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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.21 no.3 São Paulo dez. 2016

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i3p700-720 

DOI: http//dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v21i3p700-720

ARTIGO

 

Coparentalidade: um estudo de revisão sistemática de literatura

 

Coparenting: a study of systematic literature review

 

Copaternidad: un estudio de revisión sistemática de literatura

 

 

Priscilla Bellard Mendes de SouzaI; Maely da Silva RamosII; Fernando Augusto Ramos PontesIII; Simone Souza da Costa SilvaII

IProfessora da Faculdade de Educação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil
IIProfessora do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil
IIIProfessor do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de coparentalidade tem sido cada vez mais correlacionado ao ajustamento infantil e desenvolvimento dos filhos. Através de uma revisão sistemática da literatura, este artigo descreve as medidas de coparentalidade mais frequentes, assim como os contextos familiares mais investigados encontradas nos estudos do banco de dados da Capes. Foram analisados somente estudos empíricos, nos idiomas inglês, português e espanhol publicados entre os anos 2000 e 2014. Dois testes de relevância foram aplicados, tendo sido aprovados para análise final 37 estudos. Os resultados mostraram que há predominância dos instrumentos em forma de escalas, tendo sido encontrado com maior frequência os instrumentos Coparenting Family Rating System, o Protocolo de Observação Coparental e o Parental Alliance Inventory, sendo a família nuclear a configuração familiar mais estudada. A partir da pesquisa realizada, pôde-se concluir que as pesquisas empíricas de coparentalidade precisam agregar metodologias qualitativas e possibilitar que famílias heterogêneas sejam investigadas.

Descritores: coparentalidade; revisão sistemática; instrumentos.


ABSTRACT

The concept of coparenting has been increasingly correlated to child adjustment and development of children. Through a systematic review, this article describes the most common measures of coparenting, as well as the most investigated familiar contexts found in studies of the Capes database. Only empirical studies, in English, Spanish or Portuguese, published between 2000 and 2014 were analyzed. Two important tests were applied, and 37 studies were approved for final analysis. The results showed a predominance of the instruments in the shape of scales, has been found more often the instruments Coparenting Family Rating System, the Observation Rating Coparental Protocol and the Parental Alliance Inventory, and nuclear family, the most studied configuration. From the survey, it was concluded that the empirical research of coparenting need to add qualitative methodologies, and enable that heterogeneous families be investigated.

Index terms: coparenting; systematic review; measurements.


RESUMEN

El concepto coparentalidad se ha correlacionado cada vez más con el ajuste y el desarrollo de los niños. A través de una revisión sistemática, en este texto se describen las medidas coparentales más comunes, así como los contextos familiares más investigados en estudios de la base de datos brasileña Capes. Fueron analizados solamente estudios empíricos, en inglés, portugués y español, publicados entre 2000 y 2014. Fueron aplicadas dos pruebas pertinentes, y aprobados para el análisis final 37 estudios. Los resultados mostraron un predominio de los instrumentos en forma de escalas, y se han encontrados con más frecuencia los instrumentos Coparenting Family Rating System (CFRS), el Observation Rating Coparental Protocol (OBS) y el Parental Alliance Inventory (PAI), siendo la familia nuclear la configuración más estudiada. A partir de estos resultados, se concluyó que a los estudios sobre la paternidad compartida les necesita agregar metodologías cualitativas para permitir la investigación de las familias heterogéneas.

Palabras clave: copaternidad; revisión sistemática; instrumentos.


 

 

A coparentalidade é considerada um conceito que estabelece a ponte entre a qualidade das interações da díade parental e os percursos desenvolvimentais da prole. Segundo Belsky, Putnam e Crnic (1995) a relação coparental é fundamental para o desenvolvimento das crianças, podendo ter efeitos negativos ou positivos, dependendo da forma como é conduzida pelas díades coparentais. Dessa forma, estudos demonstram (Kwon & James, 2013; Kurrien & Vo, 2004) que padrões positivos na relação coparental são correlacionados positivamente com autoregulação infantil, habilidades das crianças em seus relacionamentos com seus pares e bons rendimentos acadêmicos ao passo que baixos e conflituosos padrões de relações coparentais têm sido associados a manifestações agressivas, ansiedade e apego inseguro das crianças (McHale, 1997).

