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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624
Estilos clin. vol.21 no.3 São Paulo dez. 2016
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i3p573-598
DOI: http//dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i3p573-598
ARTIGO
O tratamento do espectro autista em Uberaba (MG): uma análise winnicottiana
The autistic spectrum treatment in Uberaba, Minas Gerais, Brazil: a Winnicottian analysis
El tratamiento del espectro autista en la ciudad brasileña de Uberaba: un análisis de Winnicott
Nayara Gomes BragaI; Conceição Aparecida SerralhaII
IPsicóloga, residente do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Integral à Saúde pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIPsicanalista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana (SBPW). Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil
RESUMO
Relato de pesquisa que investigou o contexto de tratamento do espectro autista na cidade de Uberaba (MG). Participaram do estudo seis representantes de instituições que tratam crianças autistas. Os resultados mostraram que o público-alvo das instituições envolve, em sua maioria, crianças especiais, e não foram observados métodos de tratamento e formação clínica e teórica específicos para atende-lo. Com base na teoria de Winnicott, entende-se que esse tratamento deve visar à retomada do processo de amadurecimento e, para tanto, é necessário ambiente propício, envolvendo a instituição e os pais, bem como formação específica e apoio governamental e social.
Descritores: Transtorno do Espectro Autista; autismo; instituições; tratamento; Winnicott.
ABSTRACT
This research investigated the context of treatment of autistic spectrum in Uberaba, Minas Gerais, Brazil. Six representatives of institutions that treat autistic children were interviewed. The results revealed that the target audience of these institutions is, mostly, special children. A method of treatment and a specific clinic and theoretical education for the handling of autistic children was not found. According to Winnicott's theory the treatment for autism must aim to the resumption of the maturing process, to which is necessary to offer a suitable environment, counting with the involvement of both institutions and parents. A specific education is required to work with this population, as well as social and governmental support.
Index terms: Autism Spectrum Disorder; autism; institutions; treatment; Winnicott.
RESUMEN
En este texto se propone investigar el contexto del tratamiento del espectro autista en la ciudad brasileña de Uberaba. El estudio incluyó a seis representantes de instituciones que tratan a estos niños. Los resultados mostraron que las instituciones tienen como mayoría de público a niños especiales, y que no había método de tratamiento y capacitación clínica y teórica específica para el tratamiento del autismo. Con base en la teoría de Winnicott, se entiende que este tratamiento debe dirigirse a la reanudación del proceso de maduración y, por lo tanto, se necesita un entorno que implica la institución y los padres, así como la necesidad de formación específica y de apoyo gubernamental y social.
Palabras clave: Trastorno del espectro autista; autismo; instituciones; tratamiento; Winnicott.
Introdução
A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), publicada pela Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2013), englobou os Transtornos Globais do Desenvolvimento presentes no DSM IV (APA, 2002), que incluíam o Autismo, o Transtorno Degenerativo da Infância e as Síndromes de Asperger e Rett em um único diagnóstico, o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essa condição passa então a ser diagnosticada a partir de prejuízos em dois domínios principais: os déficits na comunicação e interação social, que abrangem, por exemplo, dificuldades com a linguagem verbal e não verbal e incapacidade de desenvolver e manter relacionamentos; e os padrões restritos e repetitivos de comportamento, incluindo estereotipias verbais e de comportamento, aderência a rotinas, padrões de comportamentos ritualizados e interesses restritos. Esses sintomas se manifestam na primeira infância, geralmente antes dos três anos de idade (APA, 2013).
Neste estudo será adotada a denominação "autismo", em razão da escolha da teoria winnicottiana como base para a discussão dos resultados encontrados. Para Winnicott (1996/1997, p. 180), o autismo apresenta matizes e nuances, bem como "graus da organização de uma sintomatologia" e, sendo assim, corresponde ao que hoje se denomina TEA. As contribuições da clínica winnicottiana baseiamse, primordialmente, na consideração de que o autismo, ou mais especificamente o agravamento do quadro da criança autista, está ligado de forma íntima a dissonâncias na relação mãe-bebê, no princípio da vida, que ele chamou de falhas ambientais.
Araújo (2003b) aponta que, de acordo com a teoria do amadurecimento de Winnicott, o indivíduo nasce em um estado de não integração inicial, necessitando de um ambiente facilitador do seu processo de integração em um si mesmo pessoal e unitário. A mãe, ou seu substituto, constituiria esse ambiente primordial para a integração do bebê, a partir do seu olhar, de sua capacidade de se identificar com o bebê e cuidar dele, respondendo às suas necessidades e protegendo-o contra invasões. A mãe, assim, reconhece o bebê como uma pessoa desde o início, tornando possível a ele se constituir como um ser integrado em uma unidade. Winnicott (1975) afirma que o olhar da mãe funciona como um espelho, no qual o bebê vê a si mesmo e, na ausência desse olhar, a criança não se constitui como unidade e como pessoa. Segundo a teoria desse autor, o autismo se apresenta com características defensivas de isolamento, quando, diante de necessidades específicas do bebê, o ambiente inicial falha em supri-las até mesmo pelo fato de, por vezes, o ambiente não conseguir se identificar com um bebê que tem necessidades especiais , gerando o que o autor denominou "agonia impensável", da qual o bebê vai precisar se defender e que promove um bloqueio do seu amadurecimento emocional (Winnicott, 1994, p. 72). A partir dessa compreensão, o tratamento da criança visará à retomada do seu amadurecimento, sendo importante iniciá-lo o mais cedo possível.
