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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.13 no.1 Rio de Janeiro jun. 2010

 

ARTIGOS

 

O estresse na prática profissional do psicólogo em UTI: uma revisão de literatura1

 

The stress on the psychologist in the ICU: a literature review

 

 

Alice Borges Humildes Cruz da Silva

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – BAHIANA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os profissionais de saúde, em especial os que atuam na UTI, estão constantemente expostos a um ambiente considerado insalubre, com a prevalência de grande desgaste físico e emocional. Partindo do interesse pelo estudo, realizou-se uma revisão de literatura, analisando artigos sobre a saúde psíquica dos profissionais que atuam em UTI, utilizando como fonte principal de pesquisa a Revista Brasileira de Terapia no período de 2006-2008, buscando identificar estudos específicos sobre a saúde psíquica do psicólogo. A revista foi escolhida por reunir publicações de médicos intensivistas brasileiros e profissionais de saúde não-médicos. Buscou-se caracterizar as peculiaridades do estresse em diferentes categorias profissionais que atuam na UTI, especialmente do psicólogo. Foram analisados os artigos encontrados na RBTI considerando seus objetivos, participantes, autores, natureza do estudo e principais conclusões e, a partir do que vem sendo produzido sobre a saúde psíquica dos psicólogos que atuam em UTI, foram identificadas possíveis lacunas. Foram utilizados como descritores as palavras: estresse, profissionais, saúde, psicólogo, esgotamento e UTI sendo identificados três artigos que tiveram como população estudada, médicos e enfermeiros, incluindo-os como vulneráveis ao surgimento de doenças do trabalho e estresse. A quantidade de pesquisas realizadas por psicólogo ou outro profissional (exceção médicos e enfermeiros) no que se refere à saúde psíquica, foi insuficiente para conclusões significativas sobre o tema. Foi possível perceber a carência de estudos, assim como é necessária a sua realização no sentido de tornar acessível aos profissionais a as manifestações físicas e emocionais do estresse e outras doenças relacionadas às atividades exercidas em unidades de terapia intensiva.

Palavras-chave: Estresse; Profissionais; Saúde; Psicólogo; Esgotamento; UTI.


ABSTRACT

Health professionals, in particular the ones that act in ICU, are exposed to a hostil environment with the prevalence of physical and psychological exhaustion. A literature review was performed to identify studies on psychologists health, analyzing articles about mental health of ICU professionals, from the main source Revista Brasileira de Terapia, from 2006 to 2008. This journal was chosen as it publishes papers on ICU doctors and other health professionals. Stress characteristics were described in different ICU professional categories, especially the psychologist. Articles from RBTI were analyzed considering objectives, participants, authors, nature of study and main conclusions. Considering what is being published on ICU psychologist’s health, possible errors were identified. The key words used were stress, professionals, health, psychologist, exhaustion and ICU. Three papers that had doctors and nurses as population study and considered them vulnerable to the appearance of occupational diseases and stress were identified. The amount of research conducted on psychologists or other professionals (except doctors and nurses) in relation to mental health, was insufficient to draw meaningful conclusions on the subject. It was possible to perceive the lack of studies, as well the importance of its implementation, so that professionals have access to the physical and emotional manifestations of stress and other diseases related to the activities performed in intensive care units.

Keywords: Stress; Occupational health; Psychologist; Exhaustion; ICU.


 

 

Introdução

A literatura, de forma geral, aponta a Unidade de Terapia Intensiva como um ambiente insalubre e desgastante, características corroboradas por De Marco et al.(2008) que a descrevem, como um ambiente altamente estressante tanto para os pacientes e seus familiares, quanto para a equipe que atua na unidade. Sobre a equipe, ressaltam os autores, que incidem várias situações estressantes, como as solicitações constantes do paciente e da família, a intensa jornada de trabalho, o contato com a dor e com o processo da morte, o estar constantemente em alerta e submetida às pressões quanto à tomada de decisões em momentos críticos, dentre outros fatores.

