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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.1 Rio de Janeiro jun. 2017

 

ARTIGOS

 

A espiritualidade como estratégia de enfrentamento para familiares de pacientes adultos em cuidados paliativos

 

Spirituality as a coping strategy for families of adult patients in palliative care

 

 

Roberta Maria de Melo Barbosa1; Juliana Laís Pinto Ferreira2; Mônica Cristina Batista de Melo3; Juliana Monteiro Costa4

Faculdade Pernambucana de Saúde, Recife, PE, Brasil

 

 


RESUMO

A espiritualidade pode ser um suporte importante para o enfrentamento do luto dos familiares diante do processo de adoecimento dos pacientes em Cuidados Paliativos, aliviando o sofrimento e promovendo qualidade de vida. A pesquisa objetivou compreender como os familiares de pacientes adultos em Cuidados Paliativos expressam suas experiências de suporte espiritual. Trata-se de um estudo qualitativo, realizado no Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), cuja coleta de dados foi feita entre os meses de janeiro a março de 2016. Os familiares foram entrevistados e utilizou-se a Técnica de Análise de Conteúdo Temática para analisar os resultados. Participaram dez familiares, com idades entre 26 e 62 anos, todos cristãos. Foi identificado que a espiritualidade atua como forma de enfrentar o adoecimento, contribui para que os familiares dos pacientes deem sentido para o sofrimento causado pelas doenças terminais, ajuda pacientes e familiares a encontrar significados para suas experiências e ainda se coloca como um desafio para os profissionais de saúde.

Palavras-chave: cuidados paliativos; suporte espiritual; espiritualidade; família.


ABSTRACT

Spirituality can be an important support for families coping with mourning in face of the process of sickness of patients in Palliative Care, relieving suffering and promoting life quality. The research aimed to comprehend how families of adults in Palliative Care express their experiences of spiritual support. It is a qualitative study, conducted in Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), for which data were collected between january and march of 2016. Family members were interviewed and Minayo’s Thematic Content Analysis were utilized to analyse the results. Ten relatives participated, aged between 26 and 62, all christians. It was identified that spirituality acts as a way of facing illness. Moreover, spirituality can contribute so that patients and members of the family are able to find meaning for the experiences and suffering caused by terminal illness. However, spirituality still stands as a challenge to health professionals.

Keywords: palliative care; spiritual support; spirituality; family.


 

 

Introdução

O termo "paliativo" deriva do latim pallium, significa manto. Etimologicamente, cuidados paliativos significa prover um manto e aquecer "aqueles que passam frio", uma vez que os pacientes não podem mais ser ajudados pela medicina curativa (Pessini & Bertachini, 2005).

Os Cuidados Paliativos surgiram no século XX, em Londres, Reino Unido, a partir dos trabalhos de Cicely Saunders, que sistematizou conhecimentos relativos ao sofrimento experienciado no final da vida, incluindo aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais do doente e de pessoas próximas a ele. No Brasil, surgiram no fim dos anos 80, no Rio Grande do Sul, com a criação do Serviço de Cuidados Paliativos que foi anexado ao Serviço da Dor no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Silva, 2011).

Os Cuidados Paliativos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (2002), buscam aprimorar a qualidade de vida de pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, tratamento da dor e outros problemas de ordem biopsicossocial e espiritual. No Brasil, o Sistema Único de Saúde, através de ações, vem estimulando as práticas dos Cuidados Paliativos (Lima, Silva & Silva, 2009).

Desde os tempos mais remotos, a sociedade oferece apoio e cuidado aos seus membros que estão doentes ou morrendo, sendo esse cuidado acompanhado de uma profunda reverência de ordem espiritual (Pessini & Bertachini, 2005). Dessa forma, a espiritualidade proporciona uma forma de resiliência para enfrentar as dificuldades de ordem psíquica e física (Lima et al., 2009). Por definição, a religião está ligada a doutrinas e rituais específicos ao longo de sua expressão histórica. Já a espiritualidade está voltada para a experiência profunda e sempre inovadora do encontro vivo com Deus (Bertachini & Pessini, 2010). Essa experiência transcende aos sofrimentos vividos através da atribuição de sentido à existência humana.