De acordo com Visani e Rabello (2012), a ausência de linguagem é o principal motivo para os pais imaginarem que há algo errado com seus filhos. Nos casos de autismo, comumente há atraso na aquisição inicial da linguagem, que se estabeleceria por volta dos dois anos de idade. Por vezes, notam-se características peculiares, como o não uso do "eu" pela criança, que conversa em terceira pessoa, como se ela mesma não existisse. O repertório de palavras se torna restrito e permeado de estereotipias verbais. Segundo Zampiroli e Souza (2012), essas crianças apresentam pouco interesse em brincar com outras pessoas, e o brincar é geralmente repetitivo e não criativo. Elas sentem necessidade de manter a rotina, seja em relação aos aspectos físicos do ambiente, seja em relação a rituais de atividades diárias, e pequenas mudanças no cotidiano podem desencadear profunda angústia e agitação. Entre cinco e seis anos de idade, os sintomas tendem a se estabilizar, especialmente os comportamentais.
No contexto brasileiro sobre tratamento do autismo, a revisão de literatura traz experiências em nível de especialidades clínicas, como fonoaudiologia, cujos estudos focam primordialmente os aspectos da comunicação da linguagem, em especial as dificuldades em habilidades individuais (Fernandes, Amato, Balestro & Molini-Avejonas, 2011). Nos estudos de Carniel, Saldanha e Fensterseifer (2011), a atuação dos profissionais da enfermagem com crianças autistas é retratada nas intervenções em criança que apresenta risco para a própria vida. O trabalho de Melão (2008) reflete sobre o efeito terapêutico para a criança autista de sua inserção na escola regular, ao ver a escola como um lugar que oferece a essa criança a possibilidade de estabelecer laços sociais e, ainda, se beneficiar dos programas educacionais. Há ainda o contexto de suporte à família da criança autista, com o surgimento de associações como a Associação dos Amigos dos Autistas (AMA), constituída por pais de crianças autistas e por elas próprias, que tem como missão principal a inclusão e o desenvolvimento do potencial dessas crianças (Monteiro et al., 2008). Entretanto, em relação a contextos institucionais mais amplos e gerais, que acolham e tratem crianças autistas, não foram encontrados estudos recentes.
A partir do exposto e da compreensão da importância do diagnóstico e do fornecimento de tratamento o mais cedo possível à criança, o objetivo desta pesquisa foi investigar o contexto de tratamento do autismo na cidade de Uberaba (MG). Assim, a partir do levantamento das instituições dessa cidade que tratam crianças autistas, foram investigadas as metodologias de diagnóstico e tratamento utilizadas e os tipos de apoio que as instituições recebem para a manutenção do tratamento.
Método
Trata-se de estudo de caráter exploratório e transversal, fundamentado em abordagem de pesquisa qualitativa. Participaram deste estudo representantes das instituições que realizam tratamento do autismo, sediadas na cidade de Uberaba (MG). A busca foi realizada por meio de uma lista das instituições vinculadas à prefeitura da cidade, cedida para a execução desta pesquisa, e da busca das demais instituições privadas ou sem fins lucrativos. Os representantes das instituições participantes foram escolhidos sob o critério de terem conhecimento suficiente sobre a organização e o funcionamento da instituição. A participação desses representantes foi confirmada por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Utilizou-se como instrumento uma entrevista semiestruturada, construída a partir dos objetivos deste estudo, realizada com um representante de cada instituição participante. Nessa entrevista foram coletados dados referentes à missão e à filosofia que embasa o trabalho da instituição, aos seus profissionais atuantes, ao seu público-alvo, ao número de pessoas em média atendido na instituição e, especificamente, ao número de crianças autistas atendidas. Os dados se referiram também ao método de tratamento dessas crianças, aos objetivos da utilização do método, aos recursos utilizados pela instituição, à realização do diagnóstico de autismo, à formação profissional dos que trabalhavam com a criança autista, ao tipo de trabalho desenvolvido com ela, à adesão da família ao programa de tratamento e aos resultados obtidos com este.
Este estudo foi desenvolvido no período de agosto de 2013 a outubro de 2014, sob concessão de bolsa pela FAPEMIG, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, sob protocolo 2630. Após contato prévio com as instituições para a assinatura do TCLE, os dados foram coletados em horários escolhidos pelos participantes, nas instituições que representavam. As entrevistas foram realizadas individualmente, em um único encontro, gravadas mediante consentimento dos participantes e transcritas na íntegra para posterior análise. Após a transcrição, os dados foram analisados atentando-se aos procedimentos da Análise de Conteúdo, preconizados por Bardin (2002). Primeiramente foram analisadas as falas de cada representante. Na sequência, foram elencados os pontos de semelhança e diferença entre essas falas, bem como aquilo que pôde ser destacado como relevante para alcançar os objetivos da pesquisa. Os resultados foram reunidos em categorias e discutidos com base nos dados encontrados na revisão de literatura e na teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott.
