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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.10 no.2 Fortaleza jun. 2010

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Contemporaneidade, adolescência e orkut: a incorporação - conexão e des-conexão, eis uma questão

 

 

José Alberto Roza JúniorI; Maria Lúcia Castilho RomeraII

IMestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Aplicada/ da Universidade Federal de Uberlândia. Graduado em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Psicólogo Clínico do Espaço de Expressões- Clinica de Psicologia. End.: R. XV de Novembro,112 apto 404. Centro. Uberlândia-MG. CEP: 38400-214. Email: barcelosroza@uol.com.br
IIProfessora Associada do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Aplicada/ da Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Psicologia da USP e Pós-doutorado pelo Centro de Estudos de Teoria dos Campos - PUC-SP. Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. End.: R. Eduardo Marquez, 435, apto 801. Martins, Uberlândia-MG. CEP. 38400-442. Email: mluciaro@terra.com.br

 

 


RESUMO

Esse artigo busca uma articulação entre alguns pensamentos sobre a contemporaneidade e a eleição do adolescente como modelo desse novo modo de pensar e agir. Para tanto, o Orkut - site de relacionamentos bastante difundido no Brasil - foi utilizado como campo de pesquisa, múltiplas identidades construídas na contemporaneidade, em acordo com novas formas de relacionamentos. Dentro dele destacamos a resposta de alguns adolescentes sobre uma pergunta: quem sou eu? E assim, nos conectamos e des-conectamos no mundo contemporâneo. O que permanece é uma questão: como a sociedade apreendeu essa informação e como ela lida com esse estilo de vida sem qualquer resistência? O mundo parece ter um prazer nas compras diárias, sejam elas quais forem. Do pão nosso de cada dia aos relacionamentos de uma noite, somos consumistas ou consumidores de estilos de vida, com uma aceitação inquietante de uma normalidade causadora de sofrimentos cada vez mais presenciados nos consultórios de psicologia, por exemplo. Tratamos, portanto, de um mundo que não favorece a aproximação entre as pessoas, a criação de vínculos duradouros. Nesse cenário, o adolescente se vê instigado a estabelecer o modo típico de relacionamento desse tempo: relações breves, voltadas para a satisfação de necessidades e desejos imediatos, sem compromissos que ultrapassem o momento da relação. Se usarmos uma expressão radical, diríamos que os relacionamentos atuais são instantâneos, ou seja, possuem a exata duração da confluência de demandas efêmeras, uma vez que se renovam continuamente e se multiplicam. Acreditamos na difícil tarefa de se responder sobre quem somos. Muitas possibilidades podem ser encontradas. Assim, o passeio feito no Orkut e a retirada de trechos de alguns perfis mostra-nos a qualidade de mercadoria que podemos encontrar na contemporaneidade.

Palavras-chave: Contemporaneidade. Orkut. Adolescente. Conexão. Des-conexão.


ABSTRACT

This article seeks a link between some thoughts on the contemporary and the election of the adolescent as a model of this new way of thinking and acting. Thus, the Orkut - site of relationships quite widespread in Brazil - was used as a resource for research. Inside out the answer to a question about some teenagers: Who am I? And so, we connect and disconnect in the contemporary world. What remains is a question: how the society seized this information and how it deals with this life-style without any resistance? The world seems to have a happy shopping day, whoever they are. From the day our daily bread to the relationships of a night, we are consumed or consumers of lifestyles, with a disturbing acceptance of a normal cause of suffering increasing presence in the offices of psychology, for example. We treat, therefore, a world that does not favor the rapprochement between the people, the creation of links. In this scenario, the adolescent is seen instigated to establish how typical this time of relationships: brief relationships, focused on the satisfaction of immediate needs and desires, no commitments beyond the time of the relationship. If you use a radical expression, we would say that the current relationships are instantaneous, in another word, have the exact duration of the confluence of ephemeral demands, since they continually renew and are multiplying. We believe in the difficult task to answer who we are. Many possibilities can be found. Thus, the tour made on Orkut and removal of sections of some profiles shows us the quality of merchandise we can find in contemporary.

Keywords: Contemporary. Orkut. Teenager. Relationships. Psychology.


 

 

Em tempos de avanço tecnológico, onde tudo parece ser efêmero, descartável e móvel, algo nos chama a atenção: como estamos nos relacionando na contemporaneidade? Esse é o ponto inicial de nossa pesquisa de mestrado e nesse artigo fragmentos são destacados em busca de uma questão: o Orkut e os relacionamentos contemporâneos. O relacionar-se nunca deixou de existir na história do mundo, tampouco deixaria de existir na contemporaneidade e nos avanços tecnológicos provenientes dela. Essa é uma afirmativa que alguns pensadores das relações interpessoais e da contemporaneidade se colocam em uma instância de questionamento. Se os relacionamentos ainda existem, o que foi alterado na contemporaneidade? Partindo de um pressuposto que a máquina tecnológica foi incorporada pelo Homem, como os relacionamentos podem ser compreendidos ou apreendidos?

O parece acontecer é uma nova lógica de relacionamentos, onde habitantes do mundo parecem querer das pesquisas receitas de como lidar com esse "relacionar-se" e com os sofrimentos gerados pela mudança de padrões outrora apreendidos. Seria, a contemporaneidade, uma busca de viver um relacionamento e todos os benefícios que provêm dele sem a necessidade dos sofreres que fazem parte da constituição do mundo, buscando infinitas possibilidades para que o vínculo não seja tão penoso. E podemos falar em vínculo ou precisamos de outro nome?

Um novo termo é desenhado na contemporaneidade: a conexão. Esse termo é intimamente ligado ao desenvolvimento da tecnologia e sua incorporação pelo Homem. Temos, então, o surgimento de relacionamentos em um padrão de rede que pode ser a conexão e/ou a desconexão. Tais termos provêm, sem dúvida, da internet e demonstram a descartabilidade operante da lógica atual. Relacionar-se, portanto, adquire a forma de vínculo como conexão, pois atingimos um padrão no tempo de curta duração. Assim, o vínculo parece ser eliminado, cada vez mais, do quotidiano dos habitantes do mundo e a conexão ganha espaço na construção dos relacionamentos. A duração das conexões não precisa ser, na prática, tão curta quanto se percebe, mas psiquicamente ela pertence a um mundo em que o objeto não existe sem uma funcionalidade.