A dor pode ser definida como uma perturbação em determinada parte do corpo. Já o sofrimento é um conceito mais abrangente e complexo, pois atinge o todo da pessoa. Enquanto a dor pode ser controlada através de medicamentos, o sofrimento clama por sentido (Bertachini & Pessini, 2010).

Nesse contexto, a espiritualidade refere-se à busca pelo sentido, que transcende o sofrimento enfrentado na vida, é subjetiva, diferente para cada indivíduo, pois está relacionada ao autoconhecimento, além da conexão pessoal a uma força maior e propósito de vida. A palavra espírito deriva do hebraico ruah, que significa "sopro", literalmente associado a sopro de vida (Silva, 2011). A religião seria posterior à espiritualidade, pois diz respeito a um conjunto de crenças e práticas rituais que caracterizam um grupo que procura dar um significado às situações vivenciadas (Bertachini & Pessini, 2010).

A doença desencadeia a procura de significados, a busca pela compreensão dessa vivência avassaladora. As crenças espirituais e religiosas oferecem suporte emocional, social e motivação, além de promover estilos de vida mais saudáveis. Neste sentido, conhecer as crenças do paciente e seus familiares é fundamental para que o profissional de saúde compreenda de forma mais profunda suas necessidades (Bouso, Poles, Serafim & Miranda, 2011).

Ajudar pacientes e familiares a encontrar significados para suas experiências é encarado como um desafio para os profissionais de saúde, que sentem não ter preparo para lidar com a dimensão espiritual, já que a formação na área de saúde não tem como objetivo preparar o futuro profissional para lidar com esse aspecto (Bouso et al., 2011). Por esse motivo, o interesse acerca da espiritualidade tem aumentado e, consequentemente, a tendência de que a dimensão espiritual e filosófica seja incorporada na assistência da saúde também.

Já que o sofrimento não atinge apenas a pessoa que está doente, a intensificação do mesmo pode influenciar toda a qualidade de vida da família (Angelo, 2010). O envolvimento da família é necessário, uma vez que ela exerce papel fundamental no crescimento e desenvolvimento dos indivíduos. Em caso de diagnóstico de doença sem possibilidade de cura, a família sofre o impacto doloroso junto ao doente. Cada família também mostra reações distintas como: negação, reserva ou fechamento ao diálogo (Ferreira, Souza & Stuchi, 2008).

O doente passa a ser o foco de atenção e a família desenvolve várias formas de apoio, modificando seu funcionamento. Assim a família mostra ao doente que ele não enfrentará as dificuldades sozinho, além de melhorar a qualidade da vida que lhe resta (Ferreira et al., 2008). Diante disso, a espiritualidade pode emergir como componente gerador de esperança para o paciente e sua família, auxiliando-os no enfrentamento das dificuldades (Angelo, 2010). Para lidar com o sofrimento, a família atribui significado a ele. Esse significado é construído a partir de experiências interacionais entre o mundo interior de cada membro familiar e seu meio sociocultural, incluindo seu passado e suas expectativas em relação ao futuro, sendo a espiritualidade a principal busca de suporte para obter o significado para a doença (Angelo, 2010).

A espiritualidade mostra-se condutora dos comportamentos dos familiares ao se moverem para um estado de adaptação e ajustamento à doença, ou seja, dependendo da crença espiritual da família, o significado dado à doença faz com que o enfrentamento dessas situações seja mais fácil ou não (Bouso et al., 2011), pois possui atributos como a fonte de enfrentamento e de conforto, aliviando o sofrimento (Silva, 2011).

