Barbanti1, a Educação Física relaciona o desenvolvimento do movimento físico com o mental, o emocional e a socialização do homem. No processo ensino-aprendizagem e na atuação profissional da Educação Física estão envolvidos aspectos pedagógicos, antropológicos e biomédicos, entre outros. Inserida nessa área, há a prática do treinamento contra resistência (conhecido popularmente como musculação), que é uma das formas mais populares de exercício para melhora de aptidão física ou mesmo condicionamento de atletas2. Essa modalidade possui diversas denominações e no decorrer desse trabalho será adotado o termo treinamento resistido (TR).
As salas de TR estão em constante crescimento, o que corrobora para a popularidade deste formato de condicionamento físico. As pessoas que buscam esta prática são jovens, adultos e idosos de ambos os sexos que possuem como expectativa diversos benefícios, como o aumento de força, aumento de massa magra e diminuição da gordura corporal; além da melhora do desempenho físico em atividades esportivas e na vida diária2,3.
O TR de forma simplificada consiste em acionar músculos, que realizam movimentos articulares em determinada amplitude ao receber uma carga, mas de forma mais ampla também envolve forças reais presentes nos demais fatores biomecânicos, anatômicos e fisiológicos. Essa interação de sistemas ocorre de forma conjunta, pois a ação muscular é o resultado da interação dos fatores fisiológicos e biomecânicos e o resultado final da ativação do músculo é dependente da predominância de um desses fatores3,4.
Até o presente momento, a literatura acadêmica não apresenta estudos com foco no processo de ensino-aprendizagem que ocorre nas salas de TR e a pedagogia dos instrutores dessa modalidade não tem sido alvo de investigações acadêmicas. O processo de ensino do TR pode ser potencializado a partir de uma investigação mais precisa sobre os conteúdos do ensino desse tema.
Os conteúdos de ensino podem ser estruturados em três categorias, que correspondem às dimensões conceitual, procedimental e atitudinal5. A dimensão conceitual contempla dados (fatos) e conceitos, os primeiros ocorrem por meio de reprodução repetitiva para a memorização, já os conceitos devem ser compreendidos, precisam ter significado para o aluno, sua aprendizagem acontece mediante outros conhecimentos prévios do aprendiz e são ensinados de forma gradativa6.
Quando o instrutor informa ao aluno qual é a estrutura óssea da coxa (fêmur), ocorre um ensino de uma informação que pode ser memorizada, porém se for explicado quais grupos musculares são trabalhados em um exercício, assim como as origens e inserções das estruturas musculares que movimentam uma articulação, ocorre então o ensino de um conceito.
Por outra perspectiva, a dimensão procedimental se define como sendo um conjunto de ações que são realizadas ao longo do tempo e numa ordem específica para que se possa alcançar um objetivo. O ensino dos procedimentos possibilita que o aluno tenha condições de saber fazer algo, de tomar decisões para a resolução de uma tarefa ou problema, com o máximo de destreza7.
No caso do TR, um conteúdo procedimental seria a informação de como ampliar o braço de alavanca em um movimento, ou ajustar uma carga de acordo com o objetivo de seu treino. O aprendizado dos procedimentos também ocorre de forma gradativa. Outro exemplo de ensino procedimental é quando o instrutor demonstra uma técnica de respiração, seguindo de forma ordenada a expiração durante a fase concêntrica da contração muscular e a inspiração na fase excêntrica.
Na maioria das ações do processo ensino-aprendizagem as dimensões conceitual e procedimental são acionadas simultaneamente, porém é possível ocorrer de forma separada se for necessário priorizar uma delas.
Por fim, a dimensão atitudinal pode ser identificada por meio de comportamentos, formas de agir e pensar, quando uma opinião é emitida, uma atitude se manifesta por conta de um posicionamento frente a uma avaliação pessoal de algo (objeto, pessoa, acontecimento ou situação)7. Só é possível ocorrer uma atitude perante o componente motivacional, que ativa uma conduta com foco em um objetivo. A atitude é mais estável que temperamento e valores, mais duradoura que um estado de humor, inclui afeto, não é automática como os hábitos, manifesta-se em opiniões e se diferencia de habilidades ou mesmo da inteligência, pois estas não têm o componente afetivo8.
