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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.5 no.1 Ribeirão Preto dez. 1997

 

PROCESSOS BÁSICOS E PROCEDIMENTOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

 

O ensino da leitura e escrita a um sujeito adulto1

 

 

José Gonçalves Medeiros2; Giseli Monteiro3; Karina Zaccaron da Silva3

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

O sistema educacional em nosso país não tem garantido para a maioria das crianças que entram na escola a aquisição funcional da leitura e escrita e, com isso, vem excluindo-as da possibilidade de participação no desenvolvimento econômico e social do país.

Neste sistema predomina uma relação entre professor e aluno que é caracteristicamente dominadora, onde:

"o aluno é aquele que nada sabe e deve aprender: e o mestre é aquele que ensina e portanto, detém o poder repassando ao aluno o que é conveniente a esse sistema. " (Fazolari, 1989)

Ou seja, o professor geralmente coloca no aluno a culpa pelo fracasso, deixando de olhar para as mudanças produzidas pela interação entre ambos: as alterações no comportamento do aluno, em seu próprio comportamento e no ambiente que os cerca. Não há produção de conhecimento, mas apenas reprodução do saber. Nesta relação, denominada de bancária por Paulo Freire, o aluno geralmente é estigmatizado, sendo chamado de ignorante, indolente, preguiçoso, se não reproduzir adequadamente as informações recebidas. O professor, na maioria das vezes, não se responsabiliza pelo fracasso, apontando a condição econômica desprivilegiada como responsável pelo desempenho inadequado do aluno, como se houvesse uma relação direta entre falta de recursos financeiros e impossibilidade de aprender. A este respeito, as causas do fracasso escolar.

"...seriam os determinantes extra-escolares, representados por toda série de fatores relacionados com a realidade sócio-econômica a que está submetida a maioria da população brasileira. Em outras palavras, geram o fracasso escolar na medida em que criam os empecilhos concretos que irão impossibilitar que uma criança pobre tenha uma vida escolar durante vários anos. " (Leite, 1988)

A história do sujeito que participou do presente trabalho, marginalizado pelo sistema escolar vigente, ilustra o quanto o sistema econômico atual contribui para a evasão precoce dos indivíduos da escola. Ao ingressar na segunda série do primeiro grau, foi obrigado pela mãe a trabalhar na agricultura, ajudando no sustento da família. Até então, esteve afastado da escola, não tendo oportunidades de contato formal com a leitura e a escrita.

Longe da educação formal por um período de 30 anos e ainda encontrando-se numa condição economicamente desprivilegiada (trabalhando como empregada doméstica), teve oportunidade de participar do programa de ensino baseado na discriminação condicional; a proposta desenvolvida assemelha-se àquela utilizada por Sidman e Cresson (1973), por Melchiori, Souza e de Rose (1992) e por Stromer (1991) que obtiveram sucesso no ensino da leitura e escrita através do uso do procedimento da discriminação condicional; estudos desta natureza, além de descrever e definir os mecanismos de aquisição e de generalização da leitura e escrita, têm beneficiado os indivíduos que deles participam; a população atingida tem sido principalmente escolares com dificuldades de aprendizagem e com história de fracasso escolar - sujeitos deficientes, além de adultos analfabetos - tem sido também abrangida por estes estudos.

Sidman e Cresson (1973) desenvolveram trabalhos com adultos e adolescentes deficientes mentais, ensinando-lhes a ler com base no procedimento de equivalência de estímulos. Num destes trabalhos, o sujeito foi um adolescente de 17 anos, deficiente mental que já podia nomear objetos comuns (relação DB) e escolher figuras em resposta a nomes orais fornecidos pelo experimentador (relação AB), mas não era capaz de responder a tarefas que envolviam palavras escritas. Assim descrevem o surgimento do processo de generalização.

"Depois de o sujeito ser capaz de demonstrar um bom desempenho nas tarefas auditivas visuais, sessões de testes foram introduzidas e os resultados mostraram que novas relações BC, CB e CD emergiram. A emergência destas novas relações confirmaram a existência de vinte classes equivalentes, contendo um nome auditivo, uma figura e uma palavra escrita. Porque a tarefa não requeria que o sujeito nomeasse nenhum destes estímulos, Sidman concluiu que equivalências auditivas visuais são prérequisitos suficientes para a leitura com compreensão. " (cf. Neves, 1995)"