Na situação de doença a família pode atribuir a Deus a causa do evento e a possibilidade de superação da experiência. Ao aceitar a situação de sofrimento torna-se mais fácil seguir adiante, eliminando a responsabilidade em relação à doença. Quanto mais apegada aos aspectos espirituais, mais a família identifica recursos e mantém sua energia para levar a situação estressante de doença adiante (Bouso et al., 2011). A crença espiritual não tem poder de resolver a situação instantaneamente, mas sim, de ir renovando as energias para que a família vá identificando recursos e aprendendo a lidar com as situações (Bouso et al., 2011).

Para entendermos a família no contexto da doença, podemos recorrer ao modelo do móbile, criado por Allmond, Buckman e Gofman (1979). A família representa o móbile, e cada membro é uma peça do brinquedo. Por mais diferentes que as peças sejam, cada uma delas é feita para ocupar um lugar específico que tem como resultado o equilíbrio. A doença desequilibra o sistema familiar, assim como se o móbile fosse removido ou modificado por alguém (Lima et al., 2009).

Cuidar de um doente em fase terminal representa, além de um desafio, uma sobrecarga familiar, que é acompanhada de um grande impacto emocional (Neto, 2003). Existem algumas concepções acerca dos cuidados paliativos que são: a qualidade de vida, pois diante de doenças terminais é imprescindível preservar a qualidade de vida, que é alcançada através do conforto, alívio e controle dos sintomas, suporte espiritual e psicossocial; a utilização de uma abordagem humanista e valorização da vida; além de se ter uma abordagem multidisciplinar que objetiva promover o cuidado integral e dignidade no processo de morrer (Silva & Sudigursky, 2008).

Deve-se prezar por questões éticas, como a autonomia para decidir sobre a vida, não abreviação da vida ou prolongamento artificial, promover a beneficência, a não maleficência e a justiça. É necessário a espiritualidade e apoio durante o luto, pois nesse processo sabe-se que tanto o indivíduo que está morrendo quanto a sua família, estão enfrentando questões de natureza existencial nas quais suas crenças e seus valores exercem uma forte influência no processo do morrer. Daí surge a necessidade da equipe multidisciplinar aliviar o sofrimento em todos os outros aspectos. A comunicação é também um elemento eficaz do cuidado com o paciente em fase terminal, além de ser uma ferramenta essencial do cuidar e uma forma de promoção dos cuidados paliativos (Silva & Sudigursky, 2008).

Diante desse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo compreender como familiares de adultos em Cuidados Paliativos expressam suas experiências de suporte espiritual.

 

Método

Realizou-se um estudo qualitativo no Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). No período de janeiro a março de 2016, os familiares dos pacientes em Cuidados Paliativos foram entrevistados, as entrevistas foram gravadas e transcritas. Utilizou-se a Técnica de Análise de Conteúdo Temática de Minayo (Minayo, 2004) e o critério de saturação de temas (Turato, 2003). O projeto foi submetido ao comitê de ética e pesquisa do IMIP, parecer número: 1.319.560.

É importante ressaltar que os critérios de inclusão foram familiares que estivessem como acompanhantes no setor de cuidados paliativos do IMIP e que possuíssem idade superior ou igual a 18 anos. Não foram incluídos no estudo, acompanhantes menores de idade e que não são familiares.

A entrevista foi composta pelas seguintes questões: Como você se sente sendo acompanhante? O que você sente quando está cuidando? Você se apoia em algum tipo de força para lhe ajudar a enfrentar esse momento? Se apoia de que forma? E o que é espiritualidade para você? Como a espiritualidade aparece na sua rotina, no seu dia a dia? O que você pensa sobre a participação das crenças religiosas durante a situação do adoecimento? Existe alguma relação entre espiritualidade e a maneira de enfrentar essa doença? Você deixaria alguma mensagem para alguém que está passando pela mesma situação?

 

Resultados e Discussão

A entrevista foi realizada com dez acompanhantes, sendo oito do sexo feminino. A idade variou entre 26 e 62 anos. Com relação à escolaridade, seis dos participantes tinham primeiro grau incompleto. Dois dos participantes tinham segundo grau completo e outro familiar tinha ensino superior completo. Seis participantes afirmaram serem donas de casa ou domésticas. Quanto ao parentesco, oito dos participantes eram cônjuges ou filhos dos pacientes.

