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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj vol.12 no.1-2 Fortaleza jun. 2012

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Educador social: Imagem e relações com crianças em situação de acolhimento institucional

 

Social educator: Image and relationship with children in shelter institutions

 

Educador social: La imagen y relaciones con los niños en situaciones de refugio

 

Éducateur Social: Image et relations avec les enfants dans les situations de abri

 

 

Hilda Rosa Capelão AvogliaI; Andreia Maria da SilvaII; Pammela Makarowits de MattosIII

IDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP e Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. Professora Titular do Curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo. End.: Rua José Benedetti, 237 - apto. 102. CEP: 09531-000 - São Caetano do Sul - SP. E-mail: hilda.avoglia@metodista.br
IIPsicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo. End.: Rua Bandeirantes,154. CEP 09912-230 - Diadema - SP. E-mail: andreia.maria.psicologa@gmail.com
IIIPsicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo. End.: Rua Cristiano Angeli, 664. CEP: 09810-555 - São Bernardo do Campo - SP. E-mail: pammela.mattos@uol.com

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar a imagem que educadores sociais têm da criança em situação de acolhimento institucional e relacioná-la com as ações propostas por estes em espaços de convivência institucional. A investigação ocorreu em uma instituição abrigo (Diadema / SP) que atende crianças vítimas de negligência e/ou maus tratos. Os instrumentos utilizados foram: Teste do Desenho Temático e Observação. A técnica foi aplicada individualmente nas seis educadoras que integravam a instituição. Já a observação foi realizada nos momentos nos quais havia uma única educadora acompanhando o grupo de crianças em atividades de rotina do abrigo. Os dados obtidos com cada uma das educadoras foram analisados separadamente e posteriormente integrados aos registros da Observação. Na continuidade, uma síntese conclusiva foi elaborada para cada uma das participantes do estudo. Os resultados denotam falta de energia vital e ausência de contato afetivo com as crianças. Observa-se a predominância de educadoras com uma concepção do abrigo como um lugar provisório e inapropriado para o desenvolvimento da criança e descomprometidas com a tarefa de educá-las. O ambiente institucional parece favorecer a emergência de sentimentos de insegurança e inadequação e a ausência de perspectivas positivas para o futuro das crianças abrigadas. Esses sentimentos geram ansiedade, da qual se defendem por meio do uso de racionalização e do excessivo controle sobre o comportamento das crianças, desse modo impossibilitando uma interação mais favorável. As educadoras, em sua relação com as crianças, se configuram em modelos de identificação que, se bem elaborados, apontariam para uma instituição mais criativa, educativa e saudável.

Palavras-chave: Educador social, abrigo, acolhimento institucional, desenho temático, observação.


ABSTRACT

This study aimed to identify the image that social educators have about children in shelter institutions and relate it to their proposed actions for institutional coexistence spaces. The research took place at a shelter institution (Diadema / SP) that works with children victims of negligence and / or abuse. The techniques used were Thematic Drawing Test and Observation. The technique was applied individually in six educators who worked for the institution. The observation was conducted in moments when only one educator was accompanying the group of children in routine activities in the shelter. The data obtained with each educator were analyzed separately and subsequently incorporated in the observation registries. In continuity, a conclusive synthesis was elaborated for each one of the study participants. The results show a lack of vital energy and emotional contact with the children. There is a predominance of educators with an image of the shelter as a temporary place, inappropriate for a child's development, and not committed to the task of children's education. The institutional environment seems to favor the emergency of insecurity feelings, inadequacy and lack of positive prospects for the future of the sheltered children. These feelings create anxiety, from which they try to protect themselves using rationalization and excessive control over the children's behavior, thus preventing a more favorable interaction. The educators, in their relationship with the children, configure themselves in models of identification that, if well developed, could point to a more creative, educational and healthy institution.

