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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.119 São Paulo maio/ago. 2022

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220014 

ARTIGO ESPECIAL

 

Português e Libras: Processamento cognitivo via ouvido, olho e mão

 

Portuguese and Libras cognitive processing via ear, eye, and hand

 

 

Fernando César CapovillaI; Cibele CecconiII

IProfessor Titular do Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP); Membro do Conselho Nacional de Educação, São Paulo, SP, Brasil
IIGraduada em Fonoaudiologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; pós-graduação Lato Sensu em Educação e Reabilitação de Surdos pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas; Mestre em Ciências pelo Programa de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Fonoaudióloga clínica, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo original apresenta introdução à análise sistemática alternativa de algumas das principais áreas de estudo do processamento de linguagem no surdo, cego, e surdocego brasileiros típicos, comparados com ouvintes e videntes brasileiros típicos. Usa terminologia baseada na combinação de lexemas gregos, como nos termos Otolalia, Optolalia, e Haptolalia, baseados nos lexemas -lalia (fala, e.g., alalia, bradilalia, dislalia, ecolalia, glossolalia, paralalia, e taquilalia), oto- (audição ou audível, e.g., otologia), opto- (visão ou visível, e.g., optometria), hapto-, hapsi-, haptic-, ou -apse (toque ou tangível, e.g., haptofobia, haptotropismo, sinapse e quirapsia, i.e. toque manual, como ao sentir a vibração da narina e laringe do interlocutor). Fonologia (Otolalia), Optolalia, e Haptolalia estudam padrões lalêmicos típicos do Português falado percebido por audição, leitura orofacial visual, leitura orofacial tátil, respectivamente (fonemas-otolalemas, optolalemas, haptolalemas, respectivamente). Sematosia estuda a estrutura sematosêmica (forma de mão, local, movimento, expressão facial) típica da Libras. Grafia estuda padrões de distribuição grafêmicos, típicos do Português escrito. Fonologia (Otolalia), Optolalia, e Haptolalia estudam padrões de escrita típicos do Português falado percebido por audição, leitura orofacial visual e tátil, respectivamente. Grafofonia (Grafotolalia) e Grafoptolalia estudam padrões de leitura do Português escrito, tipicamente apresentados por brasileiros ouvintes e surdos, respectivamente. Lexicologia estuda vocabulário do Português e sinalário da Libras. Lexicografia os documenta em dicionários. O artigo sumaria achados de estudos sobre: (1) processamento cognitivo do Português falado percebido por audição, visão e tato; (2) paragrafias típicas do surdo, cego, surdocego, em comparação com brasileiros típicos ouvintes e videntes; (3) processamento cognitivo de Libras percebida por visão e toque. O artigo almeja promover colaboração entre profissionais e pesquisadores em linguística aplicada, psicolinguística cognitiva, neuropsicolinguística, psicopedagogia, fonoaudiologia, educação especial e inclusiva, e reabilitação da linguagem.

Unitermos: Leitura. Escrita. Português. Libras. Leitura Orofacial.


SUMMARY

This original paper presents an introduction to an alternative systematic analysis of some of the main areas of language processing in the Brazilian deaf, blind, and deafblind, as compared to the typical hearing and seeing Brazilian individuals. The paper uses a terminology based on the combination of Greek lexemes. For instance, the terms Otolalia, Optolalia, and Haptolalia, based on the lexemes -lalia (speech, as in alalia, bradylalia, dyslalia, echolalia, glossolalia, paralalia, and tachylalia), oto- (audition or audible, as in otology), opto- (vision or visible, as in optometry), hapto-, haptic-, or -apsis (touch or tangible, as in haptophobia, synapsis and cheirapsis). Phonology (Otolalia), Optolalia, and Haptolalia study lalemic (speech) patterns that are typical of spoken Portuguese when perceived via audition, visual speechreading, and tactile speechreading, respectively (phonemes-otolalemes, optolalemes, haptolalemes, respectively). Sematosia studies the sematosemic structure (handshapes, hand placement, hand movement, facial expressions) typical of Libras signs. Graphia studies the graphemic distribution patterns typical of written Portuguese. Fonographia (Otolalographia), Optolalographia, and Haptolalographia study the typical writing patterns of spoken Portuguese when perceived via audition, visual speechreading, and tactile speechreading, respectively. Graphofonia (Graphotolalia) and Graphoptolalia study the reading patterns of written Portuguese that are typically presented by the Brazilian hearing and deaf, respectively. Lexicology studies Portuguese vocabulary and Libras sign vocabulary. Lexicography documents those lexicons in dictionaries. The paper summarizes findings from studies on: (1) Cognitive processing of spoken Portuguese perceived via audition, vision, and touch; (2) Misspellings typical of the Brazilian deaf, blind, deafblind, in comparison with typical Brazilian hearing and seeing individuals; (3) Cognitive processing of Libras perceived via vision and touch. It aims at fostering collaboration among Brazilian practitioners, teachers and researchers in applied linguistics, cognitive developmental psychology, special education, speech-language pathology, and psychopedagogy.

Keywords: Reading. Spelling. Portuguese. Libras. Speechreading.


 

 

Introdução

Este artigo seminal apresenta proposta de conceituação sistemática de algumas áreas de estudo de língua e linguagem em ouvintes videntes, ouvintes cegos, surdos videntes, e surdocegos. A terminologia proposta aqui segue a taxonomia matricial derivada da combinação de radicais gregos. Por exemplo, os termos Otolalia, Optolalia, e Haptolalia, com base no lexema -lalia (fala, e.g., alalia, bradilalia, dislalia, ecolalia, glossolalia, paralalia, taquilalia), e nos lexemas oto- (audição ou audível, e.g., otologia), opto- (visão ou visível, como em optometria), e hapto-, hapsi-, haptic-, ou -apse (tato ou tactível ou tocável como em haptofobia, haptotropismo, sinapse e quirapsia). As áreas de Fonologia ou Otolalia, de Optolalia, e de Haptolalia estudam os padrões típicos do Português falado que são percebidos quando o Português falado é recebido por audição (fonemas-otolalemas), por leitura orofacial visual (optolalemas), e por leitura orofacial quando o Português falado é recebido por audição (fonemas-otolalemas), por leitura orofacial visual (optolalemas), e por leitura orofacial tátil (haptolalemas), respectivamente. Assim, a Fonologia (ou Otolalia) estuda os padrões de fonemas-otolalemas do Português falado recebido por audição. A Optolalia estuda os padrões de optolalemas do Português falado recebido por leitura orofacial visual. A Haptolalia estuda os padrões de haptolalemas do Português falado recebido por leitura orofacial tátil. A Sematosia estuda a estrutura dos Sematosemas característicos da Libras (formas de mão, local de mão, movimento de mão, expressão facial). A Grafia estuda os padrões de distribuição típicos dos grafemas no Português escrito. A Fonografia ou Otolalografia, a Optolalografia, e a Haptolalografia estudam os padrões de escrita típicos do Português falado recebido por audição, e leitura orofacial, visual e tátil, respectivamente. Assim, a Fonografia (ou Otolalografia) estuda os padrões de escrita do Português falado recebido por audição. A Optolalografia estuda os padrões de escrita do Português falado recebido por visão. A Haptolalografia estuda os padrões de escrita do Português falado recebido por tato. A Grafofonia-Grafotolalia e Grafoptolalia estudam os padrões de leitura típicos do Português escrito pelo ouvinte e surdo, respectivamente. A Lexicologia estuda, e a Lexicografia documenta, o vocabulário do Português e o sinalário da Libras. Ainda incluídas estão Fonética, Morfologia, Sintaxe, Terminologia, e Taxonomia.

O artigo sumaria brevemente alguns estudos em processamento cognitivo da linguagem (oral-aural, escrita e de sinais) relacionado às propriedades da Língua Portuguesa (Falada e Escrita) e da Libras, seus diversos aspectos (e.g., vocabulário-sinalário, lalia-sematosemia, decifragem), e modalidades sensoriais (audição, visão, tato) e para crianças (videntes e ouvintes, surdas videntes, cegas ouvintes, e surdocegas) nas áreas mencionadas. Esses estudos propõem mapear e explicar as dificuldades de compreensão da linguagem recebida por audição, visão ou tato, bem como os erros de escrita cometidos durante o ditado recebido por audição, visão ou tato. O artigo almeja contribuir para aumentar a colaboração entre profissionais e pesquisadores em linguística aplicada, psicolinguística cognitiva, neuropsicolinguística, psicopedagogia, fonoaudiologia, educação especial e inclusiva, e clínica de reabilitação da linguagem.