Etzion & Pines (1986 apud Borges 2005), ressaltam que a atuação da equipe sugere altos níveis de comprometimento e envolvimento emocional, pois, para prestar assistência aos usuários, é necessário aprender sobre seu problema, fornecer algum tipo de cuidado e auxílio para eles. Para os autores, estes profissionais lidam com diferentes agentes estressores provenientes da natureza da atividade exercida ou das características da organização onde exercem suas funções. Destacam como principais agentes a sobrecarga de jornada de trabalho, falta de reconhecimento de trabalho, ambigüidade e incerteza do papel a delimitar, a falta de preparo para lidar com demandas emocionais dos pacientes e famílias, dentre outros.

Características apontadas como estressantes na atuação dos profissionais de saúde no contexto hospitalar, foram destacadas na literatura de Mota et al. (2006), indicando que os profissionais estão expostos a tensões oriundas de várias fontes, tais como: contato freqüente com a dor, com o sofrimento, com pacientes terminais e receio de cometer erros. Sugerem que o contato direto com essa realidade coloca o profissional de saúde diante de sua própria vida, saúde ou doença, dos próprios conflitos e frustrações.

Em paralelo às questões relacionadas ao ambiente hospitalar, que de forma geral é apontado pela literatura, como altamente estressor, está a questão da inserção do psicólogo e demais profissionais de saúde não- médicos no hospital, que pode contribuir para tornar a jornada de trabalho nesse contexto ainda mais difícil. Questão essa, que segundo Giannotti (1995, apud Waillig & Filho, 2007) sobrevém às questões que permeiam o trabalho multiprofissional e que envolvem dificuldades desencadeadas pela indefinição de papéis, de fronteiras profissionais e subseqüente poder de decisão, competitividade, hierarquização e entraves no entrosamento da equipe.

Nesse estudo, será destacada a inserção do profissional de saúde não- médico no contexto hospitalar, o psicólogo contemplando a sua atuação nas Unidades de Terapia Intensiva e a relação dessa prática, com as doenças ocupacionais, em especial, o estresse.

Sobre as Unidades de Terapia Intensiva, Romano (1997) destaca que é um lugar isolado, separado por uma porta, onde se pode ler: proibida a entrada de pessoas estranhas. Lá, segundo a autora, o tempo torna-se uma incerteza, e, às vezes, nesses locais, não existe nem mesmo relógio para orientar os profissionais. Os ruídos dos aparelhos utilizados são intensos e irreconhecíveis pelo senso comum, as janelas são fechadas, a luz é artificial e as práticas devem ser realizadas de forma intensiva e precisa.

Alguns estudos mostram que a UTI é um ambiente mais propicio, dentro do hospital, para o desencadeamento de tensões e principalmente de estresse. Estando presentes no ambiente, os principais fatores que geram estresse, o próprio ambiente de trabalho, a sobrecarga de atividades, as relações interpessoais, p trabalho noturno, tempo de serviço (extrínsecos), associado às condições pessoais e características da personalidade (intrínsecos) (Miranda & Stancato, 2008).

Diante dos possíveis fatores de estresse relacionados ao trabalho dos profissionais que atuam em UTI e sendo este, um ambiente de trabalho do psicólogo, a sua prática, portanto, também sugere a ocorrência do estresse e outras doenças ocupacionais. Em relação ao estresse, Lipp e Novaes (1998), sugerem que pode ser causado por fatores diferentes, podendo ser desencadeado por um pequeno acontecimento ou por um evento sério e perturbador.

Os autores enfatizam que o estresse, surge quando a quantidade de exigências e de tensões é excessiva à resistência podendo também ser desencadeado por um evento súbito, ou por uma mudança, já que toda mudança traz uma necessidade de adaptação, de forma que para cada adaptação há gasto de energia, que por sua vez implica em cansaço, desgaste e marcada posteriormente, por uma reorganização.