No que se refere à religião, todos os participantes eram cristãos (evangélicos, protestantes ou católicos). Apenas um afirmou não ter religião, porém, durante a entrevista, disse ter espiritualidade e que costumava frequentar a igreja. Em outros estudos pode-se verificar semelhança com esta população em relação à religião, pois a maioria são cristãos, sendo católicos, evangélicos e alguns indefinidos (Angelo, 2010).

No grupo estudado, em relação aos sentimentos da função de cuidador, os familiares afirmavam ter sentimentos de ambiguidade; variava de acordo com o referencial, sendo ele a possibilidade de oferecer o cuidado ou a impotência diante do quadro. Em geral, o tempo em que a pessoa exercia o cuidado era curto, porém é importante considerar que esse cuidado é intenso e muitas vezes cansativo, como uma das participantes afirmou. A força de apoio era relacionada à fé, a Deus e à família. A maior dificuldade observada durante a entrevista foi compreender, por parte dos cuidadores, o conceito de espiritualidade, relacionado ao sobrenatural e ao espiritismo. Entretanto, em relação a como a espiritualidade aparece no dia a dia, os participantes mostraram mais segurança em suas afirmações, dizendo que podem percebê-la através das atitudes das pessoas ao seu redor, bem como na força que sentem em momentos de sofrimento. Mostraram acreditar no papel das crenças religiosas na situação de adoecimento, afirmando que todas devem ser respeitadas (incluindo as próprias) e são essenciais para os momentos difíceis. Por fim, os entrevistados afirmaram que utilizam a espiritualidade como uma forma de enfrentar o adoecimento do familiar.

Foram identificadas sete temáticas que serão apresentadas a seguir:

Sentimentos em Relação ao Papel de Cuidador/ Sentimento ao Exercer o Cuidado

Em relação a esta temática, podem ser percebidos sentimentos contraditórios por parte dos cuidadores. Dentre os sentimentos positivos surgiram: bem-estar, prazer, satisfação, conforto, confiança, privilégio, os quais podem ser tidos como uma forma de estar ao lado de seu ente querido o maior tempo possível. Mesmo que seja uma tarefa árdua, a relação de afeto existente entre o cuidador e o paciente torna esse cuidar um ato de amor e de prazer. Conforme pode ser observado em algumas falas:

Eu me sinto privilegiada, não pela doença que ela tá, mas me sinto privilegiada em poder estar ali com ela, ao lado dela. (Sarai)

Eu me sinto satisfeita. Entendeu? Por estar cuidando da minha mãe, eu posso ajudar o próximo… (Noemi)

Diante desses resultados é possível pensar que esses sentimentos também podem estar relacionados à tentativa de atribuir um sentido para aquilo que se faz e um significado para o sofrimento vivenciado por esse familiar. Esse movimento dos participantes pode ser justificado através do que Soares (2007) comenta: em situações de terminalidade, os familiares têm necessidades tais como estar próximo ao paciente, sentir-se útil e encontrar um significado para o adoecimento e, consequentemente, para a morte do paciente.

Entre os sentimentos negativos vivenciados pelos acompanhantes, podem ser citados a tristeza e a impotência: "É... Fico assim sem poder fazer muita coisa né... Sem poder fazer mais nada, é só apoiar mesmo." (Raquel). É possível que estes sentimentos negativos estejam relacionados ao fato de não haver possibilidade de cura, diante do quadro clínico apresentado.

Outra forma de entender os sentimentos dos participantes é supor que, à medida que cuida, o familiar apresenta seus próprios sentimentos, sendo estes uma maneira de interpretar a situação (Ferreira et al., 2008). E quando os sentimentos em relação ao papel de cuidador são semelhantes ao de exercer o cuidado, alguns familiares descrevem essa experiência como prazerosa, um ato de amor, carinho. Porém, outros relataram ser uma experiência dolorosa, que causa sofrimento e tristeza, pois a ameaça da morte leva o familiar a ter que aceitar a perda do outro, além de conviver com a realidade da sua própria finitude (Fratezi, 2011).

