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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.3 São Paulo jul./set. 2020

 

OUTRAS PALAVRAS

 

Novas construções em análise perante o vazio psíquico, o tédio e a apatia1

 

New constructions in analysis in the face of psychic emptiness, boredom and apathy

 

Nuevas construcciones en análisis ante el vacío psíquico, o el tedio y la apatía

 

Nouvelles constructions en cours d'analyse face au vide psychique, à l'ennui et à l'apathie

 

 

Adriana Meyer B. Gradin

Psicanalista. Mestre e doutoranda em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Correspondência

 

 


RESUMO

No texto "Construções em análise", Freud afirma que a tarefa do analista envolve uma atividade de construção, originária da complementação e da integração dos restos conservados da história do analisando. Neste artigo, sustenta-se que, além do modelo de 1937, existem outras formas de construção em análise, concebidas a partir da relação da dupla analista-analisando e decorrentes do vínculo transferencial. Essas construções repercutem na simbolização primária e na elaboração de novas narrativas sobre o vazio psíquico. Propõe-se que, nos casos de vazio psíquico, tédio e apatia, o analista há de se envolver em um trabalho de construção para revitalizar a cena analítica, propiciar uma rota de simbolização do material cindido do analisando e contribuir para que a análise funcione como um espaço potencial para esse fim. Exemplifica-se tal manejo com um caso clínico da chamada síndrome da resignação.

Palavras-chave: construções, análise, vazio, resignação


ABSTRACT

In the text Constructions in Analysis, Freud (1937/2018) states that the task of the analyst involves a construction activity, originating from the "complementation" and "integration of surviving remains" of the analysand's history. The aim of this article is to argue that, besides this 1937 model, there are also other forms of constructions in analysis, conceived from the relationship between analyst-analysand and resulting from the transference-countertransference link - constructions that generate repercussions on primary symbolization and the elaboration of new narratives about the psychic void. It is proposed that, in cases of psychic emptiness, boredom and apathy, the analyst should engage in a constructive work to revitalize the analytic scene, providing a route of symbolization of the analysand's split material and contributing to the analysis functioning as a potential space for that purpose. Such management is exemplified with a clinical case of the so-called Resignation Syndrome.

Keywords: constructions, analysis, emptiness, resignation


RESUMEN

En el texto "Construcciones en análisis", Freud afirma que la tarea del analista envuelve una actividad de construcción, que tiene origen en la complementación y la integración de los restos conservados de la historia del analizado. En este artículo, se sostiene que, además del modelo de 1937, existen otras formas de construcción en análisis, concebidas a partir de la relación entre el dúo analista-analizado y decurrentes del vínculo transferencial. Estas construcciones repercuten en el simbolismo primario y en la elaboración de nuevas narrativas sobre el vacío psíquico. Se propone que, en los casos de vacío psíquico, tedio y apatía, el analista se envolverá en un trabajo de construcción para revitalizar la escena analítica, propiciar una ruta de simbolismo del material escindido del analizado y contribuir para que el análisis funcione como un espacio potencial para esa finalidad. Se ejemplifica tal manejo con un caso clínico de la llamada síndrome de la resignación.

Palabras clave: construcciones, análisis, vacío, resignación


RÉSUMÉ

Dans le texte Constructions en analyse, Freud (1937/2018) affirme que la tâche de l'analyste implique une activité de construction, qui découle de la «complémentation» et de « l'intégration de vestiges conservés » de l'histoire de l'analysant. Dans cet article, on soutient que, outre ce modèle de 1937, il existe aussi d'autres formes de constructions en cours d'analyse, conçues à partir de la relation entre l'analyste et l'analysant et résultant du lien transfert / contre-transfert, constructions qui ont des répercussions sur la symbolisation primaire et l'élaboration de nouveaux récits concernant le vide psychique. Il est proposé que, dans les cas de vide psychique, d'ennui et d'apathie, l'analyste s'engage dans un travail de construction visant à revitaliser la scène analytique, à fournir une voie de symbolisation du matériel scindé de l'analysant et à contribuer au fonctionnement de l'analyse en tant qu'un espace potentiel à cet effet. Une telle gestion est illustrée par la mention d'un cas clinique du syndrome dit de résignation.

Mots-clés: constructions, analyse, vide, démission


 

 

Do mesmo modo que um navio é construído para que os marinheiros naveguem nos mares, ou instrumentos são forjados para fazer música, paciente e analista constroem objetos internos para processar a análise.