Keywords: Social educator, shelter, foster care, thematic drawing, observation.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar la imagen que los educadores sociales tienen del niño en un albergue y se refieren a las acciones propuestas por ellos en los espacios de vida institucional. La investigación se llevó a cabo en una institución refugio (Diadema / SP), que sirve a los niños víctimas de abandono y / o maltrato. Los instrumentos utilizados fueron: Test de Dibujo y Nota temática. La técnica se aplicó de forma individual en seis educadores que formaban parte de la institución. Puesto que la observación se realizó en momentos en que sólo había un profesor que acompaña al grupo de los niños en las actividades rutinarias de la vivienda. Los datos obtenidos por cada uno de los maestros se analizaron por separado, seguido de un análisis de la integración de la producción gráfica de la Nota de los registros. Más tarde, una conclusión como resumen fue preparado para cada uno de los participantes en el estudio. Los resultados muestran una falta de energía vital y la falta de contacto emocional con los niños. Tenga en cuenta el predominio de los maestros con un dibujo de la vivienda como un hogar temporal e inadecuado para el desarrollo del niño, aparecen comprometidos en la tarea de educarlos. El ambiente institucional parecía fomentar sentimientos de inseguridad, la insuficiencia y falta de perspectivas positivas para el futuro de los niños protegidos. Estos sentimientos generan ansiedad para los que se defienden mediante el uso de la racionalización y del control excesivo sobre el comportamiento de los niños, imposibilitando una interacción más favorable. Los educadores en su relación con los niños, se han configurado para identificar los modelos que, si están bien elaboraos, apuntan a una institución más creativa, educativa y saludable.

Palabras-clave: Educadores-sociales, la vivienda, el dibujo temático, la observación, el niño protegido.


RÉSUMÉ

Cette étude visait à identifier l'image que les éducateurs sociaux que l'enfant dans un abri et de le relier aux actions proposées par ceux qui dans les espaces de vie institutionnels. La recherche a eu lieu dans un établissement sous (Diadema / SP), qui sert aux enfants victimes de négligence et / ou de mauvais traitements. Les instruments utilisés étaient: test du dessin et de la note thématique. La technique a été appliquée individuellement dans six éducateurs qui faisaient partie de l'institution. Depuis l'observation a été effectuée à des moments où il n'y avait qu'un seul enseignant accompagnant le groupe d'enfants dans les activités de routine de l'abri. Les données obtenues par chacun des enseignants ont été analysés séparément, suivie d'une analyse intégrant la production graphique de la note dossiers. Plus tard, un résumé a été préparé pour la conclusion de chacun des participants à l'étude. Les résultats montrent un manque d'énergie vitale et le manque de contact émotionnel avec les enfants. Notez la prédominance des enseignants avec une conception de l'abri comme un lieu temporaire et inappropriée pour le développement de l'enfant, semblent ne pas s'engager dans la tâche de les éduquer. L'environnement institutionnel semblait susciter des sentiments d'insécurité, l'insuffisance et le manque de perspectives positives pour l'avenir des enfants protégés. Ces sentiments d'anxiété pour lequel ils se défendre grâce à l'utilisation de la rationalisation et un contrôle excessif sur le comportement des enfants, ce qui empêche une interaction plus favorable. Les éducateurs dans leur relation avec les enfants, sont configurés pour identifier les modèles qui, s'ils sont bien conçus, rappelle dans un établissement de plus de créativité, de l'éducation et la santé.

Mots-clés: Enseignant-sociaux, le logement, thème de conception, de l'observation, l'enfant protégé.


 

 

O Lar Abrigo: Histórico e sua Importância

Em 1990, por meio da participação popular, é aprovado no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), documento que passa a responsabilizar a família, a sociedade e o Estado pelos cuidados com essa população. "O estatuto mais do que a implementação de uma nova lei, é a implementação de um novo direito: o direito da infância e da juventude no Brasil" (Castro, 1995, p. 5).

