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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.7 no.13 São Paulo 2002
DOSSIÊ
Sobre o conceito de transferência no campo pedagógico1
On the use of the concept of transfe-rency in the educational field
Janine Filloux
Mestre de conferências em ciências da educação Universidade Paris V
RESUMO
O presente artigo analisa alguns escritos provenientes do movimento de pedagogia analítica, publicados entre 1926 e 1937, na Revista de Pedagogia Analítica, bem como algumas obras pedagógicas contemporâneas que se referem à psicanálise. Tem corno objetivo básico mostrar que a questão da transferência está no centro da discussão da psicanálise e da pedagogia, separando-as mais do que aproximando-as. Propõe que a abordagem dos fenômenos transferenciais na prática pedagógica pode permitir esclarecer a natureza do pedagógico.
Educação; Psicanálise; Transferência
ABSTRACT
This text analyzes some texts originated from the movement of analytic pedagogy, published between 1926 and 1937, in the Magazine Pedagogia Analítica (Analytic Pedagogy), as well as some contemporaneous pedagogical works which refer to psychoanalysis. Its basic objective is to show that the question of transfer is situated in the center of the discussion of psychoanalysis and pedagogy, separating them rather than nearing them. It proposes that the focus on the transference phenomena in pedagogical practice can permit to clarify the nature of the pedagogical aspects.
Education; Psychoanalysis; Transfer
Aanálise de um certo número de escritos provenientes do movimento de pedagogia psicanalítica, publicados na Revista de pedagogia psicanalítica (1926-1937), bem como de obras pedagógicas contemporâneas que se referem explicitamente à psicanálise, mostra que a questão da transferência é o pivô da separação das práticas analítica e pedagógica; ela está no centro das dificuldades de aplicação dos conhecimentos psicanalíticos à pedagogia. A abordagem dos fenômenos transferenciais na prática pedagógica pode permitir esclarecer a natureza do pedagógico.
Como se sabe, o uso dos conceitos psicanalíticos fora do campo próprio da psicanálise causa problema. Isso se deve a um fato generalizável: todo conceito extrapolado do conjunto teórico do qual se originou é, por essa razão, desconceitualizado; pode-se fazê-lo dizer algo diferente daquilo para o qual foi forjado. Os conceitos psicanalíticos extrapolados desse conjunto teórico-clínico ou teórico-prático que constitui a psicanálise são assim suscetíveis de terem seu valor de uso científico depreciado em proveito de um valor particular, para fins particulares.
Desse ponto de vista, a aplicação dos conhecimentos psicanalíticos ao campo da educação é particularmente problemática, uma vez que os conhecimentos psicanalíticos, destinados a servir a objetivos pedagógicos ou educativos, vão ser instrumentalizados num campo social.
A utilização do conceito de transferência-contra-transferência aplicado à relação pedagógica coloca problemas ainda mais agudos, porque aquilo a que ele se refere é o terreno da experiência analítica em sua especificidade: da psicanálise como campo cio inconsciente. A dupla dimensão da transferência, a repetição e o deslocamento - a saber, a atualização do passado na situação analítica e o deslocamento das moções infantis inconscientes para a pessoa do analista -, adquirem sentido no eixo do trabalho analítico que visa a substituir a repetição (compulsão à repetição) pela rememoração (do passado), através da interpretação e da construção.
Isso quer dizer que convém antes de mais nada diferenciar os fenômenos transferenciais, mostrados por Freud como constitutivos dos vínculos objetais, dos vínculos com o outro, e o conceito de transferência como instrumento específico do trabalho analítico. Com J. P. Valabrega (1980), diremos que a psicanálise freudiana inventou o conceito de transferência, codificou sua teoria e a técnica de seu emprego no quadro do tratamento, mas não inventou o fenômeno: "Nem a reivindicação da doação nem a do amor são reservadas à análise, como tampouco a própria transferência que, segundo a justa observação de Freud, produz-se em toda parte mas somente na situação analítica encontra as condições favoráveis a seu reconhecimento, seu desenvolvimento, seu estudo, seu modo de tratamento e, quando necessário, ás modificações possíveis de seus agenciamentos" (p. 230).
Insistiremos com ele na idéia de que o sentido da descoberta freudiana é que "todo fenômeno ou processo pertencente à ordem transferenciai está inicialmente, por natureza, fora da consciência-sujeito" (Valabrega, 1980, p. 108).
Para prosseguir uma necessária demarcação teórica, é preciso esclarecer que na teoria da cura as manifestações de transferência tendem a se organizar numa neurose artificial, uma neurose de transferência que vem substituir a neurose clínica (neurose infantil). Assim não se pode dissociar transferência e neurose de transferên- cia do ponto de vista do trabalho analítico. A transferência suscitada pela situação analítica, "verdadeira cruz", nas palavras mesmas de Freud, ocorre primeiro para ele como obstáculo, resistência ao retorno do recalcado. É somente depois, quando constituída em neurose de transferência, que ela passa a ser o instrumento do tratamento analítico. "A transferência, destinada a ser o maior obstáculo à psicanálise, torna-se seu mais poderoso auxiliar se conseguimos reconhecê-la toda vez e traduzir seu sentido ao paciente" (Freud, 1905a, p. 88).
Dito de outro modo, no quadro do tratamento a transferência torna-se objeto de decifração, pois é graças a ela que se produz o desrecalque das formações do inconsciente. "Ela nos permite delimitar e reconhecer o núcleo complexual da primeira infância e da infância, a saber, a situação edipiana com todas as suas facetas. A situação de transferência é uma revivescência: ela reanima os desejos incestuosos e a barreira do incesto, e lhes dá uma ocasião de se atualizarem novamente na análise" (Glover, 1958, p. 80).
Em sua conceitualização contemporânea, a situação analítica acha-se definida como campo transfero-con-tra-transferencial, a matéria do transferido sendo o fantasma (Valabrega, 1980, p. 113), a contra-transferência representando "o conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisado e, mais particularmente, à transferência deste" (Laplanche & Pontalis, 1967, p.103).
Do ponto de vista da técnica analítica, dois princípios fundamen- tais vão governar, em referência ao pensamento freudiano, o manejo da transferência. O primeiro é que é preciso deixar a transferência instalar-se como obstáculo antes de investi-la como instrumento do tratamento (neurose de transferência). O segundo princípio é que a transferência "não deve ser induzida, não deve ser favorecida. Ela só tem sentido se ocorre, apesar de tudo, sem que nenhuma cumplicidade tática do clínico com a duplicidade da paciente dê a esta a intuição de que lhe preparam uma receita técnica" (Perrier, 1978, p. 68, gn2).
No fundamento da psicanálise está, como se sabe, a ruptura sempre reafirmada de Freud com a sugestão e a hipnose. E é precisamente nesse ponto de descentramento da análise em sua especificidade que reside a dificuldade para uma aplicação da psicanálise à pedagogia. Ter-se-á compreendido que, quando se descreve a natureza dos laços que ligam o professor e seus alunos, o educador e a criança, o formador e os sujeitos em formação em termos de transferência, fala-se dos fenômenos transferenciais, das transferências, e não da transferência no quadro da prática analítica.
Acrescentemos, com Laplanche e Pontalis (1967), que "quando Freud fala de repetição na transferência das experiências do passado, das atitudes em relação aos pais, (...) essa repetição não deve ser tomada num sentido realista que limitaria a atualização a relações efetivamente vividas; por um lado, o que é essencialmente transferido é a realidade psíquica, a saber, no mais profundo, o desejo inconsciente e os fantasmas conexos; por outro lado, as manifestações transferenciais não são repetições literais, mas equivalentes simbólicos do que é transferido" (p. 497). Isso quer dizer que não se poderia ler, decifrar diretamente o sentido dessas manifestações transferenciais. Não há transparência.
Num pequeno artigo que poderíamos dizer "autobiográfico" intitulado "Sobre a psicologia do estudante" (publicado em 1914), Freud trata das transferências, de sua natureza e de sua função no campo pedagógico. "Não sei, diz ele, o que nos solicitou mais fortemente e foi para nós o mais importante, o interesse pelas ciências que nos ensinavam ou o que tínhamos pelas personalidades de nossos mestres. Em todo caso, em todos nós uma corrente subterrânea jamais interrompida dirigia-se a estes últimos, e em muitos o caminho para as ciências passava unicamente pelas pessoas dos mestres; vários dentre nós ficaram retidos nesse caminho que, desse modo, foi inclusive para alguns - por que não o confessaríamos? - barrado de forma duradoura" (1914, p. 228, gn).
É a relação com o pai onisciente dos anos da infância, a ambivalência frente a ele, o necessário desligamento com esse pai, "condição para a nova geração tanto do que é portador de esperança quanto do que choca" (p.231), que funda a natureza dos laços transferenciais com os professores. "Sem referência ao quarto de criança e à casa familiar, nosso comportamento em relação a nossos mestres não poderia ser compreendido, mas tampouco escusado" (1914, p. 231, gn). Para Freud, ninguém poderia ser declarado culpado por suas moções transferenciais. "A partir dos seis primeiros anos da infância, o pequeno homem estabeleceu o modo e a tonalidade afetiva de suas relações com as pessoas de ambos os sexos, ele pode desde então desenvolvê-las e transformá-las segundo direções determinadas, mas não as pode mais abolir... Todos os que ele conhece mais tarde devem portanto assumir uma espécie de herança sentimental, deparam com simpatias e antipatias para a gênese das quais eles próprios pouco contribuíram; toda escolha ulterior de amizade e de amor se faz sobre o fundo de traços mnésicos deixados por esses primeiros modelos" (1914, p. 229-30, gn).
Renunciar à ilusão de ser a origem das moções ternas e hostis que lhes são dirigidas, tal é a ferida narcísica que a teorização freudiana dos fenômenos de transferência inflige aos professores. E para essa ferida narcísica não há nem a sombra de uma consolação. Nenhuma inferência no horizonte de possibilidade de controle, de técnica ativa na matéria. Para Freud, a transferência não pode ser tratada no campo pedagógico. Pode-se reconhecer a importância da transferência na relação pedagógica, mas nada se pode fazer com ela.