Sob a influência da teoria estrutural de Minuchin (1985), o conceito de coparentalidade apresenta grande força ao relacionar o ajustamento das pessoas a suas redes relacionais (Teubert & Pinquart, 2010). Para Minuchin, o sistema familiar é constituído por vários subsistemas, sendo que os pais constituem o subsistema executivo, pois são estes que gerenciam e tomam as decisões (Lamela, Nunes-Costa & Figueiredo, 2010). Entretanto, apesar da importância teórica de Minuchin, a noção de subsistema executivo tem sido insuficiente para conhecer e sistematizar mais profundamente a dinâmica parental. Assim, outras contribuições teóricas, como o conceito de coparentalidade, surgiram com vistas a preencher as lacunas na área.

Segundo Frizzo, Kreutz, Schmidt, Piccinini e Bosa (2005), a noção de coparentalidade surgiu com os estudos das relações em famílias nucleares e que passaram por situações de divórcio (Blandon, Scrimgeour, Stifter & Buss, 2014; Riina & McHale, 2012). Feinberg e Kan (2008), Van-Egeren (2004) e Margolin, Gordis e John (2001) definem relação coparental como a colaboração mútua estabelecida entre pessoas em função de uma criança. Revela o modo como as figuras parentais coordenam sua parentalidade, apoiando ou minando o outro em função de suas crianças, sendo essa dinâmica considerada um eixo central da vida intrafamiliar (McHale, Kuersten-Hogan, Lauretti & Rasmussen, 2000; Minuchin, Rosman & Baker, 1978; Van Egeren, 2004), mais do que a própria relação conjugal dos pais. Feinberg (2003) considera que, por exemplo, os conflitos coparentais se apresentam como área de risco.

Margolin et al. (2001) consideram a coparentalidade como uma negociação dos papéis parentais e afirmam que o processo coparental é a experiência mais significativa que dois adultos partilham, em função das responsabilidades, papéis e contribuições para com suas crianças. Os autores esclarecem que as percepções maternas negativas se apresentam como mais frequentes nas relações em que não há compartilhamento de tarefas nos cuidados dos filhos do que em díades onde os pais são mais participativos e colaboradores nos cuidados com as crianças. Ressalta-se que em díades parentais pouco colaborativas existem altos níveis de conflito conjugal.

Para Amato (2000), dos pais são esperados comportamentos proativos de trocas e partilhas dos assuntos relacionados a seus filhos, e não comportamentos que demonstrem conflito parental. Em alguns casos, tais conflitos são evidentes em brigas presenciadas pelas crianças, diálogos conflituosos que fomentam rivalidades entre os filhos e uma das figuras parentais, assim como situações de manipulação das crianças para que estas tenham que optar por uma figura parental, em detrimento da outra.

Van Egeren e Hawkins (2004) compreendem a coparentalidade como um importante instrumento dos processos familiares, não podendo desconsiderar a conexão existente entre esse fenômeno e as relações conjugais, visto que a forma como os cônjuges conduzem seu relacionamento conjugal irá delinear, em grande parte, suas relações com seus filhos. Esses autores, visando a facilitar metodologicamente o uso do conceito de coparentalidade, destacaram quatro aspectos presentes em uma relação coparental: a) a presença de uma criança; b) presença de um parceiro(a); c) ser um processo diádico; e d) ser um processo bidirecional.

Apesar do foco principal dos estudos de coparentalidade serem as famílias intactas, nucleares, Lindsey, Caldera e Colwell (2005) ampliam a concepção diádica, para triádica, pois envolveria uma terceira pessoa, o filho. Lamela et al. (2010), Baker, Strozier e Cecil (2010) e Feinberg e Kan (2008) compreendem que uma relação coparental se dá entre cuidadores, independente do tipo de relação que estes mantenham entre si. Essa ampliação do conceito de coparentalidade é compatível com as modificações que têm ocorrido na sociedade contemporânea, uma vez que diferentes configurações familiares têm emergido com o objetivo de exercer o cuidado de crianças e/ou adolescentes. Provavelmente, essas mudanças podem estar relacionadas com o crescente interesse da comunidade científica por esse tema.

