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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.2 Rio de Janeiro dez. 2017

 

ARTIGOS

 

O discurso do analista como possibilidade da Psicanálise Aplicada no hospital

 

The analyst's discourse as a possibility of Psychoanalysis Applied in the hospital

 

 

Alice Borges Humildes Cruz da Silva1

Campo Psicanalítico de Salvador

 

 


RESUMO

O hospital torna-se propício a um encontro entre o saber médico e o saber psicanalítico. Por um lado, se o discurso médico faz obstáculo à palavra do paciente e à sua singularidade, por outro, é necessário possibilitar um espaço à palavra daquele que sofre. Deve-se levar em consideração as variadas demandas dirigidas ao praticante da psicanálise, sendo necessário um saber sobre o manejo destas, para que o lugar e a função do praticante da psicanálise sejam alcançados. Desse modo, é possível sustentar a presença de um saber outro, diferente do saber médico. Assim, como opera o discurso do analista no hospital? Como se configura a transferência no hospital? O presente trabalho foi organizado em duas partes. A primeira intitulada "Discurso da Instituição: A Ordem Médica", onde se contextualizou o hospital como campo de atuação, privilegiando as peculiaridades do discurso médico. A segunda foi dedicada ao "Discurso do Analista na Instituição", tomando-o como possibilidade de laço e produtor de efeitos no hospital. As considerações finais apontam para a legitimação do hospital como um espaço fértil para a inserção do praticante da psicanálise, ratificando a possibilidade de aplicação do discurso do analista no hospital, sugerindo um modo peculiar de transferência.

Palavras-chave: psicanálise; hospital; transferência; discurso médico; discurso do analista.


ABSTRACT

The hospital is conducive to a meeting between medical and psychoanalytic knowledge. On one hand, medical speech makes obstacle to the patient's word and its uniqueness, on the other hand, it is necessary to give space to the voice of the one who suffers. It must be considered the variety of demands addressed to the practitioner of psychoanalysis, requiring knowledge on handling these demands, in order for the psychoanalyst's place and function to be achieved. According to this, it is possible to sustain the presence of a knowledge different from the one offered by the medical field. How does the analyst's speech operates in the hospital? How to set the transfer in the hospital? This paper was organized into two chapters. The first chapter "The Institution Speech: The Medical Order", contextualizes the hospital as a workplace, focusing on medical speech peculiarities. The second is dedicated to "The Analyst's Speech at the Institution", taking the analyst as a possible loop and effects producer at the hospital. The conclusions point to the hospital's legitimacy as a fertile space for the insertion of the psychoanalysis practitioner, confirming the possibility to apply the Analyst Speech in the hospital, suggesting a peculiar way of transfer.

Keywords: psychoanalysis; hospital; transfer; medical discourse; analyst's discourse.


 

 

Introdução

A inserção do praticante da psicanálise em instituições hospitalares mostra-se cada vez mais freqüente, exigindo uma atuação que não perca de vista o rigor ético e específico da clínica psicanalítica. Por esta razão, é preciso pensar a respeito do lugar construído pelo praticante da psicanálise no hospital, em um cenário onde as particularidades da clínica médica podem se mostrar avessas ao discurso psicanalítico.

Além disso, a entrada do praticante da psicanálise no hospital não implica que sua inserção foi, de fato, consumada. A inserção depende, principalmente, da sua formação e implicação com a psicanálise. No hospital, o psicólogo praticante da psicanálise deve sustentar o desejo singular dos pacientes, mesmo que esse desejo não esteja de acordo com o ideal de tratamento objetivado pela equipe multidisciplinar. Ou seja, por vezes, será necessário que o praticante, neste sentido, deva operar de outro lugar, que não o dos demais profissionais de saúde.

O praticante, ao atuar em múltiplos contextos, se vê às voltas com as inúmeras apresentações de demandas e sintomas – demandas que, às vezes, não se configuram como de análise e sintomas que não se articulam às estruturas clínicas da psicanálise. E é no hospital, legitimado como um espaço para o tratamento e cura, que tais configurações exigirão do praticante da psicanálise uma constante reflexão sobre a psicanálise aplicada, na tentativa de compreendê-la como uma psicanálise sempre aplicada ao particular, independente do contexto.

Na demanda da instituição hospitalar, de modo geral, aparece como exigência para o praticante da psicanálise produzir respostas rápidas e eficientes às situações cuja mensagem se traduz em colocar em ordem ou fazer desaparecer o que atrapalha o bom funcionamento da ordem médica e as normas e protocolos institucionais. O psicólogo praticante é comumente tentado pelos efeitos alienantes da instituição hospitalar a trabalhar como se espera dentro de uma posição médica. Contudo, ao contrário da ética médica, a de "fazer o bem", a ética da psicanálise privilegia o bem dizer, uma ética que aposta no singular, no um a um, ou seja, na contracorrente da ética do bem estar. As transformações ocorridas quebraram o domínio exclusivo do discurso médico, mas não chegaram a ameaçar sua hegemonia. Com o que o praticante vai trabalhar no hospital é justamente com aquilo que a medicina tenta excluir e não se propõe a tratar, mas que retorna e insiste. A possibilidade de interlocução entre psicanálise e medicina surge quando o saber do médico falha.