A realização deste estudo decorre de um interesse particular pelo tema, bem como pela relevância científica, objetivando incitar entre os psicólogos, a produção e publicação de pesquisas relacionadas ao pensar e instituições públicas e privadas do segmento para adoção de ações e medidas preventivas, de forma a contribuir para uma melhor qualidade de vida e de trabalho para estes profissionais.

O presente estudo parte de uma revisão de literatura onde se analisou artigos sobre a saúde dos profissionais de saúde (psicólogos), que atuam nas Unidades de Terapia Intensiva, disponíveis em meio on-line, especificamente na Revista Brasileira de Terapia Intensiva, (RBTI) entre o período de 2006-2008 buscando avaliar o estado da arte sobre o tema e traçar um perfil das publicações encontradas, mapear os participantes estudados, formação dos autores, seus objetivos e conclusões sobre o estudo proposto.

 

Por que estudar o estresse?

Diante das características até aqui explanadas sobre o estresse, podemos considerar que as ocupações de caráter assistencial e de cuidado, demandam dos profissionais de saúde, incluindo o psicólogo, um alto grau de comprometimento físico e grande envolvimento emocional.

Portanto, se faz necessário, fomentar maiores discussões acerca do estresse enquanto uma síndrome ocupacional prevalente entre os profissionais de saúde, a fim de tornar acessível ao psicólogo e demais profissionais de saúde as principais fontes de estresse na UTI, bem como possíveis e alternativas de prevenção e cuidado.

 

O estresse relacionado à prática do psicólogo

Em relação à prática do psicólogo no hospital, Ismael (2005), enfatiza que o modelo clínico raramente se aplica aos hospitais, visto que há um grande número e alta rotatividade de pacientes. Para o autor, nas instituições médicas e hospitalares, os psicólogos precisam enfrentar outro desafio, ao definir um modelo de atuação voltado saúde mental da coletividade, ou seja, por que um paciente com problema orgânico precisa de uma psicoterapia? É uma pergunta de extrema importância para o psicólogo no hospital, de forma que norteará sua prática no sentido de se repensar uma intervenção que englobe o sujeito como sendo biopsicossocial, além de levar em consideração a realidade em que esse sujeito está inserido, neste caso, o hospital.

O psicólogo no contexto hospitalar se depara com questões diversas, e de acordo com Chiatoni & Sebastiani, (1991, apud Dias & Radomile 2006), algumas destas estão relacionadas à sua inserção nas equipes de saúde do hospital, havendo a necessidade de uma redefinição dos seus limites no espaço institucional, prioritariamente delimitando a identidade da psicologia hospitalar.

A atuação do psicólogo no contexto hospitalar segundo Romano (1999 apud Nunes & Martins, 2003), divide-se em duas especialidades, uma atuação organizacional voltada para a política de recursos humanos – tem-se, então, um psicólogo com especialização em psicologia organizacional, a outra possibilidade é a atuação junto ao paciente hospitalizado e sua família, adquirindo, portanto, um caráter clínico. Estar “diretamente voltado para o doente” é o que caracteriza o psicólogo hospitalar, ficando as demais atuações como sendo aquelas realizadas por psicólogos “em” hospitais.

O trabalho psicólogo hospitalar, especialmente nas Unidades de Terapia Intensiva, de acordo com Silva e Andreolli (2005) visa criar condições para que o paciente e seus familiares possam mobilizar recursos internos e externos a fim de favorecer a elaboração da situação de crise, a adaptação e as mudanças necessárias.

Para Ismael (2005), cabe ao psicólogo na UTI ser um elo entre paciente/equipe/família. Atribui grande importância na intervenção a ajuda à família, auxiliando-a na determinação de um membro que tenha condições físicas e emocionais de receber e transmitir informações aos demais. Para uma melhor compreensão acerca da atuação, o autor a sistematiza, podendo, portanto, ser facilmente visualizada através do sistema abaixo:

 

 

Percebe-se, que o trabalho do psicólogo nas Unidades de Terapia Intensiva, exige do profissional um grande envolvimento físico e emocional, já que lida cotidianamente, com discursos de dor, sofrimento, angústia, com o trabalho em equipe, demandas e solicitações de atendimentos de diversas ordens, com ruídos inerentes ao ambiente e outros aspectos relacionados às características do trabalho em UTI, Desta forma, a atuação do psicólogo ,assim como a de outro profissional nesse contexto, favorece o aparecimento do estresse e outras doenças de caráter ocupacionais.