Esses padrões de relacionamentos são exemplificados dentro do ambiente virtual, no qual é mais facilmente compreendido o conceito de descartabilidade das conexões. É nessa lógica que, à primeira vista, chegamos aos relacionamentos via internet. O importante, no percurso, é entender que a internet e seus relacionamentos, não participam da mesma lógica dos anos de 1990 e sim ocupam outros lugares.

A lógica dos anos 1990 funcionava por meio de uma distinção entre encontro virtual e encontro real no qual o envio de email causava estranhamento diferindo do que se tem nos dias atuais. Nesse processo, chegamos às ruas onde o encontro real parece ter uma qualidade próxima ao encontro virtual. Dito de outra maneira, o encontro virtual não precisa seguir-se do encontro real, visto que o homem incorpora a máquina tecnológica e a partir dela interage com o mundo.

Assim, a tecnologia diante do homem como possibilidade de interação parece colocar em segundo plano uma necessidade, outrora tão importante, de um encontro real. Uma hipótese que se formula é de que os relacionamentos virtuais deixam as telas e ganham as ruas, seguindo a semelhante lógica virtualizada. De acordo com Bauman, "as relações virtuais (rebatizadas de 'conexões') estabelecem o padrão que orienta todos os outros relacionamentos" (Bauman, Z. 2004, p. 13).

Podemos nos deter nos relacionamentos interpessoais ou desdobrar essa questão também para um corpo maquinizado, que está em processo de construção, conforme nos explica Levy, para quem a comunicação virtual é um elemento de um processo que abrange toda a vida social:

Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação, mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. A virtualização atinge mesmo as modalidades do estar junto, a constituição do "nós": comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual... Embora digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel capital na mutação em curso, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização.( Lévy, 1996, p.11)

A partir das considerações de Lévy, podemos pensar que se trata de algo abrangente e irreversível. Em alguns momentos, com certo otimismo quanto às tecnologias do universo em expansão. Para tanto, sabemos que tanto nas relações que se estabelecem e no corpo criado na contemporaneidade, quanto em uma sociedade que parece emergir nesse instante, existem novas buscas de se entender tal processo que invadiu os relacionamentos contemporâneos, objeto principal desse artigo. Diante da reflexão de Levy é possível pensar o processo de comunicação virtual como causador de um sofrimento na sociedade contemporânea?

Em contrapartida ao pensamento de Lévy, que parece enxergar a sociedade virtual como um universo em expansão, Baudrillard (1991) busca uma contraposição da imagem de um universo que implodiu e perdeu sua substancialidade. Segundo Lévy, P. (1996), o funcionamento da sociedade em um padrão de rede funciona como um motor da expansão do universo social contemporâneo. Baudrillard entende que esta tensão gerou um esvaziamento da realidade ou das possibilidades de se existir de modo diferente do padrão proposto. A existência de lugares como os hipermercados, que são organizados para que os seres humanos se relacionem com os objetos a partir das imagens a eles associadas (hipermercadorias), gera a fragmentação das cidades e o esvaziamento das atividades sociais. As relações se desertificam, pois o sentido parece ter esvaziado-se:

Não existe relevo, perspectiva, linha de fuga em que o olhar corra o risco de perder-se, mas um ecrã total onde os cartazes publicitários e os próprios produtos, na sua exposição ininterrupta, jogam como signos equivalentes e sucessivos. Há empregados apenas ocupados em refazer a parte da frente da cena, a exposição da mercadoria à superfície, onde o levantamento por parte dos consumidores pôde criar algum buraco. O self-service contribui ainda mais para esta ausência de profundidade: um mesmo espaço homogêneo, sem mediação, reúne os homens e as coisas, o espaço da manipulação direta. Mas qual deles manipula o outro?"(Baudrillard. 1991, p. 97-98)

Em relação à qualidade asséptica obtida nos hipermercados, podemos perceber as cores escolhidas, a forma da mercadoria exposta à impulsividade da compra, bem como a rotineira aparência desses centros independente da cidade em que o indivíduo esteja. Tudo parece ser criado para que o consumidor sinta-se "em casa" e aproveite seu dia para as compras necessárias e também aquelas que não são tão necessárias assim. Esse é nosso dia-a-dia?

Vivemos em um mundo em que parece não se precisar do outro para qualquer informação. Ao chegar em qualquer ponto da estrada ou da rua, pode-se avistar a quilômetros as inúmeras setas que nos guiarão em direção a estes hipermercados, em direção a este lugar em que a mercadoria surge como forma de interação. E quando se tem a interação com o vendedor, por exemplo, cada vez que adentramos no hipermercado encontramos vendedores diferentes. Existe uma rotatividade tão alta de funcionários nos centros de compras, que nem se quiséssemos adiantaria guardar um nome. Essa é uma questão pelo menos engraçada, mas pode ser trágica, caro leitor. Segundo Baudrillard "trata-se aqui de um outro tipo de trabalho, de um trabalho de aculturação, de confronto, de exame, de código e de veredicto social: as pessoas vêm encontrar aí e selecionar objetos - respostas a todas as perguntas que podem fazer-se." (Baudrillard, 1991, p.97).

E assim, nos conectamos e desconectamos. O que permanece é uma questão: como a sociedade apreendeu essa informação e como ela lida com esse estilo de vida sem qualquer resistência? O mundo parece ter um prazer nas compras diárias, sejam elas quais forem. Do pão nosso de cada dia aos relacionamentos de uma noite, somos consumistas ou consumidores de estilos de vida, com uma aceitação inquietante de uma normalidade causadora de sofrimentos cada vez mais presenciados nos consultórios de psicologia, por exemplo.

 

Os olhares diretos ao adolescente e suas inter-relações na contemporaneidade

Ao se caminhar pela contemporaneidade e observar-lhe questões relativas à mobilidade, flexibilidade e efemeridade, podemos perceber que existe uma escolha do adolescente como modelo desse novo modo de pensar e agir. Como sugerem alguns autores, um "caixeiro-viajante", sem raízes ou em processo de desenraizamento plástico e flexível.

Em nossa discussão sobre adolescência, fomos à busca de alguns autores que pudessem nos ajudar a pensar tal questão. Dentre os vários autores que refletiram sobre a adolescência, Erickson oferece uma definição clara e precisa sobre essa fase do desenvolvimento humano. Em seu pensamento, pudemos perceber algumas questões iniciais, uma caracterização dessa fase de desenvolvimento como uma confusão de papéis, de dificuldades em estabelecer uma identidade própria, assim dando a ela "um modo de vida entre a infância e a vida adulta" (Erickson, E. 1976, p.128).