As atitudes podem ser ensinadas por meio da socialização. O instrutor pode trabalhar uma representação mental para o aluno imaginar como ele deseja se tornar fisicamente com a prática do treino ou mesmo com um diálogo promover identificação do aluno com novos comportamentos, como praticar uma alimentação saudável ou ter frequência nas sessões de treino.
Essas três dimensões do conteúdo são encontradas na literatura em forma de estudos que procuram aplicá-las em modalidades que fazem parte do universo da Educação Física relacionada aos esportes, como no ensino do voleibol9 e no ensino das lutas10. É possível encontrar também reflexões sobre o ensino desses conteúdos com relação aos esportes de aventura no ambiente escolar como corridas de orientação, trekking, entre outras11.
Sobre o preparo profissional, Dudeck & Moreira12 buscaram avaliar se o profissional de Educação Física, que atua como professor de Ensino Superior, possui conhecimento das dimensões do conteúdo. O estudo apontou que 91% dos entrevistados conheciam as três dimensões; isso indica que os instrutores de TR, por serem graduados em Educação Física, estudam as dimensões do conteúdo durante a sua formação. Mas quais seriam os conteúdos do ensino do TR classificados em cada uma dessas dimensões? Assim, se faz necessário que essa prática tenha seus elementos mapeados dentro das dimensões do conteúdo.
Neste contexto, o presente estudo teve por objetivo identificar se as dimensões de conteúdo são aplicadas pelos instrutores nas salas de TR. De forma específica, o presente estudo possui alguns objetivos, quais sejam: (a) identificar se as três dimensões do conteúdo (conceitual, procedimental e atitudinal) são utilizada pelos instrutores; (b) avaliar se existem lacunas no processo de ensino-aprendizagem do TR baseado nas dimensões do conteúdo e; (c) verificar se os instrutores divergem nas orientações entre uma situação real (atuação profissional prática na sala de TR da academia) e um ambiente simulado (sendo entrevistado, demonstrando sua atuação profissional ao pesquisador e respondendo às perguntas pertinentes ao domínio das dimensões do conteúdo relacionadas ao TR). Este estudo espera identificar uma maior atuação dos instrutores na dimensão procedimental em relação às dimensões conceitual e atitudinal.
Este trabalho visa contribuir com a pedagogia do TR, melhorando a qualidade das instruções, com base nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo.
MÉTODO
Este estudo é uma pesquisa de campo exploratória de natureza comparativa e descritiva. O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética (CAAE n. 55491216.2.0000.5387). A presente pesquisa também é de caráter simples-cego, que é caracterizada quando os indivíduos investigados no estudo não sabem exatamente ao que estão se submetendo13.
Para a realização do estudo, participaram 8 profissionais de Educação Física, atuando como instrutores de TR em 4 academias de duas cidades (de até 20.000 habitantes) da microrregião de Jaboticabal/SP. Os instrutores eram de ambos os sexos e obrigatoriamente graduados em Educação Física - bacharelado. Foram excluídos do estudo: (a) profissionais provisionados; (b) estagiários; (c) outras academias das cidades participantes que tinham como instrutores os mesmos indivíduos já selecionados para o presente estudo.
Após os procedimentos éticos, já com a autorização das academias, os participantes foram selecionados, os objetivos do estudo esclarecidos e os voluntários assinaram um Termo de Consentimento de Livre e Esclarecido.
Os voluntários foram avaliados em três etapas, assim denominadas: (1) observação, (2) simulação e (3) entrevista.
Na etapa de observação, os voluntários foram acompanhados em sua atuação profissional em um dia normal de trabalho. Nessa etapa, eles não tinham conhecimento de quais aspectos estavam sendo analisados. O pesquisador, por meio de um roteiro previamente elaborado, investigou a abordagem dos conteúdos, quais sejam: (a) na dimensão procedimental foi verificada a preocupação do profissional em relação à postura, amplitude articular, respiração e orientações sobre volume e intensidade; (b) na dimensão conceitual foi verificada a transmissão de conhecimentos sobre os grupos musculares treinados, as articulações acionadas, os riscos fisiológicos da respiração inadequada e o estágio do treinamento do aluno; (c) na dimensão atitudinal foi observado se o profissional ensinava valores como disciplina, priorização da saúde, higienização e organização do ambiente, e aspectos sobre sustentabilidade. Além das anotações na súmula, os componentes observados também foram gravados por voz utilizando o aplicativo Gravador de Voz Microsoft Corporation Versão 10.1507.7020.0 instalado num smartphone modelo Microsoft RM-1067, software Windows 10 Mobile.