O órgão permanente responsável pelo cumprimento dos direitos da criança e adolescente é o Conselho Tutelar. A atuação desse órgão, afirma Castro (2002), apresenta uma nova práxis em espaço de construção de alternativas para transformação. As intervenções feitas pelo Conselheiro Tutelar podem ser classificadas como encaminhamentos, orientações e inclusões a programas que auxiliem no desenvolvimento e reestruturação dos que constituem a família, contribuindo para a dinâmica familiar e, consequentemente, o desenvolvimento infantil. Entretanto, quando há um insucesso nesses programas e a criança e/ou adolescente continuam em risco, o Conselho age com a medida de abrigamento, retirando da família a criança e o adolescente. A medida de abrigamento é provisória e excepcional, não implicando a privação de liberdade. A permanência da criança no abrigo ocorre até que se reestruture a família ou que se busque sua colocação em uma família substituta.

Conforme estabelecido no artigo 101, do ECA, o abrigamento é uma medida de proteção, realizada a partir de decisão do Conselho Tutelar e por determinação judicial. A consequência dessa ação é o afastamento temporário da criança e/ou adolescente de seu domicílio. Ao descrever as medidas de proteção, o ECA (1990), em seu artigo 101, confirma que se aplicam a qualquer criança e adolescente nos momentos em que estão ameaçados seus direitos básicos. Segundo o Estatuto, quando a criança está em alguma situação de negligência ou maus tratos e a família, por diversos motivos, não consegue cumprir com seus deveres relativos aos seus cuidados, o Estado, por intermédio do Conselho Tutelar, intervém.

Historicamente observa-se que antes da constituição do ECA os abrigos já existiam, não com a mesma organização atual, mas como confrarias, irmandades e Santas Casas, que cuidavam de crianças órfãs e abandonadas e funcionavam em um sistema de portas giratórias, que permitia às pessoas "depositar" os pequeninos sem serem identificadas, e, do outro lado, alguém da instituição as recebia. Nessa ocasião, as crianças ficavam trancadas nas instituições, não lhes sendo permitido estabelecer e manter convívio social e com a comunidade (Gasparini, 2007).

Essas instituições sofreram transformações em muitos aspectos, pois, segundo o ECA (1990, artigo 92), o abrigo deve preocupar-se em oferecer programas que visem o não rompimento de vínculos familiares, a integração à família substituta, a atenção personalizada e, no caso de pequenos grupos, o não desmembramento de irmãos, além de garantir a participação dos acolhidos na vida da comunidade social.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou uma pesquisa em 2004 e constatou que 80 mil crianças no Brasil vivem em situação de abrigo, que 87% dos abrigados têm família e que apenas 4,6% das crianças e adolescentes são órfãos. A pesquisa também constatou que os maiores motivos de abrigamento são, respectivamente, carência financeira, abandono pelos pais, vivência de rua, tráfico de drogas, trabalho infantil e mendicância (ato de crianças e adolescentes que pedem esmolas nas ruas).

Oliveira, Wada e Gentile (2006), em sua proposta de atendimento no abrigo, sugerem que essa instituição reproduza um cotidiano similar ao de um ambiente residencial, levando em consideração questões como: capacidade de abrigamento da unidade, características do imóvel, características do relacionamento entre funcionários e abrigados. Gulassa (2006) relata que o abrigo é tempo e espaço de proteção, acolhimento, resgate de vínculos, preservação da essência do ser na sua diferença; respeito às histórias, às crenças, aos gostos; referência na construção da história; protagonismo, atuação, autonomia; busca do próprio potencial, de realização, de conhecimento de si e das próprias qualidades; recuperação do desejo de conquista e da capacidade de sonhar; desenvolvimento de apoio mútuo, confiança; reconstrução do projeto de vida da criança e da família (p.57).

O abrigo é compreendido como uma instituição cujo objetivo é oferecer condições saudáveis para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Para Bleger (1984), a instituição se caracteriza por uma integração de normas, regras e atividades articuladas a partir de valores e funções sociais. Pensando no abrigo como uma instituição, Carvalho (2002, citado por Siqueira & Dell'Anglo, 2006) relata, de uma maneira crítica, que:

"o ambiente institucional não se constitui no melhor ambiente de desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto índice de crianças por cuidador, falta de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo são alguns dos aspectos relacionados aos prejuízos que a vivência institucional pode operar no indivíduo" (p.1).