CHRISTOPHER BOLLAS

Todo o edifício teórico desenvolvido por Sigmund Freud teve como ponto de partida suas descobertas sobre o conteúdo dos sonhos, dos atos falhos, dos chistes e dos sintomas como evidências de uma vida pulsional marcada pela força da sexualidade e dos desejos reprimidos, referidos ao conteúdo representacional escondido atrás do biombo dessas manifestações. Na clínica psicanalítica contemporânea, por outro lado, nossa escuta vem abarcando situações bastante diversas, como sintomas de vazio, tédio e apatia e uma espécie de deserto simbólico apresentado pelos analisandos. Cumpre pensarmos, em decorrência disso, em novas posições a serem ocupadas pelo analista que se incumbe da escuta desses sintomas. Uma das metas deste artigo é defender que, em casos de vazio psíquico, tédio e apatia, o analista há de ser mais ativo e implicado, há de se envolver em um trabalho de construção e adotar alguns manejos que venham a favorecer a simbolização do material cindido e não integrado ao psiquismo desses analisandos.

Em seus escritos clínicos iniciais, Freud (1905/2016) aponta como meta da escuta psicanalítica a eliminação da ideia patogênica e, em textos publicados a partir de 1912, apresenta recomendações técnicas para tal finalidade. Além da regra universal da associação livre e da noção de transferência, o conceito de neutralidade pode ser apreendido como um subtexto desses escritos, em especial de "Recomendações ao médico que pratica a psicanálise". Ali Freud sustenta que o analista "deve ser opaco para o analisando e, como um espelho, não mostrar-lhe nada, exceto o que lhe é mostrado" (1912/2010b, p. 159).

Em "Construções em análise" (Freud, 1937/2018), todavia, há uma mudança significativa na concepção freudiana: a relação transferencial teria a vocação, segundo ele, de favorecer o retorno de conexões emocionais e dos vínculos afetivos perdidos pelo analisando. Freud afirma que a tarefa do analista envolve uma atividade de construção que pode ser equiparada à de um arqueólogo, mas ressalta que nela há material vivo, diferentemente do que se vê nos escombros e no material soterrado com que o arqueólogo trabalha. E que há construções - complementação e integração dos restos conservados - que funcionam como as paredes do prédio, a decoração e a pintura a partir dos alicerces encontrados na escavação. Ademais das lembranças e associações, o mestre defende que o comportamento do sujeito em análise deve ser considerado no tempo presente.

Em 1937, o encontro analítico passa a ostentar, portanto, uma amplitude e uma riqueza para além da descoberta do material reprimido.Freud suscita, então, o problema de saber como "uma firme convicção da verdade da construção" ocorrida na análise poderia ter para o paciente "o mesmo resultado terapêutico que uma lembrança reconquistada", ou seja, como uma construção na análise sem a lembrança correlata pode produzir um resultado terapêutico efetivo. Ele segue dizendo que se trata de uma "matéria para investigação posterior", dando margem ao florescimento de novas teorias atinentes às construções em análise (p. 340).

Nos dias atuais, a clínica nos confronta rotineiramente com analisandos que se queixam de uma vida sem desejo ou sem sentido e que afirmam carregar um vazio paralisante. Em tais casos, experimentamos contratransferencialmente uma espécie de ambivalência na escuta: além da vivência desse espaço em branco, que pode parecer estéril ou infértil, os analisandos apostam que nós, analistas, possamos elaborar com eles construções que deem sentido a sua vida por meio do laço transferencial. Vazio e potencialidade se mesclam e nos propõem, não raro, um enfrentamento que já se anuncia desafiador no marco inicial da análise. Nessas situações clínicas, partindo do texto freudiano de 1937, ecoa a indagação: como encontrar meios e manejos que favoreçam o retorno de conexões emocionais perdidas pelo analisando?

Entendemos que, sobretudo nos casos de vazio psíquico, tédio e apatia, somos convocados a lidar com esse desafio transferencial e contratransferencial, a manter viva a aposta de revitalização da cena analítica e a nos colocar aptos à ação de construir.

Nomeamos anteriormente alguns desses sintomas como tédio-branco e apatia-desligamento (Gradin, 2018) e destacamos que tais analisandos vivenciam uma relação paradoxal com o tempo, embaralhando as ideias de tempo longo e tempo curto: alegam sentir que ele custa demais a passar e que há um vazio no transcurso dos dias, mas, ao mesmo tempo, descrevem uma sensação de desperdício, como se, em retrospecto, houvesse decorrido tempo demais e nada de valoroso tivesse ocorrido em sua vida. Eles vivem em constante luta contra o relógio e a velocidade desenfreada do mundo, que se contrapõem à lentidão de sua vida psíquica.

São corriqueiras perguntas complexas e profundas, de ordem existencial, como: para que viver? Por que viver? Qual o sentido da vida? Também frequente é a narrativa sobre a vontade de desistir, de ficar deitado na cama, sem nenhum tipo de perturbação, e a dificuldade em dar significado à repetição própria da rotina.

Além da relação paradoxal com o tempo e da vontade de desligamento de tudo e de todos, são marcantes os relatos sobre sensações corpóreas, sempre relacionadas ao frio - uma mão gelada apertando o peito, um frio constante, a necessidade de sentir o peso das cobertas. Também aparece, muitas vezes, a impossibilidade de entrega a um sono restaurador, com noites em branco.

Ocorre, de forma defensiva, a contração das fronteiras do eu e o confinamento do ego em um círculo reduzido, visto que o mundo é apreendido como entediante, enfadonho, ameaçador ou invasivo. O analisando fica ensimesmado em seu círculo constrito. Na via do tédio, nada do mundo exterior será bom o suficiente para convocá-lo a fazer investimentos e, na via da apatia, nada de seu mundo interior apontará para o prazer ou o bem-estar de procurar o outro. O indivíduo se afasta dos objetos, deixando o eu estático, paralisado, encolhido. A coesão do self está ameaçada, e por isso a manutenção do desligamento e das baixas intensidades fará sentido, como se houvesse uma área menor a ser vigiada por uma sentinela sem forças.

Para adquirir um senso de identidade e autonomia é necessária uma sensação de coesão do self e de integração, mas nesses casos há uma fragilidade manifesta na sensação primitiva de ser inteiro, devido às trocas afetivas iniciais entre o indivíduo e seus primeiros entes cuidadores, que não conseguiram proporcionar um espelho consistente em termos de presença e ausência, abandonando-o por mais tempo do que seu psiquismo podia suportar. Tais analisandos são invadidos por uma agonia impensável em razão de uma vivência duradoura e penosa de abandono ou desamparo, experimentada como superior a sua capacidade, o que gerou descrença total sobre a possibilidade de serem socorridos desse estado algum dia.

Green teoriza sobre duas formas de narcisismo: o positivo ou de vida, referente à "organização das pulsões parciais do eu em investimento unitário do eu", e o negativo ou de morte, "como expressão da tendência à redução dos investimentos ao nível zero" (1988, p. 38). Nos casos de narcisismo negativo, a pulsão de morte ou destruição, além de gerar o desligamento dos objetos, volta-se também contra o próprio sujeito, mantendo-o em uma vida próxima da inércia, da desvitalização e da morte psíquica. Como o indivíduo teve respostas fracassadas de seus objetos primordiais e não encontrou meios de religar as pulsões de vida e acessar o prazer, adotou o circuito negativo e neutralizado, porém repetitivo, de desligar-se.

Como destacado por Luís Claudio Figueiredo, no momento inicial da diferenciação entre o indivíduo e o ambiente, a imitação passiva é o primeiro artifício do organismo para se constituir e se defender. Por isso, quando forças brutas se abatem sobre o organismo despreparado, a reação seria, inicialmente, a de apassivar-se e, em seguida, "assemelhando-se a essas forças ..., identificar-se com o que o tensiona, pressiona e ataca". Essa seria uma forma primitiva de adaptação pela via da incorporação do ambiente hostil, que passa a ser parte do indivíduo, fazendo com que ele carregue uma pseudovitalidade, resumida como "de não vida, de não realidade, de vazio, de não nascimento" (Figueiredo, 2002, p. 919). A sobrevivência arquitetada demanda sacrifícios tão caros - empobrecimento do eu e fragmentação do ser - que sua parte mais viva resta anestesiada.

Essas modalidades de sintoma desafiam profundamente o analista, em especial porque, muitas vezes, existe uma ameaça de suicídio, o que nos leva a buscar formas de revitalização e de construção de sentido de vida ao lado dos analisandos.

Donald Winnicott (1975) qualifica o espaço analítico como espaço transicional, equiparado ao espaço existente entre o corpo da mãe e o do bebê, dada sua potencialidade de agrupar objetos externos e internos e de transformar aquilo que é não familiar em familiar - permitindo, com isso, a integração de partes fragmentadas do psiquismo. Bion (1994) fala da reverie como um trabalho de transformação no qual o analista capta elementos sensoriais desordenados do paciente (elementos beta), sustentando suas identificações projetivas, para devolvê-los já digeridos e menos terrificantes (elementos alfa). A reverie requer um analista destemido (Cintra, 2017) e opera diante da experiência impensável do analisando com vistas a uma simbolização primária. Há, pois, transformação e construção de material novo pela dupla. Ogden (2016), por sua vez, defende que a aquisição do pensamento transformador é resultado de um trabalho lento, que envolve a capacidade do par analítico de sonhar aspectos da experiência antes não decodificada. De acordo com o autor, a meta central do processo analítico é "a expansão da capacidade do analista e do analisando de criarem 'um lugar para viver' em uma área de vivência localizada entre a realidade e a fantasia" (2013, p. 34).

Na mesma trilha, Bollas (1992) propõe o interessante conceito de psychic genera (gênese psíquica ou generatividade psíquica) como um opositor ao conceito de trauma. Enquanto o trauma seria gerador de dor psíquica e produziria um impacto significativo no self por sua ligação estreita com a compulsão à repetição e o mortífero, a genera teria um conteúdo contributivo e procriativo e produziria a elaboração sucessiva do idioma pessoal, criando concepções de realidade e de organizações psíquicas. Como parte de uma proposta de trabalho não imersa em modelos exclusivamente patológicos, analistas e analisandos colaborariam para construir novas narrativas sobre a história pessoal destes. Tal conhecimento, ligado à atividade de um analista, representaria a capacidade de sustentar longas horas de não conhecimento, visando acessar uma descoberta psíquica. E, em relação ao analisando, redundaria na possibilidade de reorganizar sua própria forma de catalogar as experiências vividas com uma nova estruturação simbólica. As genera seriam produtoras de novas genera, como uma consequência das ideias sequenciadas e desenvolvidas anteriormente.

Emerge da obra de Bollas, portanto, a ideia do inconsciente receptivo a partir das contribuições ofertadas pelo analista ao analisando, que poderão trazer novas riquezas simbólicas para serem semeadas no inconsciente receptivo do paciente. Além da construção, há também oferta e recepção. Em relação ao inconsciente receptivo, Bollas usa as metáforas "conceber, impregnar, incubar, dar à luz", destacando que a generatividade psíquica resulta em "certo tipo de criatividade inconsciente diferente da metáfora paterna, que reforça a repressão, a dominação e a representação disfarçada" (1992, p. 55). Segundo o autor, a incubação da generatividade pode ser equiparada à criação do conteúdo dos sonhos e ao trabalho do brincar, pois os núcleos de ideias oníricas constituem um bloco de ideias que faz um trabalho simbólico de ligação para formar uma estrutura com novos significados.

Em obra mais recente, Bollas afirma que o inconsciente do analista é um receptor e um organizador de padrões que traduzem um conteúdo, fazendo analogia entre o processo analítico e uma ideia musical a ser veiculada em um padrão harmônico e em um idioma melódico, "ou a ideia de um poeta que ganha forma no ritmo da sintaxe típica daquele poeta e que configura a sequência de imagens que ele emprega" (2013, p. 20).

Defendemos, com base nesses construtos, que uma análise pode ser apreendida como um processo criativo entre duas pessoas para a produção de novas gêneses psíquicas, novos modos de pensar sobre o sofrimento e o vazio, mas que igualmente envolve o prazer de experimentar uma modalidade inédita de relação objetal, que passa a integrar a estrutura mental do paciente, revitalizando-o. São realizadas novas construções e reconstruções no tempo presente, agregando-se ao espaço analítico material novo produzido pela dupla em colaboração, e dessas construções decorrem novas cadeias de simbolização e representação.

Com o tempo, pois, a psicanálise foi se encaminhando para novas direções, e os analistas vêm sendo convocados a lidar menos com a interpretação do material recalcado e com a compreensão intelectual do conteúdo simbólico dos sonhos e sua interpretação, e mais com questões relacionadas à capacidade de pensar sobre os afetos dos analisandos e a experiência vivida. Em casos mais graves de não neuroses, de patologias narcísico-identitárias ou da clínica do vazio, é preciso passar por uma etapa inicial de simbolização primária, na presença do objeto, para apenas depois poder acessar a simbolização secundária, a fim de elaborar a ausência do objeto.

Pode-se pensar, assim, em uma construção feita a partir do material originário da história de um analisando, já contemplada por Freud no texto de 1937, mas também, com base na produção teórica da psicanálise contemporânea, em outra modalidade de construção, concebida a partir da relação da dupla analista-analisando, decorrente do vínculo da transferência-contratransferência, que constitui um novo espaço transicional e gera repercussões na elaboração de novas narrativas onde anteriormente estava o vazio. Na segunda modalidade de construção, haverá material psíquico novo, resultante dos processos intrapsíquicos e intersubjetivos da dupla a partir das ofertas e das trocas entre ambos.

Em 1905, Freud sustentou a existência de uma antítese entre a técnica sugestiva e a técnica analítica, usando, para tanto, as fórmulas per via di porre e per via di levare. Ele relacionou a primeira fórmula ao método da pintura, porque seriam depositados sobre a tela "pequeninos montes de cores onde não os havia". Na escultura, a fórmula aplicável seria per via di levare, já que o artesão retira da pedra "tudo o que cobre a superfície da estátua nela contida".Para o mestre de Viena, em síntese, a técnica da sugestão funda-se na fórmula da pintura (per via di porre), depositando a sugestão como um elemento novo, que se espera ser "forte o bastante para impedir que a ideia patogênica adquira expressão"; a técnica analítica, por sua vez, "não deseja acrescentar ou introduzir algo novo, mas sim retirar, extrair, e para isso cuida da gênese dos sintomas doentios e do contexto psíquico da ideia patogênica, cuja remoção é seu objetivo" (Freud, 1905/2016, pp. 336-337). Assim, relacionando o método analítico à fórmula per viadi levare, Freud sustentou de início que o analista deve atuar como um escultor diante de um bloco de pedra maciço, sem agregar novos elementos à matéria-prima, sem adicionar sugestões, mas retirando resíduos para que se revele a forma escondida na pedra. O analista nada deveria acrescer; apenas libertar o conteúdo acorrentado à rocha sólida - ou seja, acessar o material inconsciente recalcado.

O que intentamos ressaltar é que, em casos de vazio psíquico, tédio e apatia, se o analista opta por um manejo asséptico e distante, condizente com o método per via di levare, não há revitalização do quadro clínico dos analisandos, sobretudo porque os dois se confrontariam, a cada sessão, com uma cavidade oca, marcada por um discurso empobrecido e pela falta de acesso ao desejo. Assim, por melhor escultor que fosse o analista, por mais habilidosa que fosse sua arte de expurgar a superfície da pedra, a dupla esbarraria na falta de material mais denso no interior, que levaria, em última instância, à fragmentação da casca sem núcleo. Em tais casos, é preciso evitar uma psicanálise fundada na fórmula per via di levare, o que não significa, de forma alguma, uma defesa da técnica sugestiva. A construção, entendemos, deve ser per via di porre, mas para tanto o analista deverá ter a disposição de aguardar a lenta construção do imaginário e dos significantes do próprio analisando.2 Não se trata de deixar transbordar, na cena analítica, a subjetividade ou o desejo do analista, muito menos de permitir que o setting seja invadido pela sugestão aberta ou por atos diretivos do imaginário do analista, uma vez que isso acarretaria certa artificialidade, um erro de técnica ou uma escolha nada salutar pela via adaptativa. O analista estaria posicionado em um lugar equivocado de ideal do eu ou de saber, em vez de na posição cabível de suposto saber.

A via que propomos deve, ao contrário, possibilitar na transferência que o imaginário do analisando desperte aos poucos, a exemplo da descoberta lenta de interesses adormecidos, projetos esquecidos ou talentos que possam emergir a partir da troca analítica como derivados dos significantes internos do analisando, construídos lentamente, na companhia e com o testemunho do analista, até que se transfigurem em apostas de viver de outro modo. Para tanto, o analista deverá possibilitar o encaminhamento de novas operações de ligação para contornar os desligamentos libidinais acentuados. Louvar-se-á o analista do amor de transferência como combustível propulsor da tentativa de construção, compreendendo que todo manejo deverá ser suave, longo e duradouro, além de profundamente cuidadoso, dada a fragilidade da pedra de base.

Ferenczi ressalta que Freud ofereceu os primeiros elementos de uma investigação metódica sobre o psiquismo, fazendo surgir o ofício do psicanalista, ao mesmo tempo que adverte sobre o risco de uma troca do singular por alguma forma de legalidade inflexível. Ele enfatiza que "haverá sempre os artistas de exceção, de quem esperamos os progressos e as novas perspectivas" (1928/2011b, p. 29). Em determinados casos clínicos, de fato, os analistas devem atuar como artistas de exceção e revisar as bases delineadas na psicanálise clássica para tentar construir o que Ferenczi denomina de progressos e novas perspectivas. Muito de sua obra se dirigiu a essa busca, fundada na ideia de que, onde houver dor e sofrimento expressos, silenciados ou encenados em análise, deverá o analista tentar ampliar seus saberes sobre a psicanálise para abarcar aquilo que se apresenta, não importa o quão difícil, silente ou esvaziado seja.

Não raro, escutamos indivíduos que tiveram de recorrer a defesas primitivas, como clivagens, projeções e identificações projetivas, em face de eventos de forte impacto em seu psiquismo em tempos bastante precoces, anteriores ao campo da linguagem ou sem nenhuma forma de representação. Para lidar com o traumático, o abandono e o excesso, eles adotaram certos modos de silenciamento do psiquismo. Cintra (2017) destaca a passividade radical do neonato como um estado que o obriga a viver passivamente tanto o que o ambiente pode lhe oferecer como o que não pode lhe ofertar, dada sua capacidade sensório-motora subdesenvolvida e ainda não preparada para trabalhar simbolicamente o vivido. São casos de mau acolhimento no seio da família, de eventos que geraram grave comoção no psiquismo, vivência de uma ausência prolongada da ação maternante, experimentação agonizante de desamparo, ou ainda excesso de maternagem ou invasão de entes cuidadores. São todos casos de violência primordial, em que o tanático se apresenta como marca psíquica muitas vezes indelével.

Freud, em Além do princípio do prazer (1920/2010a) e, posteriormente, em Inibição, sintoma e angústia (1926/2014), situou a problemática do traumático sob uma ótica intrapsíquica, atribuindo ao psiquismo o encargo de pôr sob controle os elementos transbordantes. A projeção apareceu em um segundo momento, como forma de evacuação desses elementos. Apenas com o passar do tempo, foram sendo abordadas as questões intersubjetivas que acabaram por encontrar voz potente nos textos de Ferenczi, o qual relacionou a questão da criança mal acolhida na família à circulação do mortífero como reflexo da situação traumática. Assim, onde Freud (1920/2010) convoca a pulsão de morte, Ferenczi (1929/2011a) invoca uma acolhida malfeita, um ambiente que não propiciou ao bebê um prodigioso dispêndio de amor como um elemento neutralizador das pulsões de destruição acionadas na interação com o mundo exterior. Sem esse dispêndio amoroso, indivíduos que tiverem as necessidades e os desejos atendidos acabarão por viver sem prazer e com pessimismo em relação à vida.

Na mesma linha, Winnicott (1990) aponta o desatendimento a necessidades egoicas do bebê e a falta de cuidados primários por uma mãe suficientemente boa como causa das defesas maciças e da vivência de um risco de fragmentação constante e de uma agonia impensável. Diferentemente dos casos de neurose, nos quais há circulação de afetos intensos, envolvendo sujeitos inteiros em rivalidade vitalizante, nos casos pré-simbólicos há falta de estrutura, agonia, medo de desintegração e aniquilamento, estando em jogo a constituição egoica e a inteireza do sujeito.

A formulação de um pensamento clínico parte do zelo do analista com a ética e a técnica em psicanálise e de necessidades de ordem prática sobre a escuta das angústias e agonias que aparecem no setting analítico, seja como dor e sofrimento, seja como anestesia e desligamento. Muitas vezes, os processos defensivos primitivos acabam por comprometer a própria vivência da experiência emocional pelo analisando, convocando um manejo que lhe restitua aos poucos a capacidade de pensar e sentir seus processos emocionais - um manejo de construção.

No que tange a casos marcados por essa forma extrema de passivação, alguns anos atrás foi publicada a situação clínica de Sophie (Pressly, 2017), que na época vivia em estado vegetativo havia 20 meses, num enigmático caso clínico que vem sendo enquadrado como síndrome da resignação, doença misteriosa circunscrita à Suécia. Sophie tinha 9 anos, dependia de uma cadeira de rodas e parecia estar sem vida. Tinha cabelos brilhantes como os de uma criança saudável, mas usava fraldas e uma sonda gástrica para se alimentar havia quase dois anos. Não falava e não andava. Ela vivia com a família em um campo de refugiados na Suécia desde 2015 e, segundo relatos, ficou inerte após presenciar uma cena em que os pais foram retirados do carro ao sair de uma das antigas repúblicas da União Soviética e espancados por homens em uniformes policiais. O pai fora levado por esses homens, e Sophie passou dias de desespero até seu retorno. Ao chegarem à Suécia, três meses depois, a família foi detida pela polícia, e o quadro de passivação e desligamento de Sophie se agravou rapidamente. Em audiência na qual a menina esteve presente, a família teve negado o pedido de asilo, e Sophie parou de falar e de comer. A médica Elisabeth Hultcrantz, especialista que acompanha muitos desses casos clínicos, diz que é como se tais crianças simplesmente desligassem partes do cérebro. Estudos suecos recentes apontam que condições parecidas com as da síndrome foram observadas antes, "entre sobreviventes de campos de concentração nazistas, por exemplo". Segundo a publicação, tal síndrome foi reportada pela primeira vez na Suécia nos anos 1990, e mais de 400 casos foram registrados no biênio 2003-2005. Os sintomas vêm sendo compreendidos como a exteriorização de um abandono avassalador, ocorrido quando a criança chega à seguinte conclusão: "Minha mãe não pôde tomar conta de mim". É a consolidação de um desamparo central, maciço, sem saída. A criança perde totalmente a esperança por sentir que não há mais a quem recorrer.

Da mesma forma, no que se refere aos sintomas do vazio, do tédio e da apatia, constatamos na clínica psicanalítica certa descrença de alguns analisandos de que, em algum lugar, alguém possa restituir-lhes a esperança, o que os aproxima da mesma ideia: "Não puderam tomar conta de mim". A crítica ao mundo externo, no qual não se pode confiar, o escoamento da vontade de viver e o desinvestimento no aspecto prazeroso da vida parecem derivar de um abandono além do que seria suportável. Resta, nesse caso, a pergunta: qual a posição a ser ocupada pelo analista para viabilizar a simbolização do material clivado, a consequente construção de uma narrativa e a revitalização desses analisandos?

De acordo com Pressly (2017), em relação a meninas como Sophie, declararam os profissionais cuidadores: "Brincamos por elas até que possam brincar sozinhas. Dançamos e ouvimos muita música. Queremos despertar seus sentidos. Colocamos refrigerante em sua boca para que provem algo doce. ... Vivemos pelas crianças até que elas consigam viver por si próprias". A revitalização decorre da própria cena analítica, pela oferta da brincadeira, do humor, do despertar dos sentidos, para que elas possam desejar viver.

Nos casos em que a palavra e a narrativa estão ausentes, em que a vida emocional dos pacientes não tem acesso à tradução pela via simbólica, nós, psicanalistas, não podemos nos furtar a escutar na intersubjetividade da dupla analítica o que é, de certa forma, da ordem do inaudível, mas que aparece no setting como vivência clivada. São partes silenciosas que se expressam em compulsão à repetição mortífera, na tentativa de alguma ligação, amarração ou ancoragem, fora do campo das representações psíquicas, manifestas no corpo, no ato, sem a possibilidade direta de serem decifradas, pois se encontram imbricadas a meras imagens, ou, mais primitivamente, nem sequer a imagens ainda. As novas perspectivas trazem um desafio, mas não há como escutar o vazio sem que o analista se envolva na construção de recursos internos do analisando para fazer face à anestesia, à vivência de inautenticidade e à esterilidade de suas relações afetivas.

O analista deve ser mais ativo e adotar uma atitude de oferta e de escuta ampla, no sentido de empatizar, afastar o desmentido e não desautorizar a existência do evento traumático para auxiliar o analisando na simbolização do material expurgado do psiquismo. Além de agir com tato e oferecer uma escuta empática da situação traumática do abandono prolongado, deve criar um ambiente maleável e confiável para que o sujeito possa reviver o que não foi possível quando experimentou o impacto com o psiquismo despreparado (Ferenczi, 1921/2011c). Nos casos de vazios psíquicos mais profundos, há uma necessidade inafastável de construção, reconstrução e geração de novos recursos imaginários. Quanto à posição do analista, Pontalis defende que a realidade psíquica ausente, "mais do que ser reencontrada, precisa nascer" (2005, p. 250). Deverão ser trabalhados os significantes internos do analisando a fim de privilegiar a escuta das partes silenciadas do psiquismo em estado agonizante, de semimorte, e anestesiado para o prazer de viver e de manter relações objetais. Há de ser construída pela dupla analista-analisando alguma aposta no porvir, para que novos arranjos psíquicos derivem desse processo criativo.

A necessidade de refazer a malha da narrativa sobre a história pessoal do analisando, de restituir a tela em branco como vazio criativo, leva Fédida a dizer que "é preciso fazer uma cama, um lugar de repouso, para a depressão" (citado por Delouya, 1999, p. 12). Entendemos que essa ideia de fazer um lugar de repouso deve nortear a disposição de mente e ânimo do analista, para viabilizar que o paciente atinja estados regressivos, se for o caso, em um ambiente confiável, a fim de rever - e reviver - de outro modo os momentos disruptivos de sua vida primitiva como criança, narrando-os a partir de outra posição subjetiva. Nesse lugar de repouso, haverá espaço para viver também aquilo que não teve lugar, psiquicamente falando.

Alvarez menciona a dificuldade que encontrou para selecionar um conceito que equivalesse em peso e dignidade ao que Freud denominou trabalho de luto para abordar o tratamento analítico com crianças profundamente deprimidas, a fim de viabilizar o nascimento e o desenvolvimento da esperança. Diz que as palavras "regozijar-se, celebrar, agradecer" são insuficientes no que concerne à extensão e à profundidade desse longo processo. Elegeu, assim, a expressão trabalho de regeneração, mas empregou as belas palavras de Stern e Herbert, que falam do processo analítico nesses casos como "a lenta e significativa descoberta de que seu coração murcho pode conter frescor" (Alvarez, 1994, p. 183).

Igualmente, nos casos de vazio, apatia e tédio, o analista lidará, muitas vezes, com corações murchos, que clamam por delicadeza em seu manuseio, mas que também demandam, de alguma forma, que neles seja insuflada pulsão de vida. Tais casos clínicos requerem um analista que possa sobreviver a variadas temperaturas no setting analítico - o estado morno, a anestesia e as gélidas temperaturas do tédio-branco e da apatia-desligamento. A análise há de ser, portanto, um espaço potencial apto a viabilizar uma ampliação da capacidade de representação dos analisandos quanto aos traumas e dores psíquicas que tiveram de silenciar, uma delimitação de fronteiras do eu desses sujeitos pela via do atendimento a necessidades egoicas negligenciadas na origem - um espaço, enfim, que produza um encontro frutífero também quanto aos trabalhos de luto do analisando e seus trabalhos do brincar e do sonhar, para que possa investir em objetos e reconhecer a alteridade de forma não ameaçadora.

Neste artigo, buscamos pensar sobre a construção de elaborações clínicas que auxiliem nessa escuta psicanalítica tão desafiadora. Almejamos afastar, ao menos por um período, o silêncio e o vazio que permeiam esse campo psíquico, colocando-o em evidência para que possamos escutá-lo, não sob a perspectiva da cura de sintomas, mas sim da cura enquanto cuidado (Winnicott, 2011) e das novas construções em análise.

 

Referências

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Correspondência:
Adriana Meyer B. Gradin
Rua Pedroso Alvarenga, 691, sala 1304
04531-011 São Paulo, SP
Tel.: 11 97233-1541
adygradin@terra.com.br

Recebido em 7/8/2019
Aceito em 3/6/2020

 

 

1 Artigo derivado da dissertação de mestrado da autora, intitulada Tédio e apatia como sintomas: manejos na clínica psicanalítica, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sob orientação do Prof. Luís Claudio Figueiredo, e inspirado no texto "Novas construções em análise perante o vazio psíquico: para além de 1937", apresentado no XXXII Congresso Latino-Americano de Psicanálise, realizado em setembro de 2018, em Lima (Peru).
2 Assim também pensa Maria Rita Kehl (2009), para quem o fim da análise de pacientes depressivos deve se dar per via di porre.

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