Na etapa de simulação, os profissionais participaram de uma atividade prática, como em uma entrevista de emprego. Nela os voluntários deveriam atender a um aluno e ensinar a execução de um exercício com o maior volume de informações possíveis. Nessa etapa o avaliador investigou a abordagem dos conteúdos, similar ao que foi realizado na etapa de observação.
Após esses procedimentos, foi realizada a 3ª etapa, na qual houve uma entrevista. Nela foram obtidas informações como identificação dos instrutores, formação profissional e a quantidade de alunos orientados. Os profissionais também foram questionados sobre a orientação de seus alunos nas dimensões conceitual e procedimental; foi dada a possibilidade de justificar a resposta. Os instrutores também eram questionados se conheciam as respectivas dimensões dos conteúdos que poderiam ser ensinadas.
Ainda na etapa de entrevista foi realizada um dinâmica: o pesquisador falava uma série de palavras aleatórias, sendo que apenas algumas eram pertinentes à dimensão atitudinal do conteúdo. Os profissionais deveriam responder se o termo (palavra) poderia ou deveria ser aplicado no ensino do TR. Para cada palavra considerada correta, foram anotados 10 pontos, totalizando 100% de possibilidade de acerto para itens que dizem respeito à dimensão atitudinal. Após a dinâmica, eles também foram questionados se conheciam essa dimensão e se orientavam seus alunos com esses conteúdos.
A pesquisa, por ser de caráter predominantemente qualitativa, teve como metodologia a análise de conteúdo (AC). O método de AC possui a flexibilidade de qualificar os dados, mas também gerar indicadores quantitativos14. Os dados também foram analisados de forma descritiva e estão apresentados por frequência de ocorrência de casos (%).
RESULTADOS
Foram avaliados 8 participantes, com faixa etária entre 26 e 42 anos de idade, sendo a maioria do gênero masculino (n=5). Com relação à formação superior, apenas 25% possuíam as duas formações superiores em Educação Física (bacharelado e licenciatura); todos graduados em instituições privadas e em média há 4,5 anos; cada instrutor orientava em média 63 alunos. Nenhum participante soube dizer o que seria cada dimensão do conteúdo, apenas um profissional que possuía as duas formações superiores em Educação Física disse se lembrar do conteúdo, mas não se recordava o significado.
Dimensão procedimental
Com relação à dimensão procedimental, as intervenções ocorreram de forma oral e por meio de demonstrações. Quando os resultados obtidos entre as sessões de observação e simulação são comparados, verificou-se concordância para procedimentos como postura e variáveis do treinamento (volume e intensidade). Em relação ao conteúdo "Amplitude", alguns profissionais não relataram na entrevista essa abordagem. Quanto aos procedimentos em relação à respiração, na observação menos de 40% ensinaram sobre a respiração mais adequada; enquanto apenas metade deles ensinou na simulação. Quando questionados sobre qual seria a forma mais segura de executar a respiração durante o exercício, apenas um instrutor não se recordava de ter aprendido qual seria a técnica adequada, os demais responderam que seria inspirar na fase excêntrica e expirar na concêntrica (Tabela 1).
