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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.7 no.13 São Paulo 2002
DOSSIÊ
A sutileza da transferência no contexto hospitalar1
The subtleness of the transference on the hospital context
Maria Cristiane Nali
Psicóloga, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, pesquisadora voluntária do Ambulatório da Unidade de Pesquisas Clínicas - DST/Aids - Unicamp, membro do Laboratório de Saúde Mental no Hospital Geral - Unicamp
RESUMO
Este artigo traz algumas das reflexões elaboradas a partir de atendimentos realizados com pacientes que freqüentam o ambulatório de DST/Aids, do complexo hospitalar da Unicamp. Enfatiza-se aqui não somente a importância do fenômeno transferencial num contexto outro que não o do consultório privado, como também considera que, apesar de manifestar-se de forma sutil, tal fenômeno é de fundamental importância no tratamento desses pacientes, independentemente de sua condição de "portadores" de uma determinada patologia.
Transferência; psicanálise; hospital
ABSTRACT
This article was written from the reflections about the treatment dispensed to HIV positive patients of the Unicamp's Ambulatory. It is being showed here does not only the transferencial phenomenal importance on the context of the traditional consultation office but in spite of his subtle manifestation, such phenomenon is very important on the treatments of these patients, independent of their conditions like "porters" of a determinate pathology.
Transference; psychoanalysis; hospital
"Podia-se ouvi-lo dizer que a maior satisfação humana era ver alguma coisa nova - isto é, reconhecê-la como nova. Costumava indagar por que, na medicina, as pessoas enxergavam apenas o que tinham aprendido a ver. Falava em como era maravilhoso que alguém pudesse subitamente ver coisas novas - novos estados de doença -, provavelmente tão velhas quanto a raça humana, e em como tinha que confessar a si mesmo que via agora nas enfermarias hospitalares inúmeras coisas que lhe haviam passado despercebidas durante trinta anos."
Sigmund Freud (1823)
É inegável a importância do conceito de transferência para a psicanálise. Mas, quando se trabalha em psicanálise num contexto outro, que não o consultório privado, algumas particularidades se fazem presentes, principalmente no que diz respeito ao fenômeno transferenciai.
Este fenômeno apresenta-se de forma tão sutil que muitas vezes passa despercebido por muitos profissionais, mesmo aqueles que têm certa familiaridade com o conceito. Referimo-nos aqui a um cenário específico em que se dá o conjunto das reflexões que se seguem a respeito da transferência, qual seja, um ambulatório inserido num complexo hospitalar2.
Considerando a relevância desse "fenômeno clínico", independentemente do contexto em que ele se dá, vale a pena resgatar alguns aspectos importantes desde os primórdios de sua criação. Ao recuperar historicamente o conceito de transferência na obra freudiana3, observa-se que ali também se faz presente uma certa sutileza à qual nos referimos, principalmente num momento inicial em que ainda não recebia tal denominação, embora o fenômeno já se fizesse presente, ou seja, o fenômeno já existia, mas não era assim denominado.
Transferência, palavra adotada pelas mais diversas áreas do saber - um fenômeno universal, assumindo, como idéia geral, mudar, trocar, transmitir, passar. Há também um aspecto metafórico presente na palavra transferência que nos adverte para uma espécie de substituição. Não obstante, no interior da teoria psicanalítica, a palavra transferência irá adquirir um sentido absolutamente singular, ganhando o estatuto de um conceito de fundamental importância, tanto no interior da teoria como no próprio processo analítico.
No entanto, como todo conceito teórico, com o passar do tempo ele sofre importantes transformações, que podemos constatar ao desenvolver um rastreamento longitudinal pela obra freudiana, auxiliados por observações de alguns importantes comentadores, como Lacan, Aulagnier, Laplanche, Viderman, que também se debruçaram sobre o tema, dada a sua enorme importância.
Constatamos nos trabalhos de Freud que ele se dedicou à questão da transferência desde 1895 em Estudos sobre a histeria até 1937 em Análise terminável e interminável. Portanto, durante praticamente todo o período em que esteve envolvido com a construção teórica e com a prática clínica da psicanálise. Importante observar que as mudanças conceituais em Freud não substituem as noções anteriores, ou seja, as formulações, de certa forma, são convergentes. A teoria vai se sobrepondo, assim como se alargando, se ampliando, embora nenhuma questão teórica venha a ser anulada ou desconsiderada.