Melchiori e col. (1992) desenvolveram um programa de aprendizagem sem erro com três crianças, alunos de uma pré-escola estadual com idade em torno de seis anos. O procedimento principal foi o de exclusão. Quando o experimentador apresentava um novo modelo, o estímulo já conhecido pelo sujeito funcionava como pista para ser excluído e o novo era selecionado. Foram introduzidos testes adicionais para verificar a formação de equivalência entre os estímulos, palavra impressa, palavra ditada e figura. A formação de uma classe de estímulos, envolvendo a equivalência entre estes três tipos de estímulos, foi a base da leitura com compreensão. O programa consistiu de uma seqüência de passos, em que os dois primeiros foram destinados à aquisição de uma linha de base inicial, posteriormente expandida com o procedimento de exclusão e prosseguiu alternando passos de exclusão com passos de equivalência. Passos de equivalência eram realizados depois de cada dois passos de exclusão. Foram realizados dois testes extensivos que verificaram a leitura de todas as palavras de treino introduzidas até então, um na metade do programa e o outro no final, bem como a leitura de outras dezesseis palavras novas (de generalização). Houve um desempenho perfeito dos três sujeitos na tarefa de emparelhamento e foram obtidos escores de cem por cento nos testes de equivalência, o que indica leitura com compreensão. Os resultados indicam que o programa de ensino baseado no procedimento de exclusão é eficiente para estabelecer leitura generalizada, também em pré-escolares sem experiência anterior de alfabetização. A este respeito afirma Stromer (1991):

"A implicação para a eficiência do ensino é que o resultado do aprendizado de tais processos pode ultrapassar aqueles que são esperados no treinamento de relações arbitrárias entre exemplos de elementos singular e comparações. (...) Para concluir, os conceitos eprocedimentos de equivalência de estímulos podem contribuir substancialmente para práticas de ensino. O impacto geral pode ser três: 1) compreensão aumentada do entendimento da natureza das dificuldades da aprendizagem em populações particulares de indivíduos; 2) aumento de precisão na avaliação do desempenho acadêmico e 3) identificação das estratégias de intervenção que maximizem novas aprendizagens. " (p.11)

O método desenvolvido no presente trabalho, parcialmente semelhante ao de Melchiori e col. (1992), consistiu num programa de ensino de discriminações condicionais, em que os modelos foram palavras faladas e os estímulos de comparação foram palavras impressas. Novas discriminações foram ensinadas por "exclusão", onde a palavra nova era apresentada junto com outra conhecida. Testes foram realizados para verificar se o sujeito: 1) relacionava a palavra impressa com o desenho correspondente; 2) conseguia ler oralmente as palavras ensinadas; e 3) lia oralmente palavras novas envolvendo recombinação das sílabas das palavras ensinadas (generalização).

O trabalho possibilitou também que as classes de comportamento ensinadas transcendessem a situação experimental e fossem também apresentadas em outros contextos. Desta forma, os resultados obtidos com este trabalho seriam comparáveis aos obtidos por Freire (1988), no qual a leitura e a escrita iniciam-se a partir da realidade do educando e ampliam-se para novos contextos, conduzindo o indivíduo a um processo de leitura crítica e reflexiva sobre a realidade que o circunda. As necessidades de nosso sujeito eram, entre outras, identificar o nome dos ônibus, das ruas, além de ler e escrever palavras relacionadas ao seu cotidiano, importantes para sua comunicação social e para o seu desenvolvimento como empregada doméstica. O objetivo do presente trabalho foi, portanto, ensinar o comportamento de leitura e escrita a um sujeito adulto com história de fracasso escolar, através do procedimento de Exclusão e tendo por base os princípios teóricos da Análise Experimental do Comportamento (AEC).

 

MÉTODO

Sujeito

Este trabalho foi realizado com um sujeito adulto, do sexo feminino, com idade de 37 anos, doméstica, de baixa condição socioeconômica e analfabeta. Teve seu primeiro contato com o alfabeto, quando freqüentou a primeira série do primeiro grau, aos sete anos de idade, em uma instituição pública, a sete quilômetros de sua residência, na cidade de Descanso/SC. Neste período de um ano, conheceu algumas letras e aprendeu a escrever apenas seu nome. No terceiro mês, na segunda série do primeiro grau, o processo de escolarização foi interrompido em função da necessidade de contribuir para a renda familiar que a afastou da escola em direção ao trabalho na agricultura.