Dimensão conceitual
Com relação à dimensão conceitual, o ensino desses conteúdos parece ocorrer de forma oral e também por meio das fichas de treino. Ao comparar os resultados obtidos entre as sessões de observação e simulação, só há concordância nos resultados sobre os possíveis malefícios de uma respiração inadequada. O ensino desse conteúdo foi pouco observado na entrevista e não foi identificado na observação e na simulação. Já sobre orientar a respeito dos grupos musculares, articulações envolvidas no exercício e estágio do treinamento em que o aluno se encontra, foram identificadas orientações acima de 80% na simulação; porém, na observação as orientações foram bem menores, ficando abaixo dos 40%. Assim como ocorreu para a categoria referente à respiração, orientações sobre as articulações também foram inexistentes durante a observação. Quando analisados os dados da entrevista em relação à simulação para os conteúdos "grupos musculares" e "estágio do treinamento", a maioria realizou a orientação. Já na observação, o ensino desse conteúdo foi pouco identificado (Tabela 2).
Quando questionados, os instrutores disseram que orientações orais a respeito dos grupos musculares e do estágio do treinamento do aluno não seriam necessárias sempre. A justificativa foi de que essas orientações já existem na ficha de treino dos alunos. Dessa forma, foram solicitadas as fichas de cada academia para verificação dessa informação; foi constatado que todas apresentaram informações a respeito dos grupos musculares, mas apenas metade informava sobre o estágio do treinamento do aluno. Por fim, quando questionados se deveriam orientar a respeito das articulações envolvidas no exercício, a justificativa dos entrevistados foi de que esse conteúdo é irrelevante ao treino.
Dimensão atitudinal
A respeito da dimensão atitudinal, as poucas intervenções que ocorreram nas observações foram de forma oral, por meio de diálogos realizados entre instrutores e alunos. Os resultados da observação não concordam com as demais situações para nenhum dos conteúdos analisados. Por outro lado, a simulação e a entrevista apresentaram resultados similares para os conteúdos como "disciplina", "priorização da saúde" e "higienização e organização do ambiente". A maioria se mostrou consciente da importância dos itens atitudinais analisados. Já o ensino do conteúdo "sustentabilidade" foi pouco (ou nada) observado nas três situações analisadas (Tabela 3).
DISCUSSÃO
O presente estudo teve por objetivo identificar se as dimensões de conteúdo são aplicadas pelos instrutores nas salas de treinamento resistido (TR). Foi observado que os instrutores não conheciam as dimensões do ensino, o que gera o questionamento se esse conhecimento de extrema importância é ensinado no curso de bacharelado em Educação Física.
O estudo realizado por Dudeck & Moreira12 não informa se os profissionais de Educação Física que relataram conhecer as dimensões do ensino tiveram esse conhecimento na graduação. É possível questionar também se o comportamento dos profissionais poderia ser diferente, tendo uma atuação mais completa e eficiente caso eles tivessem clareza de cada uma das dimensões do conteúdo, ficando nesse ponto uma sugestão para um novo estudo.
A respeito das dimensões procedimentais e conceituais, os itens investigados estão diretamente conectados, ou seja, para a realização de um exercício físico os elementos respiração, postura, grupos musculares, articulações e amplitude de movimento fazem parte de um todo. Para realizar um exercício, o aluno deve se posicionar corretamente, ajustar seu corpo, e executar o exercício por meio de movimentos até determinadas amplitudes; assim, é possível exercitar a musculatura desejada sem esquecer-se de uma técnica adequada de respiração.
Para que todos esses passos sejam seguidos, faz-se necessário um ensino adequado que contemple todos os elementos citados. Enquanto os ajustes articulares posicionam o corpo para exercitar os músculos desejados, a amplitude de movimento é importante para potencializar os benefícios do exercício.
Segundo Fleck & Kraemer2, estudos apontam que execuções de movimento em amplitudes parciais limitam o ganho de força ao ângulo articular trabalhado, ou seja, para o desenvolvimento da força em toda a amplitude do movimento, a angulação articular deve ser a maior possível; essa informação qualifica a orientação dos profissionais quando instruem a respeito da amplitude do movimento.
Um dos instrutores deste estudo informou que teve a experiência de orientar um aluno sobre um exercício que envolvia a articulação do "ombro" e o praticante simplesmente não sabia onde ficava tal articulação; dessa forma, é possível refletir sobre educar o homem além de especificidades técnicas do exercício físico.
