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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954

Constr. psicopedag. vol.23 no.24 São Paulo  2015

 

Narrativas biográficas: a formação docente do ponto de vista do aprendente

 

Biographical narratives: teachers formation the point of view of learner

 

 

Carla Juliana Galvão AlvesI, 1; Geiva Carolina CalsaII, 2; Luciléia de Souza MoreliII, 3

IUniversidade Estadual de Londrina
IIUniversidade Estadual de Maringá

 

 


RESUMO

Esse trabalho apresenta resultados de nossas pesquisas sobre os processos de formação e de construção da identidade docente, com foco nas metodologias que envolvem narrativas biográficas. Esse trabalho se fundamenta principalmente nos trabalhos de Josso, Finger, Dominicè e Nóvoa sobre Histórias de Vida e narrativas biográficas. Recorremos também a autores como Stuart Hall, Boaventura de Sousa Santos, Jorge Larossa e Fernando Hernández, para pensar sobre a identidade docente; Henry Giroux, Paulo Freire e Marilda Behrens para pensar sobre a formação de professores; entre outros. As pesquisas envolvendo narrativas biográficas permitem verificar as inter-relações entre os processos de formação, as experiências pessoais e seu ambiente sociocultural, do ponto de vista dos sujeitos aprendentes. Mas também a formação ganha com essa abordagem intersubjetiva, uma vez que, por meio da narrativa de sua trajetória pessoal e profissional, os sujeitos podem tornar-se autores de sua própria formação.

Palavras-chave: Educação, Narrativas Biográficas, Formação Docente.


ABSTRACT

This paper presents results of our research on the processes of formation and construction of teacher identity, focusing on methodologies involving biographical narratives. This work is based mainly on the work of Josso, Finger, Dominicé and Nóvoa on Life Histories and biographical narratives. Also resorted to authors such as Stuart Hall, Boaventura de Sousa Santos, Jorge Hernández and Fernando Larossa to think about teacher identity; Henry Giroux, Paulo Freire and Marilda Behrens for thinking about teacher formation; among others. Research involving biographical narratives of ascertaining the interrelationships between the processes of formation, personal experiences and their sociocultural environment, from the point of view of the subject learners. But also the formation intersubjective wins with this approach, since, through the narrative of his personal and professional life, the subject can become authors of their own formation.

Keywords: Mashalim, Narratives, Prudentia, Education, Psycodrama


 

 

Introdução

Esse texto é fruto de nossas pesquisas junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e Cultura (GEPAC/CNPq), vinculado ao programa de Pós-Graduação em Educação da UEM. O foco de nossa abordagem está no processo de formação docente, visto pela perspectiva do próprio docente a partir do trabalho com Histórias de Vida, mais especificamente com as narrativas biográficas.

O objetivo desse trabalho é problematizar as questões relativas aos processos de formação e de construção da identidade docente e ao papel que as experiências vividas em suas trajetórias pessoais e profissionais desempenham neste contexto.

Nossos estudos partem do pressuposto de que a formação docente é indissociável da elaboração de sua identidade, e que ambas se dão em processos contínuos e permanentes. Visto que é socialmente construída, a identidade vai sendo elaborada através de uma série de relações que o sujeito estabelece com os outros e com o entorno, sendo influenciada, portanto, por aspectos pessoais, sociais, cognitivos e afetivos (HALL, 2006; NÓVOA, 1995; LARROSA, 2006; HERNÁNDEZ, 2005; SILVA, 2012; SANTOS, 1999). Esse processo requer revisão, tomada de consciência e auto-avaliação constantes. Assim também, a identidade docente se constrói através das relações deste com o meio, dos interesses pessoais, das exigências que lhes são postas ao longo de sua trajetória; as experiências coletivas, as relações de poder, a própria prática. Daí a importância de investigar a formação dos professores por meio de uma abordagem intersubjetiva do processo de formação. Perspectiva essa que tem sinalizado a importância de resgatar e incorporar o pessoal aos processos de formação do professor, diferentemente das tradicionais abordagens centradas exclusivamente nas aprendizagens acadêmicas.