O crescimento do interesse por esse conceito tem contribuído com o desenvolvimento de instrumentos que acessam à coparentalidade. Lamela, Figueiredo e Bastos (2010), ao revisar os modelos teóricos que subsidiam os estudos sobre coparentalidade, verificaram que dentre vários instrumentos, o Parenting Alliance Questionnaire (CQ) (Margolin et al., 2001) é o que mais tem sido encontrado em pesquisas sobre coparentalidade. O autor justifica essa opção pelo fato de se tratar de uma medida de fácil manuseio, análise e aplicação.

Em função da abrangência, entende-se que estudos de revisões sistemáticas podem ser úteis na medida em que possibilitam apresentar um panorama aos pesquisadores de uma dada área, apontando tendências, e lacunas deixadas pelas pesquisas analisadas (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, & The PRISMA Group, 2009). Logo, o objetivo deste estudo é descrever, através de uma revisão sistemática da literatura (RSL), os instrumentos e as configurações familiares investigadas em pesquisas que se propuseram estudar as relações coparentais.

 

Método

Este estudo apresenta uma RSL sobre a coparentalidade. A RSL busca apresentar um processo formal e controlado, com critérios claros de inclusão e exclusão dos estudos, a fim de explicitar aos leitores o caminho metodológico adotado (Akobeng, 2005). Zoltowski, Costa, Teixeira e Koller (2014) afirmam que esse método se caracteriza pela aplicação de estratégias de busca, análise crítica e síntese da literatura de forma organizada, minimizando os vieses. Dessa forma, para o alcance dos objetivos foram delineados sete passos, a saber: formulação da pergunta problema; localização e seleção dos estudos; avaliação crítica dos estudos; extração das variáveis do estudo; análise e apresentação dos dados; interpretação dos dados; aprimoramento e atualização da revisão (Gomes & Caminha, 2014).

 

Primeiro passo: formulação da pergunta problema

O primeiro passo consistiu na formulação da pergunta ou problema de pesquisa que seria investigado neste trabalho, através de uma adaptação da técnica PICO, muito utilizada pelas investigações da área da saúde, que, adaptada para as ciências psicológicas, recebeu a nomenclatura PVO, em que P refere-se ao problema da pesquisa; V, às variáveis do estudo; e O, aos resultados alcançados (Biruel & Pinto, 2011). Seguindo essa perspectiva, a pergunta norteadora desta pesquisa foi: Como estão configuradas as pesquisas empíricas sobre coparentalidade quanto aos instrumentos utilizados e famílias investigadas?

A partir da técnica, considera-se a seguinte estrutura, na qual: P (situação problema, participantes ou contexto — caracterização metodológica das pesquisas empíricas com díades coparentais); V (variáveis do estudo: instrumentos de coparentalidade e tipos de famílias); O (resultado esperado) — identificar, descrever e analisar os estudos de coparentalidade.

 

Segundo passo: localização e seleção dos estudos

Esta etapa consistiu na definição de alguns descritores relacionados ao tema em questão que foram escolhidos a partir da técnica PVO. Posteriormente, foi realizada consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DECS). Esse procedimento não gerou nenhum resultado para o descritor coparentalidade, tendo sido considerado os termos "coparentalidade", "coparenting" ou "co-paternidad". Desse modo, não foi possível utilizar operadores booleanos (OR-AND) indicados pela técnica PVO, sendo dispensados no processo de busca.