Com relação à respiração, Coelho & Coelho15 identificaram em seu estudo que, utilizando a técnica de respiração na qual se expira na fase concêntrica e inspira na fase excêntrica, ocorre uma menor influência sobre a pressão arterial sistólica (PAS); o contrário ou uma respiração bloqueada (manobra de Valsalva) produz aumento na PAS. Fleck & Kraemer2 reforçam esse risco da elevação da pressão arterial com a glote fechada. Em outro estudo, Moraes et al.16 comparam a influência do aumento da PAS entre inspirar na fase excêntrica, expirar na fase concêntrica e deixar a respiração ser realizada de forma livre, e foi identificado que quando a respiração fica a critério do aluno pode ocorrer manobra de Valsalva.
Com base nos estudos citados, verifica-se que a forma proposta pelos instrutores do presente estudo, inspirar na fase excêntrica e expirar na concêntrica, traz segurança a seus alunos, porém a atuação quanto à respiração está falha por ter pouca intervenção, podendo trazer riscos à saúde do praticante, principalmente se o aluno for hipertenso.
A literatura traz pareceres e orientações que sugerem o TR para pessoas com e sem problemas cardiovasculares, já que nessa modalidade a sobrecarga cardiovascular (FC x PAS) é menor se comparada a exercícios contínuos17, porém a técnica de respiração é procedimento fundamental nesse contexto. É de se esperar que, com a conscientização dos riscos, os praticantes respeitem a adequada técnica de respiração.
Se o movimento é bem executado, respeitando as técnicas do exercício e as variáveis do treinamento, os benefícios tendem a ser potencializados e com isso o praticante poderá evoluir na modalidade. As variáveis do treinamento (volume e intensidade), segundo Fleck & Kraemer2, são necessárias para variação de estímulos planejados no treinamento, variação esta que recebe o nome de periodização. No treinamento de força a intensidade é caracterizada pela quantidade de peso levantado ou a resistência imposta pelo exercício, já o volume é definido como a quantidade de trabalho realizado numa sessão, que pode ser expresso como a multiplicação das séries, repetições e peso2,18.
Assim, propõe-se aos instrutores em suas metodologias de trabalho uma sequência de orientações, quais sejam: posição do corpo com adequado ajuste articular, técnica adequada de respiração, amplitude articular adequada e, também, conscientização do aluno sobre o estágio de treinamento que ele se encontra (iniciante, por exemplo). Dessa forma, os exercícios serão realizados de forma mais segura e os benefícios serão potencializados.
As explicações de todos os elementos aqui discutidos trarão uma maior consciência corporal aos praticantes e possivelmente manterão os alunos mais disciplinados aos exercícios aplicados. Se um aluno sabe que a postura e a amplitude comprometem o trabalho muscular e a qualidade dos benefícios, a tendência é que ele siga as orientações para a realização do exercício e assim possa evoluir em seu estágio de treinamento.
Sobre os itens atitudinais, foi possível identificar que orientações a respeito de higienização dos equipamentos após o uso se fazem predominantemente na forma de cartazes, seguindo orientações da Vigilância Sanitária19, porém seria desejável que essa orientação também fosse trabalhada com a finalidade de desenvolver valores de respeito ao próximo e não somente para seguir uma recomendação de saúde pública.
Orientações sobre organização dos equipamentos também foram realizadas em forma de cartazes e os instrutores justificaram que a maioria dos alunos não recebia bem essa informação, quando a mesma era passada de forma direta. Esse achado desperta para uma oportunidade de ensinar a dimensão conceitual, mas especificamente o respeito ao próximo.
A respeito de ensinar valores como disciplina e determinação, o presente estudo entende que são conteúdos mais uma vez conectados com outros itens já discutidos. Sem eles, a frequência à prática e à qualidade do treino poderão sofrer prejuízo e assim o aluno provavelmente não conseguirá evoluir em seu estágio de treinamento; isso normalmente gera desmotivação.
A maioria dos instrutores entrevistados justificaram que, no ensino da dimensão atitudinal, orientar a respeito da priorização da saúde se faz necessário para que os praticantes possam ter uma melhor qualidade de vida. Porém, é preciso refletir que a percepção de qualidade de vida de cada um é subjetiva e multifatorial, sendo um assunto complexo20. Enquanto, para um indivíduo, exercício físico pode caracterizar um aspecto de qualidade de vida, para outro pode não ser uma verdade.