Resultados
Participou do estudo um representante de cada instituição (em um total de seis). Tais representantes exerciam cargos específicos na instituição (coordenação, psicologia, fonoaudiologia e pedagogia) e, por vezes, também atuavam com as crianças autistas. O grupo de participantes constituiu-se, assim, de representantes de uma instituição pública municipal (IPM 1), uma instituição pública estadual (IPE 2) e quatro instituições não governamentais (ING 3, ING 4, ING 5 e ING 6), conforme Tabela 1. Outros dados apresentados nessa tabela se referiam ao público-alvo das instituições, ao número mensal de atendimentos realizados e, mais especificamente, ao número de crianças/adolescentes autistas em atendimento na instituição até a data da realização da pesquisa. Por fim, foram apresentados dados relativos aos subsídios que as instituições recebem para a realização do tratamento.
Das seis instituições estudadas, nenhuma trabalha exclusivamente com autistas, ou seja, o público-alvo dessas instituições não é específico, abarcando vários quadros psicopatológicos. A partir da análise, as categorias construídas foram: 1) filosofia/missão que embasa o trabalho da instituição; e 2) tratamento nas instituições. Esta última categoria foi subdividida em quatro subcategorias: 1) atividades associadas realizadas com a criança/adolescente autista; 2) profissionais envolvidos no trabalho com o autista na instituição; 3) adesão da família ao programa de tratamento; e 4) resultados alcançados pelas instituições.
Filosofia/Missão da instituição
Os resultados encontrados apontaram que a filosofia que embasa o trabalho das instituições muitas vezes é confundida com a sua missão, não sendo especificamente descrita por seus representantes. Ao serem questionados e solicitados a falar de uma e outra coisa, não conseguiam discernir entre ambas e suas respostas não apontaram a filosofia de homem subjacente. Dessa maneira, o modo como pensam o homem e, consequentemente, o adoecimento se a partir de uma visão puramente biologista, ou se incluíam as questões relacionais e simbólicas constituintes do homem e de sua subjetividade , bem como o que entendem por uma melhora no quadro apresentado pela criança, não puderam ser diretamente obtidos. Inferiu-se uma tendência biologista sobre o autismo.
As instituições foram consensuais ao apontar a inserção social do autista como a principal missão de suas atividades. O convívio em sociedade foi remetido, com frequência, ao desenvolvimento da capacidade da pessoa autista de ser autônoma no tocante à execução de tarefas básicas do cotidiano por exemplo, usar o banheiro sozinha. Notou-se, assim, um reducionismo ao que uma inserção social engloba, o que pode se originar da dificuldade de identificação com o que envolve o adoecimento autístico e sua lida, levando a considerar pequenas conquistas de autonomia, que promovam uma menor perturbação do convívio social, exemplos dessa inserção.
O desenvolvimento cognitivo e pedagógico do autista constituiu outra missão que as instituições relataram assumir, ao compreenderem que, apesar da dificuldade de aquisição inicial de linguagem, aspectos cognitivos muitas vezes estão preservados e são passíveis de serem desenvolvidos, por mais que tal tarefa possa ser gradativa e lenta. O desenvolvimento motor também se constituiu como um objetivo e é promovido, por exemplo, com auxílio de animais, em atividades que visam melhorar o equilíbrio e a qualidade de vida do autista.
Todas essas atividades, porém, segundo Winnicott (1996/1997, p. 192), podem fracassar ou não obter o sucesso desejado se faltar alguém que seja capaz de dar à criança "os rudimentos do contato humano". A partir de um contato assim, o processo de integração da criança pode ocorrer e levá-la a ser autônoma, a ter uma coexistência psicossomática que lhe permita um tônus muscular mais firme ou menos enrijecido conforme o caso , bem como levá-la a estabelecer relações com o outro, que lhe possibilitem chegar à simbolização e ao brincar, e que evoluam posteriormente para atividades culturais.
O tratamento nas instituições
Entre as várias atividades realizadas com as crianças autistas, foram apontados, com frequência, os treinos de base comportamental, por meio de atividades ou comandos repetitivos, visando a aquisições básicas: "Dá o horário e a gente fala: 'T., vai ao banheiro, lava a mão, dá descarga'" (representante da IPE 2, sobre o treino de ir ao banheiro). Esse treino elementar visa a educar a criança, ensinando-a comportamentos básicos para que, a partir destes, consiga desenvolver atividades mais complexas. A representante da ING 3 procurou explicar a importância do treino comportamental realizado: "Porque sem trabalhar o comportamento, infelizmente não vai". Assim, esse treino, ao ser rotineiro e repetitivo, "insistentemente realizando as atividades" (representante da ING 4), visa, além da melhora motora e de habilidades, a conquistas cognitivas por parte da criança.