Para refinamento da busca dos artigos foram considerados os seguintes critérios de inclusão: a) serem estudos empíricos e revisados por pares; b) utilizarem instrumentos específicos para a análise da coparentalidade; c) trazerem os termos "coparenting" ou "co-parentalidad" no título e/ou palavras-chaves; d) estarem em português, inglês ou espanhol; e) situarem sua publicação entre os anos 2000 a 2015; f) terem disponibilidade on-line. Todas as referências que não atenderam a esses critérios foram excluídas. O Portal de Periódico da Capes foi escolhido em função de ser uma das maiores bibliotecas virtuais, por abranger periódicos científicos de alto nível, por conter um acervo abrangente dos principais artigos publicados em diversas áreas, em nível nacional e internacional.

 

Terceiro passo: avaliação crítica dos estudos

Os estudos passaram por dois testes de relevância adaptados de Azevedo (2010), nos quais dois juízes, independentemente, seguiram rigorosamente os critérios pré-estabelecidos. O teste de relevância 1 identificava se os estudos traziam os termos "coparentalidade", "coparenting" ou "co-paternidad" no título e/ou nas palavras-chaves. O material aprovado pelo teste 1 foi submetido à avaliação do teste 2, que deveria analisar se: a) os estudos apresentavam instrumentos de coparentalidade definidos e específicos; b) seus autores descreviam seus procedimento de uso e análise; c) descreviam os tipos de famílias participantes da pesquisa.

A decisão final para inclusão do artigo foi baseada nos dois testes de relevância, sendo necessária a concordância dos dois juízes. Todas as análises foram submetidas ao cálculo do Índice de Concordância (IC), a fim de que fossem assegurada a confiabilidade e credibilidade aos estudos selecionados para a análise final (Polit, Beck & Hungler, 2004). O cálculo desse índice se dá pela seguinte equação numérica: IC=A÷A+D×100, em que A, representa as concordâncias e D, as discordâncias. A inclusão final do artigo se baseia no índice de 90% de concordância.

 

Quarto passo: extração das variáveis

No 4º passo, foi realizada a extração das variáveis investigadas dos artigos selecionados. Os estudos foram analisados, especificamente, por meio das categorias "Instrumentos de coparentalidade" e "Tipos de famílias".

 

Quinto passo: análise e apresentação dos dados

As análises foram realizadas por meio dos seguintes procedimentos: para mineração e realização de uma estatística de tendência central que informa como a amostra é em sua totalidade, ou em média (Dancey & Reidy, 2006), foi utilizado o software EXCEL 2010. Para a análise das relações entre os instrumentos de coparentalidade e demais variáveis investigadas foi utilizado o Software NVIVO 10®, cujo objetivo é produzir os modelos conceituais exploratórios, realizando análises qualitativas e quantitativas, promovendo uma melhor organização e visualização dos dados.

 

Sexto e sétimo passos: interpretação dos dados, aprimoramento e atualização da revisão

A partir da organização e análise dos dados, passou-se a sua interpretação, utilizando-se teorias de coparentalidade mais relevantes que têm sido encontradas nas referências específicas em questão que foram levantadas pelo banco da Capes.

 

Resultados

Primeiramente, foi conduzida uma caracterização geral dos artigos, e, em seguida, analisado o método de cada estudo, destacando os instrumentos utilizados para acessar o comportamento coparental e os tipos de famílias investigadas.

Considerando os critérios estabelecidos (revisados por pares, serem artigos empíricos, estarem em português, inglês ou espanhol, trazerem os termos "coparentalidade", "coparenting" ou "co-paternidad" no título e/ou palavras-chaves, e instrumentos de coparentalidade definidos, disponibilidade dos artigos on-line), a primeira busca encontrou 736 artigos. Destes, 358 não eram revisadas por pares, 178 não estavam disponíveis, 78 estavam fora do período estipulado e 72 eram trabalhos teóricos, teses e dissertações, tendo sido todos estes excluídos.

Os dados indicaram que dos 736 artigos iniciais, 37 (6,79%) foram utilizados na análise final. Os artigos excluídos pelo Teste de Relevância não condiziam com os critérios estabelecidos, pois foi verificado que os artigos não descreviam o tipo de pesquisa, o contexto familiar e os instrumentos de avaliação da coparentalidade.