Partindo da adolescência como moratória, conceito fundamentado por Erickson, E. (1976), Calligaris, C. (2000) analisa, de forma interessante, as dificuldades que os jovens vão encontrar em sociedade para se inserirem nesta fase tratada como adolescência, instituída em nossa cultura e que, para o autor, se tornou hipotética, precisando de maiores estudos a partir do momento em que "o olhar adulto não reconheceu nelas os sinais da passagem para a vida adulta" (Calligaris, C. 2000, p.20).

Numa sociedade em que os adultos fossem definidos por alguma competência específica, não haveria adolescentes, só candidatos e uma iniciação pela qual seria fácil decidir: sabe ou não sabe, é ou não é adulto. Como ninguém sabe direito o que é um homem ou uma mulher, ninguém sabe também o que é preciso para que um adolescente se torne adulto. O critério simples da maturação física é descartado. Falta uma lista estabelecida de provas rituais. Só sobram então a espera, a procrastinação e o enigma, que confrontam o adolescente - este condenado a uma moratória forçada de sua vida - com uma insegurança radical. (Calligaris, 2000, p.21).

O autor caminha em sua investigação, pontuando a dificuldade dos jovens em obter, da sociedade, informações que lhes possibilitem superar a moratória e conclui que, o adolescente, na falta de definição do que precisa se tornar termina sendo ou parecendo um intérprete dos desejos adultos, Assim, ele começa a "descobrir a nostalgia adulta de transgressão, ou melhor, de resistência às exigências antilibertárias do mundo. Ele ouve, atrás dos pedidos dos adultos, um 'faça o que eu desejo e não o que eu peço' e atua em consequência" (Calligaris, 2000, p.28). Dessa forma, Calligaris retoma outra concepção mais abstrata acerca da adolescência em que uma fonte de pensamento jovem se encontra nos desejos adultos e não nas formas de vida.

A cena montada dessa instabilidade se instaura no adolescente, movido para o rastreamento das melhores possibilidades e rumos para sua vida de acordo com a psique formada no Real. Embora a condição de "caixeiro-viajante" não seja específica dos adolescentes, acreditamos ser neles que ela se faz mais imperiosa. Alguns exemplos dessa indispensável mobilização são encontrados nas constantes mudanças da adolescência, em relação a migrações geográficas para estudar ou trabalhar, o que configura a condição de "caixeiros-viajantes", em constante trânsito, em função das exigências. Ou, ainda, podem ser encontrados na condição das mudanças constantes no consumo de conceitos, presente em toda a sociedade, porém bem balizada no adolescente por sua condição itinerante.

Além disso, o lugar ocupado por esse sujeito, como portador das potencialidades de mudanças que processam a transposição da diferenciação de uma geração para outra, faz dele o porta-voz da intensificação das tendências que se despontam no mundo. Assim é que, além de itinerante, o adolescente se torna uma fórmula importante no ritmo de vida, na plasticidade e na multiplicidade de conceitos, constituindo-se como um sujeito movediço, não apenas possuindo facilidade para se deslocar no espaço geográfico, como também para fazer esse deslocamento em suas conexões.

A condição de "caixeiro-viajante" exige, do adolescente em questão, uma plasticidade afetiva como capacidade para estabelecimento de conexões adaptadas com hábitos, rotinas, e renovações de idéias bem como valores. Esse adolescente encarna o espírito de renovação, bastante atual na cultura contemporânea em busca do desbravamento de territórios ainda não ocupados em uma condição de constante descoberta.

De acordo com as idéias de Bauman, (1997), a compressão do tempo, assinalada por muitos autores como uma das marcas da contemporaneidade, desaparece com a noção de passado, presente e futuro, situando o sujeito em um tempo único no qual o imediatismo prevalece como lógica de satisfação dos desejos e necessidades.

Nada mais de fé num futuro necessariamente melhor que o presente; nada mais de espera pelo combate final e pela Cidade Radiosa: a absolutização do porvir histórico foi sucedida pela inquietação, pela pane das representações do futuro, pelo eclipse da idéia de progresso. (Lipovetsky. 2004, p.66)

Dentro dessa mesma lógica, o futuro não está por vir, uma vez que ele já chegou, de modo que ele pode até ser antecipado, como acontece, por exemplo, com o consumo mediante o sistema de crediários ou de outras formas de endividamento. Assim, "a norma moral parece resumir-se cada vez mais à questão das quantidades adquiridas e gastas, não só na alimentação, mas em toda a vida social" (Herrmann, F. 2001, p.190).

Como responsável pelas novas subjetivações da lógica da contemporaneidade, o adolescente se coloca não mais como o futuro ou promessa da realização dos sonhos das gerações anteriores, mas como aquele que está à frente de seu próprio tempo e, portanto, precisa consumar o seu próprio futuro. Aliás, o sonho a ser conquistado em um futuro distante já não tem lugar no mundo do presentismo1. No máximo, pode acenar a algo que esteja ao alcance e que possa ser conquistado rapidamente. Esse adolescente encontra-se recompensado por um tempo que avança rapidamente, de modo que ele tenha que elaborar e movimentar-se na superabundância de acontecimentos que se desencadeiam à sua volta. É sobre ele que se realiza, mais extensiva e radicalmente, a ruptura das fronteiras do tempo tornando-o um sujeito do presentismo, pronto para responder a todas as demandas que se formam ao seu redor. Assim, ele não pode adiar ou remeter para um "futuro" algumas realizações e necessidades.

Viver em um mundo em que, segundo o pensamento de Lipovetsky, G. (2004), a temporalidade é dominada, ou mesmo, definida pelo precário e pelo efêmero, o que torna esse adolescente protagonista e não responsável por esse novo estilo de vida. Logo, "cada domínio apresenta uma vertente excrescente, desmensurada, 'sem limites'" (Lipovetsky, G. 2004, p.55). O mundo do consumo não comporta adiamentos, apegos, estabilizações, recusas, renúncias, paciência e tolerância. Necessita de um sujeito ativo, questionador, impaciente, instável, pronto para renovar seus desejos, impulsivo, incapaz de renunciar e conviver com frustrações. Esse adolescente representa a metamorfose, o ritmo frenético, o tempo acelerado, a competitividade, o vigor produtivo e consumista da contemporaneidade.