Local

O trabalho ocorreu na residência onde o sujeito trabalhava, exercendo funções domésticas, situada no bairro Abraão - Florianópolis/SC. As sessões de aprendizagem ocorreram, em média, três vezes por semana, sempre no período vespertino, após o horário de trabalho.

As contingências reforçadoras utilizadas foram elogios verbais apresentados após a ocorrência de leitura correta das palavras apresentadas.

O trabalho foi desenvolvido no horário de trabalho, liberada com uma hora de antecedência para dedicar-se ao estudo e foi realizado na cozinha da residência, em uma mesa retangular com seis cadeiras e um armário embutido, onde são guardados todos os utensílios domésticos. Na cozinha constavam também diversos aparelhos eletrodomésticos. O ambiente era bem iluminado e bem ventilado.

Material

Os estímulos visuais utilizados foram: palavras (tipo Times New Roman, tamanho 72, minúsculas, do processador de textos WORD 2.0) e figuras (de aproximadamente 4 cm de altura por 4 cm de largura, coloridas com caneta hidrocor), apresentados ao sujeito, colados em folhas de papel tamanho ofício, colocadas em uma pasta, dentro de folhas plásticas. As letras de cada palavra foram coladas na superfície de cartões com aproximadamente 3 cm de largura por 3 cm de comprimento, com letras do tamanho acima citado, feitos de papel cartão, utilizados na atividade de montagem das palavras que foram ensinadas. Foram utilizados, também, um lápis, uma borracha e um caderno onde o sujeito escrevia as palavras ensinadas. Todo o material ficava sobre a mesa ao lado da qual sentavam o sujeito e os experimentadores.

Procedimento

O sujeito foi submetido ao conjunto de procedimentos que compõe o programa de ensino individualizado e que se assemelha àquele utilizado por Melchiori e col. (1992). O procedimento principal é o de exclusão, usado para expandir gradualmente, ao longo de uma seqüência de passos, o repertório de pareamentos entre modelos (palavras ditadas pelo experimentador) e estímulos de comparação (palavras impressas).

A base do procedimento de exclusão consiste, em cada tentativa de ensino, do pareamento de um estímulo de comparação, conhecido pelo sujeito, apresentado juntamente com um outro estímulo desconhecido. Quando o experimentador apresentava o modelo correspondente ao estímulo novo, o estímulo de comparação conhecido funcionava como pista ou dica e permitia ao sujeito que o excluísse e selecionasse corretamente o estímulo novo.

Assim, neste programa, o procedimento de exclusão permitiu a aprendizagem sem erro de palavras faladas, associadas com palavras impressas. O programa também envolveu a inserção de sondas para verificar a aquisição de leitura não explicitamente ensinada, isto é, palavras novas não diretamente ensinadas (aqui referidas como palavras de generalização).

Testes adicionais foram conduzidos para verificar a formação de equivalência entre os estímulos palavra impressa, palavra ditada e figura. A formação de uma classe envolvendo a equivalência entre esses três tipos de estímulos constitui-se a base da leitura com compreensão.

As palavras ensinadas eram dissílabas ou trissílabas compostas por sílabas simples, e as palavras de generalização eram obtidas por recombinação das mesmas sílabas simples (as palavras ensinadas e as de generalização eram, em grande parte, substantivos - nomes de objetos, organismos ou eventos cotidianos). Também foram incluídas palavras de generalização (substantivos abstratos) que poderiam ou não estar diretamente relacionados ao universo vocabular do sujeito, sendo que as primeiras, as de treino, foram obtidas através de uma entrevista inicial, e faziam parte do universo vocabular do sujeito.

As palavras ensinadas para o sujeito ao longo do programa estão apresentadas na Tabela 1, a seguir:

 

 

Foram usadas como reforço expressões do tipo: "muito bem", "isto mesmo", "parabéns", apresentadas contingentemente a cada resposta correta do sujeito na etapa de aprendizagem. O sujeito recebia reforço a cada palavra lida corretamente, a cada montagem correta de uma palavra e também a cada palavra escrita manualmente no caderno de forma correta. Assim, a primeira tarefa (leitura da palavra), quando correta, era seguida do reforço. A segunda tarefa (montagem da palavra anteriormente lida), quando correta, era seguida do reforço. E a terceira tarefa, isto é, escrever manual e corretamente em seu caderno a palavra lida pelas experimentadoras era seguida do reforço. A terceira tarefa não estava prevista no procedimento porém consideramo-la importante por ter partido de uma solicitação do sujeito em escrever a lápis cada nova palavra ensinada.