Em meio à marcada antinomia entre a psicanálise e a medicina, como opera o discurso do psicanalista que atravessa o campo de trabalho no hospital onde prevalecem os pedidos de colocar em ordem ou fazer desaparecer o mau funcionamento do paciente? Como pensar a transferência, eixo condutor de todo tratamento analítico, no hospital, e o modo como ela se estabelece? Este trabalho visa fomentar espaço para futuras e inesgotáveis discussões em torno da prática clínica dos psicólogos praticantes da psicanálise no hospital. Bem como uma possibilidade de dialogar junto a outros praticantes da psicanálise que também se inquietam quanto a sua inserção e atuação no hospital, que precisam (re)pensar e re(inventar) um fazer, sem perder de vista os pressupostos éticos da teoria psicanalítica, inerentes à psicanálise estrita, em intensão.

A hospitalização pode ser caracterizada como um momento de contato mais próximo com o sofrimento, dor, morte e, por isso, pode favorecer uma situação fecunda para a implicação do sujeito com a sua subjetividade. O espaço para o discurso psicanalítico no hospital surge privilegiando o campo da causa, e não do ideal, dando lugar à particularidade de cada um no que é vivido pelo coletivo. A oferta do praticante da psicanálise no hospital é a de possibilitar o encontro do paciente com a subjetividade, de modo que possa dar sentido à experiência de dor e sofrimento comumente reverberada com o advento da doença.

Desse modo, a oferta de escuta do praticante da psicanálise no hospital configura-se numa aposta. Aposta, sobretudo, no sujeito, possibilitando-o reencontrar a palavra frente ao real do adoecimento e hospitalização. Nesse sentido, é sabido que o paciente, a despeito de estar hospitalizado, ainda constitui-se como um ser social, e como tal, é regido por laços sociais. Desse modo, na instituição hospitalar, os vínculos também se apresentam e possuem marcas próprias. É com os efeitos desses laços que o psicólogo praticante da psicanálise irá se deparar na sua prática clinica na instituição. No que concerne ao estudo profícuo dos laços sociais constituídos entre os sujeitos, Lacan (1969/1992) para isto, estabeleceu os seguintes discursos: do mestre, da histérica, do universitário e do psicanalista – constituem relações, produzem laços específicos e promovem diversos efeitos e/ou sintomas. Serão privilegiados, neste estudo, alguns aspectos dos discursos do mestre e do analista - enfatizando que estes discursos constituem relações, produzem laços específicos e promovem diversos efeitos e/ou sintomas o que não significa que as demais formas de enlaçamento não estejam presentes no hospital.

Dessa forma, serão privilegiados, neste estudo, alguns aspectos dos discursos do mestre e do analista, o que não significa que as demais formas de enlaçamento não estejam presentes no hospital. A análise da teoria dos discursos não é o objetivo deste trabalho, contudo, a presença destes na instituição hospitalar é uma realidade e merece atenção para pensarmos os seus efeitos nas relações entre praticante da psicanálise, médicos, equipe, família e pacientes. Buscou-se, neste trabalho, situar a atuação do praticante da psicanálise no hospital tomando o discurso psicanalítico como operador.

Sendo assim, o presente trabalho foi organizado em duas partes. A primeira intitulada "Discurso da Instituição: A Ordem Médica", onde se contextualizou o hospital como campo de atuação, privilegiando as peculiaridades do discurso médico. A segunda foi dedicada ao "Discurso do Analista na Instituição", tomando o discurso do analista como possibilidade de laço e produtor de efeitos nas relações estabelecidas no hospital. Contribuições de psicanalistas inseridos na prática institucional foram de grande valia para a contemplação dos objetivos deste trabalho. As considerações finais apontam para a legitimação do hospital como um espaço fértil para a inserção do praticante da psicanálise, ratificando a possibilidade de aplicação do discurso do analista no hospital, sugerindo um modo peculiar de transferência. A pretensão é que as investigações sobre o tema não se esgotem, dada a sua relevância para a formação teórica e prática dos praticantes da psicanálise no campo hospitalar.

 

Discurso da instituição: a ordem médica

O nascimento do hospital como instrumento terapêutico dedicado à intervenção sobre a doença e o doente é datado no final do século XVI e a consciência de que o hospital poderia ser considerado um instrumento com a finalidade de curar, aparece em torno de 1780. O personagem do hospital, até século XVIII, não era o doente que precisava se tratar e se curar e sim o pobre que estava morrendo, e se enfatizava a feitiçaria, a demonologia e outras formas de tratamento (Foucault, 2001).