 

Caracterização dos artigos da RSL

Quanto à natureza da pesquisa, todos os estudos analisados adotaram uma abordagem quantitativa. Dos 37 artigos revisados, apenas um foi publicado em língua portuguesa, e os demais, em inglês — 83,78% (n=31) das pesquisas revisadas foram conduzidas nos Estados Unidos; 5,4% (n=2) no Canadá e em Portugal; e 2,7% (n=1) na Holanda e em Israel. Sobre o período de publicação, observou-se que entre 2004 e 2008 foram encontrados em 35,13% (n=13) estudos; entre 2009 e 2011, 29,72% (n=11); e entre 2012 e 2014, 35,13% (n=13).

 

Instrumentos de coparentalidade

No total, foram identificadas 22 medidas para acessar a coparentalidade, conforme pode ser observado no Quadro 1.

 

 

A análise dos estudos revelou que os três primeiros instrumentos que constam no Quadro 1 — CFRS, OBS e PAI — foram utilizados em 13,5% (n=5) artigos cada um. O CQ foi utilizado em 10,8% (n=4) estudos. Os demais instrumentos obtiveram 2,7% (n=1) ocorrência cada. Quanto ao ano de elaboração, observou-se que um maior número de medidas (59%, n=13) foi elaborado no intervalo de 2001 a 2012. Quanto ao tipo de instrumento, 77,3% (n=17) foram de autorrelatos pontuados em escala tipo likert variando de 0 a 10 pontos, enquanto nos demais instrumentos, a coparentalidade foi estudada através de escalas de observação. No que diz respeito ao número de itens por escala, identificou-se medidas que continham menos de 10 itens (33,4%) e aqueles estruturados em maior número (66,6%).

 

Modelos exploratórios: instrumentos de coparentalidade e tipos de famílias

A Figura 1 consiste num modelo exploratório gerado pelo NVIVO 10®, a partir da codificação dos instrumentos de coparentalidade que constam no Quadro 1 associados aos tipos de famílias codificadas. Os modelos exploratórios gerados pelo software evidenciam os padrões que se estabelecem por meio da categorização realizada pelo pesquisador, construindo mapas conceituais. Assim, é possível observar os "nós" e as fontes geradas pelo programa. Os "nós" retratam os instrumentos de coparentalidade, enquanto "fontes" retratam os tipos de famílias investigadas. Nota-se que alguns nós (instrumentos) foram utilizados na investigação em contextos familiares (fontes) distintos.

Os tipos de famílias investigadas foram analisadas e classificadas em quatro subcategorias: 1 — famílias nucleares; 2 — famílias estendidas; 3 — famílias divorciadas; 4 — famílias mistas, conforme mostrado na Figura 1. Dessa forma, a relação família-instrumento está aqui apresentada de acordo com a frequência de ocorrência nos 37 artigos revisados:

 

 

Família nuclear

Entendem-se por família nuclear aquelas que são formadas pelo pai, mãe e filhos biológicos (Valle, 2009), nesta revisão foram encontradas 29 (78,3%) pesquisas realizadas com essas famílias. A análise desses estudos revelou 17 diferentes instrumentos usados na coleta de dados, sendo que os mais frequentes foram: o OBS e o CFRS (McHale, Kuersten-Hogan & Lauretti, 2000) com cinco ocorrências cada medida (17,2%). O PAI (Kan, Feinberg & Solmeyer, 2012) teve uma ocorrência nesse contexto familiar. O CQ (Margolin et al., 2001) foi utilizado em quatro (13,7%) estudos. O FEQ (Frank, Jacobson & Avery, 1988) e o CS (Cowan & Cowan, 1996) foram encontrado em dois (6,8%) estudos.

Kollak e Volling (2007) buscaram conhecer a associação entre expressividade emocional como mediadora da existência de coparentalidade positiva, em famílias formadas por 57 casais, pais de crianças de até 5 anos de idade. Utilizando-se do OBS, os pesquisadores identificaram que houve maiores níveis de coparentalidade cooperativa naqueles casais em que os pares parentais expressavam mais as emoções, se comparados aos que não apresentavam tal comportamento. Foi ressaltado que a demonstração da emoção, principalmente dos pais, pode ser benéfica para o funcionamento do sistema familiar como um todo, principalmente, para o fortalecimento dos comportamentos coparentais.