Rapidamente, pois não é nosso propósito aqui apresentar detalhes, retomamos aqui a importância da articulação da noção de transferência com as noções de resistência, repetição e sugestão, uma vez que se mostra útil para a compreensão do pivô da situação analítica. A primeira função que Freud verificou da transferência foi a de sugestão, essa como algo que se perdeu no discurso. Em seguida, Freud considerou a função de resistência da transferência, quando apresentou a idéia da "falsa-ligação" em Estudos sobre a histeria (1895). A função de repetição surgirá no caso Dora, no qual o analista aparece como metáfora.
As contribuições que Lacan, Aulagnier e Laplanche ofereceram para a noção de transferência tornaram-se tão pertinentes quanto valiosas. Guardadas as devidas especificidades de cada um desses importantes psicanalistas, notamos a correspondência e mesmo a equivalência das noções de objeto (pequeno) a, demanda e identificação primária e objeto fonte da pulsão. O estudo desses conceitos, "fez trabalhar" as possibilidades dos mesmos fora de um contexto tradicional.
Este "fazer trabalhar" se dá num sentido freudiano mesmo, em que Laplanche (1987) adverte: "Fazer trabalhar não é apenas retrabalhar, refazê-lo completamente, dispor de um outro modo, é muito mais fazer ranger alguma coisa, aguçar contradições, tentando inclusive fazer com que se expliquem; não pelo prazer de sublinhar as contradições, de colocar um autor em contradição consigo mesmo (...), mas para fazer exprimir a alma dessas contradições" (p. 2). Sem, necessariamente, apontar possíveis contradições, buscamos reunir, nas três noções dos três autores, um ponto em que convergem, ou seja, funcionam como motor na transferência.
Diante dessa breve exposição, voltemos ao cenário outro em que a transferência também se faz presente. O ambulatório, como revelou Figueiredo (1997), de fato é um campo privilegiado, principalmente considerando-se que "o tipo de clientela que chega ao ambulatório se define principalmente pelo tipo de instituição e pela variedade de serviços oferecidos" (p. 171) e que se pode constatar, inicialmente, uma transferência do paciente em relação à instituição hospitalar.
Em Psicologia das massas e análise do ego (1921), Freud afirma que o homem que vive num grupo está, invariavelmente, submetido a um líder e que, em conseqüência disso, terá que unir os interesses do grupo para conter os impulsos individuais de cada um. E, portanto, a partir da renúncia destes que a figura idealizada do líder traz a noção de ideal do ego. No hospital, isso também acontece na medida em que a instituição traz uma representação simbólica, como detentora de uma Lei. Em alguns casos, isso pode representar para alguns, simbolicamente, a idéia de uma mãe acolhedora (ou mesmo perseguidora), e talvez isso justifique o aparecimento da transferência inicial.
Uma outra particularidade se deve ao fato de os pacientes que se apresentam nesse contexto sofrerem psiquicamente em função de determinada condição patológica específica, o que também determina as características do ambulatório no qual serão tratados. Sendo assim, ao buscarem uma instituição hospitalar, esses pacientes deparam com as possibilidades e particularidades deste contexto que sua condição lhes reserva.
Assim sendo, podemos considerar que as particularidades da transferência começam a aparecer desde esse ponto, isto é, a partir dessas singularidades. A respeito dessa noção de singular, Figueiredo (2000) esclarece: "A primeira acepção do termo, mais corrente, é a de único, peculiar, exclusivo. Podemos pensá-lo também como um conjunto de fatores num arranjo único, isto é, o que dá a singularidade não é a unidade e sim um composto de fatores estruturais e acidentais que constituem um momento e mesmo uma trajetória do sujeito. O singular pode ainda remeter-se à situação mais do que ao sujeito. As situações que se apresentam são singulares porque, sendo ou não previsíveis, lançam todos e cada um ao trabalho de dar novo sentido, modificar ou simplesmente suportar seus efeitos" (p. 128). Portanto, podemos considerar que o que caracteriza a singularidade da transferência no contexto hospitalar é justamente o fato de ela não estar endereçada ao analista, mas sim à instituição, assim como à equipe, num primeiro momento e daí sim, talvez, possa ser endereçada ao analista.