A Ordem Médica, ao longo da história, vem traduzindo o sofrimento do homem em dor, e quem tem dor procura o médico. É a ciência que detém o saber e a verdade sobre tudo, e a medicina, enquanto uma disciplina dentro da ciência, se destaca por abordar questões de vida e morte do homem. No hospital, o discurso do médico é um discurso do poder, uma vez que produz os significantes que darão valor de existência e sentido a um sintoma. Isto quer dizer que dará a palavra final sobre o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico do paciente. Clavreul (1983, p. 50) assinala que "é diante da doença e do doente que o médico deve, sobretudo, afirmar o seu poder". O poder médico é afirmado pela própria clínica, pelo ato médico propriamente dito. Ao discurso médico é confiado o poder na medida em que nomeia o real, o sofrimento do corpo e o horror. A medicina propõe restituir ou salvaguardar um estado de saúde conforme as normas sociais vigentes.

Acrescenta-se em Clavreul (1983) que os médicos participam do mito científico, de que é possível o acesso a um saber total sobre o corpo do doente e, portanto, enquanto submetido ao discurso do mestre, o médico buscará um saber integral sobre seu objeto, a doença. Defende que não são as manobras técnicas que dão ao médico o poder do mestre, mas o próprio discurso em que a medicina se constitui: "O discurso médico, frequentemente marcado pelo cientificismo e pela concepção do ser humano enquanto indivíduo eminentemente racional" (Alberti, Gonçalves & Beteille, 2011, p.167).

Também a partir das contribuições de Moretto (2001), acerca do discurso do mestre, apontam para a clara regência de leis próprias que impõem sua coerção tanto ao médico quanto ao próprio paciente. A autora enfatiza que a ordem médica está aí para ser cumprida e executada pelos médicos. A ciência realiza uma exclusão do sujeito da cena discursiva, que resta como elemento extraído, não por acaso, mas justo para que o discurso opere na sua forma própria (Erlich, 2007).

Desse modo, a medicina, se ocupa em descobrir uma verdade que dê conta de todas as manifestações dos organismos vivos e, para isto, se utiliza de novidades tecnológicas e está constantemente orientada por uma lógica de eficácia e produtividade. A partir dos achados na literatura, destaca-se que o saber científico sobre o corpo foi possível pelo surgimento da ciência moderna e por influência do positivismo. Em vista disso, a ciência instrumentaliza a medicina para que se torne portadora da verdade. O médico procurará um saber totalizado sobre seu objeto, a doença, legitimando que o que mais importa são os tipos de sintomas e não o sujeito. Por esta razão a concepção de sintoma dentro do discurso médico assinala para um conjunto de sinais que geralmente indicam uma desorganização orgânica – origem de alguma doença, levando a um diagnóstico. Neste caso, a conduta médica é eliminar o sintoma que gera dor, deterioração e sofrimento ao paciente.

Sobre o sintoma no campo médico, Moretto (2001) alude que, para a medicina, o sintoma, mesmo sendo apresentado e narrado pelo doente, é constituído pelo médico. Já que é ele quem observa, quem examina quem descreve e quem o nomeia. A medicina vai entender os sinais como manifestações objetivas das patologias. Do mesmo modo, Foucault (2001, p.98) desenvolveu a noção de sintoma no campo da medicina como "doença em estado manifesto", um signo para ser lido, portanto, o médico, como o detentor do conhecimento e da linguagem especializada, é capaz de traduzir o sintoma como sinal indicativo de uma determinada doença. Enfatiza que, para o médico, o paciente é apenas um evento exterior sobre aquilo de que sofre; a leitura médica só o leva em consideração a fim de colocá-lo entre parênteses.

Assim como o sintoma, o diagnóstico é um instrumento que marca o lugar de potência ocupado pelos médicos, uma vez que também é balizado pelas evidências objetivas /empíricas, agrupando e organizando um significante que o representará para a comunidade médica em geral. A partir desta perspectiva Sauri (2001, citado por Maesso, 2014) vai destacar sobre a semântica do termo diagnóstico, referindo que apesar de ser utilizado em outros campos de conhecimento, "houve restrição e fixação da significação do termo ao campo médico, que pode ser traduzido como, trabalho de conhecimento e reconhecimento de sinais, úteis para fixar alguma coisa" (Sauri, 2001, citado por Maesso, 2014, p. 434). Sendo assim, o autor vai apontar que o termo diagnóstico é entendido de modo geral, como próprio do campo médico, que designa uma etapa do ato médico que consiste em identificar a doença através dos sinais ou sintomas.

Da mesma maneira, para Clavreul (1983), não há dúvidas quanto à filiação do discurso médico ao discurso do mestre. Ele afirma que, antes de tudo, a medicina instaura uma ordem, e essa ordem é do discurso. O autor descreve o discurso médico como um discurso sobre a doença e não sobre o homem. Configura este discurso como o que orienta e sustenta a posição de mestria: "Os médicos são seus executantes, seus funcionários" (Clavreul, 1983, p.22). Assim, o autor aponta para uma aproximação entre a estrutura do discurso médico e a estrutura do discurso do mestre, ao advertir que a etapa do diagnóstico se constitui como um ato de mestria.