A pesquisa desenvolvida por Talbot e McHale (2004) utilizou o CFRS com o objetivo de investigar a natureza da relação entre os comportamentos coparentais e os comportamentos de autocontrole e flexibilidade parental, em 50 casais com filhos até 12 meses de idade. A coparentalidade foi verificada em termos da cooperação e competição das díades parentais. Os resultados revelaram que o autocontrole materno influencia positivamente o relacionamento coparental, da mesma forma que a flexibilidade dos pais auxilia na manutenção do relacionamento conjugal, preservando o relacionamento coparental.

Holland e McElwain (2013) utilizaram o PAI, com o objetivo de investigar se 122 casais, pais de crianças de até 2 anos e 6 meses de idade, percebiam a qualidade do relacionamento marital como um elo na qualidade do relacionamento entre pais e filhos. Os dados revelaram que houve mais percepções positivas das mães sobre seus relacionamentos coparentais quando havia níveis elevados de bom relacionamento conjugal. Na percepção dos pais, a qualidade do relacionamento conjugal está ligada diretamente à qualidade do relacionamento coparental entre as mães e seus filhos. Os autores consideraram que bons níveis de relacionamento conjugal predizem boas relações entre pais e filhos na primeira infância.

 

Família estendida

A família estendida, aquela que ultrapassa a família nuclear devido à presença de outras pessoas, que não são pais e nem os filhos (Mota, Rocha & Mota, 2011), foi investigada em quatro (10,8%) pesquisas. Nessa categoria, foi possível encontrar quatro diferentes medidas de avaliação da coparentalidade, sendo cada uma encontrada em uma pesquisa diferenciada. Foram elas: o ICIRS (Baker et al., 2010), o CPPS (Linares, Montalto & Oza, 2010), a ECLS-BC (Snow, Thalji & Derecho, 2007) e o PAI (Kan, Feinberg & Solmeyer, 2012), conforme mostrado no modelo exploratório.

Baker et al. (2010) desenvolveram o ICIRS especificamente para um estudo piloto que investigou a qualidade da relação coparental em 40 díades formadas pelas avós e pelas mães que se encontravam em regime de encarceramento, cujos filhos apresentavam problemas comportamentais. Os resultados identificaram padrões de cooperação e conflito semelhantes às díades formadas pelas famílias nucleares. Encontrou-se boa inter-relação entre as mães e avós, o que foi preditivo para a emergência de bons comportamentos nas crianças e, níveis positivos de relação coparental após o período que as mães ficaram presas.

O CPPS foi o instrumento criado e utilizado por Linares, Rhodes e Montalto (2010) foi usado por esses mesmos autores para investigar a relação entre comportamento coparental de famílias adotivas e a externalização de problemas comportamentais nas crianças que foram adotadas. Participaram dois grupos de cuidadores sendo 40 desses aparentados com a criança e 40 não aparentados. Os dados mostraram que as famílias adotivas não aparentadas mostraram maiores níveis de comunicação, flexibilidade e apoio em sua relação coparental do que as famílias que tinham laços de parentesco com as crianças. Nesse último grupo foram verificados altos níveis de coparentalidade conflituosa/triangular, resultando em externalização de problemas infantis, principalmente no contexto escolar.

 

Famílias divorciadas

Embora o interesse pela coparentalidade tenha surgido inicialmente com famílias divorciadas, os estudos realizados com esstes grupos foram poucos, apenas 3 (8,1%). Nessa categoria, a relação coparental foi acessada com o uso de quatro medidas diferenciadas, que foram: o PAM (Abidin & Konold, 1999), o MS (Huston, McHale & Crouter, 1986), o SCS (Carlson, McLanahan & Brooks-Gunn, 2008) e o CRI (Dumka, Prost & Barrera, 2002).