Reconhecer que a transferência existe é reconhecer a existência dos processos psíquicos inconscientes e das leis que os governam: "Afirmar que a transferência se verifica em toda parte é simplesmente confirmar que o deslocamento (substituição dos objetos inconscientes) é um fenôme- no universal" (Glover, 1958, p. 130). No entanto, somente o quadro da cura permite o conhecimento real da transferência; fora do quadro do tratamento "a natureza real da transferência permanece secreta" (p. 80), e é nesse segredo mesmo que reside uma condição essencial de socialização: a transferência, "fenômeno afetivo normal, governado pelo mecanismo inconsciente de deslocamento, é destinado a promover a adaptação social" (p. 159).
O objeto desta pesquisa é determinar, em escritos provenientes do movimento de pedagogia psicanalítica e em obras pedagógicas contemporâneas que utilizam referências psicanalíticas, de que maneira a noção de transferência-contra-transferência é delimitada e instrumentalizada no campo pedagógico.
A ODISSÉIA DA "PEDAGOGIA PSICANALÍTICA"
A revista Zeitschrift für Psychoanalytische Pädagogik (Revista de pedagogia psicanalítica)3, publicada em Viena e Stuttgart, representou, de 1926 a 1937, a expressão principal de um movimento de pesquisa no qual se lançaram analistas e pedagogos de obediência psicanalítica, na esteira do Pastor Pfister e de Anna Freud, para tentar formular, em nível teórico e prático, uma aplicação dos conhecimentos psicanalíticos ao campo da pedagogia. Como diz Hans Zulliger (1931), pedagogo suíço que foi um dos pioneiros dessa pesquisa, "a Revista tornou-se o lugar de ancoragem do movimento de pedagogia com orientação psicanalítica, cuja evolução ela permite ler" (p.193). Em 1985, uma publicação em língua francesa de alguns dos textos da Revista aparece sob o título Pédagogie et psychanalyse (Cifali e Moll, 1985), e, em 1986, outros são traduzidos num número de Etudes psychothérapiques. Uma recensão dos textos mais importantes, publicada por Ruth Weiss em 1936 no penúltimo número da Revista com o título de "A psicanálise e a escola", permite apreender a riqueza dos temas tratados e a diversidade das posições e dos propósitos que atravessam esses textos. Para Hans Zulliger, Willy Kuendig, Paul Federn, Edith Sterba, trata-se de fundar uma prática pedagógica nova inspirada pela psicanálise; para outros, de esclarecer as dificuldades de ordem psicológica que os pedagogos enfrentam no exercício de sua prática.
Através de debates às vezes contraditórios, é efetuado um trabalho progressivo de separação da especificidade das práticas pedagógica e analítica, tanto entre pedagogos quanto entre analistas. A esperança principal de uma profilaxia das neuroses por uma educação esclarecida, de uma aliança fecunda portadora de um futuro radioso (Freud, 1913, p. 213)4, vem chocar-se contra obstáculos teóricos e técnicos.
Como assinalam M. Cifali e J. Moll em sua introdução a Pédagogie et psychanalyse, o décimo-segundo Congresso internacional de psicanálise de 1936 marca o fim da era - da área, seria preciso escrever também5 - da ilusão. Nos dois últimos anos da Revista (1936 e 1937), analistas de crianças como Dorothy Burlingham, Steff Borns-tein, E. Sterba, e pedagogos como H. Zulliger põem o acento sobre os equívocos e os malentendidos de uma aplicação pedagógica da teoria analítica. Eles sublinham os perigos, para um pedagogo, de trabalhar com um material psíquico inconsciente, e analisam a emergência de dificuldades e de conflitos novos que podem decorrer do abandono, sob o efeito da psicanálise, de uma posição educativa tradicional. Todos sustentam, porém, o interesse de uma formação analítica pessoal do educador para permitir-lhe uma melhor escuta das crianças e uma maior tolerância a seus problemas.
Ao longo da evolução, de sua colocação à prova na prática pedagógica, mas também do desenvolvimento da psicanálise de criança, modifica-se o estatuto dos conhecimentos psicanalíticos capazes de ajudar com certeza o pedagogo a definir sua tarefa de uma maneira mais racional e adequada. Já em 1933, Fritz Redl interroga de maneira crítica, em "O professor frente à angústia dos exames", o interesse dos conhecimentos teóricos psicanalíticos em relação à especificidade e às condições da prática pedagógica. Ele afirma que a maioria dos conhecimentos psicológicos e psicanalíticos "não são de nenhum auxílio" ao pedagogo, porque tratam de um setor da vida psíquica com o qual "ele praticamente não tem nenhum contato, mesmo se é constantemente concernido por seus efeitos" (Redl, 1933, publicado em Cifali e Moll, 1985, p.144). Em 1937, D. Burlingham e E. Sterba mostram como o encontro com as descobertas da psicanálise engendra para o pedagogo novas dificuldades no exercício de seu trabalho. Solicitado a romper com a atitude educativa clássica que consiste em querer impor-se e convencer, adotando em vez disso uma atitude mais passiva de escuta, de espera, de tolerância e de benevolência a fim de mobilizar a capacidade de aprender, atitude semelhante à do psicanalista, ele não pode no entanto tomar o lugar do psicanalista. Tomar esse lugar no campo escolar seria tão perigoso para ele quanto para a criança. As condições da prática pedagógica não constituem um quadro adequado para a análise dos conflitos psíquicos. (Burlingham, 1937, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 185; Sterba, 1937, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 145).
Freud já diz isso em 1915, conforme vimos; torna a dizê-lo em 1925 no prefácio a Juventude no abandono de August Aichhorn: "A segunda lição tem uma ressonância mais conservadora, ela mostra que a obra educativa é de uma natureza particular, não devendo ser confundida com os modos de ação da psicanálise e não podendo ser substituída por eles". Ele acrescenta, no entanto: "Concluirei por uma frase que não diz respeito à pedagogia mas ao estatuto do educador; se o educador formado na análise por experiência vivida é levado em certos casos complexos a recorrer à análise para escorar seu trabalho, cumpre reconhecer-lhe incontestavelmente o direito de servir-se dela - impedi-lo seria prender-se a razões mesquinhas!" (p.130) - (gn). Freud afirma a separação das práticas ao mesmo tempo que mantém a validade de uma formação analítica para o pedagogo em relação à clínica (não à pedagogia). Em outras palavras, se o pedagogo apresenta as garantias necessárias de uma formação, não há motivo de impor-lhe um "superego científico", de constituir-se como legislador.
A posição de E. Sterba (1937) concorda com a posição freudiana quando ela diz: "antes de tudo aprendemos que, num primeiro momento, o pedagogo deve contentar-se em tomar consciência do material e em não se deixar tentar por uma aparente simplicidade para fornecer interpretações, o que se revela perigoso. Pode-se mesmo colocar a questão de saber em que medida é possível utilizar tal material no quadro de uma atividade pedagógica" (1937, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 154, gn). A essa questão, diz-nos ela, não poderia haver resposta senão caso por caso; como para Freud, excetuada uma competência adquirida por uma formação analítica pessoal, a clínica conserva suas exigências, mas evita todo dogmatismo.
Uma conclusão tende portanto a impor-se: já que a natureza do pedagógico não permite ao pedagogo trabalhar analiticamente no campo de sua prática, parece desejável, quando não necessário, que ele possa fazer aliança com o psicanalista de criança. A aliança entre pedagogia e psicanálise vê-se deslocada em relação às ambições originárias e colocada em termos novos: a experiência adquirida induz a renúncia a uma aliança ideal entre psicanálise e pedagogia, e convida ao luto do filho imaginário dessa aliança - "o educador psicanalítico" -, mas ela permite considerar, para a criança a educar, uma aliança entre os que podem ajudar em seu desenvolvimento, pedagogos e analistas de crianças. A problemática da especificidade das práticas vem concluir um debate iniciado nos termos históricos de uma exploração conquistadora. Não pode mais ser afirmado dogmaticamente, como o fez P. Federn (1930), que "a partir da descoberta da transferência por Freud, a psicanálise passou a fazer parte das técnicas da pedagogia. Parou-se de utilizar de maneira cega os laços que existem entre o educador e o aluno. Tanto em psicanálise quanto em pedagogia, é absolutamente necessário dominar as resistências à transferência (Federn, 1930, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 119, gn). Federn estuda aqui, numa ótica psicanalítica, as formas da inibição escolar. Ele descobre que esta, em sua forma neurótica, "é justamente o sinal de uma resistência frente à transferência", ou que é provocada por ela. Disso ele conclui, com razão, o necessário recurso à psicanálise para tratar as inibições intelectuais. "Chegamos portanto sempre à mesma conclusão no que concerne à prática: somente o fato de vencer as resistências que mantêm o recalque pode levar à cura de uma inibição intelectual" (1930, p. 127). Ele admite desse fato, sem restrição, que um pedagogo analisado possa fazer um trabalho analítico no campo pedagógico, falando aqui como analista teórico e como defensor da "causa" analítica6.
"A psicanálise a serviço da pedagogia" (Federn, 1930) deve permitir transformar a arte pedagógica numa competência transmissível. Em nome da psicanálise, ele trava o combate "contra a pedagogia antiga que ignorava tudo do fenômeno dinâmico da resistência" e contra a psicologia individual adleriana que, segundo ele, é essencialmente uma psicologia de consciência, uma psicologia do ego em que os processos inconscientes, os fatores sexuais infantis, desempenham um papel mínimo.
Ao proselitismo de um Federn opõe-se F. Redl (1933), quando este interroga o interesse dos conhecimentos "Psi" para os professores. Partindo também do estudo de um fato clínico, "o professor frente à angústia dos exames" (Redl, 1933, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 130, gn), Redl sublinha a heterogeneidade dos registros analítico e pedagógico: "as formas de angústia que interessam o professor, na medida em que pode influenciá-las, não têm nenhum interesse para o analista, pois se trata de comportamentos reacionais em relação à situação pedagógica; inversamente, as angústias inconscientes que são do domínio específico do analista permanecem inacessíveis ao professor".