Partindo da representação escrita do discurso do mestre (Figura 1) elaborado por Lacan, (1966, citado por Maesso, 2014), propõe uma articulação ao ato de diagnosticar realizado pelo médico no hospital (Figura 2), ao dizer que o diagnóstico é uma possibilidade de simbolização do real, contudo, não todo o real. Com isto, o autor aspirou evidenciar quais as implicações deste ato para o sujeito. Enfatiza que, neste discurso, há uma exclusão da subjetividade a fim de privilegiar a objetividade científica. Ao representar a escrita do discurso do mestre através do ato do diagnóstico, constata como produto desta relação o desaparecimento do sujeito, dada sua identificação ao nome da doença.

Acrescenta que:

o discurso do mestre exclui a fantasia, com isso, não contempla a relação entre o sujeito e o objeto causa de desejo (a). O mais-de-gozar aparece do lado do paciente como um alívio em ter seu enigma sintomático nomeado e legitimado pelo Outro. Na experiência do ato diagnóstico, o sintoma passa a ser dominado pelo significado, oriundo do saber médico. "O produto do discurso do mestre e a constituição de um objeto: a doença, como vimos, para o discurso médico. O objeto vem ocupar o lugar do objeto "a" como lugar do desconhecido do desejo" (Clavreul, 1983, p. 90).

 

 

 

Com relação à ciência Alberti, Gonçalves e Beteille (2011) sublinham que os avanços tecnológicos no campo da medicina são utilizados na tentativa de localizar o mal-estar do paciente. Essas tecnologias, geralmente, funcionam como verdadeiras crenças de que através delas o médico poderá descobrir o mal do qual o paciente se queixa e sofre, sem levar em conta o que o próprio sujeito diz. Os autores destacam que, na prática da medicina, observa-se muitas vezes a foraclusão do sujeito quando tal prática estuda, unicamente, resultados de exames. Do mesmo modo que as contribuições de Erlich (2007) sugerem que o paciente, ao ser reduzido a um diagnóstico, é destituído de qualquer referência singular, e que é a doença o objeto de investigação da medicina e não o doente. Aponta que o saber sobre o psiquismo é convocado quando o sintoma apresentado pelo paciente extrapola a etiologia orgânica. Isto quer dizer que a psicanálise surge nos furos do saber médico como ponto limite da clínica médica. As manifestações sintomáticas apresentadas pelas histéricas atendidas por Freud já legitimavam um limite para as intervenções médicas, constituindo-se um campo fértil para a psicanálise.

Para Alberti e Elia (2008, p.788), a psicanálise pode ser considerada filha da ciência, ao passo que se fixa às determinações nomeadas por Descartes, segundo as quais "há um pensável e um impensável, um dizível e um indizível, um conceituável e um impossível a conceituar." Os autores destacam que, por essa razão, é que se pode dizer que a psicanálise encontrou um lugar na ciência por se ocupar do que ela exclui: o sujeito. Portanto "a psicanálise não é uma ciência uma vez que não visa evitar o erro e o engano e, sim, constituí-los como objetos." (Clavreul, 1983, p.33).

A discussão que fundamenta este estudo leva em consideração a presença dos discursos médico e da psicanálise no campo da psicanálise aplicada, onde o praticante da psicanálise está diretamente ligado às questões institucionais, interpelado pela coexistência de outros saberes. Sendo assim, verifica-se que o praticante da psicanálise é convocado a intervir junto ao paciente, a se posicionar junto à equipe de saúde e a responder à instituição empregadora. Assim sendo, pode-se constatar que o praticante da psicanálise no hospital está diante de uma tensão inevitável: entre o conjunto de regras institucionais (para todos) e o texto singular do sujeito (um a um) deverá se valer da ética psicanalítica a fim de evitar sua dissolução em meio a outros saberes.

 

Discurso do analista na instituição

No cenário que privilegia a doença, onde os diversos saberes buscam seu espaço de intervenção sobre o corpo do doente, a psicanálise atua considerando que em consonância com o adoecimento orgânico, há um sujeito, um sujeito singular, que experimenta o adoecimento de modo único. A direção do trabalho do praticante no campo hospitalar é marcada pela antinomia psicanálise-hospital.