A linha de base e os passos de exclusão envolveram, cada um, a introdução de três palavras-treino (com nove tentativas de exclusão para cada palavra), além de duas palavras de generalização, formadas com as sílabas do respectivo passo de exclusão e sílabas dos passos anteriores, com exceção da linha de base, onde as palavras de generalização foram formadas com as sílabas das palavras ensinadas na própria linha de base. As tentativas iniciais de um passo de exclusão constituíam um pré-teste que avaliava a leitura das palavras de treino a serem introduzidas no passo, das palavras treinadas na sessão imediatamente anterior (retenção) e também de duas palavras de generalização. As tentativas finais do passo (pós-teste) também foram usadas como sondas de leitura das mesmas palavras, exceto as da sessão precedente. A leitura correta de todas as palavras treinadas na sessão anterior, durante o pré-teste, constituiu-se no requisito para a aplicação de um passo: se o critério não fosse atingido, o passo anterior era repetido. Passos de equivalência foram realizados depois de cada dois passos de exclusão. Também foram realizados dois testes extensivos, que verificaram a leitura de todas as palavras de treino introduzidas até então, bem como a leitura das palavras de generalização. O Teste 1 foi realizado aproximadamente na metade do programa, e o Teste 2, ao final do mesmo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao longo do programa de ensino, o sujeito apresentou um elevado percentual de leitura correta, tanto das palavras ensinadas, como das palavras de generalização, além de escrever manualmente e de forma correta as palavras-treino.

O sujeito apresentou, nos pós-testes, percentuais de leitura correta das palavras ensinadas próximos de 100 por cento, índice sempre superior aos resultados dos pré-testes que foram aumentando na medida em que o programa avançava. A aprendizagem, nos passos de exclusão, foi sempre obtida em uma única sessão. Ao final e mesmo durante a realização do programa, o sujeito mostrou-se capaz de realizar leitura generalizada, ou seja, passou a ler palavras não apresentadas nas etapas de aprendizagem. Conforme Melchiori e col. (1992), a leitura generalizada somente ocorre na medida em que o repertório de equivalências (envolvendo palavras ditadas, palavras escritas e figuras) se ampliava. Neste trabalho, bem como no de Melchiori (1992), houve mudança na unidade funcional da leitura: o sujeito aprendeu a fracionar as palavras em unidades mínimas e o controle por essas unidades mínimas se manteve quando elas eram recombinadas, formando novas palavras. De Rose (1993) mostrou que o controle por unidades mínimas pode estender-se também para as relações envolvendo a escrita, com os sujeitos tornando-se capazes de construir ou escrever novas palavras.

Estão apresentados, nas Figuras a seguir, os índices de desempenho do sujeito no decorrer do procedimento, tomando-se por base o percentual de leitura correta.

 

 

Na Figura 1, é possível verificar que NAT apresentou 100 por cento de leitura correta nas etapas de aprendizagem, com exceção na Exclusão 2, onde o percentual foi de 97 por cento, e nas Exclusões 7 e 8, com percentuais de 98 e 90 por cento, respectivamente, nas quais foram introduzidos os encontros vocálicos (ei) e dígrafos (ch).

O fato de o sujeito, ainda que por pouco tempo, ter tido contato com o processo de escolarização, possivelmente facilitou o seu aprendizado, levando-o a associar as sílabas das palavras apresentadas com sílabas que já faziam parte do seu repertório de aluno da primeira série do primeiro grau.

As contingências reforçadoras organizadas e propiciadas ao sujeito, como elogios verbais pelo seu desempenho correto, foram fundamentais para a aquisição do repertório de leitura, além de, possivelmente, terem alterado, também, a sua auto-estima que, certamente, contribuiu para o seu aprendizado.

 

 

Pode-se verificar nos pré e pós-testes das palavras ensinadas (Figura 2) que a porcentagem de acertos foi maior do que nos pré e pós-testes das palavras de generalização. Provavelmente deve-se ao fato de as palavras de generalização serem, em sua grande maioria, abstratas e muitas vezes não estarem relacionadas ao cotidiano do sujeito. Por exemplo, fora e calada (abstratas), garrote, manta e banheira (concretas) não eram palavras que faziam parte da vida diária do sujeito.

Nos pós-testes das palavras ensinadas, NAT obteve 100 por cento de acerto, tendo em vista que a leitura dessas palavras foi reforçada durante a aprendizagem, além da provável familiarização refletida em valores percentuais de leitura correta na faixa de 80 a 100 por cento durante a realização dos pré-testes.