O confronto das posições de Federn e de Redl permite conceber onde se situa o nó do problema. A esperança afirmada por Federn de uma tecnicização da pedagogia a partir do corpus de conhecimentos psicanalíticos, de uma aplicação da psicanálise à pedagogia, esbarra no incontornável formulado por Redl: não se pode ter acesso aos conflitos inconscientes fora do campo próprio da análise. Nessas condições, de que se fala quando se fala da transferência e da contra-transferência no campo pedagógico? a que remete seu "emprego"?
Na recensão de 1936 anteriormente citada, R. Weiss menciona os trabalhos sobre a transferência publicados na Revista, sob a rubrica "Professor e aluno". Pode-se ler ali: "a relação do aluno com seu professor não é em primeiro lugar um problema de psicologia de massa, mas um problema de psicologia individual. Aqui, como na maior parte das relações humanas, é a transferência que desempenha um papel decisivo e cuja influência generalizada sobre a disposição da relação aluno-professor foi descrita pela primeira vez por Freud num trabalho recentemente retomado nesta publicação" (Weiss, 1936, p.331)7.
Depois de Freud, portanto, os pedagogos psicanalíticos não podiam senão concordar com o fato de que "o ato educativo é um processo dinâmico que ocorre entre o educador e a criança, e no qual a transferência e a contra-transferência, sempre presentes, desempenham um papel importante, as performances dos alunos dependendo efetivamente da transferência" (Kuendig, 1927, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 161). Isso não quer dizer, é claro, que dependam unicamente dela; o nível intelectual do aluno, seus dons e suas aptidões, a forma da escola, são igualmente determinantes.
Será que eles puderam, a partir desse reconhecimento, construir novas respostas pedagógicas, ir além das respostas ditadas pela moral corrente ao nível das condutas afetivas e que tendem a um controle dos afetos fundado sobre sua repressão e seu recalque? É o que convém examinar aqui.
Examinando o que é dito especificamente de uma prática pedagógica relativa à transferência na exposição de exemplos clínicos concretos, constata-se que a natureza da transferência coloca duas ordens de problemas: o de seu controle e o de sua indução. A questão será controlar uma transferência excessiva do aluno sobre o professor, tanto quanto suscitar, instaurar, construir uma transferência positiva do aluno lá onde ela parece insuficiente para cumprir seu papel: criar condições favoráveis à aprendizagem.
Dois exemplos apresentados por W. Kuendig (1927) no texto acima citado permitirão circunscrever a natureza dessas práticas.
Sob a rubrica "suscitar a transferência", ele descreve de que maneira, frente a um aluno pouco presente e ativo, irá procurar entrar em contato com ele, ganhar um pouco de sua confiança por uma atitude alegre, desdramatizante, e evitando todo comportamento repressivo. Tratar-se-á portanto, simplesmente, de atrair o aluno, de ganhar sua simpatia, de ajudá-lo por uma atitude ativa e benevolente a sair de seu fechamento em si mesmo, posição afetiva muito pouco favorável, evidentemente, a uma possibilidade de aprendizagem. Sabe-se que a rejeição do professor traduz-se com freqüência em rejeição da matéria.
Esse exemplo relatado por Kuendig visa portanto "mostrar como podemos conseguir suscitar uma transferência que no início era apenas fraca ou mesmo inexistente, como podemos, por assim dizer, nos insinuar junto ao aluno para pesquisar, tão logo a transferência possa ser 'assumida', as razões de um bloqueio" (p. 172, gn). Trata-se de um empreendimento sedutor destinado a fazer o aluno entrar em sua esfera de influência. Kuendig nos dá a entender claramente que não faz isso nem por complacência, nem para buscar um conforto narcísico para si mesmo, para ser amado e reconhecido pelo aluno; ele esclarece que sua intervenção só se efetua após um período de observação do aluno, de espera do momento favorável para intervir - e percebe-se assim que não é um agir. Ele analisa igualmente por que o pedagogo deve preservar-se, abster-se de um comportamento inquisidor e interpretativo em tal caso. Um comportamento dessa espécie teria todas as chances de induzir uma relação de perseguição entre ele e seu aluno.
Um outro exemplo nos permitirá, mais adiante, ilustrar os perigos de agir em situação pedagógica com um desejo de penetrar na intimidade do aluno, sob pretexto de uma atitude "psicanalítica". Kuendig sublinha aqui de forma muito adequada o quanto a busca da causalidade psíquica, do porquê do aluno comportar-se de tal maneira - quando ele próprio não o sabe -, pode engendrar ódio e desconfiança ao invés da aliança desejada. Se o professor deve, em certos casos, frente a crianças sensitivas, zelar de modo muito particular pela construção e o bom funcionamento da transferência positiva (1930, publicado em Estudos Psicoterapêuticos, 1986), ele deve igualmente evitar o "ódio de transferência" (p. 183).
Nenhum saber psicanalítico pode assim substituir aquilo que todo "educador nato" sabe, não pode substituir aquele "poder intuitivo e de delicadeza que lhe permite agir de forma adaptada", uma aptidão que não se pode "descrever de forma regulamentar" (Kuendig, 1927, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 165), que não se pode adquirir do mesmo modo que um saber científico8.
Suscitar, instaurar ou construir a transferência remete à necessidade de uma aliança narcísica entre o aluno e o professor lá onde ela não é obtida normalmente, lá onde a necessária posição de influência afetiva do pedagogo não é instaurada por efeito da própria situação escolar; ele deve buscar essa posição de uma maneira ativa, como o testemunham os pedagogos psicanalíticos. E a psicanálise pode ajudá-lo a compreender que não é muito difícil ser um pouco feiticeiro, tão logo ela lhe permite reconhecer e assumir que o essencial do impulso pedagógico, o solo sobre o qual se funda sua ação é, segundo os termos de Ferenczi (1931), o elemento de hipnose inerente a toda relação adulto-criança em razão da fraqueza mesma do eu da criança e de sua influenciabilida- de, e que somente a transferência permite a influência.
Não é o poder que ele deve buscar já que este não lhe faz falta, mas sim como usar tal poder sem abusar dele. Essa questão era claramente formulada por Durkheim em 1902, no seu curso sobre A Educação moral. Comparando, a força da ação educativa com a da sugestão hipnótica, ele sublinhava o quanto os abusos de poder eram mais perigosos que a impotência do educador9. Freud, por sua vez, destacando o recalque sobre a sexualidade infantil, mostrava o impulso verdadeiro da ação educativa. Ele escrevia ao pastor Pfister, Carta de 9 de fevereiro de 1909: "Antes de tudo, e o senhor naturalmente não suspeita disso, seu sucesso é devido - como para todos nós - a uma transferência erótica sobre sua própria pessoa" (citado por Jones, 1969, p. 463).
É a um outro tipo de questionamento que introduz a noção de "controle da transferência" no campo pedagógico. Questão espinhosa como poucas, já que tem a ver com a necessidade de estabelecer limites ao desejo do outro, de evitar os excessos transferenciais "interrompendo" a busca de sedução (Kuendig, 1927). Aí está o núcleo da questão da transferência, pois afinal essa necessidade de "interromper" remete à contra-transferência do professor e ao modo de defesa que ele opera10.
O segundo exemplo apresentado por Kuendig permitirá identificar isso. Ele descreve seu modo de intervenção frente à "transferência fortemente positiva" de uma de suas alunas do nono ano. Constatando que essa garota tinha um cuidado particular pelo menor detalhe relativo à sua pessoa e mostrava um interesse exclusivo pela disciplina que ele ensinava, Kuendig deduz que há transferência em excesso no ar. Decide então intervir junto a essa aluna para fazê-la de certo modo voltar a seu lugar. Começa por mostrar-lhe que percebe o sentido de suas artimanhas e dá a entender claramente que não tem a intenção de prestar-se a elas. "Expliquei-lhe que ela devia renunciar à esperança de ver-me privilegiá-la, e que esperava apenas de sua parte que fizesse cons-cienciosamente seu trabalho...; era preciso que ela renunciasse, assim como todos os outros, para permanecer uma aluna" (Kuendig, 1927, publicado em Cifali e Moll, 1985, p. 177, gn). Essa intervenção, diz-nos ele, foi coroada de sucesso; as coisas voltaram ao normal.
Após ter relatado esse caso, Kuendig não deixa de interrogar-se sobre a necessidade de tal intervenção para o restabelecimento de uma relação normal. Sua resposta é cautelosa: "Não podemos responder com certeza à questão. A transferência poderia ter se intensificado até mobilizar todo o pensamento e a sensibilidade, em conseqüência do que a garota teria investido nela toda a sua energia. Eu queria dar limites a ela antes que fosse tarde demais" (p. 118, gn).
Essa resposta prudente e honesta está certamente longe de esgotar a questão. Os sentimentos e as reações de Kuendig frente às solicitações dessa aluna permanecem relativamente na sombra. Ele sabe que o pedagogo, como o analista, não deve aceitar a ternura que lhe oferecem nem responder a ela (cf. Freud, 1915). A questão é saber se os motivos de abstenção ditados pela moral social podem se apoiar sobre ou se conjugar com motivos teóricos oriundos do saber psicanalítico, a fim de que tal intervenção não seja unicamente reacional, isto é, unicamente ditada pelo temor dos sentimentos da aluna, pela angústia suscitada pelas manifestações de amor ou de ódio no campo pedagógico. A questão é abordada por Kuendig (1927): "Onde está a psicanálise nisto?", ele pergunta, para responder que ela se mostra "quando muito no fato de que os efeitos de uma transferência normal e de uma transferência excessiva são conhecidos" (p. 178). Se Kuendig educador deve repelir brandamente a garota, é porque essa transferência constitui um perigo para o desenvolvimento afetivo e intelectual da aluna. A dependência afetiva pode ser reconhecida, mas deve ser barrada e não cultivada sob pena de a aluna não ser mais que a vítima de sua paixão. A prática de uma intervenção ativa pode assim ser justificada por razões psicológicas.
Mas convém sublinhar que nesse ponto há um limite para a contribuição da psicanálise. Não se trata aqui de analisar a transferência como deve fazer o analista. Trata-se apenas de induzir a renunciar e a sublimar a libido por uma intervenção ativa refletida, que aqui também não tem aparentemente nada de um agir. A observação dos comportamentos da aluna e o modo explicativo mostram bem que se permanece no registro de uma ação educativa baseada numa psicologia de consciência. "Ela tomou mais claramente consciência de sua atitude em relação a mim quando procurei, por assim dizer, fazê-la levantar o nariz a fim de ver melhor e ter assim a possibilidade de dedicar-se de novo normalmente ao estudo das outras matérias" (Kuendig, 1927, publicado em Cifali e Moll, p. 176).