No entanto, a concepção apresentada por Lapassade (1983) não se restringe aos aspectos concretos e quantitativos da instituição, a exemplo de seu espaço físico e condições materiais em que se encontra, mas refere-se à forma como é atribuída a regra que determina o andamento da instituição, as formas de preconceitos, as superstições e os costumes que a norteiam.

O abrigo deve atentar-se, em seus atendimentos, para que não reproduza ou seja alvo das violências que a sociedade, de forma geral, dirige aos seus atendidos. Alves, Ruotti e Cubas (2006) descrevem que, ao mesmo tempo em que há uma mobilização da sociedade para discutir sobre a exposição à violência, é possível observar uma "certa dessensibilização" de sua parte em relação a essa temática, envolvendo uma resposta de conformismo com a realidade da vítima ou de quem é expectador de um ato violento, atitude que pode ser, diversas vezes, assumida como um mecanismo de que se valem para sobreviver a esse contexto.

 

O Educador Social

O acolhimento institucional é constituído especialmente pela função do educador social. A partir do momento em que a criança e o adolescente são afastados do lar, passam a ser atendidos por outras pessoas. Nesse momento é o educador social que terá um contato direto com os mesmos, sendo-lhes a referência mais próxima de adulto.

O educador social acompanha o dia-a-dia das crianças e adolescentes. É responsável pela saúde, alimentação, higiene, apoio escolar, pelo acompanhamento em programas externos, tais como escola, atividades culturais e esportivas, além de por propiciar brincadeiras que favoreçam a interação educador-criança.

O tipo de relação estabelecida com os educadores desempenha papel central no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes abrigados, à medida que serão os adultos que assumirão o papel de orientá-los e protegê-los, constituindo, nesse momento, os seus modelos identificatórios. Argumentam alguns pesquisadores, como Bazon e Biasoli-Alves (2000), sobre a importância de cursos de formação, oficinas de reciclagem, ou mesmo de um espaço para compartilharem suas dúvidas e experiências, e receberem acompanhamento. Para essas autoras, a figura do monitor é um elemento central para o sucesso de trabalho com crianças e adolescentes. Elas o consideram como educador e ressaltam a importância de se qualificar os serviços de atenção direta, apontando a necessidade de que os responsáveis pela sua realização sejam guiados em suas ações cotidianas de modo a compreender o impacto que seus gestos podem ter, a fim de darem um sentido às suas ações rotineiras. As ações dos educadores são codeterminadas, em parte por ele mesmo e em parte por sua participação na instituição, por intermédio das normas "inconscientes" da instituição (Guirado, 1987).

A importância de o abrigo assumir uma postura mais educativa é defendia por Gasparini (2007), quando aponta para a necessidade de se privilegiar o crescimento sadio e a dignidade das crianças. O acolhimento institucional deve atuar de forma que as crianças abrigadas se vejam como capazes de superar as dificuldades da problemática que enfrentam, "não como coitados", como discute a autora, mas como cidadãos dignos de exercerem os seus direitos e de serem cuidados.

O próprio ECA orienta que no processo educacional deverão ser respeitados os valores culturais, artísticos e históricos específicos do contexto social no qual a criança e o adolescente estão inseridos. Dessa forma, o estatuto tenta garantir a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura, conforme destacado em seu artigo 58.

Na perspectiva afetiva emocional do desenvolvimento, Siqueira e Dell'Anglo (2006) registram que os abrigos devem considerar o afeto presente nas relações entre as crianças e adolescentes e entre estes e seus monitores. A dimensão afetiva é parte inerente das relações humanas e não deve ser excluída enquanto elemento propiciador de desenvolvimento, argumentam os autores.