Mas o que poderia direta ou indiretamente não promover saúde em um indivíduo praticante de exercícios físicos? Um elemento que poderia desviar os praticantes de TR da priorização da saúde seria o uso descontrolado de esteroides anabolizantes. Iriart & Andrade21 informam a respeito de possíveis danos que o uso não controlado de esteroides pode trazer ao indivíduo, efeitos como atrofia dos testículos, hipertensão arterial, entre outros. Os autores concluíram que faltam ações destinadas à prevenção do abuso na utilização de esteroides anabolizantes aos adeptos do TR. Assim, as academias poderiam praticar ações de informação e orientações sobre os riscos do uso de esteroides anabólicos, assim como recomenda a Vigilância Sanitária19.
A respeito da sustentabilidade, a humanidade vem explorando as riquezas naturais de forma rápida e agressiva, além de fazer a distribuição da produção de forma injusta e desigual, gerando uma insustentabilidade ambiental e social22. Assim, vale a reflexão e conscientização sobre consumo e sustentabilidade em todos os ambientes cabíveis, e a academia também pode e deve fazer parte desse trabalho. O aluno que reside próximo ao local em que treina não precisa ir de carro ou moto, pode ir a pé, deixando de poluir e gerando um menor desgaste ao seu veículo e as ruas em que fará o trajeto.
Ainda sobre o conteúdo sustentabilidade, os praticantes de TR também não precisam de roupas, tênis ou acessórios em excesso; consumir apenas o necessário contribui para que não ocorra exploração de recursos naturais em larga escala. Muitas ações podem e devem ser realizadas para incorporar hábitos que possam reverter ao menos em parte as consequências do uso não sustentável dos recursos naturais do planeta. Algumas se enquadram perfeitamente no ambiente da academia como: (a) evitar banhos prolongados; (b) desligar o chuveiro enquanto estiver se ensaboando; (c) evitar acender lâmpadas durante o dia; (d) utilizar no máximo duas toalhas de papel para enxugar as mãos; (e) ter um recipiente individual para hidratação23.
O presente estudo inovou em identificar o ensino das dimensões dos conteúdos no ambiente da academia, mais especificamente no processo de ensino-aprendizagem da musculação. Mesmo assim, os resultados devem ser ponderados diante de alguns fatores que limitam a extrapolação dos resultados, quais sejam esses fatores: (a) foi realizado em apenas duas cidades da microrregião de Jaboticabal/SP e os resultados apresentados podem não representar necessariamente a microrregião como um todo; (b) o estudo foi realizado em cidades de pequeno porte (até 20.000 habitantes), pode ser que em cidades maiores os resultados também sejam diferentes.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir que a dimensão procedimental do conteúdo é trabalhada mais intensamente pelos instrutores de TR se comparada à dimensão conceitual; já a dimensão atitudinal praticamente não é abordada. Assim, encontramos lacunas no processo de ensino-aprendizagem, principalmente nas dimensões conceitual e atitudinal, o que demonstra que é preciso mais comprometimento dos profissionais na atuação referente a essas dimensões do conteúdo. É sugerido que sejam incorporados no processo de ensino dos profissionais todos os itens investigados em cada dimensão, uma vez que se conectam, qualificam a atuação profissional e contribuem para a segurança e eficiência da prática do TR. Também verificamos que o ambiente influencia a atuação profissional, os instrutores têm conhecimentos que nem sempre são repassados aos alunos.