O que pode acontecer quando o pedagogo pretende utilizar conhecimentos analíticos sem experiência analítica pessoal, sem quadro constituído a partir dessa experiência, é ilustrado por um artigo de Edmund Fischer (1929) intitulado "Sexo e transferência". Ali podemos ler as desventuras do professor aprendiz de feiticeiro que pretende utilizar analiticamente a transferência no campo pedagógico. No relato dessa experiência, que parece ter por principal propósito convencer do perigo que representa a análise feita pelo professor - em resposta particularmente ao trabalho de Kuendig sobre "um caso de transferência" -, Fischer mostra o fracasso de duas análises que ele teria conduzido dentro do quadro da escola. Um único exemplo será suficiente aqui como ilustração. O fato ocorre a propósito "das redações de uma garota que não manifestava nenhum interesse pelas aulas e sentia muita dificuldade de escrever embora sendo normalmente constituída (sic, p. 283)". Constatando a estranheza de seus sonhos, Fischer decide tentar sua análise por meio de conversas durante os recreios (sic). Ele diz então como consegue instalar uma transferência positiva sobre ele e o quanto ficou satisfeito com tal resultado. É então, ele escreve, que "os relatos de sonhos apresentaram cada vez mais sinais de sexualidade infantil dirigida para a minha pessoa, de modo que eu duvidava de sua veracidade (sic) e não tinha mais condições nem julgava útil falar disso" (p. 285, gn). A partir desse momento, a aluna percebeu evidentemente que nada conseguiria. Embora caricatural, o caso não é menos exemplar, e não apenas desses tempos heróicos.
A essa edificante história, Ernst Schneider (1929) - um dos membros do Conselho de edição da Revista - replica, numa "Nota da redação", que, se o professor se atemorizou diante de um fenômeno de transferência intenso e bateu em retirada, isso mostra claramente o perigo da análise empreendida pelo dito professor. Schneider destaca com firmeza que, "se por um lado a transferência, com seus efeitos desejáveis e indesejáveis, é um fenômeno que aparece na escola, mesmo sem a aplicação de métodos procedentes da psicanálise, pode-se dizer, por outro, que as intervenções psica-nalíticas de Kuendig, como a maior parte das teorias análogas conhecidas na literatura (Zulliger, Pfister e outros), não podem ser consideradas como verdadeiras análises, mas antes como métodos próprios ao conjunto da atividade educativa, e que podem ser bem sucedidos ou fracassar como qualquer outro método pedagógico, conforme as disposições do aluno e os conhecimentos e a aptidão pedagógica do professor" (Schneider, 1929, p. 288, gn).
Isso quer dizer efetivamente que o fenômeno transferenciai não é um "fenômeno analítico", um "produto" da psicanálise, mas sim um fenômeno que ocorre no núcleo mesmo da atividade educativa, e quer dizer também que a psicanálise não poderia ser uma panacéia contra os fracassos da pedagogia. O interesse do caso ilustrado por Fischer é mostrar de que maneira, frente a um aluno que apresenta dificuldades e que "lhe escapa", o pedagogo pode ser tentado a induzir uma relação transferenciai privilegiada iniciando "conversas pessoais", e a trabalhar com um material psíquico igualmente privilegiado, os sonhos, a vida privada dos alunos - para ali encontrar o problema e reduzi-lo. Poderíamos falar aqui da "tentação analítica" do pedagogo como racionalização de seu desejo de penetrar no outro, de desvendá-lo (ver, interpretar), de seu desejo de controlar o desejo do outro - o aluno - sob o pretexto de uma aplicação dos conhecimentos psicanalíticos.
Citemos Kuendig (1927). "Aquele que, após ter devorado (perdoem-me a expressão, mas ela me parece caracterizar bem um comportamento largamente difundido!) não importa qual obra psicanalítica, julga ter acumulado suficientes conhecimentos para se aproximar de seus semelhantes com a intenção de analisá-los, para inter- pretar cada uma de suas ações e gestos, este causa apenas estragos. Ele aborda seus alunos na intenção de revelar seus complexos, e certamente os encontra, mas os seus próprios, que ele se proíbe de reconhecer como tais. Ele não pode compreender o psiquismo infantil, impedido que é por seus próprios recalques, por seus complexos pessoais que lhe barram o caminho" (p. 165, gn).
Kuendig descreve aqui um modo de defesa que a psicanálise nos ensinou a conhecer, a saber, a projeção para fora do que não se pode reconhecer dentro de si, e afirma que, mesmo analisado, o professor nem por isso é analista em situação pedagógica. Com ele, a maior parte dos pedagogos psicanalíticos concordam em dizer que, "se descobre a grande complexidade da psique de seus alunos, sua imensa profundidade que para sempre lhe permanecerá desconhecida e deve mesmo permanecer..., o professor jamais deve abordar seus alunos com a intenção de 'ver' dentro deles como um psicanalista" (Kuendig, 1927, pp. 163-64, gn).
O conhecimento analítico não leva o pedagogo a abandonar os propósitos educativos: renunciar à satisfação pulsional, sublimar a libido. Em 1910, Freud escreve ao pastor Pfister a propósito da transferência: "A tarefa é mais fácil para o senhor desse ponto de vista do que para nós, médicos, porque o senhor sublima a transferência transferindo-a para a religião e a moral" (Jones, 1969, p. 471). Para o psicanalista, "convidar a renunciar e a sublimar não seria agir de maneira analítica, mas comportar-se de forma insensata", diz ele em suas "Observações sobre o amor de transferência", em 1915. E ele pode então escrever a Pfister, em 1918, que, quanto ao emprego da transferência, seus caminhos se separam11.
O exemplo de Fischer é apenas um caso ilustrativo da maneira como um pedagogo pode ser solicitado a utilizar de maneira inadequada conhecimentos oferecidos pela psicanálise, um caso de perversão. Retomando o que Zulliger (1930b) denuncia, num artigo chamado "O pavor do vínculo", como uma interpretação errônea da transferência por pedagogos não analisados, Ruth Weiss (1936) sublinha que muitos artigos insistem nos perigos de uma transferência demasiado intensa, e que tratam essencialmente do caso de jovens adolescentes apaixonadas por seu professor. A essa concepção estreita e defensiva da transferência, Zulliger opõe-se: ele defende, com razão, que uma afeição positiva não é necessariamente neurótica e perigosa, que a afeição homossexual discretamente ignorada por muitos professores é talvez mais nociva que a afeição heterossexual, enfim, que os garotos podem também sucumbir a essas afeições. Ele aponta assim tanto a função de desconhecimento quanto a função defensiva que podem se exprimir sob a idéia de controlar a transferência entre os pedagogos não analisados.
A contribuição da psicanálise seria assim ajudar o pedagogo a domesticar esse pavor do vínculo que o remete a seus próprios recalques, a tolerar melhor as manifestações afetivas no campo pedagógico. Do mesmo modo, é em direção a um modelo de reconhecimento das forças afetivas em jogo e de captação dessa energia no vínculo social que Zulliger (1930b) se orienta a partir desse artigo. Seu trajeto no caminho de ponta da pedagogia psicanalítica merece assim a maior atenção.
Após ter ele próprio, enquanto pedagogo, se lançado num trabalho analítico na escola que ele evoca em A psicanálise na escola (1930a), Zulliger denuncia bastante radicalmente, alguns anos mais tarde, toda assimilação da pedagogia psicanalítica à psicanálise enquanto terapêutica individual. "A pedagogia psicanalítica não é nem psicanálise terapêutica, nem psicanálise de crianças, nem pedagogia curativa psicanalítica" (Zulliger, 1936, publicado em Cifali e Moll, 1985, pp. 192-205). A questão da transferência revela-se aqui, ainda, o pivô da separação das práticas. "Além do fato de não podermos, por razões técnicas, efetuar um trabalho terapêutico, pois nos veríamos ainda confrontados a essas crianças fora das horas de aula e praticamente não seríamos capazes de assumir as dificuldades transferenciais que disso resultariam, penetraríamos num domínio que não é da nossa alçada: praticaríamos muito ingenuamente psicanálise de crianças" (p. 197, gn).
É portanto um novo caminho de aplicação das descobertas freudianas à prática pedagógica que Zulliger vai abrir, inspirando-se nos trabalhos de Freud sobre a psicologia coletiva (Jones, 1969, p. 480)12. A partir daí, ele redefine a pedagogia psicanalítica como um "método de educação" fundado sobre "o conhecimento psicanalítico da psicologia coletiva" (1936, p. 198).
O mérito de Zulliger é mostrar que o propósito educativo implica a criação de vínculos e de uma ordem identificatórios. O que significa, por um lado, que há lugar na escola para tomar o desejo amoroso dentro do vínculo social e, por outro, que a questão da submissão do sujeito, de sua possível sujeição, não pode ser desconhecida (Rabant, 1968).
Dois dos artigos de Zulliger publicados na Revista ("O pavor do vínculo (1930b)" e "Uma deficiência na pedagogia psicanalítica" já citados), bem como o que ele publica em 1930 na revista Imagoe, com o título "Psicanálise e liderança na escola" (Zulliger, 1930c), são particularmente esclarecedores a esse respeito. Nessa nova via de aplicação que se oferece a ele, Zulliger acabará por formular um modelo dos laços afetivos na situação pedagógica. Os laços transferenciais, diz ele, são os "de uma comunidade com seu guia (führer)", à imagem dos que Freud descreve em "Psicologia coletiva e análise do ego" (Freud, 1921). O professor deve trabalhar para favorecer tanto a identificação de seus alunos enquanto grupo, no sentido freudiano do termo, quanto o desejo de identificação com o professor-guia, a idéia de "força moral" que ele representa (o ideal do ego), a fim de que a relação afetiva possa se orientar no sentido da sublimação (cf. a carta de Freud ao pastor Pfister, de 1918, citada por Jones, 1969). Zulliger irá portanto tentar objetivar algumas regras "técnicas" que permitem atingir esse objetivo, sem deixar de sublinhar que a tarefa do professor-guia não é simples. Este deve, como ele diz no artigo de Imagoe, ser permissivo, "agir de modo que as crianças digam dele 'em sua casa pode-se fazer o que se quer', 'em sua casa tudo é permitido', e criar um vínculo deserotizado. Para tanto, ele "não deve ser visto como Pai, Urvater13, mas como Chefe, Hauptling14 da fratria, Bruderhorde... O professor-guia de orientação psicanalítica 'não amará' as crianças individualmente, mas as 'amará' em conjunto, não se comportará como tirano para dar ordens sob pena de castigo e para ajudar a recalcar, mas tampouco se colocará como irmão e libertino com seus alunos... Não deixará de impor suas idéias e as manterá firmemente. Ao fazer isso, deve tomar consciência de seu papel de mediador entre as pulsões e o Ideal do Ego de seus alunos, a exemplo de um diplomata dotado pelos campos adversários de poderes extraordinários".