Ainda no prisma da afetividade, Calligaris (1994) analisa o sentimento de "piedade" criado em torno das crianças abandonadas. No caso das instituições de abrigo, a compaixão e o sentimento de piedade são mais facilmente identificados nos vínculos estabelecidos, principalmente com as "madrinhas adotivas", personagens típicas dessas instituições. O autor sugere que essas pessoas, ao cuidarem das crianças, estão investindo em sua "própria salvação". Discute que o cuidar de uma criança abandonada nem sempre está associado ao exercício da cidadania, preenchido de ações educativas, mas, talvez, à necessidade de buscar nela um afeto que lhe restitua algo sentido como perdido ou esvaziado, possivelmente relativo à sua própria filiação. Considerando-se a argumentação do autor, acredita-se que essas mesmas indagações podem ser dirigidas à postura dos educadores de abrigos, uma vez que ao manterem um olhar de piedade para com a criança, afastam-se da mesma enquanto um indivíduo capaz de superar os desafios impostos pela vida.

Refletindo sobre a atitude do educador, Gasparini (2007) afirma que deve persistir nessa figura uma disponibilidade para aprender e para elaborar uma leitura crítica e cotidiana do conjunto de acontecimentos durante sua atuação. Conclui que deve aprender com a própria prática, não abafando nem escondendo os conflitos, para não dificultar ainda mais uma possível transformação efetiva.

Ao se pesquisar a imagem do educador social sobre a criança em situação de acolhimento institucional, verifica-se que é necessária uma explanação prévia sobre o conceito de imagem. Ao se olhar para um objeto capta-se uma imagem, uma representação do que foi observado; porém, o que se pretende pesquisar neste estudo vai mais além. Deter-se-á, então, na formação da imagem, segundo Sartre (1940/1996), para quem "A imagem designa nada mais que a relação da consciência ao objeto; dito de outra forma, é um certo modo que o objeto tem de aparecer à consciência ou, se preferimos é um certo modo que a consciência tem de se dar ao objeto"(p. 19).

A imagem que se observa é também a consciência do objeto, pois a imagem só é formada a partir da consciência da existência do objeto. É preciso já se ter um conceito do que se observa para que esse objeto se caracterize como imagem, pois de outra forma não seria uma imagem, mas sim, uma percepção. Considerando-se tais apontamentos, pode-se identificar que a imagem do educador social sobre a criança é constituída por algo que ele já conhece nessa situação, logo, trata-se de uma imagem carregada de conteúdos de sua história de vida e de sua personalidade. Assim, tem-se uma imagem que é observada a partir da ótica do observador, pois quando se observa algo, direciona-se a atenção a um determinado ponto, captando a imagem da maneira que se a compreende.

De acordo com Albuquerque (1978, citado por Guirado, 1985), "os atores institucionais representam sua própria imagem enquanto agentes institucionais e.... formam imagens dos papéis dos demais atores. Tais representações não são, evidentemente fruto da pura imaginação, individual ou coletiva, mas são efeitos de relações sociais" (p.22). O autor relata, ainda, que as imagens dos que compõem a instituição estão intimamente ligadas com as relações sociais, podendo ser reproduzidas ou acrescentadas.

Algumas reflexões podem surgir a partir da discussão sobre a imagem do educador social. Ao executar o seu trabalho com a criança, o educador estaria reforçando sua autoconfiança, autorrrespeito e possibilitando o estabelecimento de vínculos significativos, dando sentido à vida, e/ou de metas a serem atingidas, ou ainda, contribuindo para a propagação de práticas preconceituosas, excluindo, mais uma vez, essa criança que necessita de uma referência positiva em sua vida.

Diante dessas indagações, Deconchy (s.n.) aponta para a necessidade de se estabelecer um clima sereno nas relações dessas crianças com as pessoas, nomeadamente com os pais, capaz de inspirar-lhes segurança e fazê-las encarar o mundo com uma confiança e uma serenidade que vão atenuar a opacidade circundante.