REFERÊNCIAS
1. Barbanti V. O que é Educação Física. Texto educativo; 2009 [acesso 2015 Out 4]. Disponível em: http://sistemas.eeferp.usp.br/myron/arquivos/7844237/f69f785646bbeb7d87a2a77be4249ed6.pdf [ Links ]
2. Fleck SJ, Kraemer WJ. Fundamentos do Treinamento de Força Muscular. Porto Alegre: Artmed; 2006. [ Links ]
3. Lima CS, Pinto RS. Cinesiologia e Musculação. Porto Alegre: Artmed; 2006. [ Links ]
4. Aaberg E. Conceitos e Técnicas para o Treinamento Resistido. Barueri: Manole; 2002. [ Links ]
5. Coll C, Pozo JI, Sarabia B, Valls E. Os Conteúdos na Reforma: Ensino e Aprendizagem de Conceitos, Procedimentos e Atitudes. Porto Alegre: Artmed; 1998. [ Links ]
6. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF; 1998. [ Links ]
7. Maldonado DT, Bocchini D, Barreto A, Rodrigues GM. As dimensões atitudinais e conceituais dos conteúdos na educação física escolar. Pensar Prát. 2014;17(2):546-59. [ Links ]
8. Lima ML, Correia I. Atitudes: medida, estrutura e funções. In: Vala J, Monteiro MB. Psicologia Social. 9ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 2013. [ Links ]
9. Barroso ALR, Darido SC. Voleibol escolar: uma proposta de ensino nas dimensões conceitual, procedimental, e atitudinal do conteúdo. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2010;24(2):179-94. [ Links ]
10. Rufino LGB, Darido SC. Pedagogia do esporte e das lutas: em busca de aproximações. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26(2):283-300. [ Links ]
11. Franco LCP. Atividades Físicas de Aventura na Escola: uma proposta pedagógica nas três dimensões do conteúdo [dissertação]. Rio Claro (SP): Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Instituto de Biociências; 2008. [ Links ]
12. Dudeck TS, Moreira EC. As dimensões de conteúdo e a Educação Física: Conhecimentos dos Professores de Ensino Superior. Pensar Prát. 2011;14(2):1-14. [ Links ]
13. Reis FB, Cioconelli RM, Faloppa F. Pesquisa científica: a importância da metodologia. Rev Bras Ortop. 2002;37(3):51-5. [ Links ]
14. Cavalcanti RB, Calixto P, Pinheiro MMK. Análise de Conteúdo: considerações gerais, relações com a pergunta de pesquisa, possibilidades e limitações do método. Inf Soc Estud. 2014;24(1):13-8. [ Links ]
15. Coelho RW, Coelho YB. Estudo comparativo dos diferentes tipos de respiração na musculação. Treinam Desportivo. 1999;4(1):8-13. [ Links ]
16. Moraes JF, Fernandes DA, Silva AR, Figueiredo T, Simão R, Miranda H. Respostas cardiovasculares agudas ao treinamento de força utilizando diferentes padrões de respiração. Rev SOCERJ. 2009;22(4):219-24. [ Links ]
17. Polito MD, Farinatti PTV. Resposta de frequência cardíaca, pressão arterial e duplo produto ao exercício contra-resistência: uma revisão de literatura. Rev Port Ciênc Desporto. 2003;3(1):79-91. [ Links ]
18. Prestes J, Foschini D, Marchetti P, Charro MA. Prescrição e Periodização do treinamento de força em academias. Barueri: Manole; 2010. [ Links ]
19. Brasil. Ministério da Saúde. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual de orientações para fiscalização sanitária em estabelecimentos prestadores de atividade física e afins. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [ Links ]
20. Santos ALP, Simões AC. Educação Física e Qualidade de Vida: reflexões e perspectivas. Saude Soc. 2012;21(1):181-92. [ Links ]
21. Iriart JAB, Andrade TM. Musculação, uso de esteroides anabolizantes e percepção de risco entre jovens fisiculturistas de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(5):1379-87. [ Links ]
22. Portilho F. Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania. São Paulo: Cortez Editora; 2005. [ Links ]
23. UNIFACS - Universidade Salvador. Consumo consciente: recomendações para o seu dia-a-dia. Salvador; 2006 [acesso 2016 Maio 12]. Disponível em: http://engajamentocidadao.unifacs.br/docs/Cartilha/cartilha_consumo_consciente.pdf [ Links ]
Endereço para correspondência:
Patrício Emílio Marin
Rua Dois, nº 335 - Centro
Ibitiúva, SP, Brasil - CEP 14760-000
E-mail: patricioemarin@hotmail.com
Artigo recebido: 25/11/2018
Aprovado: 17/1/2019
Trabalho realizado no Centro Universitário UNIFAFIBE, Bebedouro, SP, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.