As seções a seguir descrevem brevemente cada uma dessas áreas, juntamente com alguns achados e referências pertinentes a cada uma delas.

 

Léxico e sinalário

A Lexicologia estuda o conjunto das palavras ou sinais de uma língua falada ou de sinais. Um estudo sobre lexicologia e metalexicologia da Libras pode ser encontrado em Capovilla et al. (Capovilla & Martins, 2019; Capovilla et al., 2018; Capovilla & Mauricio et al., 2012; Martins & Capovilla, 2017, 2018; Martins et al., 2016). A Lexicografia documenta os itens lexicais (palavras ou sinais), definindo seu significado, classificando-os gramaticalmente, explicando e ilustrando seus diversos sentidos e usos, de modo a compor dicionários, e sinalários, e enciclopédias de palavras e de sinais. Uma lexicografia compreensiva e sistemática da Libras pode ser encontrada nos três dicionários da Libras: Deit-Libras (Capovilla & Raphael, 2008a, 2008b), Novo Deit-Libras (Capovilla et al., 2015a, 2015b), e Dicionário da Língua de Sinais do Brasil (Capovilla et al., 2017a, 2017b, 2017c); e nos oito volumes da Enciclopédia de Libras (Capovilla & Raphael, 2004a, 2004b, 2005a, 2005b, 2005c, 2018b, 2019a, 2019b), bem como na Cartilha de Libras em Medicina e Saúde (Capovilla & Raphael, 2018a).

Para os ouvintes, o Léxico ou Vocabulário consiste no conjunto de palavras de que se compõe uma dada língua falada e escrita. Esse conjunto encontra-se organizado em dicionários (do Latim dicio: dicção; e ário: repositório) impressos. Já para os surdos sinalizantes, o Sinalário consiste no conjunto de sinais de que se compõe uma dada língua de sinais. Esse conjunto encontra-se organizado em sinalários (do Latim signum: sinal; e ário: repositório) impressos, como os de Capovilla e Raphael (2008a, 2008b) e Capovilla et al. (2015a, 2015b).

O Vocabulário e o Sinalário podem ser receptivos ou expressivos. Quanto maior o vocabulário receptivo auditivo na primeira infância, tal como avaliado pelo Teste de Vocabulário Receptivo normatizado para crianças dos 18 meses aos 6 anos de idade (Capovilla et al., 2011) e no Ensino Fundamental, tal como avaliado pelo Teste de Vocabulário por Figuras USP normatizado para crianças dos 6 aos 10 anos de idade (Capovilla, 2011c), ou pelo Teste de Vocabulário por Imagens Peabody normatizado para crianças dos 2 aos 14 anos de idade (Dunn et al., 1986a, 1986b; Capovilla & Capovilla, 1997; Capovilla, Capovilla, Nunes et al., 1997; Capovilla, Nunes & Araújo et al., 1997; Capovilla, Nunes & Nogueira et al., 1997; Capovilla, Nunes & Nunes et al., 1997; Ferracini et al, 2006), tanto mais fácil a alfabetização, tal como avaliado pelo Teste de Competência de Leitura de Palavras e Não Palavras, normatizado e validado para crianças ouvintes e surdas dos 6 aos 14 anos de idade (TCLPN normatizado para surdos: Capovilla et al., 2004; TCLPN normatizado para ouvintes: Seabra & Capovilla, 2010), e maior a compreensão de textos, tal como avaliada pelo Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças (TCLS: Capovilla et al., 2005), por esses alunos ouvintes.

Quanto maior o sinalário receptivo visual de alunos surdos videntes, avaliado na primeira infância e no Ensino Fundamental pelo Teste de Vocabulário Receptivo de Sinais da Libras (TVRSL: Capovilla, Viggiano & Capovilla et al., 2004), tanto mais fácil a alfabetização dessas crianças surdas, tal como avaliado pelo Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras, normatizado e validado para crianças ouvintes e surdas dos 6 aos 14 anos de idade (TCLPP: Seabra & Capovilla, 2010), maior a compreensão de textos por esses alunos surdos, tal como avaliada pelo Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças (TCLS: Capovilla & Macedo et al., 2006; TCLS: Capovilla, Viggiano & Capovilla et al., 2005), normatizado e validado para crianças surdas dos 6 aos 14 anos de idade, e melhor a escrita com significado dessas crianças surdas dos 6 aos 14 anos de idade, tal como avaliado pelo Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (Capovilla, no prelo; Lukasova et al., 2005).

Quanto maior o vocabulário expressivo de fala na primeira infância e no Ensino Fundamental, tal como avaliado pelo Teste de Vocabulário Expressivo, normatizado e validado para crianças dos 18 meses aos 6 anos de idade (Capovilla & Negrão et al. 2011), bem como pelo Inventário de Vocabulário Expressivo, normatizado e validado dos 2 aos 6 anos de idade (LAVE: Capovilla & Capovilla, 1997), tanto mais fácil a alfabetização e maior a qualidade da escrita de textos com sentido por esses alunos ouvintes, tal como avaliado pelo Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (Macedo et al., 2005).

 

Fonologia (ou otolalia)

A Fonologia (ou Otolalia) estuda os padrões dos sons básicos (fonemas ou otolalemas) de uma língua falada. A Otolalia estuda a fala audível, as propriedades da fala recebida por audição, ou seja, as unidades mínimas da fala audível (otolalemas ou fonemas). Em sua taxonomia da Otolalêmica ou Fonêmica do Português falado, Capovilla (no prelo) identificou todos os otolalemas ou fonemas com respectiva incidência decrescente na Língua Portuguesa. Esses otolalemas, do mais prevalente ao mais raro no Português falado são os seguintes: [\a\], [\i\], [\o\], [\ɾ\], [\e\], [\t\], [\s\], [\k\], [\ɪ\], [\ʊ\], [\m\], [\d\], [\l\], [\p\], [\n\], [\ɐ\], [\z\], [\ɹ\], [\h\], [\f\], [\b\], [\u\], [\g\], [\v\], [\ẽ\], [\tʲ\], [\tʃ\], [\dʲ\], [\dʒ\], [\ɔ\], [\ʒ\], [\ĩ\], [\ɐ̃\], [\ɛ\], [\ř\], [\jo\], [\aw\], [\õ\], [\ju\], [\ej\], [\ʃ\], [\ʎ\], [\ja\], [\ɐ̃w̃\], [\ew\], [\ɲ\], [\ũ\], [\wa\], [\ow\], [\ɪw\], [\ks\], [\ɔj\], [\uw\], [\aj\], [\jɐ\], [\ẽj\], [\oj\], [\uj\], [\je\], [\wi\], [\iw\], [\ɛj\], [\ɛw\], [\wo\], [\ɔw\], [\wẽ\], [\we\], [\jũ\], [\jɐ̃\], [\wɐ̃\], [\wĩ\], [\ɐ̃j̃\], [\õj\], [\jɔ\], [\ẽj̃\], [\wɐ\], [\wɪ\], [\wʊ\], [\ɐj\], [\wɛ\], [\jɛ\], [\gz\], [\ʊw\], [\waw\], [\wɔ\], [\ij\], [\waj\], [\ɐ̃w\], [\õj̃\], [\jaw\], [\ts\], [\ũj̃\], [\aː\], [\jõ\], [\wej\], [\wɐ̃w̃\], [\wẽj̃\], [\wɔj\], [\wew\], [\wɛj\], [\wiw\], [\wjo\], [\wju\], [\wow\]. Erros de discriminação auditiva de otolalemas são chamados de paracusia otolálica. Esse estudo permite determinar o escopo de cobertura dos fonemas do Português por qualquer instrumento de avaliação ou método de ensino de discriminação fonêmica do Português ouvido. Permite também calibrar os instrumentos de avaliação da discriminação fonêmica, bem como os procedimentos de intervenção de treino de discriminação conforme a prevalência relativa de cada fonema no Português ouvido. Isso assegura que esses instrumentos sejam não só compreensivos, como também, devidamente representativos da estratificação dos fonemas do Português ouvido. Na área de Otolalia, a compreensão do Português falado e recebido por audição foi estudada por Capovilla (2021b). Quando a dependência desse processamento auditivo é exclusiva, como no caso de naticegos, essa área mostra toda a sua relevância. O estudo da discriminabilidade auditiva entre os otolalemas é também importante para compreender os erros de fala de crianças com perda auditiva. Por exemplo, a tendência dessas crianças a ensurdecer ou desvozear a pronúncia das consoantes vozeadas pode ser relacionada ao fato de que as consoantes vozeadas são menos audíveis que as desvozeadas por serem levemente menos intensas e mais agudas que suas respectivas consoantes desvozeadas.