Ocorre, muitas vezes, o fato de o ambulatório funcionar como uma espécie de ponto de partida para o sujeito buscar uma análise e isso depende, essencialmente, da instalação da transferência e seus desdobramentos. Por outro lado, isso também nos remete a uma questão, tão importante quanto, que diz respeito à impossibilidade de instalar intencionalmente a transferência, visto que ela não ocorre propriamente ou necessariamente por estar num âmbito institucional, mas diz respeito à estrutura psíquica do paciente.
Assim, observamos que a sutileza do fenômeno transferenciai pode se revelar numa instituição de diferentes maneiras, como na fala de um paciente, que diz o seguinte: "Aqui é o melhor hospital, muitas pessoas já passaram por tratamento aqui e falam muito bem, de que conseguiram se recuperar...". De certa forma, isso nos permite pensar que aqui já se estabeleceu uma transferência com a instituição, uma transferência que se constitui, fundamentalmente, por uma suposição de saber.
Muitas vezes, a transferência viabiliza ao sujeito reconhecer seu próprio sofrimento como fonte de prazer. E isso só é possível se houver, de um lado, um sujeito que fale e, do outro, um que o escute, sem perder de vista o que disse Freud (1919): "... dar ao paciente conhecimento do inconsciente, dos impulsos reprimidos que nele existem, e, para essa finalidade, revelar as resistências que se opõem a essa extensão do seu conhecimento de si mesmo".
Essa idéia nos remete à chamada escuta analítica e neste caso, especificamente, utilizada no contexto hospitalar. Importante ressaltar que o paciente, nesse contexto, demanda uma escuta que não esteja marcada pela doença que o levou a buscar o ambulatório, mas sim uma escuta que propicie algo revelador em sua demanda através do discurso, e isso somente poderá ocorrer se considerarmos que o paciente, ou melhor, o sujeito, está para além do rótulo de sua patologia.
Mas é preciso destacar, também, quais as representações que essa condição de doente lhe traz, assim como os efeitos subjetivos dessa ou daquela patologia. Portanto, a escuta analítica, como dispositivo que privilegia o desejo inconsciente, assim como o mal-estar daí decorrente, somente será possível a partir da escuta do discurso do sujeito e seus desdobramentos. Nessa perspectiva, justamente, inscrevem-se as possibilidades da transferência na instituição, apesar de todas as variáveis que ela comporta, ou seja, a começar do fato de ela ser inicialmente dirigida à instituição e não ao analista, a ausência de um pagamento de honorários, as condições econômicas e sociais desses pacientes, muitas vezes precárias, a freqüência etc. Muitos são os elementos desse cenário em que se encontra o paciente; no entanto, estamos convencidos de que isso não inviabiliza que o fenômeno transferenciai se instale e produza seus efeitos.
Nesse sentido, a idéia de "consultório tornado público", oportunamente proposta por Figueiredo (1997) e que enfatiza essa possibilidade à qual estamos nos referindo, se faz possível na medida em que se têm certas condições: 1. compreensão da realidade psíquica do paciente; 2. o discurso através da transferência; 3. o cuidado com a interpretação, temporalidade e cura, e 4. o desejo do analista.
Condições essas que nos fazem pensar na noção de situação analítica, onde vemos confirmada, segundo trabalhos de alguns psicanalistas, a idéia de que sem a transferência não há situação analítica. A premissa básica para a instalação da situação analítica é que ela tenha a função de garantir o método. Mais ainda, embora essa premissa possa sofrer alguma variação, em razão justamente do contexto onde estiver inserida, é o método que deve ser garantido. Isso demonstra, portanto, que não é a situação analítica que tem que ser garantida, mas sim o método, para que haja assim a emergência do sujeito e sua demanda de significação, historização. Portanto, no caso específico a que nos referimos aqui, a situação analítica passa por certa "adaptação" às condições mais ou menos imprevisíveis do contexto hospitalar.