Foi observado que, nas atividades realizadas com a criança, por vezes, são utilizados os recursos de músicas e figuras. Um exemplo é o uso da música para lavar as mãos, que é cantada para que as crianças a repitam e realizem a atividade: "eles vão ouvir todos os dias, vão ver as figuras, e vão fazer a ação" (representante da ING 4). Similarmente, as figuras são utilizadas com o objetivo de identificação de objetos e fisionomias, com o intuito de ajudar a criança no reconhecimento de expressões faciais e de objetos do cotidiano.
Sobre o desenvolvimento motor, apenas o representante de uma das instituições pesquisadas (ING 6) utiliza animais, no caso, o cavalo, como recurso para o trabalho com a criança. São realizados trabalhos de montaria, exercícios em cima do animal com o auxílio de números, bambolês e objetos coloridos. Essas atividades buscam trabalhar a parte motora e cognitiva concomitantemente. Porém, o representante da ING 6 reforça que "a Equoterapia é uma atividade complementar... ela não substitui nenhuma outra terapia", ressaltando que a Equoterapia é uma aliada ao trabalho feito com a criança autista e não deve substituir os demais atendimentos realizados.
Os atendimentos especializados foram apontados com relativa frequência pelos representantes das instituições. Tais atendimentos consistem em acompanhamentos individualizados realizados por especialistas, especialmente fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos, que trabalham com a criança visando ao desenvolvimento de suas competências. O representante da IPM 1 afirmou que os atendimentos individuais devem evoluir para atendimentos em grupo, caso a criança apresente melhoras. Segundo ele, as crianças têm "atendimento individual com a fonoaudióloga, terapia ocupacional e psicóloga ... quando melhoram, vão a outros grupos".
Duas das instituições estudadas (ING 3 e IPE 2) trabalham com planos individualizados para cada criança autista. O ponto de partida do plano é o contato com os pais, buscando informações sobre o que a criança já adquiriu em seu desenvolvimento e propondo o que ela ainda precisa desenvolver. Assim, essas instituições traçam um planejamento diferenciado para cada criança, que depende das suas aquisições iniciais e potencialidades e do referencial teórico-técnico do profissional, "planejando uma ação para o aluno dentro daquilo que a gente estudou" (representante da ING 3).
Quanto à prática pedagógica, notou-se que, enquanto alguns representantes apontaram que suas respectivas instituições (IPM 1, ING 3, ING 4, ING 6) não possuíam um plano de trabalho pedagógico com a criança, outras (IPE 2 e ING 5) afirmaram atuar prioritariamente com foco no desenvolvimento da criança. Sobre o plano de trabalho, foi apontado, pelo representante da IPE 2, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) como instrumento que auxilia no processo educacional. Trata-se de um instrumento desenvolvido multiprofissionalmente por técnicos especializados e professores para o trabalho com a criança em parceria com a família, com o intuito de acompanhar e apoiar o desenvolvimento da criança em seu processo de aprendizagem. Outro trabalho, realizado concomitantemente ao PDI, é o projeto de Atividades de Vida Diária, elaborado pela terapeuta ocupacional, montando todo o repertório de atividades a ser realizadas pela criança no cotidiano, envolvendo a rotina no ambiente escolar e nos demais ambientes. Todas as instituições confirmaram o estabelecimento de uma rotina que respeite os limites da criança como parte importante do trabalho realizado.
Em relação às técnicas aplicadas no tratamento, é consensual, entre os representantes das instituições, a necessidade de um trabalho multidisciplinar com a criança, visando à sua inserção social. Segundo o representante da ING 3, o que lhes interessa é que "essa criança esteja, dentro dessa patologia, dentro das suas necessidades, aceita pelo ambiente. E que também aceita o nosso ambiente". Ao conseguir desenvolver habilidades que lhes proporcionem autonomia e participação no meio social, essas crianças ganham em qualidade de vida.
Assim, no tratamento do autismo realizado nas instituições pesquisadas, não foi observado método de tratamento fundamentado em formação clínica e teórica específica. Há uma tentativa de realizar procedimentos já conhecidos no tratamento de outras psicopatologias ou deficiências, visando a algum resultado positivo, como pode ser ilustrado na fala do representante da ING 3: "Absorver o que de melhor tinha em todas as teorias que a gente pôde estudar... não tem uma teoria mesmo pra gente seguir".
Atividades associadas realizadas com a criança/adolescente autista
Além do trabalho já realizado nas dependências das instituições estudadas, foi investigado se alguma outra modalidade de trabalho com a criança autista ocorre fora delas. Os representantes das instituições enfatizaram os atendimentos especializados, em sua maioria por profissionais psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, como os mais procurados para complementar o trabalho já realizado na instituição. A Equoterapia foi apontada, por representantes de duas instituições (IPM 1 e ING 3), como um recurso externo, utilizado graças a convênios com instituições que dispõem da infraestrutura necessária à prática dessa terapia, que visa a ser complementar ao trabalhado já realizado em suas dependências, objetivando que a criança se desenvolva física e emocionalmente. O ensino regular também foi apontado como recurso para que a criança se desenvolva intelectualmente, enfatizando, assim, a necessidade de que a criança esteja inserida na escola regular para inclusão social e desenvolvimento cognitivo.
