Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.26 no.1 São Paulo jan./jun. 2018
https://doi.org/10.15329/2318-0498.20180016
RESENHAS
Vida e clínica de uma psicoterapeuta
Life and clinic of a psychotherapist
Vida y clínica de una psicoterapeuta
Maria Luiza Vieira Santos
Psicóloga. Psicodramatista didata supervisora em Florianópolis/São Paulo. E-mail: mluizavs@yahoo.com.br
Cukier, R. (2018). Vida e clínica de uma psicoterapeuta. São Paulo: Ágora.
O convite para escrever a resenha deste livro foi o primeiro presente: Rosa faz parte da minha história como professora, colega-irmã no grupo autodirigido de Dalmiro Bustos e depois como supervisora.
A leitura do livro foi o segundo presente.
Trata-se de uma obra ampla que contempla diversos públicos, na qual a autora apresenta temas resultantes de seu interesse, estudos e pesquisas ao longo dos últimos anos em sua trajetória profissional.
"Vida e clínica de uma psicoterapeuta" revela uma profissional estudiosa e dedicada, preocupada com o alívio do sofrimento humano. Na obra, Rosa busca a partir de Moreno e seu projeto socionômico correlacionar suas reflexões e as ideias de outros autores às mais recentes pesquisas em neurociências e outras áreas, cruzando informações e criando novas respostas. Há também o cuidado com a estética e com a apresentação do conteúdo de forma geral. Passando pela capa, pela impressão de qualidade do livro e pela diagramação do texto, com tabelas e quadros que facilitam o entendimento e tornam a leitura mais fluida.
A introdução do livro já é um aquecimento em que a autora apresenta cada capítulo: localiza no tempo e no espaço, monta o cenário e leva o leitor ao momento em que cada texto foi criado e depois elaborado. Assim, estimula a curiosidade, instiga e abre o leque de temas abordados. Na introdução de sua obra, ela antecipa uma pitada do que será apresentado e das ideias que serão correlacionadas no desenvolvimento de cada texto, ressaltando, em cada um, as ideias de Moreno.
Rosa fundamenta suas reflexões e seu interesse pelos resultados das vivências de situações traumáticas e abusivas na infância, enfatizando o propósito permanente de buscar a aplicação do psicodrama no tratamento dessas marcas e suas implicações na vida adulta.
Temas delicados como codependência, adições e inveja também são contemplados. Quando a autora compartilha suas motivações no estudo de cada um desses assuntos, revisa conceitos, aprofunda e fundamenta suas reflexões. Ao longo da obra, Rosa traz exemplos e situações práticas enfatizando e sugerindo formas de trabalhar psicodramaticamente.
Ao falar sobre adições, a autora aborda amplamente o tema num texto denso e consistente. O capítulo, escrito em parceria com Dinah Akerman Zimerman, oferece informações sobre história, etiologia, formas de tratamento (inclusive medicamentoso), terapias e psicodinâmica. Depois que o leitor está de posse dessas informações, são exploradas detalhadamente as possibilidades de atendimento, com descrição de casos que ilustram a utilização do psicodrama no tratamento de pessoas com adições.
A autora também entra em cena como didata e supervisora apresentando textos como uma espécie de manual de instruções, reforçando a importância e a validade da dramatização nas sessões e também o passo a passo para o sucesso dessa tarefa. Descreve um modelo detalhado de avaliação, o contrato terapêutico, a montagem de cenas, a escolha de técnicas baseados em sua vivência e sua experiência no cotidiano dos atendimentos. A leitura oferece possibilidades e um leque de ideias para que cada psicoterapeuta possa desenvolver o próprio modo de fazer. Os textos servem como guias para quem está iniciando ou novas possibilidades para terapeutas já em exercício.
O capítulo sobre a fadiga do psicoterapeuta resgata a delicadeza da profissão e a vulnerabilidade dos profissionais que cuidam dos outros, mas que nem sempre estão atentos às próprias feridas e à necessidade de ter consciência de sua humanidade. É um chamado de atenção precioso para a necessidade de que o profissional dessa área tenha equilíbrio e parcimônia na dosagem de atividades, evitando o chamado "complexo de Deus".
"O psicodrama da humanidade" aborda um tema inquietante que já chamava a atenção do visionário Moreno e continua absolutamente atual: os conflitos entre grupos por questões raciais e interculturais e a violência recorrente. O texto, escrito em 2002, faz correlações com as questões do narcisismo e enfatiza as possibilidades que os psicodramatistas têm quando dirigem trabalhos sociodramáticos em grandes grupos e para populações menos privilegiadas.
Rosa acaba levando o leitor a uma reflexão acerca da gênese da violência humana e da possível contribuição dos profissionais da área de saúde mental em esferas mais amplas.
O estresse pós-traumático é detalhado com base na contextualização histórica das situações de trauma, também ligado com questões de abuso sexual e violência doméstica, levando à compreensão dos efeitos do trauma no ser humano. Sugere possibilidades de tratamento com interessantes dados estatísticos e reafirma o valor e a eficácia do psicodrama com um convite-convocação-provocação a buscarmos juntos maneiras de viabilizar pesquisa quantitativa que valide a abordagem na comunidade científica.
"Vida e clínica de uma psicoterapeuta", como outros livros da autora Rosa Cukier, é para ser lido e estudado. E também para servir de inspiração e modelo de escrita consistente e fundamentada em outras leituras, pesquisas e estudos atualizados.
Rosa tem várias obras publicadas e a cada publicação sabemos que já começa a sonhar com a seguinte.
Em sua obra "Mar me quer", Mia Couto escreve: "... devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga ...".
Acho que descobrimos o segredo da pele da Rosa!
Recebido: 22/06/2018
Aceito: 26/06/2018