Assim, é, também, sobre ele que recai a função de subjetivação de outra grande marca da contemporaneidade: a re-ligação do sujeito nas redes de informação e de produção da realidade virtualizada. São principalmente os adolescentes que se tornaram alvo da internet e da informática. Nesse sentido, não é uma des-razão, inclusive, pensar que os jovens têm sido apresentados como empreendedores bem-sucedidos nesse mercado tecnológico. São vários os casos, amplamente difundidos pela mídia cultural, de adolescentes que fizeram grandes descobertas de tecnologias e criaram alguns produtos que os tornaram ricos e reconhecidos rapidamente, uma vez que buscam incessantemente fama e fortuna. Até os comerciais televisivos usam a imagem de crianças que dominam facilmente a tecnologia e a ensinam para seus pais. É enorme a influência da informática, da internet e dos demais meios de virtualização da realidade na sociabilidade dos adolescentes. E, nessa perspectiva, a incorporação da tecnologia pelo adolescente pode causar inquietação. Quais serão os novos adolescentes e os novos adultos?

Nesse contexto de tecnologização, encontramos uma das conseqüências desse Homem do presente, que busca

sempre mais exigências de resultados a curto prazo, fazer mais no menor tempo possível, agir sem demora: a corrida da competição faz priorizar o urgente à custa do importante, a ação imediata à custa da reflexão, o acessório à custa do essencial (Lipovetsky, G. 2004, p.77).

A cultura do descartável, outra marca da contemporaneidade, enaltece a adolescência e coloca à margem, especialmente, os idosos. O consumismo depende, evidentemente, do descarte de objetos de consumo com a consequente renovação da demanda. É também evidente que a propensão para o descarte depende de uma disposição psíquica na relação com os objetos, de tal forma que o abandono e o descarte são premiados com o prazer e, portanto, as práticas de retenção e conservação serão castigadas com desprazer. Assim, as atitudes para com as "mercadorias" propriamente ditas, inevitavelmente, estarão relacionadas com a orientação geral direcionadas para o mundo e com o tipo de vinculações estabelecidas entre o sujeito e esse mundo. Portanto, a descartabilidade não se realiza apenas com os chamados "objetos de consumo", mas com todos os objetos. Na verdade, ela designa um modo de relacionamento do sujeito com um mundo instaurado pela efemeridade e o imediatismo.

Nova relação com o tempo que é igualmente exemplificada pelas paixões consumistas. Ninguém duvida de que, em muitos casos, a febre das compras seja uma compensação, uma maneira de consolar-se das desventuras da existência, de preencher a vacuidade do presente e do futuro (Lipovestsky, G. 2004, p.79).

Nessa reflexão, podemos perceber que ao se estudar o mundo contemporâneo, observamos que,

face à invasão da vida privada por sistemas globais de comunicação e determinação de idéias, a raiz mesma do ato humano foi-se erodindo de tal forma que, hoje, a confiança não só na eficácia de um ato particular, mas na autonomia da razão que o produz, em sua raiz, reduzem o sujeito à condição de personagem de uma espécie, parábola da qual desconhece a autoria (Herrmann, F. 2001, p.189).

A cultura do descartável, assentada no consumismo, invade as subjetividades deixando de lado as clássicas figuras da identidade que destacam a estabilidade e a solidez. Porém, como lembra Rolnik , a abertura para o novo, capturada pelo mercado, "nada tem a ver com flexibilidade para navegar ao vento dos acontecimentos - transformações das cartografias de forças que esvaziam de sentido as figuras vigentes, lançam as subjetividades no estranho e forçam-nas a reconfigurar-se" (Rolnik, S. 1997 p. 20-21). Ao criticar o identitarismo fortemente presente nas concepções de sujeito, a autora nos alerta para o fato de que a globalização, ao triturar as identidades, minando as fronteiras que a cercavam, acaba apenas substituindo as identidades "locais" pelas "globais flexíveis", produzindo verdadeiros kits-padrão de identidade, disponíveis no mercado para consumo e renováveis a cada momento. Segundo a própria autora, o adolescente hoje vive exatamente a condição do sujeito contemporâneo.

Tratamos, portanto, de um mundo que não favorece a aproximação entre as pessoas, a criação de vínculos duradouros. Nesse cenário, o adolescente se vê instigado a estabelecer o modo típico de relacionamento desse tempo: relações breves, voltadas para a satisfação de necessidades e desejos imediatos, sem compromissos que ultrapassem o momento da relação. Se usarmos uma expressão radical, diríamos que os relacionamentos atuais são instantâneos, ou seja, possuem a exata duração da confluência de demandas efêmeras, uma vez que se renovam continuamente e se multiplicam. Não há lugar para relacionamentos duradouros, articulados a um projeto futuro, capazes de catalisar demandas diversas e estabilizar relações, especialmente aquelas que circunscrevem pares, casais, pequenos agrupamentos e espaços afetivos locais. E se pensarmos numa relativização desse pensamento, encontramos todas as ambigüidades e sofrimentos daqueles que esperam dos relacionamentos algo de duradouro. Podemos então, retomar dois conceitos tratados anteriormente com a intenção de entender como funciona a lógica instaurada nos adolescentes: Realidade e Identidade.

Identidade e Realidade são dois resultados correlatos da redução do real pela rotina, são dois aspectos conjugados do panorama do mundo: o primeiro garante a mesmidade ilusória do sujeito, o segundo a naturalidade não menos ilusória do mundo quotidiano. (Herrmann, F. 2001, p. 192)

Com a ruptura dessa ilusão, nos deparamos com o "absurdo, a presença produtora do real humano, com o peso de todas as suas contradições, exceções e de todos os seus conflitos" (Herrmann, F. 2001, p.190) aproximando-se muito mais da experiência psicótica do que da realidade rotineira.

Dentro dessas considerações, encontramos um outro olhar sobre esse adolescente, que passa a não precisar de idade limite para ingressar na vida adulta. E será que ele ingressa? Algumas mudanças na sociedade precisam ser levadas em consideração. Que diferenças podemos perceber em relação aos adolescentes de outrora e os de hoje?

Convidamos o leitor a se dirigir a qualquer lugar onde tenha adolescentes. Além da musculatura e da brutalidade corporal, poderemos perceber outra transformação radical nesse cenário público, no qual se retrata a aparência dos adolescentes e jovens adultos. Essa distinção entre adolescentes e jovens adultos também parece se tornar uma dificuldade em ser estabelecida. Assim, caminharemos até conseguirmos algo que nos faça pensar mais sobre tais termos.