Profissionais envolvidos no trabalho com o autista na instituição
Os profissionais envolvidos no trabalho com as crianças autistas são geralmente da área da psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, pedagogia e serviço social. As crianças são acompanhadas, com menos frequência, por psiquiatras, profissionais de enfermagem, educadores físicos e professores de musicalização. Em relação ao preparo da equipe, evidenciou-se que a grande maioria desses profissionais não possui formação específica para o trabalho com a criança autista. De maneira geral, segundo os representantes, as instituições tentam minimizar esse despreparo por meio de reuniões, que objetivam o repasse de conhecimento e a discussão de casos clínicos como forma de os profissionais elaborarem juntos os planos de ação. Apenas o representante da IPE 2 ressaltou que todos os profissionais atuantes em suas dependências precisam ter especialização em educação especial para o trabalho com as crianças.
Adesão da família ao programa de tratamento
A orientação à família é apontada com ênfase pelos representantes das instituições, que consideram a família um elo importante para a continuidade do trabalho iniciado pela instituição. Essa orientação aos pais é feita no sentido de ajudá-los a lidar com a criança e de oferecer-lhes suporte para que se empenhem em prosseguir, no ambiente familiar, com o que foi realizado na instituição. Apesar disso, a adesão ao tratamento da criança se mostrou relativamente baixa, de acordo com os representantes das instituições ING 3, ING 4 e IPE 2. Os pais tendem a ser pouco participativos no processo de desenvolvimento da criança e, para minimizar essa situação, as instituições buscam orientar as famílias, inicialmente, com conhecimento sobre o autismo e acompanhá-las na lida diária com a criança. Apontam que, por vezes, esses pais ficam sem saber o que fazer e as orientações, nesse sentido, visam ajudá-los.
Os representantes apontaram que os pais têm dificuldades de aceitar o diagnóstico de autismo, indo a vários médicos e questionando o diagnóstico recebido. Em razão disso, por vezes, a família falha em aderir ao programa: "Quando uma criança é institucionalizada, a família dá uma afastadinha" (representante da ING 3). Apontaram também que, apesar de os pais procurarem pelo atendimento, mostram-se desmotivados e cansados: "Porque praticamente vivem por conta" (representante da ING 4). Assim, o trabalho da equipe da instituição visa reaproximar a família, envolvê-la nos cuidados e na contribuição para o tratamento da criança. É consensual entre as instituições a importância da adesão da família ao programa, considerando-a forte aliada no processo de desenvolvimento da criança. Nos encontros com a família, os profissionais buscam apontar os progressos que a criança obteve e as metas que ainda necessitam ser atingidas.
Resultados alcançados pelas instituições
Quanto aos resultados dos tratamentos realizados pelas instituições, os representantes hesitaram em responder de forma muito otimista, enfatizando a questão de ser um trabalho longo e dispendioso. Pontuaram que ocorrem pequenos ganhos, mas que são ganhos consideráveis para crianças com autismo. Para os representantes, trata-se de um processo de longo prazo, conquistado passo a passo todos os dias: "É um retorno difícil, é um retorno demorado... se for um grãozinho de areia... isso já é grande, já é muito" (representante da ING 3).
Discussão
Neste estudo, pôde ser evidenciado que o saber sobre o autismo e as técnicas para tratar os diferentes casos é veiculado entre os profissionais por meio de reuniões e discussões clínicas. De acordo com Santos e Santos (2012), os profissionais, diante das incertezas do saber científico, aprendem com os mais experientes ou com os que por mais tempo atuam na instituição. Dessa forma, segundo os representantes das instituições pesquisadas, os profissionais que trabalham com as crianças e adolescentes autistas contam mais com o saber prático do que com o saber acadêmico, e, assim, testam suas possibilidades de ação, por vezes, por meio de tentativas e erros. Parece, portanto, não haver forte associação entre teoria e prática, conclusão que pode ser confirmada com a seguinte fala: "O que a gente faz é o que a gente supõe que dê certo" (representante da ING 4).
De forma semelhante, quando os representantes apontam que os profissionais, ao observar o cotidiano das crianças e adolescentes, apreendem o que é propício às suas atuações, reafirmam que os próprios autistas lhes indicam o que está adequado ou não. Assim, os profissionais parecem deter um saber particular sobre cada criança, que não lhes é ensinado pela teoria, mas sim pela prática. Conforme os apontamentos de Santos e Santos (2012), esse conhecimento, apesar de não científico, é tido como imprescindível, permitindo que se descubram formas de se aproximar e se relacionar com a criança. "Tem coisas que o professor, que trabalha com o aluno, que passa a conhecer dia a dia o perfil do aluno, diz: 'não, ele não gosta disso, então, não se usa isso'" (representante da ING 5).