A construção que Zulliger propõe aqui permite compreender de que maneira, longe de ser um "professor nas fronteiras da psicanálise"15, ele rompe profundamente com o pensamento freudiano ao colocar os conhecimentos psicanalíticos a serviço de sua paixão pedagógica. A relação de fascínio que, em suas palavras, o pedagogo deve manter com esses conhecimentos, esclarece sem grande ambigüidade o sentido dessa ruptura. Citemos Zulliger: "Ele deve estar tão impregnado das teorias de Freud que deve poder intervir sem refletir", "as descobertas psicanalíticas devem estar tão presentes em seu espírito que ele deve ser capaz de agir de maneira adequada sem recorrer aos livros" (1931, p. 103). Essa introjeção das "teorias de Freud", que conduz aqui a uma posição de alienação identificatória, faz supor que aí se encontra o impulso próprio à posição pedagógica de Zulliger e a seu modo de teorização.
A questão da transferência que, para Kuendig (1927), permanecia ainda de acordo, em seus fundamentos, com a concepção analítica, a "prática da transferência" consistindo em lutar seja contra a fuga de qualquer influência (suscitar, instaurar, etc.), seja contra uma ausência de inibição das moções transferenciais (controlar), formula-se com Zulliger em termos claramente anti-analíticos. O emprego da transferência deslocada como emprego coletivo da identificação torna-se desconhecimento da transferência no sentido analítico (Valabrega, 1980).
Com efeito, se Freud aproxima a sugestão (ou a hipnose) do estado amoroso e da identificação (Cf. os capítulos VII e VIII de "Psicologia coletiva e análise do ego", de 1921), mostrando que a sugestão é o elemento fundamental e irredutível da identificação (Valabrega, 1980, p. 241), ele afirma a especificidade da psicanálise na ruptura com a sugestão hipnótica. A psicanálise não pode ser uma cultura da identificação.
Por isso, quando Zulliger funda a teoria da pedagogia psicanalítica como problemática de um emprego coletivo da identificação, ele estabelece, contrariamente ao que pretende fazer, que pedagogia e psicanálise são claramente antinômicas uma da outra, que não pode portando haver, stricto sensu, pedagogia psicanalítica, a menos que se negue a verdade das descobertas psicanalíticas. E é exatamente o que ele faz quando tenta, por uma argumentação inteiramente sofistica, sobrepor a situação analítica sobre a situação pedagógica: já que Freud descreveu a relação analisando-analista como um "grupo a dois", isso quer dizer que a situação analítica é uma encenação de uma psicologia de grupo, o que é característico da situação pedagógica; situação analítica e situação pedagógica são portanto da mesma natureza, CQD.
Esse "truque" de prestidigitador de Zulliger é muito instrutivo quando se sabe que o texto freudiano ao qual ele se refere, o capítulo VII de "Psicologia coletiva e análise do ego" - "Estado amoroso e hipnose" -, trata, não da relação analisando-analista, mas da relação hipnótica: "De um lado pode-se dizer, assim, que a relação hipnótica é, se a expressão é permitida, uma formação de multidão a dois. A hipnose não é um bom objeto de comparação com a formação em multidão por ser sobretudo idêntica a ela. Da estrutura complicada da multidão ela isola para nós um elemento, o comportamento do indivíduo em relação ao condutor" (Freud, 1921, p. 180). É portanto claramente a natureza do vínculo, da relação do professor-guia com os alunos que é aqui explicitada, e compreende-se por que Zulliger fala de um vínculo dessexualizado. O vínculo dirigente-dirigido, que concretiza para ele a partir de 1930 a relação professor-aluno, quer-se à imagem do que Freud diz da constituição libidinal de uma multidão. A multidão caracteriza-se "por um estado amoroso com exclusão das tendências diretamente sexuais... E interessante ver que são justamente as tendências sexuais inibidas quanto ao objetivo que resultam nos vínculos tão duráveis que unem os homens entre si" (Freud, 1921, p. 180, gn). Um pouco mais adiante, Freud acrescenta uma outra característica dessa constituição: ela comporta como suplemento a paralisia nascida da relação de um ser superpotente com um ser sem potência, sem defesa, o que se associa de certo modo com a hipnose de pavor dos animais16.
O vínculo dessexualizado, do qual Zulliger nos diz que é condicionado pela renúncia ao desejo amoroso no aluno e no pedagogo, é um vínculo de sugestão que assegura subterraneamente a submissão e a docilidade do aluno, submissão e docilidade obrigadas por compromisso pelo desejo amoroso edipiano e seu deslocamento para a pessoa do pedagogo (Filloux, 1974). A dessexualização está na posição contra-edipiana assumida pelo pedagogo; no logro desse amor universal "ele amará seus alunos em conjunto e não os alunos tomados individualmente" (Zulliger, 1930c, op. cit.), o que não é senão uma defesa contra a estrutura edipiana do desejo.
Ao fundar a tarefa pedagógica sobre o desejo de identificação das crianças, identificação que para Freud é a forma mais precoce e originária do vínculo afetivo, Zulliger não poderia pretender dessexualizar esse vínculo. Pois, se a identificação se apoia sobre a sugestibilidade, a própria sugestibilidade da criança tem suas raízes no sexual. Freud diz isso em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (Freud, 1905b): é no componente masoquista do instinto sexual que se funda a docilidade e a credulidade hipnótica. O que leva Ferenczi a dizer que o masoquismo é o prazer de obedecer que as crianças aprendem com seus pais (1931).
Portanto, é de fato no sexual que se funda esse vínculo pregado por Zulliger, um vínculo de alienação que assegura ao pedagogo, assim abrigado da ambivalência da transferência, um controle onipotente. Nada de surpreendente que, em "O pavor do vínculo", Zulliger possa proclamar as virtudes de tal vínculo: os exemplos tirados da prática "mostram mais claramente que as discussões teóricas os efeitos do vínculo, tais como nós, professores formados em psicanálise, o desejamos e o mantemos; um vínculo dessa natureza favorece a sociabilidade e não constitui obstáculos ao desenvolvimento do aluno, muito pelo contrário, ajuda-o a desenvolver-se" (p. 59, gn).
A argumentação de fato, o "isso funciona" serve de meio de inteligibilidade que substitui o trabalho de elaboração da prática. Percebe-se por aí de que maneira tal modelo arrisca-se a funcionar simplesmente segundo o modo de uma ideologia pedagógica. O ato pedagógico desembaraçado de sua nocividade torna-se incondicionalmente positivo. A má pedagogia tradicional pode opor-se a boa pedagogia psicanalítica. A operação é dupla: a psicanálise é castrada do sentido de suas descobertas e "a transferência reinventada pela pedagogia abre as portas de um inconsciente e de um imaginário inteiramente benéficos para a relação educativa" (Bigeault & Terrier, 1978, p. 110). A teoria de Zulliger pode-se resumir assim: se o professor tem pouca responsabilidade no fenômeno do vínculo já que a transferência é inconsciente, se ele nada pode e sente-se completamente desamparado sempre que é o objeto de tal transferência, cabe-lhe opor-se ao deslocamento dos conflitos psíquicos sobre sua pessoa, apoiando-se no desejo de identificação das crianças para impor as renúncias necessárias e corrigir seus comportamentos. Zulliger substitui a pedagogia tradicional, que ele combate porque funda a renúncia sobre a coerção e o recalque, por uma pedagogia da renúncia fundada sobre o desvio da libido - como se fala de um desvio moral - para fins educativos.
Paradoxalmente, a figura do "professor-guia de orientação psicanalítica" elaborada por Zulliger cria uma pedagogia anti-edipiana, nos antípodas do que as descobertas freudianas são capazes de ajudar a construir.
Mas a maneira pela qual Zulliger "opera" é muito particularmente significativa do que poderíamos chamar o imaginário pedagógico. Ao tomar por referência o modelo de constituição de grupo elaborado por Freud em "Psicologia coletiva e análise do ego" (1921), modelo que apóia a constituição do grupo sobre os laços de amor e de identificação, Zulliger recusa ao mesmo tempo o outro modelo de constituição de grupo, aquele elaborado por Freud em Totem e tabu (Freud, 1912-3); com o mito científico da horda primitiva, o grupo funda-se sobre o assassinato do pai, sobre o parricídio. Zulliger propõe várias coisas no caminho dessa recusa. Em primeiro lugar, ele diz que o professor-guia deve ser permissivo a fim de que as crianças possam dizer que em sua casa tudo é permitido, o que significa, em boa lógica, que não deve punir, pois, se o fizer, provoca o recalque e retornamos à ótica da pedagogia tradicional combatida por Zulliger. Sua ação deve portanto basear-se num método suave ("não ser severo"), permissiva a ponto de apagar toda proibição ("tudo é permitido"), proibir sendo inútil em razão mesmo da relação de sujeição em jogo. O professor-guia assume aqui os traços de uma imago onipotente e castradora (se tudo é permitido, nada é permitido), de uma imagem conforme às exigências do eu-ideal e da onipotência narcísica.
Compreende-se desde então a recusa da imago paterna: o professor-guia não deve ser visto como um pai (Urvater), como aquele pai onisciente dos anos da infância de que fala Freud, que toda criança tem a ambição de crer e de imitar, mas do qual deve também desprender-se. É portanto a ambivalência a seu respeito que deve aqui ser recusada para eliminar todo conflito na relação pedagógica e garantir a onipotência do pedagogo.