No que tange à inserção da psicanálise em campos de atuação distintos, extra setting tradicional, Freud (1917-1919/1987) já se mostrava sensível à entrada da psicanálise no espaço institucional e à interlocução dos psicanalistas com outras disciplinas, no sentido de estender a clínica à população. Através da sua formação médica, já se ocupava do hospital como sendo um contexto fértil para o estudo do psiquismo de suas pacientes histéricas. Sugeriu que tanto os fenômenos psíquicos como os fenômenos orgânicos interferiam no processo de adoecimento, tomando o sintoma corporal como uma mensagem a ser decifrada. Sobre a possibilidade de aplicar a psicanálise à áreas afins, Lacan (1967/2003) concebe que o psicanalista deverá orientar seu trabalho a partir da ética da psicanálise, independentemente do contexto. Dentro desta perspectiva, propõe a articulação entre a psicanálise e áreas afins. O autor se ateve em descrever a práxis psicanalítica a partir da psicanálise pura e da psicanálise aplicada à terapêutica. Concebeu a psicanálise pura como aquela direcionada à formação do analista e a segunda, referindo-se à aplicação da psicanálise na psiquiatria e afins. A indicação de Lacan (1971/2003) é a de que a psicanálise em extensão, enquanto prática relaciona-se necessariamente com o que acontece na psicanálise em intensão, ou seja, da responsabilidade do analista no que diz respeito à sua análise didática, representadas pela análise pessoal, supervisão e estudo teórico. No que se refere à psicanálise em extensão, compreende-se tudo que se resume à função da Escola como representante da psicanálise no mundo, inclui-se todas as presentificações da psicanálise na mídia, nos livros, na universidade, a pesquisa em psicanálise, etc. Por psicanálise em intensão entende-se a didática, a preparação de operadores para ela, ou seja, o que conota a singularidade da experiência (clínica) psicanalítica.

Do mesmo modo, o exercício no campo da psicanálise aplicada, de acordo com Dutra e Franco (2007), implica necessariamente a passagem do analista pela psicanálise pura, sustentada pelo tripé análise pessoal, supervisão e estudo teórico. Os autores corroboram que a prática da psicanálise aplicada, deverá se valer do mesmo rigor e da mesma ética que orienta a psicanálise pura. O risco de dissolução da psicanálise no campo da instituição das especialidades poderá ser impedido, desde que se leve sempre em conta a formação do analista.

Quanto mais estamos distantes do divã, quanto mais a psicanálise se afasta da situação onde ela tradicionalmente opera, quanto mais, enfim, os analistas são encontrados, por exemplo, na saúde pública, nos serviços educacionais e de reabilitação social, mais próximos estamos do real que interessa à experiência analítica tratar (Cottet, 2003, citado por Laia, 2012, p. 06).

Em conformidade, Naveau (2007, p.10) afirma que não há obstáculos para que a psicanálise aplicada seja praticada em campos extraconsultório, contudo, adverte que "estamos na encruzilhada de duas distinções: de um lado, a que Lacan introduziu entre a psicanálise pura e a psicanálise aplicada à terapêutica; do outro, a que os praticantes estabelecem usualmente entre a prática em consultório e a prática na instituição". Vai indicar que a psicanálise realizada em consultório não é um lugar privilegiado da psicanálise pura e que a prática na instituição seja uma psicanálise impura, demonstrando que a prática em consultório, é também dedicada à psicanálise aplicada. Por isso, no campo institucional, a direção do tratamento do paciente, por ventura, pode causar efeitos que não condizem com os ideais da instituição. No caso do hospital, por ser gerido pelo discurso do mestre, com seu caráter universalizante, tentam padrozinar, ordenar e categorizar. Por exemplo, para um paciente crônico que não quer aderir a um tratamento medicamentoso, diferente do habitual, sugerir que o paciente possa "bancar" o seu desejo e responsabilizar-se por ele, mesmo naquela situação específica, pode não estar de acordo com lógica que rege a equipe de saúde.

Nessas situações, como enfatiza Guéguem (2007), o praticante deverá sustentar a lógica do caso junto à equipe a fim de assegurar as condições de eficácia do seu ato, na tentativa de fazer circular o fazer do praticante da psicanálise instaurando-se, na maioria das vezes, uma transferência de trabalho, favorável na condução do caso entre a equipe. Igualmente sobre o alcance da psicanálise para além dos limites do consultório, Ramos e Nicolau (2013) chamam atenção acerca do saber fazer do praticante da psicanálise na instituição de saúde, utilizam para a discussão a teoria dos discursos, formulada por Lacan, privilegiando o discurso do analista (Figura 3) como o único possível para a emergência do sujeito na instituição. Os autores sugerem que ao ser incluído no discurso, há uma predileção do bem dizer e do desejo, propiciando um saber singular. Agenciar o discurso como objeto é apresentar-se como o efeito mais opaco do discurso, ou seja, oferecer-se como objeto causa de desejo.

 

 

A propósito, os autores destacam outra particularidade do discurso do analista que merece atenção: é o único discurso que toma o lugar do outro como sujeito $, o que permite que se apresente a partir desta reação, a sua singularidade, que possa advir um sujeito do inconsciente. O analista, a partir do discurso do analista, será capaz de se colocar na posição de objeto a fim de provocar o desejo. A partir deste discurso, o lugar do S2 assume características de uma mola propulsora, na tentativa de possibilitar que algo se desenlace no encontro entre o praticante e o paciente à medida que sujeito supõe que o agente (analista) detém um saber sobre ele, sua função primordial é a de provocar o desejo de saber do lado do paciente.