Lamela, Figueiredo e Bastos (2013) utilizando a PAM (Abidin & Konold, 1999), tiveram por objetivo verificar a relação entre coparentalidade e ajustamento familiar no pós-divórcio, investigando três categorias: Regulado-Seguro (RS), Desregulado-Ansioso (DA) e Desregulado-Evitante (DE). Os resultados observados em 81 participantes mostraram que a categoria RS apresentou elevados níveis de relação coparental, perfis de vinculação, e melhores níveis de ajustamento psicológico do que os outros dois grupos. Entre estes, não foram encontradas diferenças significativas quanto ao ajustamento psicológico nas díades.

 

Famílias mistas

Além dos três grupos anteriormente descritos, também foi identificada uma pesquisa cujos autores mesclaram a amostra com famílias divorciadas (85%) e nucleares (15%), assim Riina e McHale (2012), investigando, objetivaram identificar, ao longo de três anos, a correlação existente entre a satisfação coparental, com estressores socioculturais (ex.: discriminação e dificuldades econômica) e mecanismos de suporte social (religiosidade e recursos socioeconômicos). Utilizando-se da medida MS, os pesquisadores entrevistaram 192 díades afro-americanas durante o período de adolescência dos filhos. No início da pesquisa, as díades eram todas casadas, sendo que com o tempo algumas se divorciaram. Os dados demonstraram que com a chegada da adolescência houve maior declínio do nível de satisfação coparental dos pais, mas não das mães. Os estressores sociais tiveram ação negativa sobre o nível de satisfação coparental das famílias, enquanto o suporte social recebido por estas teve ação positiva sobre a dinâmica coparental.

 

Discussão

Os dados desta revisão confirmam o crescimento do interesse e a diversidade de pesquisas sobre a coparentalidade (Marques, 2013; Pasinato & Mosman, 2015). No entanto, mostram que os estudos de natureza quantitativa são predominantes, observando-se que esse crescimento se fez de modo unidirecionado e pouco variado. Os instrumentos ora levantados trouxeram sua configuração estabelecida em medidas fechadas que pouco possibilitavam o acesso a percepções mais subjetivas das famílias estudadas.

Segundo Lamela, Figueiredo e Bastos  (2010), o QCOP é a medida mais utilizada na investigação coparental. No entanto, esse dado não se confirmou nesta revisão que identificou, no banco de dados analisado, que apenas quatro estudos utilizaram essa ferramenta. Todavia, o CFRS e os Protocolos de Observação coparental foram as medidas usadas com mais frequência.

Segundo Sifuentes (2007), apesar dos avanços nas pesquisas sobre coparentalidade e da relevância dos dados gerados por esses instrumentos, é necessário diversificar as estratégias de acesso às informações. Schmidt e Bosa (2004) ressaltam a necessidade de utilização de instrumentos menos estruturados, que abordem o problema também de forma qualitativa, como as entrevistas e observações, que permitam uma compreensão mais ampla e contextual dos fenômenos investigados.

Essa preocupação foi considerada por McHale et al. (2000) ao realizarem um estudo com o objetivo de conferir consistência metodológica ao conceito através de múltiplas metodologias. Os dados foram coletados com 52 famílias, com filhos de 30 meses de idade através da aplicação da CS (Solmeyer, Feinberg, Coffman & Jones, 2013), observações focais e entrevistas individuais. Com a intenção de mostrar informações decorrentes de múltiplos procedimentos, seus dados revelaram a importância do contexto, visto que os pais não se comportavam da mesma forma quando sós com os filhos, e quando estavam em família. Além disso, as entrevistas forneceram informações complementares quanto ao casamento das díades. Os autores afirmam que essa estratégia multimetodológica, permitiu acessar a coparentalidade a partir de diferentes perspectivas, ampliando o foco de análise.

Considerando as potencialidades de acesso dos instrumentos utilizados pelos estudos analisados, verificou-se que as famílias nucleares foram em maior número acessados. Esse dado revela a evolução das pesquisas na área cujo interesse inicial eram as famílias divorciadas (Amato, 2000; Frizzo et al., 2005; Lamela, Nunes-Costa & Figueiredo, 2010; Sarrazin & Cyr, 2007).