É na imagem do chefe (Hauptling), literalmente chefe de bando17, que vem se encarnar a recusa da figura paterna, na ereção dessa imago fálica indiferenciada sexualmente, mas por trás da qual, como vimos, oculta-se a onipotência de uma imago materna que não teria nenhuma lei a sustentar, uma imago à qual, como diz Ferenczi, "nos submetemos para agradá-la". A recusa da figura paterna permite, como se sabe, contornar a angústia de castração, o que não é o equivalente de uma renúncia amorosa, longe disso. O "chefe de bando" não é a encarnação de um líder "sem libido", mas, muito pelo contrário, de um líder libidinal que funda seu poder sobre uma sedução de natureza homossexual18; assim é preciso, nos diz Zulliger, que o professor-guia não cesse de propor suas idéias e de sustentá-las firmemente. Não se poderia dizer melhor.
O trajeto de Zulliger acaba assim por mostrar a especificidade da pedagogia reatando com a verdade recalcada do pedagógico: o desejo de identificação da criança e sua sugestibilidade que são os únicos a fundar o poder do pedagogo19, o desejo do pedagogo de usufruir esse poder sob o pretexto de uma racionalização, a da dessexualização do vínculo pedagógico. Trajeto de certo modo exemplar.
Esta breve travessia do movimento de pedagogia psicanalítica permite elaborar alguns pontos relativos às dificuldades de aplicação dos conhecimentos psicanalíticos ao domínio da pedagogia.
Uma primeira conclusão se impõe: a da separação das práticas. Na esteira de Freud, os pedagogos psicanalíticos afirmam que há perigo ou inadequação em interpretar, como o psicanalista, as manifestações transferenciais em jogo. Poder reconhecer que a raiz mais profunda da transferência, como de todo amor objetal, provém dos complexos parentais, não implica no entanto a possibilidade de um trabalho analítico no campo pedagógico, como tampouco a interpretação de todo impulso afetivo em termos de transferência. Reduzir tudo à transferência seria, no limite, negar qualquer validade às manifestações de hostilidade ou de amor, defender-se de ser concernido, implicado por essas manifestações.
Uma segunda conclusão poderia ser que, quando a noção de transferência é posta a serviço de um propósito pedagógico (educativo ou reeducativo), ela abandona o solo psi- canalítico para funcionar como noção psicológica. É claro que o que é dito da transferência e de seu "manejo" procede essencialmente de uma psicologia relacionai e de uma psicologia de consciência. Fala-se de comportamentos, de reações observáveis, sem ignorar que esses comportamentos são sobredeterminados de um lado e de outro pelo psiquismo inconsciente20.
Isso permitiria compreender melhor por que a história dos professores e da psicanálise permanece uma história em suspenso, uma história dominada por relações de conflito entre professores e psicanalistas. Num recente trabalho em que se situa como historiadora, Mireille Cifali (1988) nos oferece numerosos testemunhos dessa história repleta de hostilidade, de reivindicações e de reticências21. Entre os psicanalistas, desejosos em nome de seu saber de "revolucionar a pedagogia", e os professores reticentes a toda cooperação, e mesmo a toda reeducação (!), ela nos mostra como se tecem repetitivamente laços de hostilidade e de rivalidade de natureza narcísica. Segundo a temática que ela desenvolve em Freud pédagogue (1982) e em sua apresentação dos textos da Revista em Pédagogie et psychanalyse, M. Cifali (1985) denuncia como transferência negativa essa acusação permanente aos professores da impotência de sua ação educativa. Tal história só é realmente inteligível se renunciamos a colocar a relação psicanálise-educação como um dilema a superar e se compreendemos claramente que, quando psicanalistas pretendem legislar sobre o pedagógico em nome do saber analítico, eles deixam de ser analistas e se identificam como super-educadores, superegos dos educadores ou dos professores. A história do movimento de pedagogia psicanalítica mostra, como vimos, o fracasso para os psicanalistas dessa posição; mostra igualmente que a psicanálise não pode vir preencher a falta de saber e a falta de poder dos pedagogos, a não ser perdendo sua própria especificidade, como o evidencia a orientação de Zulliger.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DO MOVIMENTO DE PEDAGOGIA PSICANALÍTICA NA FRANÇA
Com a criação do centro psicopedagógico Claude Bernard em 1946, uma história da aplicação da psicanálise à pedagogia é fundada na França22.
Em Psychanalyse et éducation, obra publicada em 1967, Georges Mauco, que foi um dos fundadores do Centro, enfatiza o que ele chama o "diálogo das sensibilidades inconscientes" na relação pedagógica. Trata-se evidentemente da transferência e da contra-transferência, que Mauco examina numa perspectiva freudiana. O aluno irá "transferir sobre os professores que evocam nele as imagens parentais" (1967, p. 148); o professor, símbolo de autoridade, desperta as reações relacionadas à imagem paterna. Ele fala do papel dos fatores sexuais nas reações escolares na adolescência e da importância capital da identificação do aluno com o professor simpático, imagem paterna, como objeto modelo.
A questão da contra-transferência do professor à transferência do aluno é colocada por Mauco nos termos de uma "maturidade afetiva", a única capaz de não reagir afetivamente às reações transferenciais "da criança-símbolo carregada de ressonâncias fetivas no inconsciente do adulto", e de ultrapassar seu desejo de posse sobre a criança, esse amor possessivo feito de sedução daquele que tem o "fogo sagrado" e que no fundo ama as crianças para satisfazer suas próprias necessidades afetivas (1967, p. 195). A maturidade afetiva do professor é a condição de "seu valor educativo, que reside menos no que ele diz ou faz que no que ele sente em profundidade".
Por isso não há em Mauco nenhuma necessidade de estratégia afetiva defensiva. A idéia de controle pelo professor da transferência do aluno está ausente; o controle é claramente devolvido ao aluno: o professor deve ajudar o aluno a controlar suas pulsões não as condenando. Aliás, a capacidade desse controle é oferecida pelo próprio quadro escolar, o meio escolar "reproduz transformando-o, no plano social ampliado, o meio familiar" (gn). O papel de escolar ajuda a criança a transpor para o plano social a dinâmica própria ao meio familiar.
Pode-se dizer que G. Mauco apresenta aqui uma concepção realmente inspirada na psicanálise da relação professor-aluno, uma concepção que, reconhecendo o valor específico do quadro escolar como estruturador, desfaz as armadilhas do desejo de controle e de sedução do adulto sobre a criança, o desejo de controle e de sedução da parte da criança, da onipotência infantil.
É o conhecimento da criança iluminado pela psicanálise, o reconhecimento da sexualidade infantil, do complexo de Édipo, da dinâmica identificatória da criança, de seu impacto sobre a relação pedagógica, que produz aqui a maturidade afetiva do professor. Mauco não propõe uma teoria do educador-nato, mas uma teoria do educador esclarecido.
É na obra de F. Oury e A. Vasquez Rumo a uma pedagogia institucional (Oury & Vasquez, 1967) que podemos reconhecer a filiação mais direta com a orientação de Zulliger, já que esses autores, contestando a validade das aplicações quase diretas das teorias psicanalíticas à Escola, propõem-se "uma reformulação das noções psicanalíticas em termos de grupo". Essa, segundo eles, é a contribuição possível da psicanálise à pedagogia. Seu propósito é duplo: educativo, como em Zulliger, e psicoterapêutico.
Também para eles, a noção de identificação é a pedra angular de seu modo de teorização. Embora não excluam que outras noções analíticas, como as de transferência, libido, fantasma, superego, sejam necessárias para uma elucidação teórica da pedagogia, eles insistem no "perigo de utilizar essas noções sem uma formação e um controle sérios", escarnecendo várias vezes do que eles chamam uma "psicanálise explicativa" (Oury & Vasquez, 1967, p. 126).
No entanto, o pouco uso que eles fazem dessa noções, obrigatórias para quem quer teorizar a pedagogia à luz da psicanálise, faz pensar que eles próprios mostram-se reservados quanto aos conceitos freudianos. A importância dada à "psicologia individual" adleriana como bom objeto teórico de uso pedagógico permite considerar que, se "a obra de Freud que faz da criança o pai do homem parece ignorada pelos pedagogos" (p. 199), isso poderia estar relacionado com uma representação recalcada da psicanálise freudiana como mau objeto perseguidor para o pedagogo (Berouti, 1976).
Obviamente, também aqui é em torno da questão da transferência que as coisas se articulam. Citemos A. Vasquez quando tra- duz a posição do professor primário, no caso F. Oury, em relação às transferências de seus alunos. "Ele parece dizer e repetir sem parar. Atenção! Estou aqui para defender a lei local, estou aqui para ser o pilar que permite a coesão da estrutura da classe em seu conjunto. Em outras palavras, em nível nenhum aceitarei desempenhar um papel transferencial mais ou menos materno ou paterno, pois então me arriscaria a abandonar a totalidade estrutural da classe para me ocupar com um indivíduo em detrimento do grupo, me privaria justamente do que me permite ser eficaz" .(Oury & Vasquez, 1967, p. 126, gn).
A função de escudo defensivo de tal discurso é evidente: respeitem o pare, sob pena de minha carteira de motorista ser retirada. Como em Zulliger, os vínculos da criança com o professor só podem ameaçar o poder do pedagogo sobre o coletivo. A eficácia pedagógica exige portanto, aqui também, a recusa do pai como objeto-modelo. Em seu capítulo sobre a idenfificação, em "Psicologia das massas e análise do eu", Freud (1921) afirma, a esse respeito: "a identificação com o pai parece tornar-se difícil". Necessário modelo identificatório para Freud, ele transforma-se aqui em modelo ultrapassado, "fora de serviço": "Tradicionalmente a educação propunha como modelo a geração dos pais... Essa concepção é válida talvez numa sociedade de evolução lenta (sic). O tempo dos bravos lavradores dirigindo a parelha de grandes bois brancos se esfuma" (Freud, 1921). O assassinato do pai (Freud, 1912-3), sua recusa como modelo identificatório, efetua-se em nome de um "realismo sociológico". A repetição dessa recusa, assim que o acento é posto sobre o grupo, permite pensar que o complexo paterno inconsciente seria aquilo sobre o qual viriam fundar-se as construções pedagógicas centradas na "pedagogia de grupo" no sentido amplo do termo.