O termo estresse é comumente utilizado entre leigos para designar “cansaço demasiado, sobrecarga, bem como por estudiosos a partir diversas perspectivas teóricas, sobre essa pluralidade, Esteves (2004),afirma que os autores que estudam esta temática, enfatizam a dificuldade de estabelecer um único conceito. A autora destaca a literatura de Levi (1998) que define o estresse enquanto processo corporal, sendo, portanto, um conjunto de respostas do corpo às múltiplas exigências e pressões que é exposto ao longo da vida, havendo, portanto sempre a presença de certo nível de estresse.

Esteves traz ainda contribuições de Newman e Newman (1983), que defendem a idéia de que o corpo está preparado para responder aos estressores – os eventos que produzem as respostas físicas do organismo – através da modificação de diversos sistemas, que são influenciados pelos eventos ambientais, pela percepção das pessoas sobre os eventos, pela sensibilidade das pessoas ou do limiar de estresse. Ambas as contribuições acima, sugerem a importância de considerar as diferenças individuais nas respostas ao estresse.

Lipp & Novaes (1998) destacam algumas prováveis respostas individuais ao estresse, afirmando que nenhuma doença ou condição produz uma interação tão grande entre o corpo e a mente como o estresse, gerando uma série de modificações físicas e emocionais, ou seja, o que é de origem psicológica acaba manifestando no corpo e vice versa. Sintomas como depressão, hipersensibilidade, irritabilidade, ansiedade, raiva, ira são comuns na pessoa estressada desaparecem com a redução dos níveis toleráveis de estresse, seja através de estratégias pessoais, ou via controle de estresse.

No que tange o estresse relacionado a prática do psicólogo em hospital, foi estudado por Veiga no ano de 2003 ao realizar uma pesquisa com psicólogos e estagiários de psicologia que atuavam em hospitais, ou que já tivessem trabalhado na área e que desejassem participar do estudo. Como resultado, o autor encontrou prováveis fontes de estresse associadas à prática hospitalar, das quais destacou o contato constante com dor, morte e sofrimento; problemas de inserção na equipe de saúde; submissão às regras da instituição; envolvimento emocional com pacientes, trabalhos com pacientes não desejosos do atendimento/situações de crise, falta de formação na área hospitalar. O autor enfatiza que ainda há poucos estudos sobre o estresse relacionado ao trabalho do psicólogo, e no caso do psicólogo hospitalar até a realização da sua pesquisa, nenhum estudo foi identificado.

Em consonância a essas postulações, outros importantes resultados puderam ser encontrados como o cansaço físico durante o atendimento (ficar em pé por muitas horas durante os atendimentos, ao lado do leito). É imprescindível salientar que a equipe de saúde ainda desconhece a função do psicólogo, muitas vezes, rotulando o atendimento como um “bate-papo” informal e interrompendo constantemente o contato com o paciente ou com a família.

 

Método

Objetivo Geral

Analisar artigos sobre a saúde psíquica dos profissionais que atuam em UTI, utilizando como fonte principal a Revista Brasileira de Terapia Intensiva (RBTI) no período de 2006-2008, buscando identificar estudos específicos sobre a saúde do psicólogo.

Objetivos Específicos

Visando concretizar o objetivo geral, a presente pesquisa definiu como objetivos específicos fundamentais:

• Caracterizar as peculiaridades do estresse em diferentes categorias profissionais que atuam em UTI, principalmente do psicólogo;

• Analisar os artigos encontrados na RBTI, considerando seus objetivos, populações investigadas, autores e principais conclusões, buscando traçar um perfil das publicações.