A preocupação com as famílias em situação de divórcio pode ser observada no banco de dados analisados. Raposo et al. (2011) destacam os elevados níveis de desajustes relacionais em situação de divórcio que diminui os níveis de qualidade na relação coparental. A coparentalidade pós-divórcio configura-se de modo peculiar, distinguindo-se completamente da coparentalidade conjugal.

A despeito da preocupação com as famílias divorciadas, 30 anos depois, pesquisas sobre comportamento coparental têm se concentrado em configurações familiares diferentes das de outrora. Nesta revisão foram encontrados estudos que investigaram famílias formadas predominantemente por díades casadas, em que pais e filhos são coabitantes, mas também outras configurações como, por exemplo, as formadas por mães compartilhando os cuidados dos filhos com as avós das crianças, assim como compartilhando estes cuidados com tios, amigos, babás, vizinhos, entre outros (Lewin, Mitchell, Beers, Feinberg & Minkovitz, 2012; Linares, Rhodes & Motalton, 2010; Solmeyer et al., 2013).

Apesar de pouco frequente, a presença de famílias não nucleares nos estudos sobre coparentalidade revela uma expansão desse tema de pesquisa que passa a agregar configurações heterogêneas (monoparentais, tri-parentais, tetra-parentais etc.) pouco convencionais. Essa expansão se explica pelo fato dos papéis parentais poderem ser estruturados para além dos laços de consanguinidade ou parentesco (McHale et al., 2000), o que torna o conceito de coparentalidade universal e aplicável a todas as configurações familiares existentes (Lamela, Nunes-Costa & Figueiredo, 2010).

 

Considerações finais

Com o objetivo de organizar os dados apresentados em pesquisas sobre a coparentalidade, esta RSL identificou os principais instrumentos utilizados e os grupos familiares investigados em pesquisas sobre as relações coparentais. Destaca-se que os caminhos metodológicos da RSL são de grande importância acadêmica, uma vez que permite acessar conteúdos de qualidade e que trazem informações relevantes do tema ora investigado.

Pôde-se observar que as medidas de coparentalidade predominantes são de natureza quantitativas realizadas em famílias nucleares. Nesse sentido, considera-se importante a realização de estudos em contextos familiares mais heterogêneos, compatíveis com os novos padrões familiares que têm se apresentado na contemporaneidade. Ademais, informações sobre essas famílias precisam ser acessadas através de estratégias não apenas quantitativas, mas também de natureza qualitativas que permitam um olhar ampliado e flexível sobre a realidade.

Esta pesquisa, porém, foi limitada, uma vez que um reduzido número de pesquisas foi analisado em virtude dos critérios de inclusão estabelecidos, principalmente metodológicos, uma vez que somente artigos empíricos foram considerados, descartando-se outras fontes de informações, como estudos teóricos, teses e dissertações. Outro fator que contribuiu para essa limitação dá-se em função de apenas um banco de dados ter sido consultado. Tal fator reforça a necessidade futura da continuidade de estudos, teóricos e empíricos, visando, fundamentalmente, a uma melhor compreensão da relação coparental, através da elaboração de novos modelos teóricos, novas medidas, ou com o aprimoramento dos já existentes.

Os resultados alcançados neste estudo apontam as demandas e necessidades que poderão ser preenchidas por pesquisas futuras. A sugestão é que estas sejam feitas com naturezas integradas (quanti/quali), investigando outros contextos familiares que apresentem composições peculiares, não apenas as encontradas na literatura, mas, por exemplo, as homossexuais, as com doenças crônicas, as com crianças deficientes, entre outras, na intenção de agregar informações cada vez mais amplas acerca dos comportamentos coparentais em contextos diferenciados, assim como permitir que cada vez mais novas medidas sejam adaptadas e validadas a partir de tal heterogeneidade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em abril/ 2016.
Aceito em outubro/2016.

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