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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.1 São Paulo jun. 2007
RESENHAS DE LIVROS
André Roberto Ribeiro Torres1
Centro de Psicoterapia Existencial
ANGERAMI, V. A. (2006) As relações de amor em psicoterapia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 153 pp.
Tema que se mostra paradoxalmente antigo e atual, o amor e suas possíveis relações surgem novamente nesta publicação. Eis um assunto que, além de objeto de pesquisa e veneração poética, mostra-se humano, existencial. Os tipos de amor vivencialmente presentes são observados em características clássicas, românticas, auto-dirigidas, paternas, maternas, fraternas, caritativas, eróticas, psicoterápicas e – agregando fenômenos recentes de interação tecnológica – virtual. Cada uma dessas facetas aponta para uma característica fundamental, como, por exemplo, a admiração definida como eixo principal do amor fraterno.
Desde o princípio, o autor coloca-se em diálogo com o cristianismo, fundamento da cultura ocidental, e sua colaboração para os papéis amorosos e formas de amor, seja através das palavras de Jesus, das cartas de São Paulo, das atitudes de São Francisco de Assis e dos exemplos de Maria como modelo de mãe e de José como modelo de pai. As conseqüências psicológicas atuais dessas referências históricas, sociais e culturais são abordadas em forma de exaltação ou crítica.
Há um convidativo interesse em se repensar os papéis culturamente apresentados e as possíveis conseqüências provenientes dos envolvimentos amorosos que os trazem como referência. Sob olhar atento, tais derivações encontram, por exemplo, o machismo em diversos pensamentos cotidianos inclusive nos meios femininos. Nesse sentido, o livro mostra a importância de pensar-se criticamente um assunto que, quando presente nas pesquisas, traz o risco de mostrar-se de maneira subentendida.
Em sua revisão, o autor parece denunciar uma espécie de “projeto pedagógico” subliminar na história da humanidade e que determina as relações de amor entre as figuras sociais previamente definidas. De maneira contundente, constata como a ciência (no caso, a Psicologia), ao desvestir-se de um olhar mais crítico, corrobora, muitas vezes, com a tradição social sem de fato percebê-la e pensá-la.
Assim como já fez constante a presença de poesias em suas publicações, Angerami começa a tornar freqüente não apenas a bibliografia, mas também a filmografia ao final de cada obra, trazendo referências de grandes clássicos do cinema mundial. Em esforço superior à possível permanência no viés artístico notoriamente presente neste trabalho e em anteriores, isola-se o tema da predominância da idealização, situando, por exemplo, com embasamento do filósofo Maurice Merleau-Ponty, o amor erótico tanto no corpo fenomenal como no contexto político e social vigentes.
Demonstra efeitos do neoliberalismo, política econômica que estimula um modo de vida competitivo, nas crises de relacionamento pessoal, opondo-o à fraternidade, tipo de relação de amor que afirma ter perdido espaço na contemporaneidade, ausência visivelmente lamentada no texto ao constatar-se a constante troca do mundo real pelo virtual, no qual o imaginário é predominante, ignorando as limitações e peculiaridades humanas.
O amor virtual e a contemporaneidade recebem comentários especiais, ressaltando-se a impessoalidade e a exposição nas buscas amorosas que ocorrem em contexto televisivo, na Internet e nas agências de relacionamento, principalmente por tratar-se de um tema entendido, a priori, de natureza tão íntima. Surge, então, um alerta para a possibilidade de desumanização do amor, constatando-se a ameaça de que a poesia de Carlos Drummond de Andrade e Vinicíus de Moraes venham a perder o sentido diante de tal desconfiguração das relações amorosas que já não exigem contato e convívio pessoais. Embora lance alguma luz sobre o fenômeno, o autor aponta a necessidade de produção de conhecimento na busca de compreenderem-se as relações virtuais contemporâneas.
Ao apresentar colaborações profissionais em sua publicação, Angerami diz que o amor entre psicoterapeuta e paciente é um quesito fundamental para o desenrolar do processo, excetuando-se, obviamente, o amor erótico dessa relação. Como importante referência para estudo e prática psicológicas, o autor categoriza diferentes tipos de amor e demonstra sua presença nos relacionamentos humanos de maneira pura ou como parte de uma mescla. Tal perspectiva oferece uma riqueza de compreensão das possibilidades amorosas em suas diferentes nomeações.
Em termos de técnica psicoterápica, pode-se observar as manifestações de amor listadas como indispensáveis aos psicoterapeutas: acolhimento, empatia, disponibilidade emocional, fé inquebrantável na condição humana e partilha. Cada um dos temas é esclarecido e sua função no processo psicoterápico, desenvolvida. Angerami reconhece, no entanto, que o amor, embora possa e deva ser alvo de reflexão e discussão, não tem como ser ensinado. É algo a ser sentido.
A fim de demonstrar como funciona a compreensão das relações de amor na psicoterapia, três casos clínicos são expostos e, após cada relato, as reflexões feitas no decorrer da obra são evocadas para que os atendimentos possam de fato ser entendidos a partir da perspectiva das relações amorosas.
Apesar da publicação combater as idealizações amorosas, suas considerações finais trazem um certo idealismo dirigido ao leitor, sonhando com a possibilidade de uma sociedade mais justa e com a supremacia de relações humanas afetivas e significativas. Porém, um idealismo que se configura como um apelo próximo, possível e necessário aos profissionais que se pretendem de fato éticos e responsáveis.
Enviado em: 05/02/2007
Aceito em: 24/02/2007
1 Psicoterapeuta existencial, professor do Centro de Psicoterapia Existencial. Contato: R. Maria Monteiro, 608 – Cambuí, Campinas – SP - CEP: 13025-151. Tel.: (19) 3255-7048. E-mail: andre@torres.psc.br