A experiência docente não se constitui de uma aglutinação de fatos que se sobrepõem. Fazemo-nos professores à medida que exercemos a profissão e ao mesmo tempo nos refazemos. O aprender forma e transforma o sujeito (LARROSA, 2006). Assim, a competência docente não pode mais ser definida apenas pelo conhecimento de determinados conteúdos, ou pelos certificados adquiridos na participação em eventos ou cursos de formação continuada. Há que se considerar os modelos de professor recebidos ao longo de toda escolaridade e mesmo da convivência com os colegas de profissão, os conhecimentos advindos do exercício da docência, e as experiências vividas fora da escola.

Pessoas significativas na família ou nos grupos sociais aos quais pertenceu, bem como professores do período escolar, contribuem para formar a identidade pessoal dos professores e influenciar suas práticas. As outras vozes que perpassam nossas vidas: a orientadora, a diretora e a coordenadora, as conversas com colegas de trabalho permitem reelaborar nosso trabalho (GOODSON, 1995; LARROSA, 2006). São conhecimentos, competências, crenças ou valores que permanecem na memória e que são reatualizados e reutilizados na sua prática, nem sempre de forma reflexiva ou consciente.

A formação continuada precisa levar o professor a desvelar a sua história, descobrindo o que o faz ser o professor que é, as diferentes posturas que assume ou assumiu ao longo de sua trajetória. Rever a sua história pessoal não significa simplesmente "contar uma história externa, a série de feitos que pontuam sua vida [...] mas a história interna, complexa e secreta de sua consciência, o que só ele pode dizer" (LARROSA, 2006, p. 24) Se na contemporaneidade colocamos em dúvida a existência de um eu único, um eu idêntico a si mesmo, e passamos a pensar em um sujeito errante, em contínua criação de si mesmo, interessa-nos mais investigar os modos como se inventa, como nos conta a sua própria estória e os sentidos que lhe dá, sem esquecer jamais que se trata sempre de uma narrativa.

Daí a importância do professor lançar-se à pesquisa sobre o próprio trabalho, desconstruir suas verdades, reconfigurar seus conceitos e procurar descobrir qual o sentido de sua atuação. Neste artigo abordamos aspectos relativos aos processos de elaboração da identidade docente, com ênfase nas contribuições das abordagens biográficas à formação docente e ao papel da rememoração.

 

A Construção da Identidade Docente como um Processo Permanente

A ciência moderna descartou o mundo subjetivo por considerá-lo distante da realidade ou impossível de ser traduzido por fórmulas matemáticas, medido quantitativamente, comprovado experimentalmente e ainda generalizável; ou seja, porque os dados relativos à subjetividade não se adaptariam aos modelos de investigação existentes e legitimados. "Subjetivo, qualitativo, alheio a todo o esquema hipótese-verificação, o método biográfico projeta-se à partida fora do quadro epistemológico estabelecido das ciências sociais" nesse contexto, diz Ferrarotti (2010, p. 37).

A crise de tais paradigmas, iniciada em fins do século XIX colocou em suspenso muitas ou quase todas as certezas deste modelo de ciência elaborado ao longo da Modernidade. Essas mudanças nos permitiram perceber (ou quem sabe a percepção tenha precedido e contribuído com as mudanças) que tanto a realidade quanto a humanidade podem assumir diversas formas. "Há muitas maneiras de sermos humanos e não apenas uma, universal, racional" diz Costa (2002, p.151).

Afastando-se da oposição entre subjetivo e objetivo, as ciências sociais passam a considerar a relevância dos estudos sobre a subjetividade dos indivíduos por ser reveladora dos contextos circundantes que constantemente lhes imprimem marcas.