Observa-se nos pré-testes das palavras de generalização que o sujeito atingiu, em média, no decorrer do procedimento, a marca de 50 por cento de acerto. Nos momentos de aplicação dos pós-testes, o sujeito obteve, em quatro Exclusões, 50 por cento de acerto nas palavras de generalização, enquanto, nas outras seis Exclusões atingiu 100 por cento de acerto. Em relação a este aspecto, ou seja, à possibilidade de generalização, Melchiori e col. (1992) afirmam:

"A ocorrência de leitura generalizada evidencia que os sujeitos dominaram os mecanismos de análise e síntese envolvidos na leitura, ou em outras palavras, seu comportamento textual passou a ser controlado por unidades mínimas (Skinner, 1957); um repertório de operantes discriminados mínimos permite a expansão do repertório para classes de operantes mais complexos, que resultam de recombinações dos primeiros tal como na leitura, "(p. 110)

 

 

A porcentagem de acertos nas fases de Equivalência (Figura 3) foi em tomo de 100 por cento, demonstrando que o sujeito estabeleceu a relação entre as palavras impressas, palavras ditadas e figuras correspondentes, ou seja, demonstrou leitura com compreensão. De acordo com Sidman e Tailby (1982, cf.de Rose, 1993)

"a formação de classes de equivalência implica em que a pessoa aprenda mais do que foi diretamente ensinado: o ensino direto de um conjunto de relações deve produzir desempenhos emergentes, baseados nas propriedades de reflexividade, simetria e transitividade." (p.291)

A Figura 3 apresenta o desempenho da participante no Teste 2, um rendimento superior ao apresentado no Teste 1, tanto das palavras ensinadas, quanto das de generalização. Esse aumento no rendimento deve-se ao procedimento realizado que colocou o repertório de leitura sob o controle de unidades mínimas favorecendo, desse modo, a identificação de novas palavras.

 

CONCLUSÃO

Considerando o contexto no qual o trabalho foi desenvolvido, pode-se afirmar que NAT, um dos excluídos do sistema educacional, pôde transcender, mesmo que parcialmente, sua condição de analfabetismo, atingindo uma condição menos marginalizada. Durante os cinco meses de trabalho, houve alteração no repertório comportamental de leitura e escrita, facilitando, desta forma, sua vida diária; podia não só ler ou escrever, mas principalmente estabelecer novas relações até então inexistentes no seu cotidiano.

Observando os resultados apresentados, podemos concluir que o método mostrou-se eficiente tendo em vista que o sujeito apresentou leitura com compreensão, ocorrendo um aumento no percentual de leitura correta, tanto das palavras ensinadas quanto das palavras de generalização, como pode ser obserYvado nos Testes 1 e 2 (Figura 3).

Os fatores que explicam a capacidade de leitura foram provavelmente as contingências reforçadoras verbais fornecidas ao sujeito, contingentes a cada resposta correta e à utilização de palavras que já faziam parte do universo vocabular do sujeito possibilitando, desta forma, vincular o processo de aprendizagem com a sua realidade.

Convém salientar que NAT, na entrevista ao final do trabalho, revelou estar satisfeita com o aprendizado: "Eu achei ótimo! Achei muito bom" Ainda na entrevista, quando perguntada como estava se sentindo, respondeu: "Eu sinto muito feliz de ter aprendido a ler, eu não sabia. Estou faceira. Pelo menos sei pegar um ônibus, ler qualquer coisa, mandar meus filhos no mercado porque eu sei escrever, antes eu não sabia. Agora eu me sinto feliz de pegar, escrever e mandar eles." Vê-se, portanto, que a aquisição de leitura e escrita facilitou sua relação com o meio, tornando-o mais independente: hoje pode tomar um ônibus sem pedir auxílio e escrever bilhetes para os filhos realizarem compras no mercado. Sente-se mais capaz de contribuir na alfabetização de seus filhos, estimulando-os a caminhar no sentido de busca de uma maior independência.

O procedimento usado neste trabalho poderia ser utilizado na resolução de outros problemas que dificultam a interação do homem em sociedade, tais como: deficientes de diversas modalidades, dificuldades de aprendizagem apresentadas por crianças pré-escolares, escolares e, também, por adultos.