• A partir do que tem sido produzido sobre a saúde psíquica do psicólogo que atua em UTI, identificar possíveis lacunas.

 

Delineamento Metodológico

A pesquisa possui um caráter descritivo, de cunho bibliográfico, onde buscou descrever informações contidas nas publicações selecionadas em meio online, bem como mapear os participantes estudados, formação dos autores, natureza das pesquisas, objetivos e conclusões sobre o estudo proposto. A fim de cumprir adequadamente aos objetivos da realizou-se um levantamento bibliográfico sobre a saúde dos profissionais de saúde no contexto hospitalar, especialmente a do psicólogo, bem como sobre a inserção e atuação do psicólogo no hospital, enfatizando a sua inserção nas Unidades de Terapia Intensiva.

A Revista Brasileira de Terapia Intensiva (RBTI) foi utilizada como fonte principal de pesquisa, por reunir publicações de médicos intensivistas brasileiros e outros profissionais de saúde não médicos que atuam em UTIs. Em paralelo, outras fontes, também online foram consultadas.

Como critérios para seleção dos artigos e periódicos, foram utilizados como descritores para as buscas, estresse, profissionais de saúde, esgotamento, psicólogo e UTI.

 

Resultados e Discussão

Em relação aos estudos sobre a saúde dos psicólogos que atuam na UTI, a quantidade de artigos e periódicos identificados foi incipiente para sustentar conclusões especificas sobre o tema. Entretanto, foram identificadas publicações referentes ao assunto, a partir da perspectiva de médicos e enfermeiros, em grande maioria

Foram encontrados três artigos, considerando os critérios de inclusão – estudos sobre a saúde dos profissionais que atuam em UTI. Os três artigos identificados, conforme Tabela 1, foram: 1. Fatores que tornam estressante o trabalho de médicos e enfermeiros em terapia intensiva pediátrica e neonatal: estudo de revisão bibliográfica; 2. Médicos plantonistas de unidade de terapia intensiva: perfil sócio-demográfico, condições de trabalho e fatores associados à síndrome de burnout; 3. Riscos à Saúde de Equipe de Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva: Proposta de Abordagem Integral da Saúde. Os três artigos foram publicados no ano de 2008.

A partir da análise dos artigos encontrados, foi possível identificar dois aspectos significativos. O primeiro está relacionado com a preocupação da saúde do trabalhador, em especial a saúde psíquica dos profissionais que atuam na UTI, que é recente, visto que os três artigos foram publicados em 2008. O segundo diz respeito às categorias profissionais estudadas - médicos e enfermeiros – como a maioria dos autores e sujeitos das pesquisas realizadas. Profissões como psicologia, fisioterapia, serviço social, fonoaudiologia, terapia ocupacional e nutrição, a quantidade de estudos é insuficiente para consolidar possíveis conclusões, o que nos faz refletir sobre a necessidade da publicação de estudos científicos sobre a prática destes profissionais na UTI.

Embora sejam atuações recentes em Terapia Intensiva, estes profissionais, assim como médicos e enfermeiros, também estão expostos às condições adversas do trabalho e conseqüentemente vulneráveis ao surgimento de doenças relacionadas ao trabalho, como burnout e estresse. Há também uma prevalência de estudos relacionados a pacientes e familiares no contexto de terapia intensiva.

 

 

Contribuíram para a construção dos artigos citados acima vinte e três autores com formações acadêmicas que contemplam áreas de assistência ou atenção a pessoas, o que sugere uma maior preocupação destes com a ocorrência de estresse relacionado ao trabalho em UTI.

O primeiro artigo foi elaborado por uma psicóloga e três médicos; o segundo foi elaborado por uma psicóloga, seis acadêmicos de psicologia, quatro médicos e seis acadêmicos de medicina; no terceiro artigo encontramos como autores uma enfermeira e um graduando de medicina.