Assim, o pai justo e severo que deve, como diz Freud, amar com igual amor todos os membros da fratria (o que não quer dizer um amor universal!) é substituído pela imagem de um terapeuta benevolente e disponível, supostamente ao abrigo de seus próprios desejos agressivos. O dispositivo de grupo "canaliza" a agressividade e protege o pedagogo contra sua própria agressividade, tanto reacional quanto constitucional: "As sanções não são mais propostas pelo professor mas pelo grupo, o que tem a vantagem de desativar as condutas de oposição ao adulto. Revela-se portanto interessante que o mestre não esteja diretamente implicado no conflito que opõe um aluno a seu grupo: ele permanece disponível e pode ter, nesse momento de crise, uma ação determinante de terceiro, de recurso" (Freud, 1912-3, gn).
Como vemos, a agressividade é desviada para o grupo, objeto da transferência do professor; protegido do conflito, o professor se vê, sob pretexto de uma posição terapêutica, numa posição de árbitro. Mas, assim como não se poderia confundir - a menos que se ignorem os fenômenos transferenciais em seu sentido psicanalítico - ser o objeto de uma transferência paterna ou materna e tomar o lugar do pai ou da mãe para a criança, tampouco se poderia confundir a função do terceiro simbólico23 com a de terceiro real. Na crise que opõe o aluno a "seu grupo", o professor, estando fora da relação aluno-grupo, encontra-se na posição de terceiro real. Sua posição, como se diz, é de não-intervenção. Sua palavra enunciada por ocasião do conflito não é - propriamente falando - uma palavra que representa a lei, mas uma palavra que faz a lei no grupo, uma palavra judicativa.
A construção proposta por Oury e Vasquez nessa obra substitui a triangulação edipiana pai-mãe-criança por uma pseudo-triangulação professor-aluno-grupo ou seu equivalente: a "classe institucionalizada". A função do terceiro termo assim constituído é desviar as manifestações transferenciais entre professor e alunos em proveito de um trabalho educativo e terapêutico. A classe institucionalizada substitui, enquanto "sujeito coletivo", o professor; como tal, ela "pode dar acesso, às vezes, à problemática inconsciente de cada um ou às preocupações inconscientes do grupo num momento dado, condição sempre e com freqüência suficiente às respostas adequadas" (1967, p. 181, gn).
Graças a esse "sujeito coletivo" que se assemelha a uma "instituição subjetivada", a antinomia entre psicanálise e pedagogia pode ser superada, uma possibilidade de acesso à problemática inconsciente individual pode ser salvaguardada; é possível portanto sustentar um propósito terapêutico no campo pedagógico sem que o professor se assuma em sua posição de objeto de transferência. Oury e Vasquez podem assim afirmar que "o papel do professor primário não seria ser um psicoterapeuta individual na classe, mas antes intervir nessa classe para que a psicoterapia seja feita pela classe, para que tudo o que acontece possa ser retomado pela palavra" (1967, pp. 126-27, gn). Podemos nos perguntar se a "classe institucionalizada" não seria simplesmente, enquanto suposta "sujeito coletivo", a expressão do contra-investimento do professor em relação aos fenômenos transferenciais em jogo na relação pedagógica. Pois a construção teórica do grupo como sujeito autônomo, da mesma maneira que o aluno ou o professor, permite a substituição ou a intercambialidade do grupo e do professor. Por trás do grupo, como anteparo protetor contra a agressividade, acha-se o professor24. Homólogo da aliança originária pedagogia-psicanálise portadora de uma esperança terapêutica para a humanidade (educação profilática) (Millot, 1979), um fantasma megalômano, a aliança pedagogia-terapia, retorna ao ponto de origem da pedagogia psicanalítica.
Um outro aspecto do trabalho de Oury e Vasquez merece ser destacado, pois ele permite esclarecer, não - como o queria incondicionalmente Zulliger - as virtudes de uma cultura da identificação, mas ao contrário os perigos dessa cultura.
É ao longo das monografias que se manifesta, nos comentários que delas são feitos, o perigo de uma alienação identificatória do aluno ao professor. Podemos tomar como exemplo significativo o seguinte trecho da "monografia de Janot".
"D. V. é uma mulher e é bom que seja assim, pois isso talvez tenha feito Janot ganhar tempo ajudando-o a queimar etapas. Janot não podia copiar D. na medida em que ela era uma mulher. Com um bom professor, a criança corria o risco de fazer uma identificação homossexual de tipo histérica. Sugestivo, imaginativo, Janot talvez tivesse se encerrado numa imagem do professor tomando dele apenas traços não significativos, imitando-o inconscientemente. Projetando-se em seu desejo, teria se tornado uma espécie de duplo do adulto, e isso não teria favorecido muito sua adaptação ao grupo" (1967, p. 157, gn).
Como se vê, falar do vínculo professor-aluno como de um vínculo dessexualizado não é mais conveniente aqui. O risco para o aluno, levando em conta sua sugestibilidade, de ser seduzido pelo professor, de alienar-se em seu desejo, é onipresente. Nesse sentido, não há por que surpreender-se muito com o uso um tanto vulgarizado do conceito de identificação histérica, isto é, de uma identificação ao desejo do outro e, como tal, evidentemente alienante. Em contrapartida, poderíamos ficar surpresos em saber que o fato de D. V. ser uma mulher possa ter protegido Janot de qualquer identificação desse tipo. Isso significaria que a tentação de ser seduzido, que só pode remeter à tentação sedutora do pedagogo, seria antes de tudo e essencialmente de natureza sexual, homossexual25 (Marrou, 1948). Percebe-se claramente aqui o quanto parece ne- cessário defender-se contra essa tentação sedutora26, mas é certamente o avesso de toda construção pedagógica que tende mais ou menos a recusar a figura paterna como figura identificatória edipiana.
Podemos portanto concordar com Oury e Vasquez quando eles falam de uma incompatibilidade do pensamento freudiano e dos pedagogos, e quando sublinham a afinidade certa da psicologia individual de Adler27com a pedagogia, inclusive a pedagogia que se funda sobre o grupo, o que não é um dos menores paradoxos. "Ao evitar as armadilhas que as noções de sexualidade e de inconsciente apresentam ao pedagogo, ao sublinhar as noções de inferioridade e de compensação, Adler - eles escrevem - ajuda o professor primário a modificar seu esquema de percepção, a aproximar-se do elemento incompreendido do ser humano (Oury & Vasquez, 1967, p. 271, gn). Se, como eles dizem, a psicologia adleriana "produz efeito", é precisamente porque substitui a teoria freudiana da libido por uma vontade de potência, por uma "pulsão de dominação" que seria a tendência fundamental do psiquismo humano. Ao evitar as "armadilhas" da transferência, ela é a expressão manifesta da "compulsão educativa" do pedagogo. Com Adler, uma possibilidade de controle racional do psíquico oferece-se ao pedagogo (aproximar-se do elemento incompreendido), lá onde os pedagogos psicanalíticos que permanecem freudianos afirmavam a complexidade do psiquismo e a necessidade de abertura ao desconhecido, ao não-apreensível, ao não-controlável.
A afinidade do pensamento de Adler com o pedagógico se baseia no fato de tratar-se essencialmente de uma psicologia não analítica28. Como diz Ferenczi, "a escola psicológica de Adler, por ter negligenciado o inconsciente e subestimado a sexualidade, colocou-se fora do campo da psicanálise" (Ferenczi, 1917). Não se percebe portanto como seria possível referir-se à psicanálise passando por Adler.
Poderíamos acrescentar, com Lou Andreas-Salomé, que em Adler a desmedida da "pulsão de dominação" torna-a mais do que suspeita de sexualização (Andréas-Salomé, 1977). Isso significaria que é nesse ponto que a sexualidade recalcada pela teoria adleriana retorna. A teoria adleriana permitiria assim não apenas lançar o véu levantado por Freud sobre a sexualidade infantil, e mais particularmente sobre o complexo incestuoso, mas, "ao dar a maior importância à pulsão de valorização de si, à pulsão agressiva" (Ferenczi, 1917, p. 295), permitiria igualmente a erotização dessa pulsão no campo pedagógico. Assim estaria fundada a afinidade da psicologia individual adleriana com a pedagogia.
Terminaremos este estudo por uma breve análise do capítulo que Marcel Postic (1979) dedica em sua obra sobre A relação educativa29 ao uso contemporâneo da noção de transferência no campo pedagógico. Na introdução ao capítulo 2, é claramente precisado que a situação pedagógica não é semelhante à situação analítica, e que o uso de certos conceitos freudianos para analisar os mecanismos inconscientes da comunicação pedagógica requer algumas precauções. Certo, mas a prudência verbal não poderia tomar o lugar da elaboração teórica. E, desse ponto de vista, é preciso constatar que as coisas não avançaram muito.
Se a especificidade das práticas parece assegurada - "quando se falar de transferência, não será para ver seu emprego, como no quadro da cura, mas para apontar seus indícios e para examinar de que modo ela é, ou não, controlada" (p. 207) -, os enunciados que definem a transferência no aluno testemunham uma evolução certa. Pode-se assim ler: "a transferência é uma tentativa de manobra do outro, para levá-lo a comportar-se de um certo modo, uma tentativa de impor uma certa forma de relação. O aluno provoca assim o professor, para levá-lo a reagir de um certo modo. É ora um procedimento para monopolizar seu afeto, para possuí-lo de forma exclusiva, ora, ao contrário, uma revolta brutal contra a figura do pai, uma expressão de agressividade que remonta à rivalidade edipiana" (p. 209, gn).
Essa citação é particularmente eloqüente. Ela esclarece sem ambigüidade a relação que a teoria adleriana pode manter com a pedagogia. A transferência é aqui muito ingenuamente assimilada à pulsão de dominação que Adler substitui à teoria da libido. Não se trata mais de um desejo amoroso objetai com suas dimensões de passividade e de atividade, mas sim de um desejo ativo de agressão e de dominação do outro. A dimensão inconsciente da experiência transferenciai é evacuada em proveito dessa vontade de potência que funda em Adler uma psicologia do ego, uma psicologia da consciência.