A respeito da psicanálise aplicada no hospital, Moretto (2001) marca que a posição do praticante no hospital é a de ofertar, e não a de confortar. Tampouco recuar, diante do hospital. A autora enfatiza que, no hospital, o lugar do praticante é, de vez em quando, o de provocar a fala. E, caso o praticante não se sinta confortável em oferecer esta escuta, que este reveja sua posição, porque o que faz o praticante é, justamente, oferecer-se. É ao oferecer a escuta que o praticante da psicanálise precisa ter claro qual o seu propósito no hospital, já que uma intervenção no hospital não propõe uma finalização de uma análise, uma psicanálise pura. No entanto, aposta que há um sujeito desejante por trás do adoecimento.

Do mesmo modo que o discurso do analista aplicado no hospital, de acordo com Elia (2008), remete a uma questão relevante: a do começo e do fim do tratamento. Aponta que, assim como no consultório, não há garantias que isso se dê. Uma oferta da escuta psicanalítica no hospital pode vir ou não a se tornar uma análise. Existem casos em que o encontro entre o praticante e o paciente não terá seguimento: o "paciente" veio verificar que preferia seu sintoma a tudo – a psicanálise não é para todos (Guéguem, 2007, p. 20).

O que se deve levar em consideração é o desejo do paciente de se implicar no seu próprio discurso, tentando desvendar seus enigmas, permitindo que seu inconsciente se apresente a partir da sua fala. Ressalta que as intervenções do praticante no hospital vão transmitir uma marca e uma ordenação do sujeito ao tratar com o real. Desse modo, a intervenção objetiva privilegiar uma mudança de posição, onde o paciente consiga subjetivar outro tempo – o tempo de compreender o processo de adoecimento e hospitalização.

Neste sentido, no campo institucional, deve-se considerar a força do ato analítico e a sua repercussão no campo do sujeito, uma vez que Abreu (2009) ressaltou que o ato diz respeito ao saber fazer do praticante da psicanálise, que vai além da nomeação da função, além do estabelecimento da sessão, seja aos moldes da psicanálise pura ou aplicada, no consultório ou na instituição, só ou entre vários. Como bem advertiu Cottet (2007, p.28): "não existe condição ideal para o ato analítico, nem quadro acadêmico, nem tipo clínico privilegiado". Deste modo, o ato analítico pode ser definido pela pureza dos meios e dos fins, e não pelo enquadre.

Sob o mesmo ponto de vista, a função do praticante da psicanálise no hospital, de acordo Mohallem (2003), objetiva construir uma direção para que o sujeito, diante do adoecimento, do vazio, da angústia, possa fazer borda pela via do desejo. Para a autora, os momentos vividos pelo paciente no hospital podem também ser o momento para a oferta do praticante, que através da sua presença, pode possibilitar o surgimento de uma demanda, mesmo não sendo uma demanda de tratamento psicanalítico, ao menos uma demanda de escuta dos conteúdos de dor, sofrimento, perdas e o que mais possa advir na associação do paciente. O autor aponta que a direção do trabalho do praticante tem como efeito a inclusão do um a um, para que cada sujeito possa existir no que existe de mais singular.

Assim, o trabalho com a subjetividade no hospital não pode denegar os progressos da ciência, tampouco os seus benefícios para o coletivo. Os praticantes da psicanálise, assim como os demais profissionais que atuam no hospital, são invariavelmente solicitados a intervir em situações de crise, a agir com certa rapidez. Essa atuação fomenta uma aposta, um momento onde o sujeito possa simbolizar, dentro dos seus recursos psíquicos. Por ser considerado um sujeito do inconsciente, da fala e do ato, as manifestações do inconsciente traduzem a verdade de um desejo inconsciente que poderão ser apreendidas pelo praticante também no hospital.

Bem como, na instituição de saúde, o paciente, de modo geral, se apresenta incrustado em seu sintoma, em seu desamparo. O médico é o principal depositário do pedido de alívio e da dor e sofrimento do paciente. Assim, o sintoma, para a psicanálise, pode ser considerado como uma saída do sujeito frente ao sofrimento psíquico. Moretto (2001) vai dizer que, no campo da psicanálise, não se trata de vencer os sintomas, mas sim de interpretá-los, já que dizem respeito à verdade do sujeito. O sintoma pela psicanálise revela não a verdade da doença, no entanto a verdade do sujeito do inconsciente, já que busca apreender no sintoma, o desejo inconsciente. Portanto, o lugar do praticante da psicanálise, na posição de semblante de objeto (a) vem se reinventando, a fim de atender às novas formas de mal-estares que também se apresentam no cenário hospitalar. Sobre essa questão, Laurent (2011) adverte que ao praticante da psicanálise inserido na instituição lhe cabe a tarefa de desfazer as generalizações impostas pelo texto das regras e apostar sempre no singular, sem pretensões de interpretações infinitas e incessantes. Ressalta que o objetivo do enunciado da regra fundamental no consultório é da mesma ordem que o que tem lugar nas instituições.

Ainda sobre o discurso do analista, e como possibilidade de direcionar o tratamento dos pacientes no hospital, percebe-se que a demanda para atendimento por vezes não é do paciente, sim da equipe e/ou família. O atendimento será sempre interpelado, quase nunca demandado pelo próprio paciente. Isso significa que no hospital, uma demanda de análise não se configura sob os moldes apresentados na psicanálise em intensão, ainda que ambas sejam norteadas pela mesma ética. Afinal, como acentua Pisseta (2008) que no hospital nem sempre.