Assistimos, na contemporaneidade, a uma transformação importante na condição adolescente, cuja duração, parece se estender cada vez mais, de maneira a se identificar ao que, outrora, denominávamos jovens adultos. De acordo com Birman, "a fronteira que separava com facilidade e distinção essas duas condições da existência, como territórios bem diferenciados, se apaga progressivamente" (Birman, J. 2008, p. 125). Com efeito, o que encontramos nos dias de hoje são apenas pequenas bordas, que se misturam nos espaços, antes delimitados, para esses dois territórios. Bordas essas que têm como característica uma porosidade presente no que antes tínhamos como uma linha de demarcação.

Avançando um pouco nessa trajetória, podemos perceber algo novo acontecendo. Se a idade final da adolescência tem, agora, porosidades, e seu início? Que idade começamos a pensar como adolescente? Birman (2008) coloca que a adolescência tende a começar em uma época cada vez mais precoce, provocando uma diminuição da duração do que antes era denominado de infância. Nesse mesmo processo, segundo Birman, "a infância se estreita atualmente em decorrência dos imperativos de performance, impostos às crianças desde muito cedo, diminuindo bastante o espaço e o tempo dos jogos e brincadeiras infantis, incidindo isso então diretamente sobre o imaginário infantil" (Birman, J. 2008, p. 127).

A adolescência parece se prolongar como conseqüência da impossibilidade de inserção social dos jovens no mundo. Exemplos disso podem ser encontrados na dificuldade de encontrar o primeiro emprego e nos impasses para a constituição de um novo núcleo familiar. Quando falamos em núcleo familiar, não buscamos um retorno do que outrora era denominação de família, mas de alguma forma gostaríamos de entender qual núcleo familiar tem sido encontrado nos dias de hoje.

O que definia anteriormente a dinâmica das diferentes idades da existência, em suas durações e seqüências bem delimitadas, era um paradigma da ordem social regulado pelo horizonte de inserção da juventude no mercado de trabalho e no limiar de poder construir um outro núcleo familiar, de maneira a delinear certas possibilidades simbólicas e definir seus limites estritos. (Birman,J. 2008, p. 128)

Dentro das leituras a respeito da adolescência, podemos encontrar as teorias biologizantes, que a concebem em uma sobreposição com a puberdade e como desdobramento das produções hormonais daí advindas. Em outro enfoque, abordaremos as teorias psicologizantes, que interpretam a adolescência como uma fase de maturação do psiquismo. Não obstante, esses dois enfoques não conseguem dar conta do que se passa, hoje, com a condição adolescente, na medida em que a dimensão simbólica desta é inseparável das transformações prescritas nas ordens social, econômica e política.

Podemos encontrar, na atualidade, pais que parecem buscar uma realização singular de seus desejos e projetos existenciais, sustentando assim um ideal de experimentação permanente. Tais experimentações, além de se encontrarem em oposição ao antigo código matrimonial monogâmico, interferem no espelho que o adolescente encontrará em sua constituição. Desse modo, os próprios pais passam a adotar um estilo adolescente de existência.

Em decorrência disso, a autoridade simbólica dos pais parece se fragilizar de forma progressiva e os filhos adolescentes começam a encará-los quase como iguais. Temos ou teremos quase parceiros na aventura inquieta da existência, produzindo com isso uma transformação radical na família?

Essas transformações fazem parte da constituição familiar da atualidade. A parcela mais atingida por esse processo parece ser os adolescentes. Segundo Birman "impossibilitados de se inscreverem no mundo do trabalho e do reconhecimento simbólico de sua potência, ficam à deriva, em uma espécie de adolescência prolongada e quase infinita" (Birman, J. 2008, p. 130).

 

Os "novos" adolescentes: seus piercings e suas tatuagens

A partir de uma transformação nesse estilo de vida contemporâneo, podemos perceber uma necessidade de se criar uma imagem corporal, que possa dialogar com o mundo. Os piercings, por exemplo, visam dar consistência a uma imagem corporal que, no limite, se desvanece e se fragmenta, dissolvendo-se em sua suspensão e despedaçamento.

Como parafusos perfurantes, que se incrustam nas dobras do nariz, da boca, da língua, das orelhas e dos órgãos genitais, os piercings são próteses pelas quais se procura estabilizar a imagem corporal, já que esta não se mantém em pé por si própria. Prestes a se desvanecer a qualquer momento, ela precisa desses artefatos para se manter minimamente estruturada. Depreende-se daí que os piercings funcionam como parafusos de uma máquina ortopédica, que nos evocam ainda, é claro, os autômatos pós-modernos. (Birman,J. 2008, p. 132)

Dentro desse caminho de comunicação do adolescente e de suas impossibilidades, além do não-reconhecimento desse discurso, teremos, à mão, outras formas de linguagem. Ao pensarmos em tatuagens e piercings, não retornaremos ao que essas linguagens significaram no passado, com nossos antepassados, mas teremos por perto "escritas corporais, pelas quais a gramática do verbo se transforma em escritura corpórea." (Birman, J. 2008, p. 134). Se as palavras não podem ser escutadas, apesar de serem ditas, o sujeito busca ser reconhecido pela retórica corporal, que passa a ser enunciada em sua impactante visualidade. Assim, "a escrita, então, assume o lugar e a função da voz, no deserto discursivo do mundo pós-moderno" (Birman, J. 2008, p. 132).

Sem voz e sem comunicação, adolescentes de várias idades, encontram-se sem referência, sem filiação. Amigos de seus pais, estes procuram no mundo um lugar para a identificação. Habitam mundos imaginários, tornando-se órfãos do mundo inóspito que lhes foi dado pelos pais. Essa é, enfim, a condição trágica dos adolescentes e dos jovens adultos na atualidade.

A adolescência, logo, não é vista aqui como uma fase natural do desenvolvimento e uma etapa natural entre a vida adulta e a infância. É vista como uma construção social com repercussões na subjetividade e no desenvolvimento do homem contemporâneo. Este é um momento significado, interpretado e construído pelos homens. A ele, estão associados as marcas do desenvolvimento do corpo. Essas marcas constituem também a adolescência como fenômeno social, mas o fato de existirem como marcas do corpo não deve fazer da adolescência um fato natural.