Quanto à natureza das pesquisas, o primeiro artigo teve como objetivo realizar um estudo de revisão de literatura sobre o estresse e o burnout em médicos e enfermeiros que trabalham na UTI pediátrica e neonatal. O segundo artigo partiu de um estudo descritivo de corte transversal, onde avaliaram médicos que trabalham em UTI adulto em Salvador-Ba através de um questionário auto-aplicável divido em duas partes contendo características sóciodemograficas e avaliação da síndrome de burnout através do Maslach Burnout Inventory, respectivamente.

No terceiro artigo os autores realizaram uma revisão de literatura no período de 1997-2007, acerca de questões relevantes da saúde de profissionais da equipe multidisciplinar de UTI, na base de dados da Biblioteca Regional de Medicina (Bireme). Tiveram como objetivos rever a saúde ocupacional em UTI bem como avaliar os aspectos para abordagem educacional da equipe multidisciplinar de forma integral. Com relação às conclusões dos artigos, o primeiro e o terceiro indicam a necessidade de maior investigação sobre o tema da saúde psíquica dos profissionais que atuam em UTI e o segundo apresenta dados empíricos sobre a prevalência de burnout em médicos intensivistas, principalmente os mais jovens, conforme figura 2.

 

 

Os artigos identificados contêm informações semelhantes relacionadas ao ambiente da UTI. Todos reforçam a insalubridade, o desgaste físico e psíquico dos profissionais de saúde, o risco ao desencadeamento de doenças relacionadas ao trabalho, como a síndrome de burnout e o estresse ocupacional.

Dois dos três artigos selecionados apontam o trabalho na UTI como vulneráveis ao surgimento de burnout, dados corroborados em outras publicações acerca do tema que incluem o estresse como sendo, também, uma doença relacionada ao trabalho.

Após ampliar as buscas para outras fontes, também online, foi possível identificar artigos sobre a saúde mental dos profissionais de saúde, porém considerando especificamente o exercício profissional dos médicos. O artigo intitulado “Saúde mental dos profissionais de saúde” publicado por Martins (2003), cuja formação é médica, justifica o estudo considerando que na medicina, entre as demais profissões em saúde, o trabalho do médico é o que tem sido mais estudado, tanto do ponto de vista psicológico como sociológico. Adverte que, apesar das peculiaridades das profissões de saúde, há vários aspectos das atividades dos profissionais que são compartilhadas por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, o que diz respeito à saúde.

Esse mesmo trabalho traz como dados significativos, resultados de diversas pesquisas sobre a relação entre estresse ocupacional e o trabalho desenvolvido na prática. Algumas profissões de saúde, por serem constituídas por uma população predominantemente feminina (Enfermagem, serviço social, psicologia, fonoaudiologia), têm acrescido ao desgaste estritamente profissional, a dupla jornada de trabalho e a tendência de não se valorizar o trabalho feminino.

 

 

Percebeu-se, na revisão de literatura, uma predominância de estudos sobre burnout em profissionais da área de saúde, quando comparado aos estudos sobre estresse ocupacional nesta população. Esta ênfase nos estudos sobre burnout, talvez seja pelo risco de cronificação do estresse nestes profissionais, o que reforça a necessidade de realizar produções cientificas também sobre o estresse na prática dos profissionais de saúde para tornar acessível os indicadores de estresse, objetivando facilitar a identificação e prevenção do adoecimento.

Como resposta às características e rotinas da unidade, o ambiente de UTI sugere ao profissional grande vulnerabilidade ao desencadeamento de doenças relacionadas ao trabalho como burnout, estresse e outras doenças, sendo experimentado por aqueles que exercem suas atividades diárias, intenso desgaste físico e emocional.

A maioria das publicações identificadas foi realizada por médicos e enfermeiros. No caso da categoria médica, esse dado pode ser resultado de um engajamento dos profissionais da área, preocupados em difundir suas práticas, seus estudos a fim de legitimar “o pensar e o fazer” da categoria, tornando-os acessíveis aos médicos e profissionais de saúde-não médicos.