Mais acima, Postic sublinha que "os casos de transferência são revelados na vida do grupo de classe quando um afeto imprevisível se desencadeia, quando uma reação é inadaptada à situação vivida... De fato, o fenômeno de transferência leva a perceber, a interpretar a situação presente de uma maneira deturpada, deformada, e a utilizá-la em função do passado longínquo ou recente" (p. 209, gn).
Como se percebe, para o pedagogo moderno30 o fenômeno transferenciai é visto essencialmente como patogênico: é a sombra de uma onipotência destruidora da relação pedagógica, a sombra de uma interpretação paranóica da realidade (interpretar a situação de maneira deturpada, deformada) que irrompe aqui. Portanto, não é surpresa que tudo o que movia certos pedagogos psicanalíticos, estilo Kuendig, a suscitar e construir uma relação positiva não seja mais evocado. Somente permanece a obsessão de controlar a transferência: "em vez de favorecer os modos de expressão da transferência, convém ao educador controlar aquele do qual ele é o objeto" (p. 210).
A transferência, assim conotada em sua negatividade, exige defender-se dela. E a circularidade submissão-dominação que está aqui em jogo. No capítulo da transferência e da contra-transferência do pedagogo ela se confirma. Postic sublinha os riscos que ameaçam o educador que não reconhece em si mesmo esses mecanismos de deslocamento, e que não os elucida; ele conclui pela necessidade "de conhecer-se a si mesmo, de controlar suas próprias contradições, seus conflitos, de tomar distância em relação a seus próprios afetos para perceber a demanda da criança, para clarificar as reações desta e para ser mais disponível em relação a ela (p. 213, gn).
O pedagogo contemporâneo, herdeiro de "nosso pai Jean-Ja-cques Rousseau", como diz C. Rabant (1968), assegura pelo controle e a clarividência sua posição de domínio no campo pedagógico (Cf. também minha análise em Du contraí pédagogique (1974, pp. 126-27). Abandonando as praias floridas de Eros e do amor objetai, a "positividade educativa" tende assim a edificar-se sobre um edificante superego, de inspiração pseudo-analítica.
Esperamos ter podido mostrar por esta análise do uso que é feito da noção de transferência e de contra-transferência no campo pedagógico, dos problemas que ele levanta, que os impasses da relação da pedagogia e da psicanálise devem-se tanto a uma elaboração com freqüência inadequada dos conhecimentos psicanalíticos no domínio pedagógico quanto aos modos de defesa contra os afetos que atuam especificamente no quadro da Escola.
Podemos assim pensar que "o pavor do vínculo", que revela o quanto a sugestibilidade da criança, seu desejo de identificação, a fraqueza de seu ego são capazes de encontrar ou suscitar no adulto um desejo de sedução e de controle, bem como a culpabilidade ligada a esse desejo, pode vir a ocultar-se (e a justificar-se) por trás da eficácia pedagógica, da utilidade do saber obrigatório, dos objetivos e dos métodos altamente racionalizados.
Restaria portanto interrogar o que pertence, nessas condições, às questões inconscientes da relação pedagógica, questões relacionadas a uma função de transmissão e de transação inter e transgeracional e que têm a ver com "esse jogo da mistificação e da desmistificação, da submissão e da liberdade, da idade viril e da castração simbólica" de que fala O. Mannoni (Mannoni, 1980) - questões que a luz psicanalítica pode ajudar a perceber melhor sem no entanto legislar sobre a prática pedagógica.
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Recebido em novembro/2001.
Tradução: Maria de Fátima Reszka Mari Margarete dos Santos Forster
1 Publicado originalmente em: Revue Française de Pédagogic Paris, Institut National de Recherche Pédagogique, abril-mai-jun 1989, nº 87, pp. 59-75.
2 Na seqüência do texto, o signo gn será utilizado como abreviação de " grifo nosso".
3 Uma tradução mais exata seria: "Revista para uma pedagogia psicanalítica". Ela publicou mais de 300 textos, alguns muito curtos.
4 Freud escreve em 1913, no artigo O interesse da psicanálise. "É nas mãos de uma educação psicanaliticamente esclarecida que repousa o que podemos esperar de uma profilaxia das neuroses"... (Freud, 1913, p. 213).
5 A área da ilusão no sentido de Winnicott (1975) como propedêutica à realidade: a área em que pode produzir efeito o discurso simbólico.
6 "Na época em que Freud vivia no isolamento científico com um punhado de discípulos, o pequeno grupo de pioneiros naturalmente dedicava-se com entusiasmo à defesa daquilo que o próprio Freud chamara 'a causa', ao desenvolvimento da psicanálise, à sua organização, seu recrutamento e suas conquistas em todos os domínios, que iam da psicologia e da psiquiatria até a etnologia, a pedagogia, o direito, a história, a literatura e as artes. Assim, a partir da teoria das neuroses, as aplicações da psicanálise pareciam se estender a campos ilimitados" (Valabrega, 1979, pp. 15-6).
7 Trata-se do texto "Sobre a psicologia do estudante (1914)", publicado em 1935 pela Revista.
8 A questão da aptidão é da ordem da formação, não da informação.
9 "Há todo tipo de precauções a tomar para proteger a liberdade da criança contra a onipotência do educador. Nessas condições, de que maneira pensar, como foi recentemente discutido, em deixar a criança passar sua vida, por assim dizer, nas mãos de um único professor? Tal educação, pela força das coisas, seria facilmente subjugadora. A criança não poderia deixar de reproduzir passivamente o único modelo que lhe teriam posto sob os olhos" (Durkheim, 1992, pp. 120-21). Pensamos aqui, evidentemente, no Emílio de J.-J. Rousseau (1966).
10 Encontraremos em trabalhos contemporâneos um recurso a noções como as de "escudo pedagógico" (Bigeault & Terrier, 1978) ou de "contra-investimen-to" (Berouti, 1976) para formalizar a questão.
11 Carta de 9 de outubro de 1918. "Do ponto de vista terapêutico, não posso senão invejar as possibilidades de sublimação que a Religião oferece. Mas a beleza da religião não pertence por certo ao domínio da psicanálise. É evidente que nossos caminhos se separam nesse ponto da terapêutica (citada por Jones [1969], p. 480)."
12 Assinalamos que a palavra " Massenpsychologie" é traduzida, conforme os tradutores, seja por Psicologia coletiva, seja por Psicologia das multidões, seja ainda por Psicologia das massas (n. do t.).
13 Urvater, pai mítico da pré-história.
14 Haupthng, chefe de bando.
15 Em Pédagogie et psychanalyse (Cifali e Moll, 1 985), o artigo de Zulliger, "Un manque dans la pédagogie psychanalytique", é integrado na 4ª parte: "o professor nas fronteiras da psicanálise". Convém criticar tal categorização, sob pena de se cometerem graves enganos.
16 Sabe-se como, a partir dessa análise, Freud apresenta a fórmula da constituição libidinal de uma multidão primária com um lider: "Tal multidão primária é uma soma de indivíduos que colocaram um único e mesmo objeto no lugar de seu ideal do ego, e portanto identificaram-se, em seu ego, uns com os outros".
17 Agradecemos a sra. DAUN pela ajuda que nos deu para a tradução de Hauptling.
18 Podemos aqui aproximar a figura zulligeriana do chefe de bando à do pedagogo não-diretivo analisada por D. Hameline sob os traços do grande irmão incestuoso (Hameline e Dardelin, 1977).
19 Os professores não o ignoram quando buscam formar o "espírito crítico", isto é, combater os efeitos dessa sugestibilidade. Nessa mesma perspectiva poder-se-ia interrogar a angústia diante da passividade dos alunos, que encontra sua expressão mais manifesta na busca dos métodos ativos.
20 Um breve estudo clínico intitulado [O ódio ao professor] mostra, na Revista, o que há de reacional e o que há de deslocado sobre a pessoa do professor. (Hoffmann, pp. 19-21).
21 Conferência não publicada pronunciada em 1988, por ocasião do 40ª aniversário do Centro Claude Bernard, sobre o tema: "Os professores e a psicanálise, uma história em questão". Agradecemos a autora por nos ter amavelmente comunicado esse estudo bastante documentado.
22 Cf. o recenseamento desses trabalhos realizado por Jean Claude Filloux (1987).
23 A função do terceiro simbólico é estabelecer um corte na relação dual mãe-criança, assegurar a "separação dos corpos".
24 O leitor poderá reportar-se às análises de Claude Rabant sobre o Emílio de Rousseau, in "L ' íllusion pédagogique" (1968).
25 Sedução homossexual masculina praticada na pedagogia pederástica da antigüidade grega. Cf. Henri-Irénée Marrou (1948).
26 Poder-se-ia falar da ideologia do caráter misto da escola como defesa contra essa tentação sedutora.
27 A. Adler separa-se de Freud em 1911 e cria a "psicologia individual e comparada", ou "psicologia individual".
28 Já em 1930, P. Federn criticava, de um ponto de vista analítico, a "psicologia individual" adleriana ao mostrar seu interesse em relação à pedagogia tradicional. "Um dos erros fundamentais da 'psicologia individual' consiste em identificar simplesmente sinais de resistência, sem se ocupar nem da estrutura complexa, nem da origem dos diferentes tipos de neurose... E assim ela acaba por contestar a existência do inconsciente, os diferentes mecanismos psíquicos e a importância da libido. Mas, na prática, essa maneira de combater as resistências explica que a 'psicologia individual' obtenha melhores resultados que a psicologia antiga justamente no que concerne às inibições intelectuais, pois a pedagogia antiga ignora- va totalmente o fenômeno dinâmico da resistência" (Federn, 1930).
29 Essa obra é dedicada a uma síntese dos trabalhos contemporâneos sobre a relação educativa.
30 Supõe-se que a pedagogia tradicional resolveu o problema à sua maneira: "Na relação educativa que se cria nas situações pedagógicas tradicionais, a ordem funcional, estabelecida sobre uma base operatória, dentro de um quadro normatizado, praticamente não permite o surgimento de manifestações de transferência. A relação de objeto desloca-se mais facilmente do professor para o saber".