A área de Otolalia mapeia o grau de discriminabilidade auditiva entre os lalemas. Ela também é importante como entrada para a área de Otolalografia, que mapeia o grau de cifrabilidade dos lalemas ouvidos. O estudo da Otolalia permite descobrir quais são os principais desafios para a aquisição, desenvolvimento, e o sucesso da habilidade de discriminar entre os lalemas ouvidos para a compreensão auditiva da língua falada. Esses estudos de Otolalia têm apontado a homofonia entre lalemas como principal desafio para a compreensão auditiva. Esses estudos têm levantado os tipos de pares de lalemas que podem padecer desse problema de homofonia. Uma das estratégias consiste no estudo dos erros de escrita apresentados por crianças naticegas, nos tipos de lalemas que elas têm mais dificuldade em aprender a cifrar, e naqueles que elas mais tendem a confundir uns com os outros. Por exemplo, Mills (1987) descobriu que crianças naticegas tendem a ter mais problemas que as natividentes em discriminar entre os otolalemas [\m\] e [\n\] e em aprender a escrevê-los sob ditado, sem confusão. Como as crianças naticegas dependem exclusivamente da audição e não podem se beneficiar da heteroscopia entre os lalemas, espera-se que sua habilidade de discriminação entre lalemas possa vir a ser menor que a das crianças videntes sempre que estas puderem usar a heteroscopia entre os lalemas como vantagem. Neste modelo, a semi-homofonia entre lalemas como [\m\] e [\n\] só se constitui num problema para os naticegos porque estes, diferentemente dos videntes, não podem usar a heteroscopia como estratégia de compensação para discriminação. Portanto, como estratégia para estudar a homofonia entre otolalemas, sugere-se comparar escrita por cifragem da fala nas crianças (naticegas versus natividentes) durante a cifragem sob ditado de lalemas. Ou seja, entre lalemas só visíveis (optolalemas homoscópicos como {\f\} e {\v\}; {\p\} e {\b\} e {\m\}; {\t\} e {\d\} e {\n\}; {\s\} e {\z\}; {\ʃ\} e {\ʒ\}; {\k\} e {\g\}) versus lalemas só audíveis (otolalemas homófonos como [\m\] e [\n\]) versus lalemas audíveis e visíveis, conjuntamente. Só os videntes, mas não os cegos, poderão distinguir entre os lalemas \m\ e \n\. Só os ouvintes, mas não os surdos, poderão distinguir entre os lalemas \f\ e \v\; entre \p\ e \b\ e \m\; entre \t\ e \d\ e \n\; entre \s\ e \z\; entre \ʃ\ e \ʒ\; e entre \k\ e \g\. Discriminar entre lalemas com discriminabilidade visual variada: baixa versus alta. É baixa a discriminabilidade visual entre lalemas consonantais vozeados e desvozeados. Por exemplo, entre {\f\} e {\v\}; {\p\} e {\b\} e {\m\}; {\t\} e {\d\} e {\n\}; {\s\} e {\z\}; {\ʃ\} e {\ʒ\}; {\k\} e {\g\}. Mas é alta a discriminabilidade visual entre lalemas com ponto de articulação contrastante. Por exemplo, entre o bilabial {\m\} e o labiodental {\n\}. É baixa a discriminabilidade visual entre lalemas vocálicos nasais e orais. Por exemplo, entre orais {\a\} e {\ɐ\} versus nasal {\ɐ̃\}; orais {\i\} e {\ɪ\} versus nasal {\ĩ\}; oral {\o\} versus nasal {\õ\}; oral {\e\} versus nasal {\ẽ\}; orais {\u\} e {\ʊ\} versus nasal {\ũ\}. Mas é alta a discriminabilidade visual entre lalemas vocálicos orais distintos, como entre {\a\}, {\ɛ\}, {\e\}, {\i\}, {\ɔ\}, {\o\}, e {\u\}. Capovilla e Capovilla (2001) descobriram que crianças ouvintes disléxicas, em relação às normoléxicas, apresentam menor habilidade de discriminação fonêmica, menor velocidade de processamento fonológico, e menor amplitude de memória fonológica. A discriminação fonêmica melhora quando é reduzida a pressão por discriminar rápido ou por se lembrar do fonema que se ouviu.

 

Optolalia

A Optolalia estuda a fala visível, as propriedades da fala recebida por visão, mais propriamente, as unidades mínimas da fala visível (optolalemas). Capovilla e Cecconi (no prelo) mapearam a estrutura optolalêmica do Português, identificando 51 optolalemas, sendo 12 consonantais, 7 vocálicos, 24 ditongos e 8 tritongos. Esses 51 conjuntos de optolalemas homoscópicos indistinguíveis à visão, ou semi-homoscópicos quase indistinguíveis à visão, são os seguintes:

Consoantes: {\f\=\v\}; {\p\=\b\=\m\}; {\t\=\tʲ\=\d\=\dʲ\=\n\}; {\l\=\ɾ\=\ ř\}; {\s\=\z\}; {\ts\}; {\tʃ\=\dʒ\}; {\ʃ\=\ʒ\}; {\ʎ\=\ɲ\}; {\ks\=\gz\}; {\ɹ\=\h\}; {\k\=\g\};

Vogais: {\a\=\ɐ\=\ɐ̃\=\aː\}; {\ɔ\}; {\o\=\õ\}; {\u\=\ũ\=\ʊ\}; {\ɛ\}; {\i\=\ɪ\=\ĩ\}; {\e\=\ẽ\};

Ditongos: {\aw\=\ɐ̃w\=\ɐ̃w̃\}; {\wa\=\wɐ\=\wɐ̃\}; {\wɔ\}; {\ow\=\ɔw\}; {\wo\}; {\uw\=\ʊw\}; {\wʊ\}; {\aj\=\ɐ̃j̃\}; {\ja\=\jɐ\=\jɐ̃\}; {\iw\=\ɪw\}; {\jo\=\jõ\}; {\ju\=\jũ\}; {\oj\=\ɔj\=\õj\}; {\uj\=\ũj̃\}; {\wɛ\}; {\wi\=\wɪ\=\wĩ\}; {\ew\=\ɛw\}; {\jɛ\}; {\jɔ\}; {\ij\}; {\we\=\wẽ\}; {\je\}; {\ej\=\ɛj\=\ẽj\=\ẽj̃\}; {\ jũ\};

Tritongos: {\waw\=\wɐ̃w̃\}; {\wow\}; {\jaw\}; {\waj\}; {\wjo\=\wju\=\wiw\}; {\wɔj\}; {\wej\=\wẽj̃\=\wɛj\}; {\wew\}.