Em relação à categoria de enfermagem, pode-se atribuir o grande contingente de publicações, ao investimento científico da categoria, objetivando o fortalecimento da teoria e prática, a delimitação clara do seu papel na equipe, com isso reiteram a importância da categoria junto à equipe de saúde.

Na literatura foram encontrados argumentos que corroboram a suposição acima em relação às publicações produzidas pela enfermagem, através de Menzies (1960 apud Bianchini, 2000), que afirma que o estudo sobre o estresse entre enfermeiros teve início, por volta da década de sessenta, quando surgiu a preocupação com o profissional desapontado e culpado por não conseguir lidar com esses sentimentos. Houve um predomínio de estudos realizados com enfermeiros que trabalhavam em UTI, pois coincidiu com o início da conquista de novos espaços e novas tecnologias por esses profissionais.

Considerando o contexto de trabalho em UTI, pela multiplicidade de profissionais que lá atuam, desempenhando variados papéis, existe uma gama de possibilidades para realização de estudos futuros a fim de tornar comum o conhecimento sobre as práticas. Pesquisas como estas podem favorecer a saúde do profissional, além da melhoria do atendimento aos pacientes e familiares.

Em relação aos possíveis fatores de estresse associados à prática do psicólogo em UTI, não foram encontrados dados significativos que possibilitem uma conclusão a respeito do tema, já que não identificamos publicações sobre a área sugerida. Isso só enaltece a importância da realização de estudos sobre o estresse nesse contexto.

 

Considerações Finais

A partir desse trabalho, alguns dados puderam indicaram a carência de estudos sobre a saúde psíquica dos profissionais de saúde não-médicos, exceto a categoria de enfermagem, que juntamente com os médicos demonstram engajamento no campo científico através da realização de estudos e suas publicações.

Considerando a multiplicidade de profissionais que atuam na UTI, se faz imprescindível a realização de estudos voltados para as demais categorias de profissionais de saúde, para que possam identificar os fatores de estresse, bem como as demais doenças que podem ser desencadeadas em razão da prática hospitalar, a fim de utilizarem estratégias de enfrentamento. Tal identificação e posterior controle dos fatores considerados estressores, possibilitará ao profissional a capacidade de adotar posturas saudáveis com conseqüências positivas na sua prática , nas relações interprofissionais, com os pacientes e familiares.

No caso da atuação do psicólogo na UTI, o resgate da instância subjetiva do paciente, da família, requer deste profissional um preparo específico para a realização das atividades neste ambiente, pois é um contexto de prática recente e pouco explorado em nível de pesquisas e publicações e que envolve grande desgaste emocional, já que lida constantemente com conteúdos de dor, sofrimento, e angústia que são ocultados, em sua maioria, pelos demais profissionais de saúde.

As condições físicas e relacionais associadas à falta de formação adequada para a atuação em UTI podem funcionar como grande fonte de estresse e conseqüentemente contribuir para uma atuação pouco eficiente e para um descontentamento profissional significativo por parte do psicólogo.

Faz-se necessário despertar nos profissionais, a importância da sistematização de suas práticas, da investigação de novos métodos e teorias que sustentem cada vez mais seus campos de atuação. Que o grande contingente de publicações de médicos e enfermeiros suscite nas demais categorias de saúde o investimento no campo científico.

Tentar despertar nos profissionais de saúde a consciência da relevância que têm a produção de estudos científicos em suas respectivas áreas resultará em grandes benefícios, para a equipe, que terá acesso a trabalhos produzidos pelos demais profissionais, a fim de consolidar a atuação interdisciplinar e acima de tudo uma atuação que contemple as diversas estruturas dos indivíduos.

É importante ressaltar as limitações deste estudo, que foi elaborado com o objetivo de analisar artigos on-line entre o período de 2006-2008, relacionados à saúde do psicólogo que atua na UTI, enfatizando o estresse na unidade. Porém, em função da carência de estudos sobre o tema, não foi possível abranger a totalidade dessa pesquisa. Esperava-se encontrar através da busca realizada especialmente na Revista Brasileira de Terapia Intensiva, especializada nesta área de atuação, uma quantidade significativa de publicações relacionadas à saúde do profissional que atua em terapia Intensiva e em especial o estresse do psicólogo na UTI, sendo encontrados poucos estudos sobre o tema e com prevalência de pesquisas autorais de médicos e enfermeiros, sendo estes também identificados como principais participantes desses estudos.

