SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.42 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641Xversão On-line ISSN 2175-3601

Rev. bras. psicanál v.42 n.2 São Paulo jun. 2008

 

RESENHAS

 

Resenha: Orlando Hardt Jr.*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

 

 

Fatores de doença, fatores de cura

Gênese do sofrimento e da cura psicanalítica

Antonino Ferro

Rio de Janeiro: Imago, 2005, 180 p.Tradução de Marta Petricciani

As leis da física que regem a fabricação e o vôo de um avião são diferentes das leis físicas utilizadas na fabricação de uma televisão de plasma. Ambas se baseiam na física, mas são diversas, diferentes. A tv de plasma utiliza leis da física quântica, na qual os espaços são infinitesimais e as velocidades espantosas, ao passo que um avião voa obedecendo às leis físicas de Newton.

A psicanálise descrita e utilizada por Antonino Ferro tem analogia com a mecânica quântica, pois este seu livro constitui uma virada de mesa daquilo que muitas vezes nos foi transmitido por vários autores. Antonino Ferro ousou oferecer um novo instrumento para o nosso trabalho de psicanalistas. Ao tratar de sofrimento psíquico, este livro incomum traz parâmetros que foram abertos pela originalidade do pensamento de Bion.

Acredito que ele possa ser lido de várias maneiras, mas nunca superficialmente. Podemos começar pela bibliografia, pelo fim. Se assim o fizermos, encontraremos um mundo muito interessante, o mundo da literatura. Toparemos com vários autores de contos da literatura italiana, entre os quais, Ítalo Calvino. Mas não só na fonte da literatura Antonino Ferro se nutre. Busca alimento em outras áreas, como os pictogramas do tarô, por exemplo, e traz elementos teóricos de autores da psicanálise italiana que até agora desconhecíamos.

Antonino Ferro se ocupa de um outro espaço mental e operacional, tornando o campo analítico análogo àquele da física quântica. A cura se processa para esse autor num espaço diferenciado, a tecedura “Balfa”, constituída pelos elementos compactados do núcleo narcísico. Viajamos com Ferro numa jornada dentro de um núcleo denso e interessante, o núcleo intrapsíquico.

O autor toca em pontos delicados, como a narrativa transformadora, na qual “transformações instáveis e reversíveis, que se realizam no curso da sessão analítica e testemunham qualidade da interação entre analista e paciente e as alfabetizações ou des-alfabetizações que se realizam. São preciosas de serem observadas porque nos permitem captar como o paciente percebe as nossas intervenções e como melhor podemos encontrar forma de lhe falar para alcançá-lo e estar, com ele, em uníssono”.

Em alguns casos clínicos, Ferro descreve o incrível e “engenhoso aparelho feito para sonhar os sonhos”. E o faz de maneira rica, muito ilustrativa, de forma incomum, tornando a leitura estimulante, provocativa. O texto é moderno e escrito por meio de “transgressões criativas”; assim, deve ser lido por leitores que também ousem transgredir as simples narrativas e as soluções dos nós armados por este psicanalista.

Quando, por exemplo, Ferro explora a teoria dos Baranger, em que analista/analisando formam um campo no qual é difícil distinguir um preciso momento que pertence a um de um momento que pertence ao outro, ele descreve algo que em física é conhecido por teoria das partículas e é denominado zona de colisão. Assim, seus casos e exemplos tornam a leitura agradável, e chama a atenção a criatividade que constantemente invade o leitor, uma espécie de gerador que nos coloca em consonância com os pacientes que o autor apresenta.

Fatores de doença, fatores de cura demonstra a possibilidade de uma dialética espiralada no transcorrer das sessões, e uma de suas tarefas seria a de facilitar a leitura da narrativa dos pacientes, como se alguns pictogramas estivessem bordando suas falas e nós, analistas, só o percebêssemos depois.

O autor se vale de elementos da modernidade, como halogramas, e uma versão particular do big bang, que ele denomina explosão do “continente”. Essas idéias criativas percorrem o contínuo trânsito das transformações nas sessões por ele narradas.

A sensação ao término da leitura é esta: “Por que não pensei nisso antes?”

Porque Antonino Ferro é um brilhante analista que domina a técnica da interpretação; sua maneira visionária tem esta superlatividade de interpretar com a spezzatura das metáforas ilustrativas– e poucos autores têm este talento. Ferro compartilha com seu leitor a maneira de pensar o homem acometido pelo traumático, pelo desamparo, e, num texto elegante, nos mostra como transformar a pulsão sexual em pensamento.

 

 

* Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons