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Estudos de Psicologia (Natal)

versão impressa ISSN 1413-294Xversão On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.25 no.4 Natal out./dez. 2020

https://doi.org/10.22491/1678-4669.20200039 

10.22491/1678-4669.20200039

PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO

 

Comprometimento organizacional para gestores de recursos humanos na perspectiva das representações sociais

 

Organizational commitment for human resource managers from the perspective of social representations

 

Compromiso organizacional para gestores de recursos humanos en la perspectiva de las representaciones sociales

 

 

Priscilla de Oliveira Martins-SilvaI; Annor da Silva JuniorII; Caroline de Abreu Lourenço Gripp

IUniversidade Federal do Espírito Santo
IIUniversidade Federal do Espírito Santo

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A proposta deste estudo foi identificar a representação social (RS) de comprometimento organizacional entre gestores de recursos humanos, analisando três focos de comprometimento: o trabalho, a organização e a carreira. Realizou-se um estudo de natureza qualitativa com dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e submetidos à análise de conteúdo. A síntese dos resultados indica que a RS de comprometimento organizacional é constituída por dois focos (contexto de trabalho e carreira) e nove categorias ou elementos que formam as RS (sentimento de dono, foco no resultado, atributos pessoais, cultura, satisfação, inovação e melhorias de processos, planejamento de carreira, desempenho e lealdade a seus valores). Além disso, foi possível constatar que o conceito de comprometimento é unidimensional e de base eminentemente afetiva.

Palavras-chave: psicologia organizacional; comprometimento organizacional; representação social; administração de recursos humanos.


Abstract

The purpose of this study was to identify the social representation (SR) of organizational commitment among human resource managers, analyzing three focuses of commitment: work, organization and career. A qualitative study was carried out with data collected through semi-structured interviews and analyzed through content analysis. The synthesis of the results indicates that the SR of organizational commitment consists of two focus (work context and career) and nine categories or elements that form the SR (ownership sense, result focus, personal attributes, culture, satisfaction, innovation and process improvements, career planning, performance and loyalty to their values). In addition, it was possible to verify that the concept of commitment is one-dimensional and is based is based on the notion of affection.

Keywords: organizational psychology; organizational commitment; social representation; human resources administration.


Resumen

La propuesta de este estudio fue identificar la representación social (RS) del compromiso organizacional entre gestores de recursos humanos, analizando tres focos de compromiso: el trabajo, la organización y la carrera. Se realizó un estudio de naturaleza cualitativa con datos recogidos por medio de entrevistas semiestructuradas y analizadas por medio del análisis de contenido. La síntesis de los resultados indica que la RS de compromiso organizacional se compone dos focos (contexto de trabajo y carrera) y nueve categorías o elementos que forman las RS (sentimiento de dueño, foco en el resultado, atributos personales, cultura, satisfacción, innovación y mejoras de procesos, planificación de carrera, rendimiento y lealtad a sus valores). Además, fue posible constatar que el concepto de compromiso es unidimensional y de base eminentemente afectiva.

Palabras clave: psicología de las organizaciones; compromiso organizacional; representación social; administración de personal.


 

 

Investigou-se nesse artigo a representação social (RS) de comprometimento organizacional entre gestores de recursos humanos (RH). Para isso, articulou-se a teoria das representações sociais (TRS) (Jodelet, 2001; Martins-Silva, Silva Junior, Peroni, Medeiros, & Vitória, 2016; Moscovici, 2015) e o corpo de conhecimento acerca do comprometimento organizacional (Bastos, Maia, Rodrigues, Macambira, & Borges-Andrade, 2014; Mowday, Porter, & Steers, 1982; Mowday, Steers, & Porter, 1979; Rodrigues & Bastos, 2010).

A TRS se dedica a compreender um certo fenômeno social por meio do entendimento de como os indivíduos interpretam, pensam e comunicam a sua realidade cotidiana (Moscovici, 2015). O conceito central da TRS é o de representações sociais (RS), que segundo Jodelet (2001) contribuem para construção de uma realidade para dar sentido aos eventos cotidianos, promovendo assim a construção social da realidade comum a um grupo de indivíduos, que são formados por meio dos conhecimentos construídos e compartilhados com um objetivo prático. Quando o indivíduo interage com um objeto, ele o associa a um sentido, um mapa que o guia em suas ações e comportamentos. Essas RS são moldadas pelo indivíduo a partir de crenças, valores e opiniões sobre o objeto (Jodelet, 2001; Moscovici, 2015).

A investigação de uma RS envolve a relação entre o sujeito (aquele que representa) e o objeto representacional (fenômeno social) (Jodelet, 2009). Assim, a perspectiva da TRS em sua abordagem psicossocial (Martins-Silva, Trindade, & Silva Junior, 2012) possibilitará a compreensão das RS dos gestores de RH (sujeito) a respeito do comprometimento organizacional (objeto representacional).

No âmbito da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), o comprometimento organizacional tem se destacado como um tema relevante e com larga tradição em pesquisas (Bastos et al., 2014; Rodrigues & Bastos, 2010). Bastos (1993) e Bastos e Costa (2001) apontam que o interesse pela pesquisa sobre o comprometimento organizacional ganhou forte impulso no final dos anos setenta e início da década de oitenta com os trabalhos clássicos de Mowday et al. (1979) e Mowday et al. (1982).

Desde este período, diversos estudos e pesquisas foram desenvolvidos em âmbito internacional e nacional brasileiro sem, contudo, que se tenha estabelecido um consenso acerca do significado do conceito de comprometimento organizacional (Rodrigues & Bastos, 2010). Pelo contrário, o que se observa é a presença de diferentes abordagens do construto que, por consequência, culminam em conceituações e mensurações diferentes (Rodrigues & Bastos, 2010). Em parte, esta diversidade conceitual e de possibilidades de mensurações pode ser interessante, pois permite múltiplas possibilidades de abordar o tema no contexto da POT.

Dentre as múltiplas possibilidades de abordar esse tema, parece haver um entendimento de que o comprometimento organizacional está relacionado com a orientação do indivíduo, sua dedicação pessoal e com o aspecto para o qual essa orientação se direciona (Jesus & Rowe, 2014; Pinho & Oliveira, 2017). Nessa perspectiva, os estudos sobre comprometimento têm sido orientados segundo (1) três bases (afetiva, instrumental e normativa) e (2) diversos focos, como por exemplo, organização, carreira, trabalho, sindicato, valores e profissão entre outros (Bastos, 1993; Bastos & Costa, 2001; Jesus & Rowe, 2014; Pinho & Oliveira, 2017; Schirrmeister & Limogi-França, 2012).

Conforme destacam Tomazzoni, Costa, Antonello, e Rodrigues (2020), a adoção de bases e focos em pesquisas sobre comprometimento tem sido utilizada como forma de melhor compreender e explicar este fenômeno, assim como as relações entre os seus antecedentes e consequentes. Na literatura brasileira, Pinho, Bastos, e Rowe (2015) apontam que a utilização das bases afetiva, instrumental e normativa tem sido dominante nas pesquisas sobre o tema. Já em relação aos focos, Pinho e Oliveira (2017) e Tomazzoni et al. (2020) indicam que os mais estudados têm sido organização, carreira, trabalho e sindicado.

Ao articular a TRS (e o conceito de RS) e o comprometimento organizacional, este estudo volta-se para a investigação de um público-alvo específico, qual seja de gestores de RH. A opção por investigar gestores de RH se justifica pelo fato destes profissionais terem como escopo de atuação as políticas e práticas gerenciais que viabilizam a conciliação de expectativas entre a organização e as pessoas para que ambas possam realiza-las (Dutra, 2016). Estes profissionais trabalham mais diretamente com a temática da pesquisa em seu cotidiano, sendo considerados profissionais qualificados para participarem da pesquisa.

Ao abordar este público-alvo (gerentes de RH) sob a lente teórica da TRS, será possível conhecer as crenças, valores e opiniões partilhadas por esses profissionais que moldam a RS (Jodelet, 2001; Moscovici, 2015) de comprometimento organizacional (Bastos et al., 2014; Mowday et al., 1982; Mowday et al., 1979; Rodrigues & Bastos, 2010) levando em consideração as bases afetiva, instrumental e normativa (Bastos, 1993; Meyer & Allen, 1991) e os focos trabalho, organização e carreira (Bastos, 1993; Bastos & Costa, 2001; Jesus & Rowe, 2014; Pinho & Oliveira, 2017). Nesse sentido, essa pesquisa se dedicou a responder a seguinte questão de pesquisa: qual é a representação social de comprometimento organizacional para os gestores de recursos humanos tendo como focos o trabalho, a organização e a carreira?

Justifica-se a operacionalização da questão de pesquisa com base em dois argumentos centrais: (1) a diversidade conceitual e ausência de consenso em torno na noção de CO (Rodrigues & Bastos, 2010); e (2) o potencial da TRS (e da noção de RS) para a compreensão de fenômenos sociais (Jodelet, 2001; Martins-Silva et al., 2016; Moscovici, 2015), no caso desse estudo o CO. Sob esse último argumento, foi possível observar na literatura nacional o estudo de Melo, Paz, e Almeida (2007) que investigou a RS de vínculo do trabalhador com a organização articulando as três bases de CO (afetiva, instrumental e afetiva). As autoras concluíram que a compreensão da RS de CO é mais efetiva quando se considera essas três bases em conjunto. Embora estudos que articulem TRS e CO ainda sejam incipientes no âmbito dos estudos organizacionais (Martins-Silva et al., 2016), os resultados da pesquisa de Melo et al. (2007) evidenciam como a TRS pode contribuir na compreensão do CO.

Para operacionalizar a pesquisa, conduziu-se um estudo qualitativo (Triviños, 2009), pois permite compreender os sentidos e significados do comprometimento organizacional, suas bases e focos em maior profundidade. Considerando o fato de que os estudos recentes sobre o comprometimento organizacional têm privilegiado o recorte de pesquisa quantitativa com aplicação de questionários estruturados como forma de mensuração do fenômeno (Bastos et. al., 2014; Demo, 2003; Moscon, Bastos, & Souza, 2012), a utilização do recorte de pesquisa qualitativo adotado nesse estudo tem potencial para contribuir metodologicamente para os campos de estudos das RS e do comprometimento organizacional.

Acredita-se que os resultados do presente estudo poderão contribuir para o desenvolvimento do campo de estudos sobre o comprometimento organizacional, sobretudo por meio da articulação teórica junto à TRS e o recorte de pesquisa qualitativa. Nesse sentido, esse estudo pode contribuir para a compreensão dos sentidos do comprometimento organizacional levando-se em consideração as bases e foco investigados junto a um público-alvo qualificado. Com isso, será possível ampliar a discussão sobre o conceito de comprometimento organizacional rumo ao consenso conceitual.

 

Teoria das representações sociais (TRS)

A TRS, inaugurada em 1961 com a publicação da obra Psychanalyse: son image et son public de Serge Moscovici, evoluiu ao longo dos anos e vem se consolidando como campo de estudos de alcance internacional (Howarth, 2006; Martins-Silva et al., 2016). De acordo com Martins-Silva et al. (2016), a abordagem original de Serge Moscovici que ficou conhecida como a "Grande Teoria" apresentou, entre outros aspectos, três conceitos centrais da TRS: (1) as RS; e, os processos formadores das RS, são eles, (2) a objetivação; e a (3) ancoragem.

Almeida (2009) destaca a presença de outras três abordagens da TRS: (1) a culturalista de Denise Jodelet, que privilegia o enfoque histórico e cultural e mantém relação próxima com a proposta original de Serge Moscovici; (2) a abordagem estruturalista (também conhecida como Teoria do Núcleo Central) de Jean Claude Abric que se dedica ao estudo da estrutura das RS e seus processos de mudança; e (3) a abordagem de cunho mais sociológico de Willem Doise que objetiva estudar as condições de produção e circulação das RS. Além dessas, é possível identificar ainda a abordagem dialógica proposta por Marková (2000; 2006) e a perspectiva crítica de Howarth (2006).

A opção por abordar a TRS se justifica pelo fato desse corpo teórico possibilitar a identificação e a análise do pensamento social acerca de um objeto (no caso deste estudo, o comprometimento organizacional) que é representado por um grupo social (qual seja, os gestores de RH). Com isso, será possível analisar e compreender como o grupo social investigado se relaciona com o objeto representacional, o interpreta partindo de sua própria realidade (Jodelet, 2009). Nesse sentido, as RS referem-se às teorias construídas pelo senso comum para explicar a realidade que circunda o indivíduo (Jodelet, 2001; Moscovici, 2015).

Em específico, no âmbito da TRS, optou-se pela abordagem da "Grande Teoria" de Serge Moscovici. Justifica-se a escolha por essa abordagem, com base em dois argumentos principais: (1) a predominância na utilização da "Grande Teoria" na condução de estudos teóricos e empíricos na TRS; e (2) a apresentação dos três conceitos centrais da TRS, quais sejam, RS, objetivação e ancoragem (Martins-Silva et al., 2016).

De acordo com Moscovici (2015), o conteúdo das RS possibilita que os indivíduos interpretem um determinado contexto, orientando assim os processos comunicativos. Nesse sentido, a TRS tem potencial para abordar problemas sociais contemporâneos (Howarth, 2006) e, com isso, compreender sua estrutura, dinâmica e organização (Abric, 2000; Almeida, 2009).

Em outros termos, conforme destaca Moscovici (2015), a TRS procura compreender tanto a forma como as RS se organizam quanto os seus processos de formação e transformação. Em síntese, a TRS visa a compreensão da produção dos saberes sociais, trabalhando o conceito de pensamento social objetivando entender sua dinâmica e sua diversidade (Moscovici, 2015). Essa dinâmica e diversidade, segundo Howarth (2006), se fez presente desde as origens da TRS.

Moscovici (2015) afirma que as RS têm a função de tornar o desconhecido em familiar e identifica dois processos de formação das representações: ancoragem e objetivação. A ancoragem é o processo no qual o indivíduo busca definir um determinado objeto de acordo com a rede de significações que já possui, relacionando-o com os valores sociais, atribuindo assim coerência ao objeto (Jodelet, 2001; Moscovici, 2015). Já a objetivação consiste em dar materialidade a um objeto abstrato, ou seja, tornar concreto aquilo que é abstrato, com vistas a compreender como um conceito ou fenômeno adquire materialidade (Moscovici, 2015).

Como forma de sistematizar os processos das RS, Abric (2000) identificou quatro funções essenciais: de saber, identitária, de orientação e, justificadora. A função de saber permite que os indivíduos compreendam a realidade a que são expostos, ou seja, possibilita que os atores sociais obtenham o conhecimento e a prática do senso comum, tornando assimilável e compreensível para cada indivíduo de acordo com seu funcionamento cognitivo e os valores que possuem. Com o papel de situar os indivíduos e os grupos sociais, a função identitária permite que se desenvolva uma identidade social compatível com os sistemas de normas e valores de seus membros; essa identidade possibilita proteção e singularidade dos membros grupos. As RS na função de orientação fazem com que os indivíduos tenham uma orientação quanto às suas práticas e comportamentos, demarcando o que é considerado lícito ou ilícito, tolerável ou intolerável, aceitável ou inaceitável num determinado contexto social. A função justificadora das RS permite que determinadas tomadas de decisão sejam justificadas após a realização de uma ação qualquer. Assim, as RS têm como função a preservação e o reforço da diferenciação social, a reivindicação da discriminação de estereótipos ou a manutenção da distância social entre os grupos sociais (Abric, 2000).

 

Comprometimento organizacional

Ao analisarem o conceito de comprometimento organizacional, Mowday et al. (1979) afirmam tratar-se do sentido de identificação e envolvimento do indivíduo com a organização. Dessa forma, os indivíduos que estão comprometidos se esforçam em benefício da organização, creem e aceitam os valores propostos pela mesma, e possuem forte desejo de permanência na organização (Mowday et al., 1979).

De acordo com Mowday et al. (1979) e Mowday et al. (1982), o constructo do comprometimento organizacional é unidimensional e tem como objetivo avaliar o nível de esforço que o indivíduo pode despender em favor da organização e de seus objetivos. Neste enfoque, o comprometimento abrange três aspectos: os sentimentos de lealdade, o desejo de permanecer e, de se esforçar em benefício da organização (Mowday et al., 1979).

Numa tentativa de propor avanços conceituais ao modelo unidimensional (Mowday et al., 1982; Mowday et al., 1979), Meyer e Allen (1991) propuseram o modelo tridimensional. De acordo com esse modelo o comprometimento organizacional pode ser avaliado a partir de três dimensões: afetiva, instrumental e normativa. A dimensão afetiva engloba o apego, o envolvimento, a identificação do indivíduo com a organização, tendo em vista a permanência do indivíduo na organização. Já a dimensão normativa compreende a permanência do indivíduo por obrigação, e o cumprimento das atividades atendendo às normas da organização e ao dever moral de permanecer na mesma. A dimensão instrumental, por sua vez, trata da permanência do indivíduo na organização devido a possíveis custos decorrentes de sua eventual saída da organização (Bastos, 1993; Meyer & Allen, 1991).

Apesar da sua ampla utilização nos estudos sobre o comprometimento organizacional, o modelo de Meyer e Allen (1991) vem sendo bastante criticado, em especial, devido ao alargamento conceitual que é proporcionado pela abordagem tridimensional (Rodrigues & Bastos, 2012). A crítica central refere-se a pouca precisão que o constructo de comprometimento organizacional assume com as três dimensões (Rodrigues & Bastos, 2012).

Em estudos recentes, autores como Silva e Bastos (2010), Rodrigues e Bastos (2012), Bastos et al. (2014) e Pinho et al. (2015) buscaram refinar o conceito de comprometimento organizacional ao estabelecer os conceitos de entrincheiramento e de consentimento para, com isso, distingui-los do conceito de comprometimento. Segundo Silva e Bastos (2010), Rodrigues e Bastos (2012) e Pinho et al. (2015), o conceito de comprometimento está ligado a um aspecto positivo, tanto para o indivíduo quanto para a organização, pois remete a aspectos ligados a motivação e prazer por estar na organização.

Diferentemente, os conceitos de entrincheiramento e de consentimento estão ligados, respectivamente, a questões de sobrevivência e de acomodação dos sujeitos (Pinho et al., 2015; Rodrigues & Bastos, 2012; Silva & Bastos, 2010). Segundo Pinho et al. (2015), o entrincheiramento está relacionado ao medo de mudar de organização devido aos custos que a saída pode gerar e ao medo de arriscar a estabilidade já adquirida; o consentimento relaciona-se a uma submissão às relações de poder e autoridade, podendo até mesmo estar relacionado à insatisfação com o trabalho e à organização.

Esse movimento de alargamento e de imprecisão conceitual decorrente do modelo tridimensional (Meyer & Allen, 1991) tem suscitado a necessidade de delimitação do conceito de comprometimento, fortalecendo a ideia do retorno a uma concepção do construto como sendo unidimensional (Bastos & Menezes, 2010; Carvalho, Alves, Peixoto, & Bastos, 2011; Costa & Bastos, 2014). De acordo com Carvalho et al. (2011), a atual agenda de pesquisa aponta para um retorno ao conceito unidimensional, sendo a dimensão afetiva vista como o principal fator de comprometimento. Para Carvalho et al. (2011, p. 128) a "base que melhor caracteriza o comprometimento é a afetiva, por se tratar de um vínculo ativo relacionado a intenções favoráveis para a organização, como intenções de empenho extra, permanência e sacrifício". Este entendimento sugere "que as outras bases do construto podem não medir o mesmo fenômeno (comprometimento), referindo-se, assim, a vínculos distintos que se estabelecem entre o trabalhador e a organização" (Carvalho et al., 2011, p. 128).

Na esteira destas discussões, a proposta deste estudo é, por meio de uma abordagem qualitativa e ancorado na TRS, identificar a RS de comprometimento organizacional entre gestores de RH, analisando três focos centrais: o trabalho, a organização e a carreira. Com estas perspectivas metodológica e teórica, acredita-se ser possível identificar se o conceito de comprometimento organizacional se volta para um modelo uni ou tridimensional.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa (Triviños, 2009) cuja finalidade é compreender a RS do fenômeno comprometimento organizacional a partir da TRS (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015). A pesquisa foi realizada junto aos gestores de RH. A escolha por este público-alvo encontra fundamento (1) na posição de liderança e coordenação dos processos de gestão de pessoas que ocupam no contexto organizacional (Dutra, 2016); e (2) o fato de partilharem crenças, valores e opiniões que moldam as RS (Jodelet, 2001; Moscovici, 2015) que permitem emergir teorias do senso comum sobre o comprometimento organizacional (Bastos et al., 2014; Mowday et al., 1982; Mowday et al., 1979; Rodrigues & Bastos, 2010;).

Para acessar esses gestores, foi feito contato com a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) de uma das seccionais da Região Sudeste do Brasil. A ABRH, por meio de sua presidência, indicou profissionais com experiência e atuação na gestão de RH e com participação ativa em eventos promovidos pela ABRH. Em parte, esta participação ativa (em reuniões temáticas, eventos e cursos), caracterizam os respondentes como um grupo social.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais semiestruturadas em profundidade (Gaskell, 2002). As entrevistas qualitativas são utilizadas para mapear e compreender o mundo dos respondentes que, por meio de esquemas interpretativos, permitem explorar as narrativas dos atores sociais em termos conceituais e abstratos. Com isso, é possível compreender as crenças, atitudes, valores, sentidos e motivações, em relação ao comportamento individual em contextos sociais específicos (Gaskell, 2002). No caso deste estudo, o escopo volta-se para a RS de comprometimento organizacional que é conferida pelos gestores de RH, tendo como focos o trabalho, a carreira e a organização.

O roteiro de entrevista continha dois blocos: (1) o primeiro relativo ao perfil sociodemográfico; e (2) o segundo relativo ao comprometimento organizacional. O segundo bloco foi elaborado considerando três focos definidos a priori com base na teoria: trabalho, organização e carreira (Bastos, 1993; Bastos & Costa, 2001; Jesus & Rowe, 2014; Pinho & Oliveira, 2017; Schirrmeister & Limogi-França, 2012). As entrevistas, que tiveram em média 40 a 60 minutos, foram realizadas nas próprias organizações de vínculo dos entrevistados. Houve uma exceção em que o entrevistado optou por participar na pesquisa em local distinto da organização de vínculo.

As entrevistas foram transcritas e submetidas a análise de conteúdo (Bardin, 2011). Esta abordagem se justifica pela ênfase na mensagem que quando emitida transmite significado e sentido. Após a transcrição, os dados foram transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitiram uma descrição das características pertinentes ao conteúdo (Bardin, 2011). Em seguida, foi elaborado um sistema de categorias para codificação dos dados e avaliação estrutural dos resultados, tendo o objetivo de fazer inferências sobre a organização do sistema de pensamento da fonte de acordo com as narrativas (Bardin, 2011).

 

Apresentação dos resultados

Esta seção foi estruturada em dois momentos, sendo o primeiro com o detalhamento do perfil sociodemográfico e o segundo com a explanação das RS de comprometimento organizacional entre gestores de RH, analisando três focos centrais: o trabalho, a organização e a carreira. A Tabela 1 apresenta o perfil dos respondentes.

 

 

Ao se observar os dados sociodemográficos dos respondentes, é possível observar que a maioria é do sexo feminino, na faixa etária média de 37,5 anos (DP = 5,35), com formação educacional predominante em administração ou em psicologia, casada(o), com média superior a 7 anos de tempo de instituição, e com uma média de 2,4 anos de permanência no cargo de gerente de RH. Com isso, foi possível constatar que o tempo de instituição e o tempo de permanência no cargo atual, qualificam os respondentes para participarem da pesquisa.

A aplicação do roteiro de entrevista semiestruturada para investigar o comprometimento organizacional permitiu identificar as categorias (elementos que formam as RS) que compõem os três focos analisados na forma seguinte:

  • Foco trabalho: (1) sentimento de dono; (2) foco no resultado; (3) atributos pessoais; (4) cultura; (5) satisfação; e (6) inovação e melhoria de processo.
  • Foco organização: (1) sentimento de dono; (2) foco no resultado; (3) atributos pessoais; (4) cultura; e (5) inovação e melhoria de processo.
  • Foco carreira: (1) planejamento de carreira; (2) desempenho; (3) atributos pessoais; (4) lealdade aos seus valores; e (5) satisfação.

Os dados evidenciaram a presença de nove categorias identificadas a partir das falas dos respondentes, sendo que algumas são comuns a mais de um foco e outras são exclusivas a um único foco. Os focos de comprometimento com o trabalho e com a organização possuem as seguintes categorias comuns: sentimento de dono, foco no resultado, atributos pessoais, cultura e inovação e melhoria de processo. A diferença entre esses dois focos é que o comprometimento com o trabalho possui uma categoria adicional que é a satisfação.

Em relação ao foco de comprometimento com a carreira foram identificadas cinco categorias, sendo três exclusivas a esse foco (planejamento de carreira, desempenho e lealdade aos seus valores), uma comum ao foco de comprometimento com o trabalho (satisfação) e uma comum ao foco de comprometimento com a organização (atributos pessoais). Aparentemente, os resultados indicam que os atributos pessoais, por aparecerem nos três focos, pode ser identificado como um aspecto central no comprometimento organizacional.

Das nove categorias identificadas pode-se observar que, para os respondentes, os focos de comprometimento com o trabalho e com a organização se aproximam por compartilharem categorias comuns, e que o foco de comprometimento com a carreira se afasta por possuir categorias distintas dos dois primeiros focos. Considerando que o estudo se baseou na teoria para subdividir o comprometimento organizacional em três focos, observa-se que, para os respondentes, o comprometimento se configura, na realidade, em dois focos: (1) trabalho e organização que, neste estudo, foi identificado como "contexto de trabalho"; e (2) carreira. A Figura 1 ilustra as diferenças entre a teoria (Bastos, 1993; Bastos & Costa, 2001; Jesus & Rowe, 2014; Pinho & Oliveira, 2017; Schirrmeister & Limogi-França, 2012) e os resultados obtidos junto aos gestores de RH.

 

 

A Tabela 2 apresenta alguns extratos de falas dos respondentes relacionados às categorias. Para a categorização das falas foram utilizados os seguintes critérios:

  1. Sentimento do dono: falas que afirmavam que o comprometimento está relacionado à capacidade de a pessoa ter uma visão geral, entendimento e preocupação com negócio que vai além do horário de trabalho e funções preestabelecidas.
  2. Foco no resultado: falas relacionadas à preocupação com os resultados da organização tanto de forma micro organizacional (atingimento de metas/entregas individuais), quanto macro organizacional (metas/entregas coletivas para atingir os resultados/lucros almejados), estando alinhado com as estratégias da organização.
  3. Atributos pessoais: referem-se às características pessoais consideradas importantes no contexto empresarial que demonstram comprometimento com o trabalho e com a organização, como: responsabilidade, engajamento, proatividade, bom relacionamento em equipe, sociabilidade, responsividade, motivação, liderança, entre outros.
  4. Cultura: remetem à importância do alinhamento dos valores dos profissionais com os valores da empresa para o comprometimento com o trabalho e permanência na organização.
  5. Inovação e melhoria de processos: refere-se à participação dos profissionais em inovações nos processos, proposição de novas ideias e melhorias (inclui a eficiência de custos).
  6. Satisfação: falas que mencionam o sentir-se feliz e realizado no trabalho e na vida pessoal, ter prazer, gostar, acreditar no que faz para ser comprometido com o trabalho.
  7. Planejamento de carreira: falas ligadas ao pensar no futuro, aos propósitos de vida, a vocação, ao comprometimento, ao pensar além, ao planejamento e a capacitação.
  8. Desempenho: falas relacionadas à importância de dar bons resultados para a organização e ter feedbacks positivos da organização.
  9. Lealdade aos seus valores: falas que mencionam a importância de manter e priorizar os seus valores no decorrer da carreira e nas tomadas de decisões que nela serão necessárias, além de buscar organizações que possuam valores compatíveis.

No conjunto, as falas categorizadas permitiram reconstruir as maneiras pelas quais os respondentes, enquanto grupo social, compreendem e interpretam as suas próprias realidades sociais que norteiam as suas ações e práticas. Na seção seguinte discutem-se os resultados.

 

Discussão dos resultados

Na discussão dos resultados foram articuladas as perspectivas teóricas da TRS (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015) e sobre o comprometimento organizacional, mais especificamente, (1) o modelo tridimensional de comprometimento proposto por Meyer e Allen (1991) que contempla as bases: afetiva, instrumental e normativa; e (2) os focos: trabalho, carreira e organização (Bastos, 1993; Bastos & Costa, 2001; Jesus & Rowe, 2014; Pinho & Oliveira, 2017). Iniciou-se esta seção por meio da análise da TRS para, em seguida, explorar as questões relativas ao comprometimento organizacional e os focos investigados.

Antes mesmo de avançar com a discussão dos resultados, é relevante analisar se a RS de comprometimento se configura efetivamente como uma RS. Para isso, recorreu-se aos cinco critérios justificados teoricamente por Wagner (2000): consenso funcional, relevância, prática, homomorfose e afiliação. No geral, foi possível observar que a noção de comprometimento consistiu em um conjunto organizado e partilhado de opiniões, atitudes, crenças e práticas que tornam os gestores de RH como uma unidade social reflexiva, capaz de favorecer uma interação coordenada dos seus membros, e o alcance de consenso funcional (Wagner, 2000).

A partir do consenso funcional, foi possível observar também que o conhecimento dos respondentes acerca do comprometimento organizacional implica em mudança no padrão comportamental, atendendo ao critério de relevância social (Wagner, 2000). Em diversas falas foi possível constatar o potencial que a noção de comprometimento organizacional possui em termos de mudanças tanto em relação ao trabalho quanto à organização e à carreira.

Os resultados indicam a indissociabilidade entre o pensamento e a ação em torno do comprometimento organizacional. Em outros termos, a RS de um objeto se faz presente se é acompanhada por correspondência nas práticas realizadas. As falas dos respondentes apontam que o comportamento associado à RS de comprometimento organizacional constitui parte da rotina do próprio grupo social. Neste caso, o critério da prática é observado (Wagner, 2000).

Em termos dos critérios de holomorfose e de afiliação foi possível observar que a presença de conhecimento partilhado acerca do tema delimita a interações do grupo enquanto unidade social (Wagner, 2000). Assim, ao atender aos cinco critérios (Wagner, 2000) foi possível constatar que os respondentes conferem sentido comum à RS de comprometimento.

Assim, por meio da TRS (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015), foi possível identificar a RS do objeto representacional "comprometimento organizacional" para os sujeitos "gerentes de RH". A Figura 2 ilustra a RS de comprometimento organizacional.

 

 

Ancorado em Jodelet (2001), foi possível constatar que, para os respondentes, a RS de comprometimento organizacional é formada por dois focos (contexto de trabalho e carreira) e nove categorias (elementos que formam as RS). Cada um destes focos possui categorias próprias (exclusivas) e categorias compartilhadas (comuns aos dois focos).

Categorias como sentimento do dono, foco no resultado, cultura e inovação e melhoria de processos são exclusivas ao foco contexto de trabalho. Já as categorias planejamento de carreira, desempenho e lealdade aos seus valores são exclusivas ao foco carreira. Comuns aos dois focos (contexto de trabalho e carreira) são as categorias atributos pessoais e satisfação.

A forma de codificação das categorias exclusivas por foco indicou coerência dos resultados em relação aos critérios de codificação adotados. Em outros termos, as categorias exclusivas dos focos contexto de trabalho e carreira guardam coerências por se relacionarem com a dimensão coletiva de envolvimento do indivíduo com o trabalho e a organização. Sob esta perspectiva essas categorias são condizentes com a RS de que comprometimento organizacional está ligado a um aspecto positivo, tanto para o indivíduo quanto para a organização (Pinho et al., 2015; Silva & Bastos, 2010; Rodrigues & Bastos, 2012).

Chama a atenção o fato de as categorias atributos pessoais e satisfação serem compartilhadas pelos dois focos. Em parte, uma possível explicação para esse compartilhamento pode estar relacionada ao fato dessas categorias representarem tanto a dimensão individual de carreira quanto a dimensão coletiva de envolvimento do indivíduo com o trabalho e a organização. Neste caso, à luz da TRS (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015), a RS de comprometimento organizacional assume uma nova configuração indicando ser um fenômeno social complexo e multidimensional com relações de interdependência entre categorias que formam os focos de comprometimento organizacional.

Identificada a RS de comprometimento organizacional para os gerentes de RH (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015) torna-se relevante avançar em pelo menos dois aspectos relativos à TRS: (1) a ancoragem, que envolve o processo de enraizamento das RS e o seu objeto "numa rede de significações que permite situá-los em relação aos valores sociais e dar-lhes coerência" (Jodelet, 2001, p. 38); e (2) as funções das RS que funcionam como um meio de interpretação da realidade social que rege as relações sociais dos indivíduos (Abric, 2000).

A análise dos dados indica que a ancoragem das RS de comprometimento está enraizada em valores tanto de natureza individual quanto coletiva. Neste processo de ancoragem, o foco contexto de trabalho alinha-se simultaneamente com os valores individuais e coletivos enquanto que o foco carreira se alinha mais com os valores individuais.

Aparentemente, o sistema de valores pós-materialista proposto por Pereira, Camino e Costa (2004) explica esta ancoragem. Este sistema é constituído por três subsistemas: (1) bem-estar social, que possui valores de igualdade, liberdade, fraternidade e justiça social; (2) bem-estar individual, que possui valores como autorrealização, alegria, conforto e amor; e (3) e bem-estar profissional, que possui valores como realização profissional, dedicação ao trabalho, competência e responsabilidade. Assim, enquanto o foco contexto de trabalho é ancorado tanto no subsistema bem-estar individual quanto profissional, o foco carreira é ancorado no subsistema bem-estar profissional (Pereira et al., 2004). Observa-se neste caso a ausência do subsistema bem-estar social. Esta ausência pode ser explicada pelo próprio escopo da pesquisa que direcionou a narrativa dos respondentes para os aspectos relativos ao trabalho, à organização e à carreira.

Ao considerar as funções da RS (Abric, 2000) de comprometimento organizacional foi possível constatar que os respondentes compreendem a sua própria realidade social (função saber), bem como os sistemas de valores que orientam suas ações, indicando o que é lícito, tolerável e inaceitável em seu contexto social (função orientação). Esta orientação justifica a tomada de determinadas decisões decorrente de suas próprias ações (função justificadora). Além disso, ficou evidente que os respondentes se reconhecem enquanto grupo social, assumindo identidade social compatível com o seu sistema de valores (função identitária).

Ao voltar a análise dos dados para a perspectiva teórica do comprometimento organizacional observa-se que as nove categorias (sentimento de dono, foco no resultado, atributos pessoais, cultura, satisfação, inovação e melhorias de processos, planejamento de carreira, desempenho e lealdade a seus valores) estão vinculadas à dimensão afetiva de comprometimento organizacional (Meyer & Allen, 1991; Mowday et al., 1982; Mowday et al., 1979). Conforme destaca Carvalho et al. (2011), na dimensão afetiva o indivíduo apresenta um vínculo de afeto e de identificação com a organização marcado por intenções de empenho extra, sacrifício e permanência.

O conjunto de dados indica que o comprometimento está relacionado com a identificação que o indivíduo tem com os objetivos e os valores da organização, o sentimento de lealdade; o desejo de permanecer e de se esforçar em prol da organização (Mowday et al., 1979). Assim, pode-se dizer que o comprometimento afetivo é, dentre as três dimensões de comprometimento (afetiva, normativa e instrumental) apontadas por Meyer e Allen (1991), a dimensão que efetivamente diz respeito ao sentido de comprometimento organizacional.

Neste caso, os resultados da presente pesquisa são divergentes em relação ao estudo de Melo et al. (2007) e reforçam as críticas (Carvalho et al., 2011; Rodrigues & Bastos, 2012) em relação ao modelo tridimensional proposto por Meyer e Allen (1991). Com isso, há um indicativo de que uma abordagem unidimensional apoiada na dimensão afetiva seria mais efetiva para a análise do fenômeno do comprometimento organizacional.

Considerando os conceitos de entrincheiramento e de consentimento (Pinho et al., 2015; Rodrigues & Bastos, 2012; Silva & Bastos, 2010), e a análise das entrevistas, foi possível verificar que estes dois conceitos se configuram em um outro tipo de vínculo, que não o comprometimento. Como foi possível observar, os gerentes de RH sempre se referiram positivamente na sua relação com o trabalho, com a organização e com a carreira, indicando com isso estarem comprometidos (Pinho et al., 2015; Rodrigues & Bastos, 2012; Silva & Bastos, 2010). Não foram feitas menções às questões relacionadas à sobrevivência e/ou acomodação e a aprisionamento e/ou a submissão, afastando com isso, qualquer possibilidade de as falas dos respondentes estarem relacionadas aos conceitos de entrincheiramento e/ou consentimento (Pinho et al., 2015; Rodrigues & Bastos, 2012; Silva & Bastos, 2010).

O fato de os resultados indicarem que o conceito de comprometimento se afasta dos conceitos de entrincheiramento e consentimento reforça o entendimento de que a dimensão afetiva é que efetivamente está relacionada com o comprometimento. Isto porque os aspectos normativos (submissão às normas) e instrumentais (relações de perdas e ganhos) não foram mencionados pelos gerentes de RH (Bastos, 1993; Meyer & Allen, 1991).

 

Considerações finais

Pretendeu-se com este estudo identificar a RS de comprometimento organizacional entre gestores de RH. Para isso, articulou-se as perspectivas teóricas da TRS (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015) e do comprometimento organizacional (Meyer & Allen, 1991; Mowday et al., 1979). Realizou-se uma pesquisa qualitativa (Triviños, 2009) com dados coletados por meio de entrevista semiestruturada submetidos à análise de conteúdo (Bardin, 2011).

A síntese dos resultados indica que a RS de comprometimento organizacional é formada por dois focos (contexto do trabalho e carreira) e nove categorias (sentimento de dono, foco no resultado, atributos pessoais, cultura, satisfação, inovação e melhorias de processos, planejamento de carreira, desempenho e lealdade a seus valores) (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015). Cada um dos dois focos possui categorias próprias (exclusivas) e compartilhadas (comuns aos dois focos). À luz da TRS (Jodelet, 2001; 2009; Moscovici, 2015) a RS de comprometimento organizacional assume a configuração de um fenômeno social complexo multidimensional e com relações de interdependência entre as categorias.

Além disso, constatou-se que o conceito de comprometimento organizacional é unidimensional e de base eminentemente afetiva (Mowday et al., 1979), uma vez que os respondentes indicaram possuir forte identificação com suas organizações, sentimento de lealdade, desejo de permanecer e de se esforçar em favor da organização (Mowday et al., 1979). Os resultados indicam ainda que o conceito de comprometimento organizacional se afasta dos conceitos de entrincheiramento e de consentimento (Pinho et al., 2015; Rodrigues & Bastos, 2012; Silva & Bastos, 2010). Este afastamento foi constatado na medida em que os respondentes assumiram, em suas falas, uma postura positiva em relação à organização, ao trabalho e à carreira e não mencionaram questões relativas à sobrevivência e/ou acomodação e a aprisionamento e/ou submissão. Esse último aspecto reforça o entendimento que o comprometimento é de base afetiva e não normativa e/ou instrumental como previsto no modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991).

O estudo trouxe contribuições relevantes por constatar a efetividade da TRS na compreensão do comprometimento organizacional e a viabilidade do recorte da pesquisa qualitativa como alternativa metodológica no estudo do comprometimento organizacional. O estudo também apresenta limitações, das quais se pode destacar a investigação junto a um público-alvo muito específico (gerentes de RH) localizados em uma única região geográfica. Uma alternativa de pesquisa interessante seria ampliar a investigação para outros públicos-alvo, inclusive de outras localidades. Espera-se que os resultados da pesquisa possam contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno comprometimento organizacional.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Alda Siqueira Mota, 89, Ed. Calamares Apto. 401
Praia da Costa, Vila Velha, Espírito Santo – CEP: 29.101-400
Email: priscillamartinsilva@gmail.com e/ou priscilla.silva@ufes.br

Recebido em 20.set.19
Revisado em 02.out.20
Aceito em 12.jan.21

 

 

Priscilla de Oliveira Martins-Silva, Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é Professora Associada na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Annor da Silva Junior, Doutor e Pós-Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Email: annorsj@gmail.com e/ou annor.silva@ufes.br
Caroline de Abreu Lourenço Gripp, Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Email: carolufes@gmail.com

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