Em Que Tipo de Força se Apoia/ de Que Forma

Em situações de adoecimento, os familiares buscam a espiritualidade como uma forma de enfrentamento e de suporte emocional, como também para respostas das indagações que surgem durante esse processo (Bouso et al., 2011). A grande maioria dos familiares citaram "Deus" e "fé" como a força em que se apoiam para enfrentar essa fase.

Ele tá sendo a minha força e a dele. A nossa força é Ele. Sei que se não fosse a força Dele eu não estaria aqui. Eu não estaria suportando essa barra que eu tô suportando hoje. (Zipora)

E que Ele que é o dono da vida, possa se ele quiser também né? Sarar essa enfermidade né? Deus pode fazer, a gente sabe que ele pode né? Se Ele quiser, pode. (Suni)

Segundo a literatura, doença e morte podem se tornar situações de aproximação do divino como uma forma de resolução dos problemas (Bouso et al., 2011). De acordo com as entrevistas realizadas, os familiares não só viam o divino como um solucionador de problemas, mas sim como uma força que iria auxiliar no enfrentamento dessa fase. O que pode ser ilustrado na fala de um dos participantes: "E ao mesmo tempo, de uma maneira pra suportar." (David).

Diante desses resultados, pode-se perceber que a espiritualidade apareceu de forma unânime nas entrevistas, como forma de apoio para enfrentamento dessa fase, podendo ser considerada uma tentativa de alívio e consolo para o sofrimento, proporcionando certa conformidade com a situação. Esta pode ser considerada como essencial para auxiliar os cuidadores a lidarem com o processo de morrer dos pacientes fora de possibilidades terapêuticas, bem como com os encargos advindos da tarefa de cuidar (Silva, 2011). Os familiares relatam que se sentem confortados e fortalecidos quando recorrem à espiritualidade (Pereira, 2007).

Como Vê a Participação Das Crenças na Situação Que Está Vivenciando

Com relação a essa temática, pode-se perceber que as narrativas dos familiares foram positivas acerca da participação das suas crenças religiosas durante a situação de adoecimento. Os relatos sinalizaram a espiritualidade e as suas crenças como sendo fundamentais, ajudando e os fortalecendo durante essa fase.

Eu penso assim, que ajuda muito a gente, a gente se apega com Deus, pede força a ele, ele que dar força pra nós enfrentarmos essa situação que está ai na nossa frente, então, sem ele, não é possível. (Suni)

Os suportes encontrados nas diferentes religiões ajudam a confortar as famílias nas experiências inesperadas de doença e morte com explicações de que estas experiências trazem consequências positivas para a vida da família como uma forma de crescimento, fortalecimento, de regeneração ou de evolução (Fratezi, 2011). Uma das participantes cita a fé como uma estratégia de fortalecimento durante esta fase terminal de seu familiar. "Eu acho que é isso que fortalece a gente" (Ester)

É possível pensar também que em momentos de fragilização, de doença, de dor, o enfrentamento religioso é utilizado como fonte de conforto proporcionando um controle que vai além do humano; no momento em que o paciente atribui esse controle a um ser supremo, ele se "liberta", reduzindo assim sua ansiedade e medo (Pereira, 2007). No conteúdo dos relatos abaixo, pode-se perceber essa entrega:

...tudo vai se ajeitar do jeito que Deus quiser. (Raquel)

E eu creio que Deus desde o primeiro momento tá no controle. Tá me ajudando emocionalmente... (Zípora)

Divergências e Pontos em Comum Quanto à Definição de Espiritualidade

A espiritualidade, de modo geral, foi percebida de forma positiva pelos familiares. Apenas um dos participantes não tentou defini-la. Cinco deles afirmaram que a espiritualidade é ter fé e crer em Deus, que seria o espírito de luz:

Espiritualidade pra mim (...) eu acho que Deus é o espírito de luz que tá sempre do nosso lado. Eu acredito nisso. E na força que existe e nos fortalece pra enfrentar essa batalha que tá sempre do nosso lado. (Ester)

E dois participantes relacionaram a espiritualidade com o espiritismo, mostrando uma possível associação entre os termos, que podem ser confusos para quem não os conhece. Os mesmos relataram que a espiritualidade é algo misterioso, sobrenatural, que não pode ser visto, definido ou compreendido. Um dos participantes relacionou a espiritualidade com a paz interior:

Ah, a espiritualidade pra mim é a gente crer em algo que a gente não vê, uma coisa sobrenatural assim, que a gente sabe que existe, a gente sente, mas não vê. (Suni)

De acordo com Pessini & Bertachini (2005), "espírito" deriva do hebraico ruah, que significa "sopro". Como sopro está associado com vida, espiritualidade seria "o sopro de vida". Dessa forma, "espiritualidade" é tida como um termo muito mais amplo que "religião", que diz respeito a tradições e ritos específicos para cada cultura e história de um determinado grupo. E a espiritualidade também pode ser entendida como uma forma de resiliência para os familiares enfrentarem as dificuldades (Pessini & Bertachini, 2005; Silva, 2011; Bertachini & Pessini, 2010).

Através do relato dos participantes, observa-se que, mesmo percebida de forma diferente por cada indivíduo, a espiritualidade pode aparecer como fonte de conforto, conexão com Deus e com a fé, como foi evidenciado pelos participantes, ou, ainda, como essência do ser, transcendência e autoconhecimento, pontos que não foram identificados no discurso dos entrevistados.

Existem muitas definições de espiritualidade, mas nenhuma delas esgota a riqueza desse conceito, especialmente na saúde, quando na atualidade começam a surgir muitos estudos sobre a fé, a religião e/ou a espiritualidade no processo de cura, recuperação da saúde e bem-estar humano e no final da vida (Pessini & Bertachini, 2005). Vale citar que a "dificuldade" apresentada pelos participantes ao definir espiritualidade pode estar relacionada à "novidade" desse tema, que apresenta uma discussão que não seja voltada especificamente para a religião e sim à espiritualidade. Como não é um assunto comum na graduação em profissões da saúde, não só os pacientes e seus familiares, mas também os profissionais, de modo geral, apresentam dificuldades para compreender e saber agir diante de questões voltadas à espiritualidade (Pessini & Bertachini, 2005).

Forma Como a Espiritualidade Aparece no Dia-a-Dia

Em relação à vivência da espiritualidade, a percepção dos participantes se mostrou bastante diversificada, se estendendo desde os sentimentos vivenciados em sua rotina como cuidadores até ações executadas pelas pessoas ao seu redor. Quanto aos sentimentos, os que foram citados pelos familiares foram: amor, fé, paciência, tranquilidade, suporte e força:

(...) quem tem Deus no coração tem tudo, porque ele dá uma força muito grande à gente, dá aquela paz dentro da gente mesmo com tanta dificuldade, e, mas a gente consegue ter paz, a gente entrega na mão Dele, confia, isso é fé, é amor... (Suni)

Essa espiritualidade aparece pra mim como toda a força que tá dentro de mim. É como assim: tem algo do outro lado com a mão poderosa que me acolheu. (Ester)

Alguns participantes, em suas falas, demonstraram que a espiritualidade pode ser percebida através de ações. Elas incluiriam: orações, comportamentos que "façam o bem", histórias de amigos e intervenção de outras pessoas, conhecidas ou não, em suas vidas:

(...) sempre vem uma pessoa amiga, eu acho que é enviada por Deus, né, que diz, que dá um conselho, que dá calma, então eu acho que é assim. Eu acho que o Deus é assim, sempre bota alguém no caminho da gente. Pra levantar nosso astral né. Porque não é fácil estar numa situação dessa, e você não poder fazer nada. (Lídia)