Erros de discriminação visual de optolalemas são chamados de parascopias optolálicas. Na classificação taxonômica acima descrita, não há confusão entre os conjuntos optolálicos homoscópicos, mas apenas entre os optolalemas no interior de cada conjunto. Esses estudos permitem mapear o grau de legibilidade orofacial visual das unidades mínimas da fala visível que são empregadas por surdos videntes para compreender a fala por visão. Um mapeamento preliminar do grau de legibilidade orofacial visual das unidades mínimas da fala visível no Português falado, juntamente com demonstração de sua validade, pode ser encontrado em Capovilla et al. (Capovilla, no prelo; Capovilla & De Martino et al., 2009; Capovilla & Sousa-Sousa et al., 2008, 2009). O estudo da Optolalia permite descobrir quais são os principais desafios para a aquisição, desenvolvimento, e sucesso da habilidade de leitura orofacial visual do Português falado. Esses estudos de Optolalia têm apontado a homoscopia entre lalemas como principal desafio para a leitura orofacial visual do Português, têm mapeado os tipos de pares de lalemas que padecem do problema dessa homoscopia, e têm proposto estratégias objetivas para conseguir levar surdos videntes a distinguir entre esses lalemas homoscópicos na tarefa cotidiana de compreender o Português falado por meio de leitura orofacial visual bem sucedida. Os estudos dedicados ao mapeamento da homoscopia em vogais e ditongos têm identificado o traço de nasalidade como o mais difícil de discriminar. Para distinguir entre lalemas vocálicos, o principal problema está em distinguir entre vogais nasais e orais, entre ditongos nasais e orais, e entre ditongos consonantais e vogais orais. Já os estudos dedicados ao mapeamento da homoscopia em consoantes têm identificado o traço de vozeamento como o mais difícil de discriminar. Para distinguir entre lalemas consonantais vozeados, o principal problema está em distinguir entre consoantes vozeadas e desvozeadas. Na área de Optolalia, a compreensão do Português falado e recebido por audição, visão e tato foi estudada por Capovilla (2021b).

 

Haptolalia

A Haptolalia estuda a fala tactível, as propriedades da fala recebida por tato, mais propriamente, as unidades mínimas da fala tactível (haptolalemas). Esse estudo permite mapear o grau de legibilidade orofacial tátil das unidades mínimas da fala tactível que são empregadas por surdocegos para compreender a fala por tato. A legibilidade orofacial tátil dos lalemas permite superar o problema da homofonia entre os lalemas \m\ e \n\. Para a audição, esses lalemas são homófonos (i.e., [\m\] [\n\]). Já para a visão, eles são heteroscópicos (i.e., {\m\} {\n\}). Contudo, como cegos e surdocegos não são capazes de ver, eles não se beneficiam da heteroscopia e, logo, só podem se beneficiar da heteroestesia entre eles, já que <\m\> <\n\>. A legibilidade orofacial tátil dos lalemas também permite superar o problema da homoscopia entre os lalemas \p\ e \b\, \t\ e \d\, \k\ e \g\, \f\ e \v\, \s\ e \z\, \ʃ\ e \ʒ\. Para a visão, esses lalemas são homoscópicos (i.e., {\p\} {\b\}; {\t\} {\d\}; {\k\} {\g\}; {\f\} {\v\}; {\s\} {\z\}; {\ʃ\} {\ʒ\}). Já para a audição, eles são heterófonos (i.e., [\p\] [\b\]; [\t\] [\d\]; [\k\] [\g\]; [\f\] [\v\]; [\s\] [\z\]; [\ʃ\] [\ʒ\]). Contudo, como surdos e surdocegos não são capazes de ouvir, eles não se beneficiam da heterofonia e, logo, só podem se beneficiar da heteroestesia entre eles, já que <\p\> <\b\>; <\t\> <\d\>; <\k\> <\g\>; <\f\> <\v\>; <\s\> <\z\>; <\ʃ\> <\ʒ\>. Erros de discriminação tátil de haptolalemas são chamados de paraestesia haptolálica. Na área de Haptolalia, a compreensão do Português falado e recebido por audição, visão e tato foi estudada por Capovilla (2021b).

 

Sematosia

A Sematosia estuda a estrutura dos sematosemas que caracterizam uma determinada língua de sinais. Os sematosemas (ou signumículos) dividem-se em dois tipos, conforme o articulador da sinalização envolvida: a(s) Mão(s) e a Expressão Facial. As unidades de Mão(s) são chamadas de quiremas (do Grego: quiro) ou manusículos (do Latim: manus). As unidades de Expressão Facial são chamadas de mascaremas (do Grego: mascara) ou personalículos (do Latim: persona). Segundo Stokoe (1960) e Stokoe et al. (1965), há três parâmetros referentes à mão que distinguem entre pares mínimos de sinais. São eles: a Forma ou Articulação da(s) Mão(s), o Local da(s) Mão(s) em que se dá essa articulação, o Movimento da(s) Mão(s) no espaço da sinalização. Para esses parâmetros sematósicos quirêmicos-manusiculares relativos à Forma da(s) Mão(s), ao Local da(s) Mão(s), e ao Movimento da(s) Mão(s) em cada sinal, Capovilla propõe termos específicos. As unidades de Forma de Mão(s) são chamadas de quiriformemas (do Grego: morfo: forma, como em morfologia e morfossintaxe) ou manusmodusículos (do Latim: modus: modo). As unidades de Local de Mão(s) são chamadas de quiritoposemas (do Grego: topos: local, como em topologia e topografia e tópico) ou manuslocusículos (do Latim: locus: local, como em localização). As unidades de Movimento de Mão(s) são chamadas de quiricinesemas (do Grego: cine: movimento, como em cinema, cinético e cinestésico) ou manusmotusículos (do Latim: motus, como em motricidade, motor).

A sematosia visual estuda a estrutura dos optossematosemas que caracterizam uma dada língua de sinais na modalidade visual, como a Libras visual usada na comunicação por sinalização visível pelos surdos videntes brasileiros. A sematosia tátil estuda a estrutura dos haptossematosemas que caracterizam uma dada língua de sinais na modalidade tátil, como a Libras tátil usada na comunicação por sinalização tátil pelos surdocegos brasileiros. Erros de discriminação de sematosemas são chamados de parassematosias. Uma descrição compreensiva, precisa e sistemática da composição sematósica de cada um dos milhares de sinais pode ser encontrada nos três dicionários da Libras: Deit-Libras (Capovilla & Raphael, 2008a, 2008b), Novo Deit-Libras (Capovilla et al., 2015a, 2015b), e Dicionário da Língua de Sinais do Brasil (Capovilla et al., 2017a, 2017b, 2017c); e nos oito volumes da Enciclopédia de Libras (Capovilla & Raphael, 2004a, 2004b, 2005a, 2005b, 2005c, 2018b, 2019a, 2019b), bem como na Cartilha de Libras em Medicina e Saúde (Capovilla & Raphael, 2018a). Numa demonstração inequívoca da validade dessa Taxonomia Sematósica, Capovilla et al. (2003) converteram a descrição da composição sematósica de cada sinal desses dicionários num código alfanumérico. Em seguida Capovilla, Duduchi et al. (2008) usaram esse código para construir um software capaz de fazer o resgate lexical de qualquer um dentre milhares de sinais a partir da escolha dos sematosemas componentes em menus gráficos. Duduchi e Capovilla (2006) estudaram a recuperação lexical de sinais como função da composição sematósica desses sinais. Eles descobriram que o grau de facilidade em recuperar um dado sinal para denominar uma dada figura é tão maior quanto mais raros são os sematosemas que compõem esse sinal. Eles formularam os resultados na seguinte equação: a facilidade de recuperação lexical de um sinal é função inversa da média aritmética do logaritmo dos índices de incidência dos sematosemas nos sinais da Libras. De fato, segundo a Teoria do Pandemônio da Psicologia Cognitiva aplicada à leitura (Coltheart et al., 2001), é mais fácil identificar um dado traço em meio a traços diferentes do que em meio a traços iguais. Assim, é mais fácil identificar uma letra formada por linhas retas em ângulo (A, V, M, W) em meio a letras formadas por linhas circulares (O, C, Q, G, D), e vice-versa, porque o número de competidores é menor. Por exemplo, em Libras, no sinal AVENTAL as mãos simulam colocar a alça por trás do pescoço. Esse parâmetro sematosêmico referente a local (quirotoposema-manuslocusículo) é tão raro que é mais fácil resgatar esse sinal do que um outro sinal a partir de um quirotoposema-manuslocusículo muito comum. Uma análise computadorizada ainda mais completa da Sematosia da Libras pode ser encontrada em Capovilla et al. (Capovilla & Garcia, 2011, Capovilla & Oliveira, 2015).