A tradição cartesiana concebia o sujeito como um ser estável e dividido entre o pessoal e o profissional. Para essa concepção, os aspectos subjetivos e vivenciais têm pouca ou nenhuma importância. Na contemporaneidade, essa concepção de identidade é questionada por diferentes autores, que afirmam que, além de ser socialmente construída, ela está em permanente mudança e elaboração, resultante de uma série de relações que o sujeito estabelece com os outros e com o entorno ao longo de sua vida (HALL, 2006; HERNÁNDEZ, 2005). Desse modo, é possível assim que o sujeito assuma diferentes versões de si mesmo nos diversos momentos de sua vida ou em distintos contextos, às vezes, inclusive, de forma contraditória.

Para Boaventura Sousa Santos, as identidades são "resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação" e

[...] escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades (SANTOS, 1999, p. 119).

Portanto, as identidades não são inatas nem permanentes, mas incompletas, e em permanente processo de elaboração, sendo construídas por meio das biografias que tecemos ao longo da vida e carregando consigo os traços das nossas culturas, tradições e histórias particulares.

Da mesma forma, a identidade docente está constantemente em elaboração e transformação, através das relações do sujeito com o meio e consigo mesmo. É um permanente construir e reconstruir de saberes que envolvem a docência e que estão intrinsecamente relacionados aos interesses pessoais, às exigências que lhes são postas ao longo de sua trajetória, às experiências coletivas, às relações de poder, à própria prática.

A formação do professor não se resume à sua formação acadêmica ou a cursos realizados posteriormente; nem se resume aos processos mentais (representações, crenças, imagens, processamento de informações, esquemas, etc), que normalmente são adquiridos na formação acadêmica, mas incorpora também os saberes elaborados na prática profissional, por meio das relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola. O saber do professor, observa Tardif (2007, p. 18), é "plural, compósito, heterogêneo".

Daí a importância de investigar a formação dos professores, como eles construíram sua história, como se educaram e como educam seus alunos, como se tornaram sujeitos e interpretam as diferentes concepções pedagógicas que fazem parte de sua trajetória profissional. As narrativas (auto)biográficas, tais com as Histórias de Vida ou a Biografia Educativa, servem de material para compreender tais processos de formação que, como vimos, extrapolam a acumulação de cursos, de conhecimentos e de técnicas diferenciadas.

No dizer de Queiroz (2008, p. 68), a história de vida é uma técnica que "capta o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social", que se coloca na intersecção entre o que é exterior ao indivíduo e o que faz parte de seu psiquismo individual. Isso explica em parte o crescente interesse por este tipo de abordagem na área da Educação, em uma perspectiva que tem sinalizado a importância de resgatar e incorporar o pessoal, aos processos de formação do professor.

 

Histórias de Vida e Narrativas Biográficas na Educação como Metodologias de Pesquisa e Formação

Tradicionalmente, as estratégias de pesquisa educacional centram-se exclusivamente na observação análise da prática cotidiana do professor em sala de aula, sem dar voz a esse sujeito e ignorando seu estilo de vida, suas identidades e o ambiente sociocultural em que vive, observa Nóvoa (1995). Na mesma direção, Goodson (1995) avalia que a maior parte dos estudos dedicados à investigação educacional tem se dedicado a acompanhar e analisar a prática do professor em sala de aula e que agora é necessário, justo e profícuo ouvir a pessoa a quem se destinam as pesquisas.

As abordagens biográficas voltadas à formação permitem conhecer os professores não apenas como profissionais, mas como pessoas, e compreender como suas experiências pessoais os afetaram e afetam ainda hoje, influenciando sua vida profissional. Nota-se um crescente interesse por esse tipo de abordagem nos últimos 30 anos, articulando diversas áreas do conhecimento que possam contribuir de forma mais ampla com as pesquisas sobre os processos de formação dos professores.