Outros aspectos foram citados sobre a espiritualidade no dia a dia, como uma forma de intervenção divina, como predestinação, além de uma forma de atribuir significado a situações tidas como inexplicáveis e, também, em forma de pensamentos que surgem durante o dia:

Em forma de pensamentos, em forma de históricos, história de amigos, fatos e sem explicações. Acredito que essa espiritualidade se manifeste mais ou menos isso, dessa maneira. (David)

De acordo com Silva (2011), as práticas da espiritualidade no dia-a-dia são reveladas em ações religiosas, como ir à igreja, orar/rezar e ler escrituras sagradas, bem como em atividades que não sejam diretamente ligadas à religião, como se apoiar em familiares e amigos e exercer a caridade, que seria uma forma de "fazer o bem", como citado acima. Tais práticas espirituais estão relacionadas à busca de significado para o sofrimento e ao procura por respostas para questões existenciais do adoecimento na vida da família. Estão voltadas à esperança, que inspira coragem e pode ser uma forma de buscar uma saída para o sofrimento. Nos momentos de sofrimento, a família recorre a práticas significativas às suas crenças, sejam elas de natureza religiosa ou não (Angelo, 2010).

Em sua pesquisa, Bouso et al. (2011) identificou que as crenças e as práticas religiosas podem ser facilitadoras do enfrentamento do sofrimento vivenciado ou não. As crenças/práticas facilitadoras seriam as que se mostram condutoras de comportamentos para estados de adaptação e ajustamento à doença e à morte, como acreditar que a vida não termina no momento da morte. Uma das práticas atreladas a essa crença é a oração.

Já as crenças/práticas que dificultam o enfrentamento do processo de adoecimento seriam atreladas à culpa do adoecimento, como uma associação entre a doença e algo negativo. Diante disso, a doença pode ser encarada como punição, e a partir daí a família determina o grau de aceitação da doença e como lidar com a mesma. Acreditar que a doença é consequência das atitudes da própria pessoa, por exemplo, pode gerar sentimentos negativos e até atrapalhar o tratamento (Bouso et al., 2011). No discurso dos cuidadores, as práticas espirituais foram principalmente citadas de forma positiva e construtiva, mas é possível que elas sejam experienciadas de forma negativa em momentos de mais sofrimento, como no diagnóstico, por exemplo.

Relação Entre a Espiritualidade e a Forma de Enfrentar o Adoecimento

Quanto a essa temática, as falas dos participantes foram unânimes: todos afirmaram que a espiritualidade é um recurso utilizado para enfrentar o adoecimento. Isso pode demonstrar que, mesmo tendo diferentes percepções quanto à definição de espiritualidade e como ela é vista no dia a dia, essa pode ser uma ferramenta para fortalecer as diferentes pessoas que se deparam com a mesma situação:

A espiritualidade te ajuda de certa forma a encarar essa dificuldade. Como não tem uma outra explicação, ela fortalece em alguns momentos de fraqueza. (David)

Um dos cuidadores relatou que, além da espiritualidade ser positiva nesse momento, tudo o que acontece "é permissão de Deus", afirmação com a qual podemos refletir que a espiritualidade, ao mesmo tempo em que "permite" que situações negativas aconteçam, também serve como apoio para enfrentá-las:

Nada acontece na vida da gente se não for permissão de Deus, né? E muitas vezes a gente tem que passar por isso, eu penso assim, a gente tem que passar pelas dificuldades, nem tudo é só felicidade na vida da gente. (Suni)

Angelo (2010), em sua pesquisa, obteve resultados que evidenciaram que o sofrimento gerado pelo adoecimento desperta tanto o paciente quanto a família para uma nova abordagem da vida, e que a espiritualidade pode ter diferentes significados para a família na vivência da doença. Nesse contexto, o sofrimento demanda um sentido, que pode ser encontrado na espiritualidade. Ao dar significado a experiências estressantes, a família consegue transcender a experiência. As práticas espirituais, portanto, ajudariam a colocar esse sentido em prática (Angelo, 2010).