A Sematosia estuda a estrutura sematosêmica dos sinais em termos dos parâmetros sematosêmicos que os compõem e que são capazes de distinguir entre pares mínimos de sinais. Os parâmetros mínimos de qualquer língua de sinais são: Formas de Mão(s), Locais de Mão(s), Movimentos de Mão(s), e Expressões Faciais. Uma Sematosia matricial compreensiva, sistemática e precisa dos componentes sematosêmicos da Libras e das combinações entre eles pode ser encontrada em Capovilla e Oliveira (2015). Analisando a estrutura sematosêmica de 10.338 sinais da 3ª edição do Novo Deit-Libras, esses autores identificaram 501 sematosemas-signumículos, sendo 163 de Mão (quiremas-manusículos), 34 de Dedos (dactilemas-digitumículos), 55 de Local (toposemas-signumículos), 173 de Movimento (cinesemas-motusículos), e 76 de Expressão Facial (mascaremas-personalículos). Dos 163 de Mão, descobriram 112 Articulações de Mão (quirimorfemas- manusmodusículos), 14 Orientações de Palma (quiritroposemas-manusdirectículos), e 25 Relações Entre Mãos (quiresquetemas-manusrelativículos). Por falta de espaço, todas as demais combinações não poderão ser descritas aqui. Contudo, esta breve introdução à Sematosia da Libras deve ser suficiente para mostrar que esta Taxonomia Sematosêmica com levantamento computadorizado da prevalência de cada sematosema e de cada uma das combinações entre sematosemas na Libras constitui um verdadeiro Projeto Genoma para o mapeamento preciso do DNA da Libras, permitindo compará-lo ao DNA de outras línguas de sinais, o que deve elevar o patamar de sofisticação teórico-conceitual no campo da Linguística Comparativa de sinais.

 

Grafia

A Grafia estuda os diferentes grafemas empregados numa determinada língua escrita para cifrar os lalemas empregados na língua falada natural. Uma proposta de Grafia do Português escrito associada à Fonética do Português falado pode ser encontrada em Capovilla et al. (Capovilla, 2015a, 2015b, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020b, 2021a, 2021b, 2021d; Capovilla & Casado, 2014a, 2014b; Capovilla et al., 2017; Capovilla et al., 2019; Capovilla & Marins et al., 2015). Em sua Taxonomia da Grafia do Português escrito, Capovilla (no prelo) identificou todos os grafemas da Língua Portuguesa, com respectiva incidência decrescente. Esses grafemas, do mais prevalente ao mais raro no Português escrito, são os seguintes: "a", "á", "à", "â", "ã", "ãe", "ah", "ai", "ái", "ãi", "ain", "al", "ál", "am", "âm", "an", "ân", "ant", "ao", "ão", "at", "au", "áu", "aul", "b", "c", "ç", "cc", "cç", "ch", "ck", "cqu", "cs", "ct", "d", "dj", "e", "é", "ê", "ea", "ean", "eau", "eaux", "eh", "ei", "éi", "êi", "el", "él", "em", "ém", "êm", "en", "én", "ên", "eo", "éo", "er", "eu", "éu", "êu", "f", "g", "gh", "gn", "gu", "h", "ha", "há", "hâ", "hã", "hai", "hal", "ham", "han", "hão", "hau", "he", "hé", "hê", "heau", "hei", "hein", "hel", "hél", "hem", "hen", "heu", "hi", "hí", "hia", "hie", "hil", "hin", "hín", "hio", "ho", "hó", "hol", "hól", "hom", "hon", "hu", "hú", "hua", "hué", "hui", "hul", "hum", "hun", "hún", "hy", "i", "í", "ia", "iá", "iã", "iam", "iâm", "ian", "iau", "ie", "ié", "iê", "ii", "il", "íl", "im", "ím", "in", "ín", "ing", "io", "ió", "iô", "iôn", "is", "it", "iu", "iú", "j", "k", "l", "le", "lh", "li", "ll", "m", "n", "nh", "nn", "o", "ó", "ô", "oa", "oal", "oan", "oe", "õe", "oei", "õem", "oh", "ôh", "oi", "ói", "ois", "ol", "ól", "ôl", "om", "ôm", "on", "ôn", "oo", "ool", "ot", "ou", "ow", "p", "ph", "pt", "q", "qu", "r", "rr", "s", "sc", "sç", "sch", "sg", "sh", "sj", "ss", "sz", "t", "tch", "ts", "tt", "u", "ú", "ua", "uá", "uâ", "uã", "uai", "ual", "uam", "uan", "uân", "uão", "uau", "ue", "ué", "uê", "uei", "uem", "uém", "uen", "uên", "ueo", "uh", "ui", "uí", "úi", "uin", "uiu", "ul", "úl", "um", "úm", "un", "ún", "uo", "uó", "uô", "uoi", "uou", "v", "w", "wa", "we", "wi", "win", "wy", "x", "xc", "xs", "y", "yan", "yu", "z", "zz". Erros de produção de grafemas para cifrar lalemas são chamados de paragrafias lalografêmicas.

 

Fonografia (ou otolalografia)

A Fonografia (Otolalografia) estuda a cifrabilidade fonema-grafema da língua falada, por meio da análise sistemática das relações direcionais entre as unidades audíveis da fala (fonemas ou otolalemas) e as unidades de escrita (grafemas), a cifrabilidade fonográfica (de otolalemas em grafemas) da língua ouvida a partir da catalogação da incidência de todas as formas possíveis de cifrar cada um dos fonemas (ou otolalemas) que compõem a língua falada. Uma análise da Fonografia (Otolalografia) ou seja, da cifrabilidade de fonemas em grafemas do Português ouvido pode ser encontrada em Capovilla et al. (Capovilla, 2015a, 2015b, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2021b, 2021d, 2021e; Capovilla & Casado, 2014a, 2014b; Capovilla, Coelho et al., 2017; Capovilla & Garcia et al., 2019; Capovilla & Graton-Santos, 2015, 2019; Capovilla & Jacote et al., 2011; Capovilla & Luz et al., 2019; Capovilla & Marins et al., 2015). Essa análise permite descobrir o grau de cifrabilidade de qualquer palavra falada, e a probabilidade de paragrafia na conversão para a escrita de cada um de seus fonemas alvo. Além de estimar precisamente o risco de erro de escrita (paragrafia) na cifragem de cada palavra falada e de cada um de seus fonemas, a análise estima, fonema a fonema, o risco de cada uma de todas as paragrafias possíveis por meio do cálculo da razão intrusividade / vulnerabilidade à intrusão de cada grafema durante a escrita sob ditado ouvido.

Quanto mais raro ou recessivo é o modo correto de cifrar um dado fonema da palavra falada a ser escrita sob ditado, maior será a vulnerabilidade do grafema alvo recessivo à intrusão por outro grafema competidor dominante, que é inadequado para a escrita sob ditado daquela palavra ouvida. Quanto mais dominante for o grafema alternativo competidor para cifrar um optolalema, maior será a intrusividade desse grafema alternativo competidor e, portanto, maior será o risco de esse grafema dominante incorreto se imiscuir na escrita da palavra ouvida, produzindo a paragrafia que gera consternação.

Essa área de estudos de Fonografia (Otolalografia) permite estimar o risco de erro de escrita (paragrafia) sob ditado ouvido. Seja esse ditado da fala da professora, seja da própria fala interna do aluno, como quando ele escreve por redação livre. Permite também estimar o risco de cada uma das trocas (paragrafias) possíveis pela intrusão de grafemas dominantes competidores incorretos no lugar dos fonemas alvo recessivos, que acabam sendo vitimados pela intrusão. Cada palavra ouvida a ser escrita sob ditado consiste numa sequência de fonemas a serem convertidos em grafemas. Essa sequência fonográfica é como uma corrente com elos (relações fonema-grafema) mais ou menos fracos. Como nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco, ela tende a se partir nesses elos mais fracos (relações fonema-grafema recessivas). Nessa sequência de relações fonema-grafema alvo, cada relação fonema-grafema alvo tem um determinado índice de força, que é dado pelo grau de prevalência daquele grafema para cifrar ou registrar aquele fonema no Português escrito.