As pesquisas que se utilizam das Histórias de vida fundamentam-se principalmente nos trabalhos de Marie-Christine Josso e seu grupo da Universidade de Genebra, formado por Pierre Dominicé e Matthias Finger, que têm buscado compreender como se dão os processos de formação, conhecimento e aprendizagem do ponto de vista dos sujeitos/aprendentes a partir de suas experiências.

O processo de construção da narrativa biográfica com foco na formação docente permite que os sujeitos da pesquisa empreendam uma viagem, assim descrita por Josso (2004, p.58):

[...] começando por reconstituir o itinerário e os diferentes cruzamentos com os caminhos de outrem, as paragens mais ou menos longas no decurso do caminho, os encontros, os acontecimentos, as explorações e as atividades que permitem ao viajante não apenas localizar-se no espaço-tempo do aqui-agora, mas, ainda, compreender o que o orientou, fazer o inventário da sua bagagem, recordar os seus sonho, contar as cicatrizes dos incidentes de percurso, descrever as suas atitudes interiores e os seus comportamentos. Em outras palavras, ir ao encontro de si visa à descoberta e a compreensão de que a viagem e viajante são apenas um.

Guiado pela memória, cada participante cria uma narrativa de si, ao longo da qual vai reconstruindo seus itinerários de vida, suas trajetórias pessoais e profissionais, relatando as experiências significativas, as paragens, as mudanças de percurso, os encontros, as atitudes, as tomadas de decisão. São consideradas experiências significativas aquelas que o autor da narrativa considera como constitutivas de sua formação, ou seja, aquelas que deixaram marcas formativas; que provocaram alguma mudança na sua maneira de pensar ou agir (DOMINICÉ, 2010; JOSSO, 2004, 2010).

Por meio delas se pode analisar em profundidade três níveis da experiência formadora: o processo de formação, o processo de conhecimento e os processos de aprendizagem. Esse percurso de autoconhecimento por meio da narrativa biográfica nos leva não apenas a compreender como nos formamos, mas também, como salienta Josso (2004, p. 58).

[...] a tomar consciência de que este reconhecimento de si mesmo como sujeito, mais ou menos ativo ou passivo segundo as circunstâncias, permite à pessoa, daí em diante, encarar o seu itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de uma auto-orientação possível, que articule de uma forma mais consciente as suas heranças, as suas experiências formadoras, os seus grupos de convívio, as suas valorizações, os seus desejos e o seu imaginário nas oportunidades socioculturais que soube aproveitar, criar e explorar, para que surja um ser que aprenda a identificar e a combinar constrangimentos e margens de liberdade.

Assim, o trabalho com a metodologia das Histórias de Vida ou das narrativas autobiográficas acaba por revestir-se de um caráter formador que extrapola os limites de uma metodologia puramente investigativa, uma vez que permite que se passe de uma consciência imediata, das vivências e experiências que se deram no percurso de sua vida, para uma consciência refletida. Essa consciência oportuniza ao sujeito perceber o que o constitui enquanto sujeito docente e intervir no seu processo de aprendizagem e de formação, ou seja, assumir-se como sujeito e objeto de sua própria formação. A preocupação que orienta o trabalho com a metodologia de pesquisa-formação em história de vida é que os sujeitos da narração se tornem autores de um projeto de conhecimento e autoformação.

Em última instância, conhecer como se dá processo de formação do ponto de vista do sujeito permite-nos encontrar meios de

[...] pormos em evidência o fato de que eles são os sujeitos mais ou menos ativos ou passivos da sua formação e de que podem dar a si próprios os meios de serem sujeitos cada vez mais conscientes (JOSSO, 2010, p. 63).

 

As Principais Estratégias Metodológicas e o Papel da Rememoração

A dinâmica de trabalho nesta metodologia, conforme proposto por Josso (2004, 2010) prevê a elaboração de narrativas orais e escritas, elaboradas individualmente, mas sempre compartilhadas coletivamente.