A teoria winnicottiana aponta que, no trabalho com crianças autistas, torna-se substancial que sejam propiciadas condições que faltaram a elas nos momentos iniciais de vida e que lhes impediram o desenvolvimento saudável (Winnicott, 1996/1997). Assim, o oferecimento de um ambiente facilitador para a retomada do processo de amadurecimento, que favoreça as tarefas essenciais à criança em seu desenvolvimento quais sejam, integração das partes de seu si mesmo no tempo e no espaço; personalização, que é o alojamento da psique no corpo; e realização, que se refere ao relacionamento com a realidade externa (Winnicott, 1975) , torna-se essencial. Essa retomada do desenvolvimento emocional da criança só será possível, portanto, ao se dispor de um ambiente capaz de sustentar suas vivências e permitir o processo de integração (holding), quando há um manuseio (handling) que propicie uma boa relação entre psique e soma, favorecendo a constituição de uma unidade psicossomática, e quando lhe é dosada a apresentação dos objetos da realidade externa. Faz-se necessária uma atenção que se volte para aquilo que a criança necessita em determinado momento, compreendendo seu sofrimento e lhe fornecendo cuidados, e que considere todo o processo de amadurecimento (Januário & Tafuri, 2010).
Ponderando sobre a atuação dos profissionais com os autistas atendidos nessas instituições, relatada pelos representantes, observa-se que os profissionais, mesmo não tendo sido academicamente formados e não reconhecendo uma linha teórica para essa atuação, entendem que mudanças bruscas no ambiente podem provocar profunda angústia e desestruturação na criança, levando-a a ficar agressiva e inquieta. Assim, a manutenção de uma rotina no trabalho com a criança autista, apresentando-lhe gradualmente o que lhe é desconhecido, vai ao encontro do que Winnicott (1996/1997) preconiza em termos de construção de um ambiente sustentador e confiável, identificado pelos profissionais como necessário para que o desenvolvimento da criança possa ser mais efetivo e que o trabalho possa ser bem aceito por ela. De acordo com a representante da ING 6, o profissional "procura tá respeitando, porque o autista não gosta de mudanças, né? Ele pede uma rotina, então, aqui, a gente procura estabelecer uma rotina pra ele... estar incluindo aos poucos os exercícios". No que diz respeito aos limites da criança, a representante da ING 5 aponta a necessidade da realização do trabalho "sempre respeitando o tempo dela", de forma que, assim, o ritmo do trabalho seja ditado pela evolução e pela abertura da própria criança. Pode-se pensar que, ao respeitar a rotina e os limites dessas crianças, os profissionais fornecem esse ambiente de holding, que é capaz de sustentar suas vivências sem retaliações, quando elas rejeitam alguma atividade proposta ou quando agem com agressividade. Araújo (2003b) ressalta, ainda, que a assistência física à criança autista também funciona como sustentação emocional.
No tocante aos exercícios realizados com o animal, especificamente com o cavalo, é interessante considerar que o convívio da criança com esse animal pode ser, de certa forma, mais fácil para ela do que os relacionamentos interpessoais. Em um dos exercícios propostos pelo representante da ING 6, pode-se pressupor que a "montaria lateral, que é a criança montar de lado, virar de costas no cavalo, é o reloginho, que dá uma noção têmporo-espacial para eles, o que é frente, o que é costas, lado", pode exercer, em razão da relação afetiva e de confiança que ela estabelece com o animal, a função de handling, referente ao manuseio do corpo da criança por parte do cuidador, proporcionando que ela integre aspectos psíquicos com o movimento corporal e, a partir disso, consiga ir reconhecendo e personalizando o seu corpo.
A dificuldade de estabelecer uma comunicação com o autista é algo posto em evidência pelos profissionais. Sendo assim, atribuir sentido ao que essas crianças tentam comunicar é uma forma de construir relações. Por outro lado, a interpretação da comunicação particular da criança nem sempre é fácil. Conforme considerações de Santos e Santos (2012), os profissionais tendem a apresentar incertezas quanto à interpretação dos comportamentos dos autistas. Contudo, os profissionais apresentam a necessidade de nomear e dar sentido aos atos. Assim, essa dação de sentidos pode funcionar, também para eles, como um apaziguamento do desconforto que sentem diante do que lhes parece ser estranho e sem sentido. Ao usar recursos como música e figuras com os autistas, os profissionais buscam, além de ajudá-los a compreender o mundo que os rodeia, estabelecer, de certa forma, um contato com a realidade, por meio de interpretação e atribuição de sentido às ações desempenhadas pelos autistas. Bosa (2006, p. s48) afirma que as figuras funcionam como recurso no trabalho com essas crianças, pois "exigem menos habilidades cognitivas, linguísticas ou de memória, já que as figuras ou fotos refletem as necessidades e/ou os interesses individuais".
Winnicott (1988/1990), na clínica psicanalítica com os autistas, apontou que, bem mais do que interpretar, é preciso fornecer a base para a confiança, que deve ser semelhante à proporcionada por uma mãe/ambiente suficientemente boa, que compreende e responde às necessidades de seu bebê, ainda que por meio de uma comunicação não verbal. Nesse ponto, a clínica winnicottiana ajuda a compreender que é por meio da relação da criança autista com uma pessoa, que não apenas atribui sentido a suas ações e expressões, mas também compreende suas reações, que essa criança poderá existir e se constituir como ser. Em consonância, Marfinati e Abrão (2011) acrescentam que a escuta deve alcançar aquilo que a criança produz sonora e corporalmente.