Nas relações fonema-grafema dominantes ou fortes, o grafema alvo é o prevalente para aquele fonema, e assim o grafema acaba sendo escrito corretamente pela criança. Nas relações fonema-grafema recessivas ou fracas, o grafema prevalente para aquele fonema é o competidor inadequado para aquela palavra; e assim o fonema acaba sendo escrito incorretamente com esse grafema competidor prevalente e intruso. Isso resulta na consternadora paragrafia por intrusão de grafema dominante, durante a tarefa de escrita sob ditado ouvido.

Assim, em tarefas de escrita sob ditado ouvido, erros de produção de grafemas por intrusão de grafemas dominantes para o mesmo fonema são chamados de paragrafias fonográficas por intrusão de grafema dominante. Por exemplo, na escrita sob ditado da palavra falada [\e'zɛɾsitʊ\], a criança pode escrever "ezército" (com "z") em vez de "exército" (com "x") porque a relação fonema-grafema alvo [\z\]-"x" é recessiva, e tende a sofrer intrusão da relação fonema-grafema dominante competidora [\z\]-"z" já que, para esse fonema [\z\], a incidência do grafema "z" (que é de 23,66%) é 11 vezes maior que a incidência do grafema "x" (que é de 2,28%). Assim, na tarefa de escrita sob ditado da palavra ouvida [\e'zɛɾsitʊ\], escrever "ezército" em vez de "exército", consiste numa paragrafia fonográfica por intrusão de grafema dominante para o fonema [\z\], simplesmente porque a prevalência do grafema dominante competidor intruso "z" para cifrar [\z\] (42,03%) é quase quatro vezes maior que a prevalência do grafema recessivo alvo "x" (13,39%) para cifrar o mesmo fonema [\z\]. Luria chamava esses erros de paragrafias por regularização grafema-fonema. A superioridade da presente taxonomia, baseada no mapeamento completo da fonografia do Português, em relação à de Luria (1970) consiste na especificação precisa do grau de regularidade de cada relação, e do grau de intrusividade ou vulnerabilidade à intrusão de cada relação.

 

Optolalografia

A Optolalografia estuda, por meio de análise sistemática, as relações direcionais entre as unidades visíveis da fala (optolalemas) e as unidades de escrita (grafemas), a cifrabilidade de optolalemas em grafemas da língua falada recebida por visão, a partir da catalogação da incidência de todas as formas possíveis de cifrar cada um dos optolalemas que compõem a língua falada recebida por leitura orofacial visual. Uma análise da Optolalografia, enquanto cifrabilidade de optolalemas em grafemas do Português falado recebido por visão, pode ser encontrada em Capovilla et al. (Capovilla, 2011a, 2011b, 2015b, 2015c, 2018b, 2019, 2020b, 2021b, 2021c, 2021d; Capovilla & De Martino et al., 2009; Capovilla & Garcia, 2011; Capovilla & Graton-Santos, 2015, 2019). Essa análise permite descobrir o grau de cifrabilidade de qualquer palavra falada, e a probabilidade de paragrafia na conversão para a escrita de cada um de seus optolalemas alvo. Além de estimar precisamente o risco de erro de escrita (paragrafia) na cifragem de cada palavra falada e de cada um de seus optolalemas, a análise estima, optolalema a optolalema, o risco de cada uma de todas as paragrafias possíveis por meio do cálculo da razão intrusividade / vulnerabilidade à intrusão de cada grafema durante a escrita sob ditado lido orofacialmente pela visão.

Quanto mais raro ou recessivo é o modo correto de cifrar um dado optolalema da palavra falada vista a ser escrita sob ditado, maior será a sua vulnerabilidade à intrusão por outro grafema dominante, mas que é inadequado para a escrita sob ditado daquela palavra lida orofacialmente por visão. Quanto mais dominante for o grafema alternativo competidor para cifrar um optolalema, maior será a intrusividade desse grafema alternativo competidor e, portanto, maior será o risco de esse grafema dominante incorreto se imiscuir na escrita da palavra lida orofacialmente por visão, produzindo a paragrafia. Essa área de estudos de Optolalografia permite estimar o risco de erro de escrita (paragrafia) sob ditado lido orofacialmente por visão da fala da professora na cifragem de cada optolalema, e o risco de cada uma das trocas (paragrafias) possíveis pela intrusão de grafemas dominantes inadequados no lugar dos recessivos, que acabam sendo vitimados pela intrusão. Cada palavra lida orofacialmente por visão a ser escrita sob ditado consiste numa sequência de optolalemas a serem convertidos em grafemas. Essa sequência optolalográfica é como uma corrente com elos (relações optolalema-grafema) mais ou menos fracos. Como nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco, ela tende a se partir nesses elos mais fracos (relações optolalema-grafema recessivas). Nessa sequência de relações optolalema-grafema alvo, cada relação optolalema-grafema alvo tem um determinado índice de força, que é dado pelo grau de prevalência daquele grafema para cifrar ou registrar aquele optolalema no Português escrito.

Nas relações optolalema-grafema dominantes ou fortes, o grafema alvo é o prevalente para aquele optolalema, e assim o grafema acaba sendo escrito corretamente pela criança. Nas relações optolalema-grafema recessivas (fracas), o grafema prevalente para aquele optolalema é o competidor inadequado para aquela palavra; e assim o optolalema acaba sendo escrito incorretamente com esse grafema competidor prevalente e intruso. Isso resulta na consternadora paragrafia por intrusão de grafema dominante, durante a tarefa de escrita sob ditado da fala lida orofacialmente por visão. Assim, erros de produção de grafemas por intrusão de grafemas dominantes para o mesmo optolalema são chamados de paragrafias optolalográficas por intrusão de grafema dominante. Por exemplo, na escrita sob ditado da palavra {\'gajtɐ\}, falada e lida orofacialmente por visão, espera-se que o surdo escreva "gaita". Contudo, como ilustrado na Tabela 1, a relação optolalema-grafema {\k\=\g\}-"c" tem prevalência três vezes maior que a relação optolalema-grafema {\k\=\g\}-"g". Consequentemente, o surdo pode acabar escrevendo "caita". Neste caso, percebe-se que o grafema recessivo "g" sofre intrusão pelo grafema dominante "c", devido à maior prevalência do dominante "c" (68,82%) em relação ao recessivo "g" (22,21%) para cifrar o optolalema {\k\=\g\}. A paragrafia resultante (o erro de escrita "caita") consiste numa paragrafia optolalográfica por intrusão de grafema dominante. O tratamento para reduzir esse erro consiste em aumentar a familiaridade da palavra alvo "gaita", e de outras com o mesmo tipo de relação recessiva {\k\=\g\}-"g". Isso aumenta a prevalência dessa relação recessiva {\k\=\g\}-"g", o que diminui a sua vulnerabilidade à intrusão. Isso vale, de modo geral, para todas as relações recessivas. As pessoas intuitivamente sabem disso, e por isso incluem palavras raras em jogos ortográficos para familiarizar as crianças com relações lalografêmicas raras, seja essa fala recebida por audição ou visão.