A Análise Experimental do Comportamento ao usar de forma adequada e contextualizada o controle comportamental está, certamente, contribuindo para a construção de um novo homem, mais livre e mais autônomo e a linguagem, adequadamente estabelecida, permitindo a leitura crítica e reflexiva, exercerá um papel fundamental neste processo. Como diz Freire (1988):

"A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens." (p. 70)

Entrevista final com "NAT"

E: O que você achou? Difícil, fácil?
NAT. Eu achei ótimo! Achei muito bom.
E: E como é que você está se sentindo depois que você aprendeu a ler, a escrever?
NAT: Eu sinto muito feliz de te aprendido a ler, eu não sabia, né? Tô faceira. Pelo menos sei pegar um ônibus, ler qualquer coisa, mandar meus filhos no mercado porque eu sei escrever, antes eu não sabia. Agora eu me sinto feliz de pegar, escrever e mandar eles.
E: O que você já escreveu para eles?
NAT: Papel higiênico, orno, quiboa, leite. O, tudo bem certinho. Eu não sabia juntar as letras, agora eu sei.
E: Você nunca foi para a escola?
NAT: Ah, eu fui. Eu estudei só até a primeira série, quando eu passei para o segundo ano a minha mãe não me deixou mais estudar.
E: Por que ela não deixou você estudar?
NAT: Porque eu tinha de ajudar a trabalhar, nós era em bastante na casa e tinhaque trabalhar para ter alguma coisa, né?
E: E só agora você começou a estudar de novo?
NAT: Depois desta vez, só agora que eu comecei a estudar de novo, mas estou feliz.
E: Tem alguma coisa a mais que você queira falar, alguma coisa que você gostou ou não, desde o primeiro dia quando a gente chegou para falar contigo e te convidar? Como é que você se sentiu?
NAT: Eu me achei chateada, assim de eu ser uma mulher já de idade e estudar, mas a Karina falou: "Ah, Natália é bom para você", aí eu falei: "Que é bom é bom para mim estudar". Daí a Karina e você começou a lecionar. Agradeço vocês duas de me darem aula, e queria que vocês me dessem, ao menos uma vez por semana, uma aula para eu, ao menos, não esquecer do que eu estudei.
E: Então, tu queres continuar. É isso?
NAT: Eu quero continuar estudando porque para mim é importante.
E: Tem mais alguma coisa? Algo que você não gostou?
NAT: Não, eu adorei tudo o que vocês fizeram para mim.
E: Você gostou da maneira como a gente colocou as coisas para ti?
NAT: Gostei!
E: Achou que assim você aprendeu?
NAT: Aprendi.

 

Referências Bibliográficas

De Rose, J. C. C. (1993) Classes de estímulos: implicações para uma análise comportamental da cognição. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 9 (2), 283-303.         [ Links ]

Fazolari, V. (1989) Ensino de leitura e escrita: identificação e análise de condições facilitadoras e de classes de comportamentos do professor. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, USP.         [ Links ]

Freire, P. (1988) Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Leite, S. A. S. (1988) Alfabetização e fracasso escolar. São Paulo: Edicon, cap. 1, 9-35.         [ Links ]

Melchiori, L. E.; Souza, D. G. e de Rose, J. C. (1992) Aprendizagem de leitura por meio de procedimento de discriminação sem erros (exclusão): uma replicação com pré-escolares. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 8 (1), 101-111.         [ Links ]

Neves, S. M. M. (1995) O papel da nomeação na formação de classes equivalentes de estímulos. Temas em Psicologia, 11 (3), 19-33.         [ Links ]

Sidman, M. e Cresson, O. (1973) Reading and crossmodal transfer of stimulus equivalences in severe retardation. American Journal of Mental Deficiency, 17, 515- 523.         [ Links ]

Sidman, M e Tailby, W. (1982) Conditional discrimination vs. matching to sample: An expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 5-22.         [ Links ]

Stromer, R. (1991) Equivalência de estímulos: implicações para o ensino Em W. Ishaq (Ed.) Human behavior in today 's world. New York: Praeger, 109-122.         [ Links ]

 

 

(1) Trabalho apresentado na forma de Painel na XXVI Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia.
(2) Professor do Departamento de Psicologia da UFSC, doutor em Psicologia Experimental pela USP, Pesquisador do CNPq. Endereço para correspondência: Caixa Postal 5060 CEP: 88040-197 - Florianópolis, SC Fones: Residencial: (048) 237-4283 e 972-4042 Trabalho: (048) 331-9984 (FONE/FAX)
(3) Aluna do Curso de Psicologia, UFSC, bolsista do CNPq/ PIBIC.