Além disso, é importante ressaltar que as ações de enfrentamento são limitadas pela pressão do evento, pelo sistema de crenças predominantes e pela avaliação de recursos disponíveis para enfrentá-los. Diante disso, a família vai fazer uso das estratégias de enfrentamento que são significativas para ela, da forma que puderem (Bouso et al., 2011).

No entanto, ajudar pacientes e familiares a encontrar significados para suas experiências ainda se coloca como um desafio para os profissionais de saúde, incluindo os psicólogos. Isso ocorre, especialmente, porque esse assunto é pouco abordado na literatura científica e nos cursos de graduação, gerando uma falta de preparação e segurança dos profissionais para lidar com esse tema. No entanto, essa realidade demanda busca por esse conhecimento por parte dos profissionais pois, além de fazer parte do cotidiano de quem trabalha nesse contexto, têm sido encontradas correlações entre a espiritualidade e reações positivas de enfrentamento na literatura, se apresentando como um fator protetivo de desenvolvimento de doenças (Silva, 2011; Lima et al., 2009; Bertachini & Pessini, 2010; Bouso et al., 2011; Angelo, 2010). Contudo, ainda há pouco questionamento acerca da perspectiva dos familiares nesse contexto.

 

Considerações Finais

A realização dessa pesquisa evidenciou que o sofrimento causado pelas doenças terminais sobre a família dos pacientes necessita de um sentido, sentido este que pode ser encontrado através da espiritualidade. Constatou-se que, assim como no estudo de Silva (2011), nos Cuidados Paliativos, a espiritualidade possui diversos significados para os familiares, assim como variações práticas que a caracterizam. Ao dar significado a experiências estressantes, a família pode transcender a experiência.

Faz-se necessário compreender que a espiritualidade afeta a saúde, tanto do paciente, quanto da família. Intervenções nesse sentido, como ouvir, estar presente, prover esperança e dar direção são exemplos de atitudes voltadas paro cuidado integral do paciente (Angelo, 2010).

Entretanto, ajudar pacientes e familiares a encontrar significados para suas experiências ainda se coloca como um desafio para os profissionais de saúde. Isso ocorre, especialmente, porque esse assunto é pouco abordado na literatura científica e nos cursos de graduação, gerando uma falta de preparo e segurança dos profissionais para lidar com esse tema.

Diante desse contexto, é importante considerar que a presente pesquisa apresenta algumas limitações. Estudos sobre a função da espiritualidade para a família dos pacientes continuam sendo necessários, especialmente os que se referem aos Cuidados Paliativos. Por fim, conclui-se que foi possível constatar a relevância desse estudo a fim de ampliar as discussões acerca da espiritualidade, possibilitando abordagens que incluam os aspectos espirituais dos familiares.

Desta maneira é de extrema importância que os profissionais de saúde conheçam e reconheçam a importância da espiritualidade diante de pacientes e familiares que estejam em situações de sofrimento, devido ao adoecimento e internamento em hospitais. Enquanto sujeito implicado no processo de cuidado, faz parte desse desafio reconhecer, respeitar e saber lidar com a dimensão espiritual do paciente, bem como de seus familiares. Nesse contexto, é imprescindível que este tema seja explorado e discutido, e para que haja uma disseminação deste debate, que é presente no cotidiano tanto de pacientes, quanto familiares e profissionais de saúde.

 

Referências

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1 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Pernambucana de Saúde – Recife – Pernambuco – E-mail: barbosarmm@gmail.com.
2 Estudante do curso de Psicologia da Faculdade Pernambucana de Saúde – Recife – Pernambuco – E-mail: juliana_laisp@hotmail.com.
3 Doutora em Saúde Materno Infantil pelo Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) e docente da Faculdade Pernambucana de Saúde – Recife – Pernambuco – E-mail: monicacbmelo@gmail.com.
4 Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco e docente da Faculdade Pernambucana de Saúde - Recife – Pernambuco – E-mail: jullymc@hotmail.com.

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