 

Navegando na internet, acessando o Orkut e teclando via MSN...

Nesse momento, o Orkut se torna uma questão inquietante. O objetivo é entender como se dá essa nova lógica de relacionamentos na contemporaneidade, a partir do próprio site de relacionamentos. Dessa maneira, o Orkut seria um exemplo de uma ilha de edição, visto que os usuários têm todo um cuidado para se mostrar dentro dele. Esse cuidado vai desde as fotos colocadas no álbum até os complementos de seu perfil, respondendo a perguntas iniciais que formarão o seu perfil de usuário do sistema.

O usuário do Orkut se modela de acordo com suas mudanças, fazendo alterações freqüentes em seu perfil de usuário, fazendo suas edições e a-parecendo ao outro. Em cada atualização ele comunica a seu grupo de amigos seus novos gostos e seus novos modelos. Trata-se de um processo de exploração pública da intimidade ou, dito de outro modo, esta exploração pública da intimidade parece ser um eixo fundamental para se pensar a intimidade no contemporâneo e as inter-relações, se vistas a partir do Orkut, bem como das outras formas de interação dentro o ciberespaço e possivelmente fora dele. Quando falamos no fora dele, colocamos a possibilidade dessas relações serem pensadas na estrutura de concreto e não somente entre os cabos de conexão da internet.

 

A criação do Orkut: em busca de um processo reprodutivo

O Orkut é um serviço de relacionamentos online, implementado em 2004 pela Google. Esse serviço foi batizado com o nome de seu criador, Orkut Buyukkokten, engenheiro turco que trabalha na Google. O Orkut oferece um espaço virtual de encontro que permite aos usuários ampliar seu círculo de relacionamentos e conhecer pessoas que compartilhem os mesmos interesses.

Adentrando no site Orkut, encontramos alguns dados importantes que explicam a que ele se propõe, segundo seu criador. Segundo texto encontrado no próprio site,

O Orkut é uma comunidade on-line criada para tornar a sua vida social e a de seus amigos mais ativa e estimulante. A rede social do orkut pode ajudá-lo a manter contato com seus amigos atuais por meio de fotos e mensagens, e a conhecer mais pessoas. Com o Orkut é fácil conhecer pessoas que tenham os mesmos hobbies e interesses que você, que estejam procurando um relacionamento afetivo ou contatos profissionais. Você também pode criar comunidades on-line ou participar de várias delas para discutir eventos atuais, reencontrar antigos amigos da escola ou até mesmo trocar receitas favoritas. Você decide com quem quer interagir. Antes de conhecer uma pessoa no Orkut, você pode ler seu perfil e ver como ela está conectada a você através da rede de amigos. Para ingressar no orkut, acesse a sua Conta do Google e comece a criar seu perfil imediatamente. Se você ainda não tiver uma Conta do Google, nós o ajudaremos a criá-la em alguns minutos. Nossa missão é ajudá-lo a criar uma rede de amigos mais íntimos e chegados. Esperamos que em breve você esteja curtindo mais a sua vida social. Divirta-se. (www.orkut.com.br)

Ao analisarmos o texto inicial, disponibilizado pelo próprio site, podemos perceber uma pré-concepção a respeito das dificuldades contemporâneas de relacionamento, na qual o Orkut faz uma sugestão para amenizar esses danos relacionais na contemporaneidade.

Pensemos, por hora, na origem do Orkut. Inicialmente, os usuários do site foram os próprios funcionários da Google, e logo depois, esses funcionários da empresa convidaram a comunidade externa para, também, se inscrever no Orkut. Essa era, inicialmente, a única forma de se cadastrar no site: por meio de um convite. Hoje em dia não existe mais essa obrigatoriedade, o que permite ainda mais a expansão do serviço.

Atualmente, o sistema possui, aproximadamente, mais de quarenta e três milhões de usuários cadastrados, dentro dos quais o Brasil - que já chegou a deter 72% da população geral do Orkut e ainda é o país com maior representatividade. Do total, 57,16% dos membros se declaram de nacionalidade brasileira, o que significa uma população de vinte e quatro milhões de internautas participantes da comunidade. A população geral é predominantemente jovem, com idade média entre 18 e 30 anos2, o que engloba 69,11% do total de membros; em consonância com o quadro populacional da Internet em geral. O interesse inicial é em fazer amigos, de acordo com o relatado por 70,24% dos usuários. (c.f. www.orkut.com.br)

Apesar de uma maioria jovem, com a proporção que a comunidade assumiu, podemos encontrar no Orkut membros das mais variadas idades espalhados pelo Brasil inteiro, o que independe de uma maior ou menor intimidade com a linguagem informática. Lembremos que habitamos um mundo em que não se pode ficar fora de sua lógica. Logo, independente da vontade ou não, muitos, a contra-gosto, se inscrevem no programa. A interface do Orkut possibilita que, nos dias de hoje, qualquer um habite o espaço virtual, tornando-se acessível e localizável a partir de uma página pessoal na comunidade.

 

A edição do perfil: o usuário aceita o fetiche?

Com um modelo padrão de apresentação para todos os usuários, o perfil do Orkut foi desenvolvido para registrar um número extenso de informações pessoais. São disponibilizados três tipos de perfil, cada um de acordo com seu interesse dentro do site. Uma vez cadastrado no Orkut, o usuário começa a construir sua rede de amigos. Existem ferramentas que permitem a busca de pessoas pelo nome ou por outros tipos de dados, como cidade, estado civil, orientação sexual, etc. É importante colocar ao leitor que esses dados não precisam ser respondidos em sua totalidade, o que contribui para criar uma ideia a que denominaremos como ilha de edição, o que se observa a partir do conteúdo que será visualizado pelos demais internautas. O perfil se torna a versão virtualizada da concepção de identidade, o que provoca um movimento de definição e circunscrição do eu.

Além da detalhada descrição de si, fica disponível na página pessoal ou perfil - como é chamado pelo programa - um álbum de fotos, depoimentos escritos por amigos da rede, vídeos preferidos, o número de fãs de cada usuário e ícones de classificação, os chamados "karmas", que sinalizam o quanto cada um é considerado legal, sexy ou confiável pelos seus amigos da rede. Da mesma forma é possível, em reciprocidade, escrever depoimentos, ser fã de alguém e classificar amigos por meio das concessões do "karma".