Acrescentamos ainda que, na visão de Laplanche (1987), a transferência é a própria situação analítica, pois, segundo este autor, ela reinstaura a situação originária da qual emerge algo da verdade, isto é, do desejo inconsciente do sujeito, privilegiando aquilo que é considerado essencial na situação analítica: o sujeito como protagonista de sua própria história.
Sendo assim, a teoria psicanalítica possui um conjunto de conceitos que são articulados entre si, formulados por um único dispositivo: a situação analítica, ou seja, um campo privilegiado que possibilita a emergência das chamadas formações do inconsciente do paciente diante do outro, isto é, do sujeito suposto saber, através do qual surge o seu enigma. Além disso, a psicanálise tem uma prática que privilegia uma ética específica, diferente do código de ética da medicina ou mesmo da psicologia, embora não contrária: para a psicanálise, o que está em questão é a ética do sujeito do desejo inconsciente.
Figueiredo (1997) apontou que, no contexto hospitalar, "trabalha-se sobre o que resta das demandas, das outras modalidades de tratamento, do que ficou sem resposta. Esta é a diferença que diz respeito ao psicanalista" (p. 170). Observamos essa questão, por exemplo, quando deparamos com a preocupação constante da equipe em relação à não-adesão do paciente ao tratamento medicamentoso. É comum surgir então a seguinte demanda: "É muito importante que este paciente utilize corretamente o medicamento... converse com ele". Boa intenção, sem dúvida, mas era um pedido da equipe, uma demanda da equipe, não do paciente. Ao aceitar escutar esse paciente observamos, em alguns casos, que não aderir ao tratamento tinha toda uma significação para ele, que não era considerada até aquele momento; daí pensarmos então que a escuta analítica pode fazer sim a diferença numa equipe multi-disciplinar.
A importância de uma equipe de trabalho integrada, com vistas a oferecer um bom tratamento ao paciente, é uma premissa recomendada por toda instituição. Por isso que se buscam novos instrumentos de medição e avaliação, utilizam-se os últimos lançamentos farmacológicos, extremamente avançados, realizam-se importantes reuniões clínicas nas quais o caso-a-caso é discutido. Enfim, essas são algumas das estratégias realizadas pela instituição visando possibilitar ao paciente uma melhor sobrevida, conseqüentemente uma melhora e se possível a cura.
Muitas são as questões que se fazem presentes neste contexto, no entanto, destacamos aqui alguns aspectos referentes à equipe de saúde de um ambulatório, equipe esta que desempenha suas funções de acordo com cada especialidade, convergindo para um objetivo comum. Há transferência do paciente em relação a algum membro da equipe (ou vários) na medida em que retomarmos a idéia de sujeito suposto saber, pois, havendo em algum lugar o sujeito suposto saber, há transferência. Evidentemente, temos que considerar que a transferência com um membro da equipe se diferencia da transferência na situação analítica, uma vez que esta tem aí um estatuto próprio, sendo, ao mesmo tempo, o motor e o eixo central do processo analítico.
O que parece então ocorrer é que justamente a "função" de sujeito suposto saber, desempenhada por um membro da equipe, propiciaria a transferência, e assim poderia produzir um efeito no paciente. A suposição de um saber poderá ou não ser (re)endereçada ao analista. Neste (re)endereçamento, se é que podemos chamar assim, acontece a herança transferenciai, lembrando ainda que esse (re)endereçamento é dirigido a um outro que está fora de alcance, mas que repercute e "faz eco às mensagens enigmáticas" (Laplanche, 1993, p. 78).
Vale lembrar, ainda que não se tenha uma transferência "pura", num certo sentido, ou seja, embora o paciente não vá à instituição para buscar um analista, que nos consultórios particulares isso também ocorre, ou seja, muitos pacientes que chegam ao consultório vêm supostamente transferidos com aquele que indicou o serviço.
Portanto, consideramos que o analista herda uma transferência que inicialmente foi estabelecida com a instituição, sendo depois dirigida ao médico ou a um membro da equipe. De qualquer modo, não há uma desapropriação dessa transferência. O que pode ocorrer é que o paciente, ao buscar um saber sobre sua doença, poderá encontrar a possibilidade de buscar um saber outro sobre si mesmo diante daquele sofrimento.