A Optolalografia estuda as relações entre as unidades visíveis da fala e as unidades de escrita capazes de cifrá-la. Capovilla e Graton-Santos (2015, 2019) empreenderam estudos preliminares na área. Mais recentemente, Capovilla e Cecconi (no prelo) mapearam a estrutura optolálica do Português, identificando 51 optolalemas, sendo 12 consonantais, 7 vocálicos, 24 ditongos e 8 tritongos. Esses 51 conjuntos de optolalemas homoscópicos indistinguíveis à visão, ou semi-homoscópicos quase indistinguíveis à visão, são os seguintes:

Consoantes: {\f\=\v\}; {\p\=\b\=\m\}; {\t\=\tʲ\=\d\=\dʲ\=\n\}; {\l\=\ɾ\=\ ř\}; {\s\=\z\}; {\ts\}; {\tʃ\=\dʒ\}; {\ʃ\=\ʒ\}; {\ʎ\=\ɲ\}; {\ks\=\gz\}; {\ɹ\=\h\}; {\k\=\g\};

Vogais: {\a\=\ɐ\=\ɐ̃\=\aː\}; {\ɔ\}; {\o\=\õ\}; {\u\=\ũ\=\ʊ\}; {\ɛ\}; {\i\=\ɪ\=\ĩ\}; {\e\=\ẽ\};

Ditongos: {\aw\=\ɐ̃w\=\ɐ̃w̃\}; {\wa\=\wɐ\=\wɐ̃\}; {\wɔ\}; {\ow\=\ɔw\}; {\wo\}; {\uw\=\ʊw\}; {\wʊ\}; {\aj\=\ɐ̃j̃\}; {\ja\=\jɐ\=\jɐ̃\}; {\iw\=\ɪw\}; {\jo\=\jõ\}; {\ju\=\jũ\}; {\oj\=\ɔj\=\õj\}; {\uj\=\ũj̃\}; {\wɛ\}; {\wi\=\wɪ\=\wĩ\}; {\ew\=\ɛw\}; {\jɛ\}; {\jɔ\}; {\ij\}; {\we\=\wẽ\}; {\je\}; {\ej\=\ɛj\=\ẽj\=\ẽj̃\}; {\ jũ\};

Tritongos: {\waw\=\wɐ̃w̃\}; {\wow\}; {\jaw\}; {\waj\}; {\wjo\=\wju\=\wiw\}; {\wɔj\}; {\wej\=\wẽj̃\=\wɛj\}; {\wew\}.

Na classificação taxonômica acima descrita, não há confusão entre um e outro dos conjuntos optolálicos homoscópicos, mas apenas entre os optolalemas no interior de cada conjunto.

Esses autores descobriram que, quando o surdo toma ditado da fala lida orofacialmente por visão, a sua tendência de escrever cada um dos optolalemas que compõem essa palavra lida orofacialmente é uma função direta da prevalência de cada um dos grafemas capazes de cifrar esses optolalemas. Em seu sistema taxonômico da optolalografia da Língua Portuguesa falada e lida orofacialmente de modo visual por surdos, esses autores mapearam todas as formas de cifrar cada um dos optolalemas. Isso pode ser ilustrado na Tabela 1, que sumaria os dez grafemas capazes de cifrar o optolalema {\k\ = \g\}. Assim, quando o surdo deve escrever uma palavra desconhecida que contém essa forma de boca visível {\k\ = \g\}, sua intuição é a de escrever essa forma de boca primeiro como "c", com força de 69%; ou como "g", com força de 22%; depois como "qu", com força de 6%; depois ainda como "q", com força de 1,4%, e assim por diante. Essa intuição geral pode ser complementada por regras gramaticais ortográficas, que determinam que "qu" é seguido de vogal ("e" como em querido; "i" como em quitar) ou ditongo decrescente ("ei" como em queijo; "eu" como em europeu), ao passo que "q" é seguido de ditongo crescente ("ua", "uan", "ui", "uo", como em quadro, quando, iniquidade e ubíquo). Ela também pode ser suplantada no caso de a palavra ter forma muito familiar a ponto de prescindir da necessidade de ser decodificada, já que pode ser reconhecida sem esforço na leitura orofacial visual pela rota lexical.

 

Haptolalografia

A Haptolalografia estuda, por meio da análise sistemática das relações direcionais entre as unidades tactíveis da fala (haptolalemas) e as unidades de escrita (grafemas), a cifrabilidade de haptolalemas em grafemas da língua falada recebida por tato, a partir da catalogação da incidência de todas as formas possíveis de cifrar cada um dos haptolalemas que compõem a língua falada recebida por leitura orofacial tátil pelo surdocego. Uma proposta de análise da Haptolalografia enquanto cifrabilidade de haptolalemas em grafemas do Português falado recebido por tato pode ser encontrada em Capovilla et al. (Capovilla, 2011a, 2015b, 2015c, 2018b, 2020a, 2020b, 2021b, 2021c). Esse modelo propõe descobrir o grau de cifrabilidade de qualquer palavra falada e recebida pelo tato, e a probabilidade de paragrafia na conversão para a escrita de cada um de seus haptografemas alvo. Como o surdocego processa haptolalemas em vez de otolalemas e optolalemas, ele está imune aos problemas de homofonia que afligem os naticegos ouvintes durante a alfabetização, bem como dos problemas de homoscopia que afligem os surdos videntes durante a alfabetização. Isto porque os lalemas homófonos (i.e., [\m\] [\n\]) tendem a ser heteroestésicos (já que <\m\> <\n\>). E que os lalemas homoscópicos ({\p\} {\b\}; {\t\} {\d\}; {\k\} {\g\}; {\f\} {\v\}; {\s\} {\z\}; {\ʃ\} {\ʒ\}) também tendem a ser heteroestésicos (já que <\p\> <\b\>; <\t\> <\d\>; <\k\> <\g\>; <\f\> <\v\>; <\s\> <\z\>; <\ʃ\> <\ʒ\>). Erros na cifragem de haptolalemas em grafemas são chamados de paragrafias haptolalográficas, e podem se dever às particularidades da técnica de leitura orofacial tátil empregada. Tadoma (Reed, 1982, 1985, 1989) é uma delas. Variações da posição da mão e dedos em relação à face do orador (e.g., que dedo(s) toca(m) a laringe e a narina, em que ponto e de que modo o fazem) podem resultar em maior ou menor discriminabilidade haptolálica. Tocam a laringe para discriminar pelo tato entre consoantes vozeadas como <\v\> e desvozeadas como <\f\>. Tocam a narina para discriminar pelo tato entre as vogais orais como <\a\> e nasais como <\ɐ̃\>, bem como entre as consoantes orais como <\p\> e <\t\> e nasais como <\m\> e <\n\>. Assim, variações da discriminabilidade haptolálica podem levar a paragrafias haptolalográficas por eventual insensibilidade à heteroestesia.

 

Grafofonia (ou grafotolalia)

A Grafofonia (Grafotolalia) estuda, por meio de análise sistemática, as relações direcionais entre as unidades de escrita (grafemas) e as unidades audíveis da fala (fonemas ou otolalemas) na leitura da criança ouvinte. Essa área estuda a decifrabilidade grafofonêmica da língua escrita a partir da catalogação da incidência de todas as formas possíveis de decifrar, soar, pronunciar ou dar voz (isto é, de cada um dos fonemas) a cada uma de todas as unidades de escrita (grafemas) que compõem a língua escrita. Uma análise da Grafofonia (decifrabilidade grafofonêmica do Português escrito) pode ser encontrada em Capovilla et al. (Capovilla, 2015a, 2015b, 2015c, 2018a, 2018b, 2019; 2021a; Capovilla et al., 1998; Capovilla & Casado, 2014a; Capovilla et al., 2017; Capovilla & Jacote et al., 2011; Capovilla & Luz et al., 2019). Essa análise permite descobrir o grau de decifrabilidade de qualquer palavra escrita, e a probabilidade de paralexia na pronúncia de cada um de seus grafemas alvo. Além de prever precisamente o risco de erro de leitura (paralexia) na pronúncia de cada palavra escrita e de cada um de seus grafemas, a análise prevê, grafema a grafema, o risco de cada uma de todas as paralexias possíveis por meio do cálculo da razão intrusividade / vulnerabilidade à intrusão de cada fonema durante a leitura em voz alta.

Quanto mais raro ou recessivo é o modo correto de pronunciar um dado grafema da palavra escrita a ser pronunciada, maior será a sua vulnerabilidade a intrusão por outro fonema competidor dominante, mas que é incorreto para a leitura em voz alta daquela palavra escrita. Quanto mais dominante for o fonema alternativo competidor para pronunciar aquele grafema, maior será a intrusividade desse fonema alternativo e, portanto, maior o risco de esse fonema competidor dominante incorreto se imiscuir na pronúncia da palavra, produzindo a paralexia que gera consternação.