A questão maior torna-se responder a seguinte pergunta: quem sou eu? É essa a resposta disponibilizada na primeira página do perfil de usuário. Mesmo que fotos, recados e depoimentos possam ser lidos somente pelos amigos escolhidos, através de uma ferramenta de bloqueio dessas informações, a resposta para a pergunta acima é disponibilizada para todos os usuários da rede. Como nossos adolescentes têm se apresentado aos demais habitantes do Orkut?

 

Quem sou eu? Possibilidades de uma ilha de edição

"- Quero trabalhar no cinema.

- No cinema... Por quê? Para ficar rico, famoso, para que amem você?

- Não.

- Por quê?

- Para mudar de vida. A cada papel. Mudar de pele. Mudar de passado. Mudar de nome. Mudar de história. Mudar de rosto. Eu detestei minha vida, quero experimentar outras.

- O que você quer é dinheiro fácil, o luxo e as homenagens, que tenham inveja de você, mesmo quando tenha pena de você, o mundo aos seus pés, os caprichos de diva.

- Não me importo.

- É realmente isso que você quer?

- Sim... Eu faria qualquer coisa.

- Que tipo de qualquer coisa?

- Tudo. Eu venderia minha alma ao diabo...

- Mesmo?..."

(Lolita Pille3)

Em relação às informações referentes ao conceito de ilha de edição, selecionamos no Orkut algo que parece exemplificar uma edição de perfil. Dentro do campo dedicado à resposta: quem sou eu, temos todas as possibilidades de contar aos demais usuários um pouco de quem somos. E o que colocar nesse campo?

Durante um passeio na rede, encontramos várias respostas. Nosso passeio se deu da seguinte forma. Entramos no Orkut de uma adolescente entrevistada em minha dissertação de mestrado. A partir desse Orkut, fomos à busca do primeiro perfil que nos saltava aos olhos e cujo usuário mostrava sua idade inferior a 20 anos. Dentro desse perfil entramos, a seguir, em um de seus amigos com idade inferior a 20 anos. Dessa forma, selecionamos algumas mensagens. Escolhemos algumas delas para colocarmos como introdução do que encontramos durante nossas entrevistas e pensarmos sobre a mercadoria humana, ou seja, uma venda do ser humano por meio do Orkut. Esses perfis são algumas possibilidades de se responder a pergunta quem sou eu. É importante destacar a dificuldade para qualquer humano responder a essa questão. Convidamos o leitor a vislumbrar algumas respostas desses adolescentes.

Os adolescentes escolhidos deixam que essa mensagem seja visualizada por todos os usuários do programa. Desse modo, não precisamos de autorização para a utilização desses dados. Não obstante, os nomes de usuários foram modificados para a utilização nessa pesquisa, porque foram analisados segundo os pressupostos teóricos em questão, em acordo ao comitê de ética em pesquisa. Seguimos em nosso texto com trechos encontrados no perfil de usuário de alguns adolescentes que utilizam o Orkut.

Informações ao utilizador

Composição:

Amor................17%

Arrogância..........2%

Beleza..............9%

Carinho.............11%

Ciúmes..............8%

Companheirismo......10%

Estresse............6%

Fidelidade..........12%

Sinceridade.........10%

Timidez.............10%

Vaidade.............5%

Lote: Único

- Murilo Teodoro é utilizado para tratar problemas como falta de amigo, falta de companheiro, e se a utilização for adequada ainda pode tratar problemas como falta de amor e falta de carinho.

- Conservar em temperatura ambiente (26° a 32°). Proteger do frio

- Prazo de validade: Se bem cuidado dura muito.

- Nunca siga orientação de pessoas inadequadas para sua utilização, podendo ocorrer problemas como estresse, infidelidade e arrogância.

- Informe ao fabricante do produto qualquer problema que venha ocorrer futuramente, caso contrário o mesmo NÃO poderá ser resolvido.

- "Mantenha o produto fora do alcance de crianças"

- Murilo Teodoro é contra-indicado para pessoas com alto índice de arrogância, ciúmes, estresse e infidelidade.

- Informe ao fabricante sobre qualquer produto que esteja utilizando antes do início da utilização deste produto.

- "Não use o medicamento sem o conhecimento da fabricante"

Informações técnicas

Murilo Teodoro é um medicamento tanto contra falta de amor como falta de carinho, quando usado unicamente.

Reações adversas

Quando utilizado unicamente e razoavelmente Murilo Teodoro é bem tolerado. Podem ocorrer casos de estresse, ciúmes, infidelidade, arrogância, falta de amor e falta de carinho quando não utilizado de modo correto, que regridem com a suspensão do medicamento.

Superdose

Em caso de superdose, poderá ocorrer problemas decorrentes da maior captação do produto pelo utilizador, a qual desaparece espontaneamente de 24 a 168h.

Pacientes idosos

O uso em pacientes idosos (Acima de 25 anos) requer prescrição e acompanhamento do fabricante.

Prezado Cliente:

Você acaba de receber um produto Teodoro

Em caso de alguma dúvida quanto ao produto,

lote, data de fabricação, ligue para o

SAC: (Número de telefone do usuário do Orkut)

Assim o Orkut se revela ao outro, como máquina-produto-consumo. É esse o humano encontrado no Orkut? Esse mesmo humano se encontra nas ruas da cidade? Seriamos uma mercadoria pronta a ser consumida? Muitas são as questões que podem ser trabalhadas em pesquisas com esse recorte. Destarte, manteremos nosso enfoque na edição de alguns usuários, que possuem um caráter de grande "brincadeira". O Orkut é só uma grande brincadeira? Acreditamos que ele seja mais que isso, uma vez que ele tem se tornado uma forma importante de pensarmos as relações contemporâneas. Atentemos, leitor, para as palavras estresse, ciúmes, infidelidade, arrogância, falta de amor e falta de carinho, elas não se repetem em larga escala? Será que ele é tão carente assim?

Visitando alguns outros perfis encontramos mais respostas ou questões acerca do humano adolescente que transita na rede. Outro adolescente, Miguel, 18 anos, nos diz: "Não faça uma aposta se você não pode preencher o cheque para mim. Porque eu posso ser comprado, mas você paga o preço." O que esse adolescente de 18 anos nos comunica? Temos, em primeiro olhar, um ataque aos outros que o tentam comprar, mas não é, ele, uma mercadoria diária? Dando sequência ao nosso passeio pelo Orkut, nos deparamos com outra mensagem. Rafael, um adolescente de 19 anos, diz: "Meu nome é Rafael. Tenho 19 anos e gosto de jogar Futebol, tênis, vôlei e nadar. Gosto de História, Jornalismo e tocar violão. Ah, e neste verão 2009 aprendi a gostar de caminhada... Mas só se for pra andar mais de 10 km.