Isso vai ocorrer, já que a passagem de uma demanda de alívio sintomático para uma demanda de análise é um tanto sofrida, exigindo uma nova posição ante a dor que o paciente já experimenta no processo de adoecimento e hospitalização. Em suma, na condição de praticante da psicanálise dentro de um hospital, ele pode, de algum modo, instituir um espaço favorável para a emergência de algo da singularidade desse sujeito na condição de hospitalizado.

Ocorre que, no hospital, é o praticante que se dirige aos pacientes, já que não são os pacientes que solicitam a escuta psicanalítica. Assim, é comum que se reportem a algum profissional para se queixarem das suas dores e sintomas orgânicos. Logo, nessa perspectiva, o praticante da psicanálise no contexto hospitalar, vai apostar que, na possibilidade de uma oferta, possa advir uma demanda: "Ao ouvir a queixa, o analista dá um tratamento a ela, porque ele sabe que nessa queixa há verdade. Dar um tratamento à queixa quer dizer escutá-la" (Gonçalves, 1991, p. 186).

 

Considerações finais

O percurso teórico de Lacan mostra seu empenho para que a formação dos analistas possibilite novos modos de operar a psicanálise, a fim de atender às novas demandas de sofrimento do sujeito, seja no consultório ou no hospital. Com isso, acreditamos que a aposta de Lacan sempre foi a de preservar a ética que sustenta a formação do praticante e, conseqüentemente, a que conduz o tratamento analítico.

Constatou-se que a psicanálise aplicada às instituições de saúde é tão exigente quanto a que preconiza a psicanálise pura, destinada ao final de análise – à formação do analista. A psicanálise aplicada sempre será aplicada ao particular, sem execução de "passo a passo" terapêutico, o praticante da psicanálise, independente do contexto, deverá estar implicado na psicanálise estrita. O que vai definir o analista é o seu ato, não seu título, tampouco o fato de receber pacientes em seu consultório. Sabemos que um tratamento psicanalítico começa quando, sob transferência, o sujeito se submete às decifrações do seu inconsciente, contudo, no hospital, cabe ao praticante criar um espaço que possibilite a manifestação de algo da singularidade do paciente. Para que o discurso psicanalítico se aplique no hospital, faz-se necessário situá-lo no campo da ética, como se propôs este estudo, para entender que o que faz "obstáculo para a psicanálise não é a instituição propriamente dita, porque ela é apenas um lugar onde as coisas acontecem." (Moretto, 2001, p. 99).

As situações abruptas, acontecimentos de perda e de sofrimento, podem destituir o sujeito do seu ancoramento significante, vendo-se, portanto, imerso na angústia, sentimentos de impotência e de desamparo, afirmando a dimensão de sujeito. O praticante, ao "autorizar" o sujeito a um encontro com um tempo de compreender, introduz uma pausa para que algo de sua verdade possa advir. É aí que podemos pensar a presença do praticante, uma vez que se orienta pela ética do bem-dizer, não apresenta respostas, não faz promessas de adequação a uma norma e caminha na contramão do campo do bem estar. A aposta desta presença é a emergência de um sujeito desejante, que objetiva transformar o banal em algo singular.

De modo geral, observa-se na prática psicanalítica no hospital que, frequentemente, a demanda endereçada ao praticante é a de fazer com que o paciente se adapte à ordem médica e, com isso, se molde às regras universalizantes. Desse modo, o pedido dirigido ao praticante no hospital é o de colocar em ordem e esclarecer o fator psíquico, aquilo que para os médicos existe e geram efeitos que não podem prontamente ser eliminados por eles. É quando a resposta do paciente ameaça o efeito do discurso médico. Isto é, o pedido é fazer desaparecer o que atrapalha o êxito da ação do médico. É quando algo escapa àquilo que pode ser apreendido pelo discurso médico e gera incômodo.

Verificou-se, a partir da atuação no contexto hospitalar em consonância com a literatura, que a demanda inicial de atendimento geralmente é oriunda do médico ou de outro profissional da equipe, o que em muito difere do paciente que se dirige ao praticante em seu consultório particular e lhe apresenta uma queixa que diz de sua demanda. Constatou-se também que, no hospital, a queixa que é endereçada ao praticante da psicanálise nem sempre é a do paciente. A prática no contexto hospitalar sugere que, mesmo que em alguns momentos solicitado por outros membros da equipe, é o praticante quem se dirige ao paciente, ou a família levando sempre em consideração as rotinas e dinâmicas que são inerentes ao contexto hospitalar.