Na atuação dos profissionais citados neste estudo com a criança autista, pôde ser notada a necessidade que sentem de estar atentos e interpretar o que a criança está lhes comunicando através de seus atos e falas repetidas. O representante da IPE 2, ao descrever a proibição de uma criança de andar de bicicleta feita pela mãe, por ela ter fugido de casa, contou que a criança chegou ao atendimento dizendo "não vai andar de bicicleta, não vai, de bicicleta não, não pode". A profissional teve, assim, que compreender e construir um sentido, pois "ele não comunica, entendeu? Você deduz... nem pede, nem relata, ele não reclama". A construção de todo o sentido só foi possibilitada após contato com a mãe. Entretanto, muitas vezes, não é possível esperar a oportunidade de estar com os pais, que poderiam ajudar na construção do sentido, já que a criança pode necessitar dessa construção para diminuir a ansiedade que pode estar acompanhando sua fala. A construção, se acertada mesmo que em parte, diminui a ansiedade da criança e possibilita a confiabilidade pelo fato de a criança se sentir ouvida e compreendida.
Segundo Quaresma e Silva (2010), nas instituições, pela dificuldade de estabelecimento de vínculos com as crianças autistas, os atendimentos se baseiam primordialmente em programas individuais antes de inserir a criança em um grupo e de encaminhá-la a atendimentos fora da instituição com as demais especialidades. É importante destacar que, embora todas as instituições tenham apontado a relevância dos atendimentos especializados, algumas delas não os possuem em suas dependências, ficando os pais, dessa maneira, encarregados de buscar formas de obtê-los. Por essa razão, os representantes denunciam falhas na rede para o encaminhamento de casos que necessitem de tais atendimentos: "Geralmente essas crianças ficam sem o atendimento, com necessidade" (representante da IPE 2).
O trabalho das instituições estudadas com a família das crianças autistas consiste, como dito anteriormente, em uma orientação inicial sobre o autismo e sobre formas de lidar com as crianças. Essa orientação inicial ajuda a estabelecer a confiança dos pais no trabalho da instituição, fortalecendo o vínculo, para que a família aceite e compreenda o trabalho a ser desenvolvido com os filhos. Entretanto, foi apontado, pelos representantes, baixa adesão das famílias aos programas, como evidenciado na seguinte fala: "muitas vezes a gente lida com a rejeição. Tem pais que não aceitam que a criança é excepcional, e sofrem com isso" (representante da ING 5). A baixa adesão pode estar relacionada tanto a uma má divulgação das possibilidades de trabalho com a criança autista na cidade de Uberaba (MG) quanto a um desconhecimento ou rejeição dos próprios pais ao tratamento, levando-os, assim, a não buscar atendimento especializado. Não se pode desconsiderar, contudo, o próprio sofrimento dos pais, que poderiam ser acolhidos na instituição não só para compreender o autismo do filho e receber orientações, mas como parte do contexto autístico que merece atenção e cuidado.
No tocante à rejeição do diagnóstico de autismo, Bosa (2006) enfatiza que, entre as situações mais estressantes para os pais, a controvérsia que envolve o processo diagnóstico é preponderante. Esse estresse, não incomum, sinaliza as dificuldades de se diagnosticar um quadro de autismo, necessitando da avaliação de vários profissionais para que o processo seja concluído. Por outro lado, entende-se que o ateorismo pode estar também na raiz da não adesão das famílias ao tratamento, uma vez que lhes falta uma abordagem por parte da instituição que lhes permita compreender a condição da criança de forma integrada e contextual, bem como se reconhecerem como parte desse contexto.
A função dos cuidadores (mãe, pais ou substitutos), em termos winnicottianos, é a de facilitar a integração da criança e, quando ocorrem falhas nessa função, os sintomas do autismo se intensificam. Santos e Santos (2012) apontam que se faz necessário conscientizar a mãe de sua função materna, fornecendo-lhe uma provisão para que se engaje no resgate do que não pôde acontecer quando o filho era um bebê. Assim, quando as mães compreendem sua função na constituição pessoal e desenvolvimento do filho é que serão capazes de se envolver no seu tratamento, podendo exercer o papel que antes ficou falho. A busca das instituições desta pesquisa de envolver a família no tratamento da criança corrobora a literatura, no sentido de considerar essencial a interação da mãe/família com a criança, mesmo que lhes falte uma posição teórica específica.
Ao considerar a importância da adequação do ambiente para o amadurecimento da criança, Winnicott evidencia, ainda, os cuidados que o próprio ambiente, no caso a mãe, necessita, pois, quando o bebê nasce ela também entra em um estado de fragilidade, e carece que o ambiente lhe proporcione segurança para que possa assim desenvolver confiança em si própria para cuidar de seu bebê (Araújo, 2003b). Ao homem, no caso o pai, cabe a função de lidar com a realidade externa para a mulher, protegendo-a e dando sustentação, para que, assim, ela se sinta segura para se voltar egocentricamente para o seu bebê (Araújo, 2003a). Com essas considerações, fica mais evidente a importância de que pai e mãe formem um ambiente satisfatório e estejam ativos no processo de desenvolvimento da criança. Visani e Rabello (2012) acrescentam que se deve possibilitar um reposicionamento desses pais em relação ao seu filho, oferecendo-lhes recursos para que haja segurança na realização das funções parentais, abrindo-se, assim, possibilidades de que à criança possa advir um eu integrado. Isso porque, para Winnicott (1990), o não advento de um eu significa imaturidade emocional e não tem qualquer correspondência cronológica. Assim, mesmo que as crianças autistas institucionalizadas não sejam mais bebês, são emocionalmente imaturas e, a menos que um contato humano seja oferecido constituindo um ambiente facilitador, o amadurecimento não será viabilizado.