Até mais."

Ainda nesse mesmo perfil encontramos uma continuação. Ele decide colocar a mesma mensagem em uma segunda língua, o alemão. Dessa forma teremos "Mein Name ist Rafael. Ich bin zweiundzwanzig Jahre alt. Ich mag Fussball, Tennis, Volleyball spielen, schwimmen, Entsetzenliteratur lesen, Film sehen, Geschichte und Zeitungswissenschaft lernen. Musik ist mein Leben und auch Gitarre spielen. Auf Wiedersehen!" Uma pergunta simples: por que o uso de duas línguas? Sabemos que a maioria dos usuários do programa são brasileiros. Em sua lista de amigos encontramos brasileiros e nenhum alemão. Quais os motivos o levam a escolher essa forma de aparecer ao outro? Seria vontade de ser incompreensível? Algo a ser decifrado, ou difícil de entender? Ou seria apenas a mais marcante das características adolescentes, a idéia de um humano que não é compreendido pelo mundo? Será que o adolescente do Orkut sente-se compreendido pelo mundo?

As questões levantadas anteriormente nos fazem questionar que linguagem é essa do Orkut? O jovem sente-se compreendido? Provavelmente encontraremos uma afirmativa referente a essa questão. O que parece acontecer é que os adolescentes tentam buscar algo que os torne mais compreendidos a partir da conexão/desconexão, uma rede de armadilhas!

Mais um perfil? Encontramos mais um adolescente, Gilberto, 18 anos. Como responder à pergunta quem sou eu? "Meu nome eh Gil e eu to na pista pra negócio! [gilzinho aqui =p]" Estranho? Talvez não, ele simplesmente coloca-se a postos para qualquer negócio. Esse não é o pressuposto contemporâneo?

Acreditamos na difícil tarefa de se responder sobre quem somos. Muitas possibilidades podem ser encontradas. Assim, o passeio feito anteriormente no Orkut e a retirada de trechos de alguns perfis mostra-nos a qualidade de mercadoria que podemos encontrar na contemporaneidade.

Em nosso passeio, muitos perfis de usuários foram visitados. Em muitos deles pudemos encontrar espaços em branco, nos quais os adolescentes não respondiam a essa questão. Encontramos também, muitas poesias, letras de músicas, trechos de autores famosos. Algumas conclusões? Acreditamos que o caminhar desse texto pode encontrar mais questões que respostas. O que se faz presente em nós é a possibilidade de diálogo com a contemporaneidade, como potência. Encontraremos essa potência? Outra questão que podemos nos ater é o que seria essa potência? Que mundo é esse em que as pessoas se mostram como querem que as outras pessoas as vejam? Ou, ao mesmo tempo, se editam de acordo com os anseios do outro, como mercadoria?

Nessa perspectiva, vivemos em um mundo de constante possibilidade teatral de existência. Um corpo-território capaz de se modelar com um simples estímulo encontra na contemporaneidade um lugar de existência. A todo instante temos a possibilidade de criarmos identidades mais cambiantes e descartáveis tão logo essa ação se faça necessária. Assim, "o indivíduo alberga-se na identidade suposta sem nenhum esforço visível" (Herrmann, 1999, p.146). Seria possível pensar que personalidades inteiras estariam sofrendo uma reviravolta ou, em parte, se travestindo por meio de um disfarce? Teremos no mundo a co-habitação dessas duas colocações.

Acreditamos que o mundo dá essa resposta, na necessidade crescente de inserção no mundo tecnológico, uma vez que o "resistente-atrasado", muitas vezes, fica fora da festa contemporânea. Porém, cabe a nós a escolha de se entregar totalmente ou não ao cafetão4 da sagrada imagem da atualidade. Quando entendemos a lógica presente na ação proposta pela tecnologia, em especial no orkut, podemos divulgar o que quisermos na rede de contatos. Não há dúvidas que escolhemos bem quais fotos se destacam em nosso disfarce, quais depoimentos devem ser aceitos, e quais rejeitados. Acreditamos no poder gerado pela tecnologia e pelas possibilidades de usá-la como recurso que nos dará mudanças em um mundo marcado em nosso corpo-território. Mas esse mundo virtual se tornará hegemônico ou poderá haver resistência a ele? Ele nos dominará, ficaremos totalmente subjugados a ele, ou haverá espaço para uma reação?

 

Notas

1. O termo presentismo advém do teórico Guilles Lipovetsky.

2. A informação referente à idade de 18 a 30 anos é questionável, se notarmos que, para que usuário seja aceito, ele precisa colocar no perfil idade superior a 18 anos. No entanto, encontramos muitos usuários com idade inferior a 18 anos.

3. Lolita Pille é uma jovem escritora francesa que em 2005 lançou seu segundo livro, Bubble Gum. Este, conta a história de uma aspirante a atriz que faz de tudo para alcançar a fama, mas acaba sendo envolvida por pessoas ainda mais ardilosas que ela. O trecho citado é de seu segundo livro e foi encontrado no perfil de um adolescente de 18 anos no espaço reservado à resposta: quem sou eu.

4. O termo cafetão foi retirado do texto: O ocaso da vítima. A criação se livra do cafetão e se junta com resistência (2003), de Sueli Belinha Rolnik

 

Referências

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Bauman, Z. (2004). Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Birman, J. ( 2008). Adolescência sem fim? Peripécias do sujeito num mundo pós-edipiano. In M. R Cardoso & F. Marty. (Org.), Destino da adolescência (pp. 81-105). Rio de Janeiro: 7 Letras.         [ Links ]

Calligaris, C. (2000). A adolescência (Coleção Folha Explica). São Paulo: Publifolha.         [ Links ]

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Lévy, P. (1996). O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34.         [ Links ]

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Rolnik, S. (1997). Toxicômanos de identidade: Subjetividade em tempo de globalização. In D. Lins (Org.), Cultura e subjetividade: Saberes nômades (pp. 19-24). Campinas, SP: Papirus.         [ Links ]

 

 

Recebido em 19 de abril de 2010
Aceito em 08 de maio de 2010
Revisado em 19 de maio de 2010

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