É preciso definir os alcances reais da transferência quando se trata do hospital. A relação com o paciente, na maior parte das vezes, se constitui a partir de outros (o médico, a família, a enfermagem). Pode-se pensar a transferência em sua relação com o desejo do psicanalista, pois, se o praticante não ocupar um lugar desejante, não há como haver a transferência. O praticante vai estar ali. Há um reconhecimento da comunidade, mas isso não significa que haja uma análise; para que haja análise, o praticante precisa proceder de uma forma específica e, para isto, não basta haver a demanda do paciente.

Pôde-se elucidar que no hospital não há analistas, sim praticantes orientados pela psicanálise e não há analisantes. É importante ponderar que a transferência, no hospital, pode estar vinculada à instituição ou a outro profissional. Desse modo, Lacan nos mostra que a transferência se dá com um significante e não com uma pessoa. Assim, cabe ao praticante localizar os significantes que permeiam as relações no hospital.

A atuação do praticante da psicanálise no hospital possibilita refletir que esta não garante que a transferência seja direcionada ao praticante, ao menos inicialmente. Pode-se inferir que a transferência no contexto hospitalar seja, a princípio, um significante que aponta para a presença de um saber outro, sobre o sofrimento do paciente. Deste modo, o que pode sinalizar a existência da transferência é o efeito das intervenções do praticante em algumas ocasiões nas quais se faz presente. É a partir da transmissão da psicanálise, do efeito das intervenções do praticante que ele pode delimitar seu campo de atuação e permitir que os outros profissionais da equipe o convoquem em novas circunstâncias.

Averiguou-se a possibilidade de que a transferência seja estabelecida na prática clínica nos hospital, contudo, não necessariamente, estará dirigida ao praticante da psicanálise através do sujeito suposto saber, uma vez que a transferência de saber pode estar dirigida ao médico, ao hospital ou a outro profissional da equipe. Fica claro que se trata de uma transferência com um modo específico, que é atravessada pela instituição hospitalar, pelo saber médico e pela equipe de saúde.

A escuta do praticante da psicanálise no hospital não visa oferecer respostas de adequação às normas e protocolos inerentes ao cotidiano do hospital e sim uma tentativa de tratar o insuportável através do "um a um", tendo como direção o fazer falar, para que possa existir em cada paciente o que possui de mais singular, sua história, sua subjetividade. O praticante não pretende ajustar o paciente a um padrão de "normalidade". O que se espera das intervenções do praticante de psicanálise no hospital, são intervenções com efeitos analíticos que possam produzir no paciente invadido pelo real, da doença, sofrimento e dor, uma experiência de sujeito. Faz-se necessário considerar que o adoecimento e a hospitalização podem remeter o paciente à angústia, muito comumente à angústia da castração, associada à intervenção no corpo e às limitações e perdas aí envolvidos.

A escuta do praticante da psicanálise no hospital não visa oferecer respostas de adequação às normas e protocolos inerentes ao cotidiano do hospital e sim uma tentativa de tratar o insuportável através do "um a um", tendo como direção o fazer falar, para que possa existir em cada paciente o que possui de mais singular, sua história, sua subjetividade. O praticante não pretende ajustar o paciente a um padrão de "normalidade". O que se espera das intervenções do praticante de psicanálise no hospital, são intervenções com efeitos analíticos que possam produzir no paciente invadido pelo real, da doença, sofrimento e dor, uma experiência de sujeito. Faz-se necessário considerar que o adoecimento e a hospitalização podem remeter o paciente à angústia, muito comumente à angústia da castração, associada à intervenção no corpo e às limitações e perdas aí envolvidos.

Vale destacar que o praticante, ao acolher e escutar o paciente e os familiares durante processo de adoecimento e hospitalização, muitas vezes, permite um início de construção do vínculo transferencial. Apesar de termos a clareza que o sujeito suposto saber é o que vai ocupar o eixo sobre o qual se articula tudo o que acontece na transferência. A partir do levantamento bibliográfico e da prática no hospital, observa-se que mesmo em casos onde há ausência de transferência de trabalho da instituição com a psicanálise, é possível dizer que a prática do psicólogo praticante da psicanálise no hospital, configura-se à uma psicanálise aplicada. Nestas situações, não se trata de guerrear com o caráter universalizante da instituição, entretanto, propagar, caso a caso, os efeitos do método psicanalítico a fim de que uma transferência de trabalho possa ser estabelecida.

Fez-se necessário destacar que a consolidação do lugar – função – do praticante da psicanálise na equipe está relacionada entre outras coisas, ao tipo de demanda que lhe é endereçada e a como o praticante irá respondê-la. O desafio é saber recuar quando necessário, já que nem toda demanda requer a intervenção psicanalítica. Por estar referenciado a um discurso e a uma ética divergente dos demais profissionais, é fundamental que o praticante tenha clareza da sua função, para que não corra o risco da sua práxis se dissipe em outros discursos. Vale salientar que o risco de desvirtuação da psicanálise no campo das especialidades pode ser evitado, desde que o praticante privilegie a sua formação.

 

Referências

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1 Psicóloga – Psicóloga Clínica e Hospitalar – Praticante da Clínica Social Analise do Campo Psicanalítico de Salvador-E-mail: aliceborgescruz@gmail.com

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