Semensato e Bosa (2014) salientam que, em meio às dificuldades de se lidar com uma criança com autismo, os pais e familiares precisam explorar seus recursos parentais e terão muita dificuldade de fazer isso sem apoio. Para Winnicott (1990), se os pais e familiares não estão conseguindo exercer bem suas funções, há uma falha da sociedade nesse mesmo sentido, uma vez que é sua responsabilidade uma provisão à família, ou, em casos mais graves de disfunção, uma substituição ao papel da família quando de sua falta.
No que concerne à quantidade de autistas atendidos em Uberaba (MG), pode-se pensar que o resultado exposto na Tabela 1 não representa o número real de crianças com autismo que reside na cidade. Há de se considerar que, tanto pela dificuldade de se estabelecer um diagnóstico quanto pela sua rejeição, muitas crianças autistas ainda estão sem atendimento na cidade, conforme expõe o representante da ING 5: "Pai que tem criança autista, ele nem leva para escola.... em Uberaba tem muitas crianças, mas estão dentro de casa".
A inserção social, como missão que embasa o trabalho das instituições com os autistas, foi amplamente evidenciada nos discursos dos representantes. Isso significa dizer que creem na capacidade do autista de conviver em sociedade, usufruindo de direitos básicos de cidadania, por isso, oferecem "cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial... favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social" (representante da IPM 1). Desse modo, as competências e atitudes básicas do cotidiano trabalhadas com o autista visam proporcionar relativa independência, o que facilitaria, de certa forma, o convívio em ambientes sociais. O reducionismo apontado anteriormente parece, assim, revelar mais um empenho em buscar uma "infraestrutura pessoal" para que o autista tenha mais possibilidade de se inserir socialmente. De modo infeliz, isso denota que não desapareceu a ideia de que o autista precisa se adaptar à sociedade, em detrimento da ideia de inclusão social em que a sociedade se modifica para receber o autista em seu seio.
O mesmo tem ocorrido em relação ao questionamento sobre a inserção da criança autista no ensino regular. Bosa (2006) aponta que cada caso deve ser tratado individualmente, observando as necessidades e potencialidades da criança. Contudo, a criança, frequentemente, tem sido direcionada para uma instituição especial e, só então, encaminhada para uma escola regular, caso tenha conquistado habilidades e comportamentos considerados mais adequados ao meio social. Para o representante da IPE 2, é preciso "levantar a necessidade e reconhecimento de potencialidades. Então, a gente precisa saber o que ele já sabe, o que a gente precisa trabalhar. Aí, depois, a equipe reúne e discute esse caso". Mesmo avaliando que a criança tenha condições de estar na escola regular, as instituições estudadas apontam, por vezes, a dificuldade que encontram ao tentar inserir a criança autista nessa escola, em razão do despreparo da maioria dos profissionais para atuar com esse público.
Considerações finais
Neste estudo ficou evidente a necessidade do olhar atento sobre a criança autista, no sentido de reconhecer que nela há um indivíduo a ser considerado e que precisa de cuidado especializado o que não quer dizer que esse cuidado tenha que vir somente de uma instituição especializada. Para tanto, a compreensão vai além da mera descrição psicopatológica, sendo necessário conhecer, sobretudo, o ambiente no qual essa criança se insere, para, então, fornecer suporte aos familiares no sentido de que eles possam constituir o ambiente facilitador do amadurecimento da criança.
No caso específico das instituições, o pouco preparo dos profissionais, associado à falta de embasamento teórico, pode prejudicar a sua atuação. Nesta pesquisa pôde ser percebido o interesse dos profissionais das instituições estudadas em se especializar, ainda que poucos o façam. Evidencia-se, assim, a necessidade de se conhecer melhor a realidade desses profissionais que atuam com essas crianças, para se encontrar soluções que os auxiliem em seu trabalho, desde uma formação adequada para o processo diagnóstico do autismo e o manejo dos casos nas instituições até um apoio psicológico.
Nesta investigação, o contexto de tratamento do autismo na cidade de Uberaba (MG) evidenciou dificuldades referentes ao ambiente que é oferecido às crianças, ao suporte dado pelas instituições às crianças autistas e suas famílias e ao apoio que essas instituições recebem para se sustentar e viabilizar o tratamento. Portanto, ficou notório que as instituições carecem de maior investimento por parte do poder público, para que haja a constituição de um ambiente facilitador e o aprimoramento dos programas de tratamento, em especial, com a formação do profissional para o trabalho com os autistas e que englobe seus familiares.
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Recebido em junho/2015.
Aceito em outubro/2016.