Compreendemos aqui que, se há sujeito suposto saber, há transferência; porém, o contrário não é verdadeiro. Cabe ressaltar ainda que a transferência funciona como uma chave de acesso ao sujeito do inconsciente, e essa é uma "chance" do paciente que não deveria ser desperdiçada.
Finalmente, o que é possível perceber é que, em primeiro lugar, não se tem uma prática analítica específica para os pacientes nesse contexto, quer dizer, não se trata de um atendimento psicanalítico "adaptado" a esta ou àquela patologia, isso porque é simplesmente inútil qualquer intenção nesse sentido, posto que a prática analítica prioriza o sujeito do inconsciente. Não obstante, é preciso considerar a importância da história de como se deu a patologia que o levou a buscar um hospital, lugar que guarda intrinsecamente a idéia da doença, da loucura e da morte, temas recorrentes no discurso e isso, certamente, traz uma relevância para a questão da transferência. Mas, como citamos anteriormente, há, diante do analista e para além de qualquer sintoma orgânico, um sujeito cuja palavra urge em ser acolhida.
E, em segundo lugar, a transferência, muitas vezes, é a possibilidade de esses sujeitos se reconhecerem como tais, nas inúmeras tentativas que a vida lhes impõe de salvaguardar o que há de valioso naquela que foi sua relação primordial e, assim, poder atualizar, nessas condições, questões que ficaram até então perdidas.
Há, dessa forma, a possibilidade de o sujeito nos surpreender com algo da ordem do imprevisível, mas que a partir da transferência pode lançá-lo num novo projeto, o que, de certa forma, pode ser considerado um efeito terapêutico.
Tem sido possível constatar também que há pacientes que iniciam a psicoterapia e desenvolvem uma espécie de "projeto psicoterapêutico" ou consideram o ambulatório um "lugar de passagem". Isso se dá por diferentes motivos (mudança de cidade ou dos horários de trabalho), que impossibilitariam aos pacientes dar continuidade ao processo; entretanto, apesar disso, os mesmos solicitaram indicação para outro serviço de psicologia ou mesmo atendimento particular de um analista - afinal, apesar de serem pacientes "marcados por uma patologia", também são portadores de um desejo. Penso que há aí também um efeito da transferência deixando sua herança. A herança transferenciai, citada anteriormente.
Ou ainda, como pontua Figueiredo (2000), quando a busca por um "saber do profissional vai um pouco mais além, até um 'querer saber' sobre o que faz o próprio sujeito sofrer, chegando a um 'saber que já se sabe' de alguma coisa que é difícil deixar aparecer porque também lhe é estranha, mas está ali, clamando, como diz Freud, por elaboração. Isto é, clamando pelo trabalho analítico. Esse ponto de chegada da transferência seria o ponto de partida de uma análise. Nem todos chegam ou devem chegar lá, podem ficar nos primeiros pontos. Mas os que chegam têm que encontrar quem escute o que dizem para além do que queriam dizer e possa fazê-los trabalhar" (p. 130). Por isso também, vale enfatizar, a idéia de que a transferência é um meio e não um fim do processo analítico.
Desse modo, podemos então afirmar que a instituição não é um obstáculo para a transferência, mas apenas mais um lugar onde ela pode se instalar, até porque, "por muito tempo, a transferência aparece em segundo plano na análise; se é percebida quase de imediato é como a tela de fundo plantando a paisagem sem se misturar à cena que se desenvolve no palco" (Viderman, 1990, p. 249). Então, há um certo tempo para que a transferência seja percebida e valorizada, sem querer com isso cultuar a transferência, mas simplesmente reconhecer, através de seus sutis efeitos, sua verdadeira importância.
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Viderman, S. (1990). A construção do espaço analítico. São Paulo, SP: Escuta. [ Links ]
Recebido em outubro/2002
NOTAS
1 O presente texto é parte integrante da dissertação de mestrado intitulada Um estudo sobre as particularidades da transferência no consultório tornado público. Defendida em março/2002 pela PUC - SP, contou com apoio da Fapesp.
2 Ambulatório da Unidade de Pesquisas Clínicas em DST/Aids - HC - Unicamp.
3 Foi realizado um percurso histórico-teórico do conceito da transferência, assim como a articulação com outros conceitos e encontra-se no primeiro capítulo da dissertação.