Sobre as peculiaridades do estresse em relação às categorias profissionais que exercem suas atividades na UTI não foi possível encontramos especificidades, em função da carência de estudos, na área. Percebeu-se que, nos estudos realizados, as categorias profissionais compartilham dos mesmos fatores de estresse presentes na UTI indicando conseqüências específicas na realização das atividades diárias.

Em relação aos possíveis fatores de estresse associados à prática dos profissionais de saúde, os estudos referem que no contexto hospitalar, os profissionais convivem com dor, sofrimento e morte, condições insalubres de trabalho, regras institucionais, horários de trabalho, características consideradas geradoras de estresse. Não foram encontrados resultados de estudos sobre os fatores de estresse do psicólogo relacionado à prática em UTI, o que enfatiza a importância da realização destes.

O estresse relacionado à prática dos profissionais de saúde em UTI pode ser considerado freqüente, visto que a UTI concentra características tanto ambientais como vivenciais que assumem um caráter potencializador ao desencadeamento desta síndrome. Por essa razão se faz necessário a realização de maiores estudos sobre o tema, para que os profissionais não lidem com o estresse de forma banal e considere-o como uma doença relacionada ao trabalho, e como toda doença, exige acompanhamento especializado e cuidado.

Os possíveis fatores de estresse referidos na tabela 2 estão relacionados à prática do psicólogo no contexto hospitalar, sem especificação à unidade de terapia intensiva, entretanto, podem ser associados às características ambientais e relacionais presentes no contexto de UTI, já citadas no decorrer do trabalho. Outra possível fonte de estresse pode ser identificada na relação do psicólogo com a equipe, visto que está exposto a entraves da sua inserção na equipe, pois a atuação neste contexto é recente, sugerindo que o psicólogo cada vez mais delimite o seu espaço e a sua contribuição no cuidado ao paciente e à família. Vale ressaltar que o espaço aqui referido não é apenas o físico, como uma sala reservada para a psicologia, mas o espaço enquanto lugar que ocupa na equipe.

Outro aspecto que pode ser considerado como fonte de estresse, é o contato constante com os chamados da equipe, que muitas vezes solicita a intervenção da psicologia para as mais variadas situações, que poderiam ser manejadas pela própria equipe gerando um desgaste emocional. Tal situação, entretanto, é fruto do desconhecimento do real papel do psicólogo no hospital, o que mais uma vez reitera a importância da realização de pesquisas na área, para que desta forma, os demais membros da equipe tenham clareza da atuação do psicólogo.

Podem ainda funcionar como fontes de estresse, a relação direta com o sofrimento psíquico demandado pelo paciente e pela família que sofrem com o impacto da hospitalização e com a nova condição que a doença possibilita. O estresse relacionado à prática do psicólogo em UTI, portanto se faz presente, seja pelas condições ambientais experimentadas na UTI, que como já mencionadas, favorecem o desencadeamento das doenças ocupacionais, assim como pelos atendimentos realizados com os pacientes e familiares.

Realizar este estudo foi uma via encontrada para suscitar discussões sobre o tema e incitar a relevância da realização de instituir as produções científicas no percurso dos acadêmicos em psicologia e profissionais. Bem como, atentar aos profissionais de saúde, em especial aos psicólogos sobre a necessidade do auto-cuidado da saúde física e psíquica ,a fim de minimizar as repercussões no trabalho e na qualidade de vida.

 

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Endereço para correspondência
Alice Borges Humildes Cruz da Silva
E-mail: aliceborgescruz@gmail.com

 

 

1 Instituição onde foi realizado o estudo: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – BAHIANA.

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