A primeira fase dos trabalhos é dedicada às narrativas orais individuais, que tem um caráter preparatório, na qual se faz uma espécie de levantamento das experiências que, do ponto de vista do autor, deixaram marcas formadoras. Tais experiências são extraídas das mais diversas situações e contextos de vida e muitas vezes vão emergindo durante a própria narrativa. Nesse momento começam a se delinear fios condutores que orientaram o percurso dos sujeitos, ou mesmo temas recorrentes reveladores de anseios, buscas ou valores norteadores das escolhas, posturas e rotas assumidas.

Cada participante apresenta aos colegas a narrativa de sua trajetória, que está ainda sendo elaborada, em torno da questão "como me tornei no que sou", ou "como tenho eu as ideias que tenho" (JOSSO, 2010, p.66). Após cada apresentação, os integrantes do grupo reagem, interagindo entre si e com o colega cujo material está em análise e fazendo aproximações com suas próprias experiências.

No decurso do tempo necessário à audição das narrativas tomam consciência de que a rememoração é um processo associativo que se refina e se enriquece com as outras narrativas e com as questões suscitadas por cada narrativa, tanto da parte dos pesquisadores como dos participantes. (JOSSO, 2010, p.68).

A respeito de sua dimensão social, o sociólogo francês Maurice Halbwachs (2003) enfatiza que a memória do indivíduo para existir, depende do seu relacionamento com grupos distintos, e nestes grupos ocorrem escolhas e rejeições ao que será lembrado, como por exemplo, o grupo familiar que exerce uma função de apoio como testemunha e até de intérprete daquelas experiências nos tempos de nossa infância.

Podemos compreender, portanto, que a memória que o professor traz, nunca é somente sua e sua lembrança não pode existir separada de um grupo. É o que define como "memória coletiva". Por essa via, Halbwachs (2003 apud Bosi, 1994, p. 55), "amarra a memória da pessoal à memória do grupo; e esta última à esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade".

A memória do indivíduo depende, portanto, dos quadros sociais a que pertence, ou seja, depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão. São as instituições formadoras do indivíduo, (grupos de referência e de convívio) peculiares a ele (Halbwachs, 2003).

Ainda a respeito dos processos de rememoração intrínsecos ao trabalho com as narrativas biográficas, é importante destacar seu caráter recriativo. Segundo Josso (2010), escutar as narrativas exige competências verbais e intelectuais, além de capacidade de compreensão e de uso de referenciais de interpretação. Isso se deve principalmente ao fato de que a memória não pode trazer o passado de volta em sua integridade.

Jovchelovitch (2006, p. 142) corrobora essas ideias a respeito da memória quando afirma que o "recordar é um processo construído pelo material que está agora à nossa disposição, no repertório de representações que circulam e povoam a vida presente de uma comunidade". O ato de recordar não é capaz de trazer o passado de volta, pois ele não permanece intacto na memória, uma vez que não somos mais os mesmos; mudamos como mudaram as nossas ideias e valores. A matéria-prima da memória não emerge em estado puro da linguagem ou da imagem, mas sempre modificada ou moldada pela perspectiva do sujeito no presente. Assim, o recordar é uma reconstrução ativa do passado desde a perspectiva do presente.

Nesse mesmo sentido, Ecléa Bosi (1994, p. 55) esclarece que a lembrança, que é um fenômeno da memória,

[...] é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque a nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos juízos de realidade e de valor.

É interessante e significativo observarmos que o tempo presente e a vida atual do professor é que tomam "a iniciativa de desencadear o curso da memória. Se lembramos, é porque os outros, as situações presentes nos fazem lembrar" (BOSI, 1994, p. 54). Razão pelas qual a autora nos convide a pensar a memória "não como sonho, mas como trabalho", visto que na maior parte das vezes lembrar é "refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado" (BOSI, 1994, p. 55).