Essa área de estudos de Grafofonia permite estimar o risco de erro de leitura (paralexia) em voz alta ou silenciosa na decifragem de cada grafema, e o risco de cada uma das trocas (paralexias) possíveis pela intrusão de fonemas dominantes competidores incorretos no lugar dos fonemas alvo recessivos, que acabam sendo vitimados pela intrusão. Cada palavra escrita a ser lida em voz alta consiste numa sequência de grafemas a serem convertidos em fonemas. Essa sequência grafofonêmica é como uma corrente com elos (relações grafema-fonema) mais ou menos fracos. Como nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco, ela tende a se partir exatamente nesses elos mais fracos (relações grafema-fonema recessivas). Nessa sequência de relações grafema-fonema alvo, cada relação grafema-fonema alvo tem um determinado índice de força, que é dado pelo grau de prevalência daquele fonema para dar voz àquele grafema no Português falado. Nas relações grafema-fonema dominantes ou fortes, o fonema alvo é o prevalente para aquele grafema, e assim esse grafema acaba sendo pronunciado corretamente pela criança. Nas relações grafema-fonema recessivas (fracas), o fonema prevalente para aquele grafema é o competidor inadequado para aquela palavra; e assim o grafema acaba sendo pronunciado incorretamente com esse fonema competidor prevalente e intruso. Isso resulta na consternadora paralexia por intrusão de fonema dominante, durante a tarefa de leitura em voz alta.

Assim, erros de produção de fonemas por intrusão de fonemas dominantes para o mesmo grafema são chamados de paralexias grafofônicas por intrusão de fonema dominante. Por exemplo, na leitura em voz alta da palavra escrita "exército", a criança pode pronunciar [\e'ʃɛɾsitʊ\], em vez de [\e'zɛɾsitʊ\] porque a relação grafema-fonema "x"-[\z\] é recessiva, e tende a sofrer intrusão da relação "x"-[\ʃ\], que é dominante. Assim, na tarefa de leitura em voz alta, pronunciar "exército" como [\e'ʃɛɾsitʊ\] consiste numa paralexia grafofônica por intrusão do fonema dominante para o grafema "x", simplesmente porque a prevalência de [\ʃ\] para soar "x" é quase quatro vezes maior (42,03%) que a de [\z\] (13,39%) para soar o mesmo "x".

 

Grafoptolalia

Grafoptolalia estuda, por meio de análise sistemática, as relações direcionais entre as unidades de escrita (grafemas) e as unidades visíveis da fala (optolalemas) na leitura da criança surda. Essa área estuda o grau de decifrabilidade grafema-optolalema da língua escrita pela criança surda, a partir da catalogação da incidência de todas as formas possíveis de decifrar, pela imaginação visual da articulação da fala, cada uma de todas as unidades de escrita (grafemas) que compõem a língua escrita. Essa área se baseia nos estudos de Campbell et al. (Campbell 1987, 1990, 1992, 2006, 2008; Campbell & Dodd, 1985; Campbell et al., 1997; Campbell & Wright, 1988, 1989, 1990; Dodd & Campbell, 1987; Dodd et al., 1983; Kyle et al., 2013), que descobriram que surdos oralizados fluentes em leitura orofacial visual tendem a imaginar as formas da boca durante a leitura alfabética. Ou seja, decifram os grafemas convertendo-os em optolalemas, e não em otolalemas, como fazem os ouvintes.

 

Fonética

A Fonética estuda os diferentes sons da fala (fonemas ou otolalemas) empregados numa determinada língua falada. Estuda também os processos fonéticos que afetam leitura e escrita. Capovilla (2021e) elaborou uma taxonomia de 40 paragrafias fonéticas decorrentes de 11 fenômenos fonéticos e de 40 processos fonéticos que afetam a escrita. Ele explicou o modo como isso se dá e apresentou um instrumento para a detecção desses processos na produção da escrita pelos ouvintes. Capovilla (2021a) propôs um novo teste baseado num novo procedimento para avaliar a fluência de leitura por meio da avaliação do emergir do processo fonético de vozeamento durante a aquisição de leitura por crianças dos 5 aos 8 anos de idade. Quando a criança está adquirindo a leitura, ela tende a silabar, ou seja, a introduzir pausas entre as sílabas. À medida que a fluência vai se desenvolvendo, a duração da pausa vai diminuindo até o ponto em que passa a ocorrer o processo fonético de vozeamento da coda de uma sílaba por assimilação fonética do vozeamento do ataque consonantal da sílaba seguinte. No teste, as crianças devem ler pseudopalavras dissílabas, como "asba", "asda", "asga", "asja", "asme", "asna", e "asva". Em todas essas pseudopalavras dissílabas, quando a fluência se desenvolve e a pausa intersilábica diminui, observa-se o emergir do processo de vozeamento da coda "s" por assimilação do vozeamento do ataque da sílaba seguinte. Assim, à medida que a fluência emerge, as pausas diminuem, e as crianças passam a pronunciar o grafema "s" não mais como [\s\], mas como [\z\]. O emergir desse vozeamento funciona como marco para caracterizar a leitura como fluente. Assim, a fluência de leitura pode ser avaliada sem que se tenha que computar a taxa de leitura de palavras por unidade de tempo.

 

Morfologia

A Morfologia estuda a estrutura interna dos itens lexicais (tanto palavras quanto sinais), em termos das unidades de significado que os compõem, ou morfemas, os quais se dividem entre os lexicais (como os lexemas compostos de radicais gregos ou latinos) e os gramaticais (como os gramemas para indicar concordância de gênero e número, por exemplo). Um estudo sobre Morfologia da Libras pode ser encontrado em Capovilla et al. (Capovilla, Capovilla et al., 2005; Capovilla & Mauricio et al., 2009, 2015).

 

Sintaxe

A Sintaxe estuda os modos de combinação de itens lexicais (palavras ou sinais) para formar frases gramaticais nas diversas línguas faladas e nas diversas línguas de sinais. Capovilla e Capovilla (2006) criaram a Prova de Consciência Sintática para avaliar a habilidade metassintática de escolares ouvintes do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental. O desempenho dessa prova prediz a compreensão de leitura de textos mais elaborados. Capovilla, Viggiano et al. (2005) criaram o Teste de Competência de Leitura de Sentenças, normatizado e validado para avaliar a compreensão de leitura de crianças surdas durante o Ensino Fundamental e Médio. Esse teste analisa a compreensão de leitura como função do nível de competência sintática da criança surda.

 

Terminologia

A Terminologia estuda os termos usados para analisar os fenômenos. Esses fenômenos incluem palavras faladas, palavras escritas e sinais, por exemplo. Uma terminologia matricial compreensiva, sistemática e precisa para fazer referência aos fenômenos da linguagem oral, escrita e de sinais pode ser encontrada em Capovilla (2011b, 2015b, 2018b).

 

Taxonomia

A Taxonomia estuda a classificação dos fenômenos, com a aplicação criteriosa de nome, a partir da análise compreensiva, sistemática e exaustiva de sua natureza, de sua estrutura, e de sua função. Uma taxonomia matricial, com um sistema de classificação compreensivo, sistemático e preciso dos fenômenos da linguagem oral, escrita e de sinais a partir da análise sistemática de sua natureza, estrutura e função, pode ser encontrada em Capovilla (2011a, 2012, 2015c, 2021e). Essa taxonomia classifica fenômenos da linguagem em função, da modalidade sensorial de entrada (audição, visão, tato), da modalidade linguística de entrada e processamento e saída (fala, sinalização, escrita), da natureza da tarefa: de compreensão (como em tarefas de escolha de figuras a partir de palavras ouvidas ou lidas orofacialmente ou lidas alfabeticamente ou sinais) ou de expressão (como em tarefas de nomeação de figuras por fala ou sinalização ou escrita) ou reprodução (de palavras faladas ouvidas ou lidas orofacialmente, ou de sinalização ou de palavras escritas), tanto manifestamente audível e visível e tactível, como apenas mentalmente. E assim por diante.

 

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Endereço para correspondência:
Fernando Cesar Capovilla
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo
Avenida Professor Mello de Morais, 1721 - Butantã -
São Paulo, SP, Brasil - CEP 05508-030
E-mail: fernando.capovilla@usp.br

Artigo recebido: 22/4/2022
Aprovado: 24/5/2022

 

 

Trabalho realizado no Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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