Joël Candau (2012, p.75) exemplifica que:

[...] da mesma forma que para reler um livro com a mesma disposição com que se leu na infância seria necessário esquecer tudo o que se viveu desde então e reencontrar tudo o que sabíamos naquele momento, a pessoa que desejasse reviver fielmente um acontecimento pertencente à sua vida passada deveria ser capaz de esquecer todas as experiências posteriores, incluindo aquela que estivesse vivendo durante a narração.

A linguagem é o instrumento decisivamente socializador da memória do indivíduo, pois ela reduz, unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural. A elaboração da identidade está intimamente ligada aos processos narrativos e discursivos. Portanto, o trabalho biográfico exige criatividade tanto do pesquisador quanto do auto da narrativa, pois é também um processo de recriação e atribuição de sentidos. "O percurso de formação numa narrativa periodizada é um trabalho simultaneamente individual e autopoiético e obra coletiva", observa Josso (2010, p. 70). Uma nova narrativa emerge do embate entre o passado e o futuro em favor do questionamento presente.

A fase seguinte é a da narrativa escrita,na qual cada participante elabora um texto escrito do que foi narrado anteriormente, e agora ressignificado e reelaborado após as discussões e contribuições do grupo. Ao nível individual, objetiva-se dar ao Eu uma identidade, por meio de uma narrativa coerente que vincule acontecimentos, ações, pessoas, sentimentos e ideias em uma trama. Esse percurso metodológico visa à tomada de consciência do sujeito, que se torna autor ao pensar a sua existencialidade, nesse projeto de conhecimento que é um projeto de si mesmo. Daí revestir-se de um caráter formador:

Esse saber apresenta-se assim não só como crítico, reflexivo e histórico, mas, também implica uma investigação da parte da pessoa, uma pesquisa fundamentalmente formadora. Com efeito, esse saber reflexivo e crítico insere-se num processo, e mais precisamente em processos de tomada de consciência (FINGER, 2010, p. 126).

Uma última fase é dedicada ao balanço dos formadores e dos participantesdo trabalho em realização, das aprendizagens hauridas, incluindo as perspectivas de ampliação e de prolongamento da reflexão até então empreendida. É importante garantir que neste momento todos os participantes tenham oportunidade de falar.

 

Considerações Finais

A metodologia das Histórias de Vida e as abordagens biográficas têm se mostrado valiosos instrumentos de investigação dos processos formativos do aprendente-adulto, uma vez que permite compreender tanto os processos envolvidos na formação de adultos, como também os processos de construção do próprio conhecimento e de aprendizagem.

Como apresentamos tais processos não se resumem aos cursos de formação inicial ou mesmo continuada, mas envolvem aspectos subjetivos e pessoais, de modo que pensar a formação do professor exige levar em consideração as experiências vividas na prática cotidiana da escola e fora dela; as escolhas, as tomadas de decisões e suas motivações, os desejos, as demandas, as trocas estabelecidas com os quais se relacionam, as crenças, os livros que leu, os filmes que viu, entre tantas e inumeráveis outras situações vivenciais. No trabalho com as abordagens biográficas, essas experiências não somente vêm à tona como são ressignificadas.

Se por um lado, tais abordagens permitem verificar as inter-relações entre os processos de formação e as experiências pessoais e seu ambiente sociocultural, de outro, acabam conferindo ao sujeito da pesquisa maior autonomia em relação à sua própria formação, uma vez que, ao descrever sua própria trajetória de vida, inevitavelmente adquire maior consciência de seus processos de construção do conhecimento. O distanciamento e a atenção para esses movimentos interiores, feitos de forma reflexiva, constituem-se em um processo de conhecimento de si mesmos A compreensão das próprias experiências tem papel relevante e lhes permite transformar ou reelaborar suas identidades e direcionar suas próprias vidas de forma cada vez mais consciente e autônoma.

 

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1 Doutoranda em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Docente do Departamento de Arte Visual da Universidade Estadual de Londrina.
2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura - GEPAC/CNPq/UEM.
3 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PPE/UEM).

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