Parte-se do pressuposto de que a imagem que o educador possui acerca da criança abrigada interfere no modo como atua cotidianamente com elas. A intenção deste estudo é identificar essa imagem e a relacionar com o observado em momentos de convivência entre educador e crianças. Acredita-se que as imagens representadas pelos educadores da instituição estão diretamente articuladas à forma como trabalham com estas.

A expectativa acalentada é que o presente estudo possa fornecer elementos que contribuam para a compreensão da maneira como os educadores sociais trabalham com essas crianças. A partir desses dados, parece possível propor ações que colaborem para a adequação de práticas que efetivamente favoreçam o bem-estar das crianças em situação de abrigo.

 

A Criança em Situação de Acolhimento Institucional e seu Desenvolvimento

Ao deparar com a criança em situação de acolhimento institucional, logo se pensa na influência da institucionalização para o desenvolvimento saudável. Segundo Winnicott (1957/1982):

para que os bebês se convertam, finalmente, em adultos saudáveis, indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, dependem totalmente de que lhes seja oferecido um bom princípio, o qual está assegurado, na natureza, pela existência de um vínculo entre a mãe e seu bebê: amor é o nome desse vínculo (p.17).

Nesse contexto, é possível compreender que a base de um desenvolvimento saudável é traçada durante as primeiras semanas ou meses de vida no contato com sua mãe, momento no qual a qualidade do amor dado e recebido faz-se de grande relevância para o desenvolvimento da criança.

Soifer (1992) define que as possibilidades para o desenvolvimento físico e psíquico da criança dependem exclusivamente das condições materiais e emocionais que lhe oferecem os seus familiares, e destaca o papel da mãe. Reflete-se, então, a respeito da formação do psiquismo das crianças em situação de abrigo, uma vez que evidencia-se a ausência da mãe e do pai, papéis essenciais no desenvolvimento saudável. De acordo com Papalia e Olds (2000), a família assume sua importância enquanto modelo, enquanto fonte de padrões explícitos e como guia para adoção de outros modelos. Concluem que as crianças, principalmente quando bebês, que recebem atenção empática, zelosa e responsiva por parte de seus cuidadores, tendem a desenvolver essas mesmas qualidades.

Dessa forma, é relevante se pensar a respeito do desenvolvimento da criança tendo-se como foco o fato de estarem abrigadas, pois as crianças inseridas em abrigos deixam de ter esses alicerces essenciais da família e do contato com a mãe. Nesse sentido, ao educador social caberá, então, suprir algumas de suas necessidades, oferecendo não só uma visão de família como também a representação dos papéis familiares. Sobre essa condição, Deconchy (s.n) afirma que a criança cujo grupo familiar é desordenado, perturbado e isento de amor, situação comum entre as crianças abrigadas, é uma criança que não tem família. Para Parreira e Justo (2005), o desejo das crianças abrigadas é o de recuperar a filiação familiar, uma vez que esses laços sofreram uma ruptura, desencadeando vinculações pouco sólidas, sem referência no passado, sem compreensão do tempo e do espaço, vivenciando a provisoriedade e a desfiliação. Os referidos autores sugerem, ainda, que tais crianças estão expostas ao relaxamento dos vínculos psicossociais, como em uma desfiliação primária.

A partir dessas considerações, a finalidade deste estudo foi identificar a imagem que educadores sociais têm da criança em situação de abrigo e relacioná-la com as ações propostas por eles em espaços de convivência institucional.

 

Método

Este estudo foi realizado em uma instituição de acolhimento para crianças de 02 a 12 anos incompletos, vítimas de violências em suas diversas modalidades, localizada no município de Diadema, Região do Grande ABC/SP. Participaram do estudo a totalidade dos educadores que compunham o quadro da instituição, sendo seis educadores no período da coleta de dados, todos com experiência de trabalho na instituição superior a seis meses.

O abrigo proporciona às crianças um sistema de moradia provisória para permanência breve, horas ou dias; ou permanência continuada, meses ou anos. Os documentos oficiais apontam como sua finalidade institucional em relação ás crianças a de abrigá-las, oferecendo-lhes amor, carinho e atenção, propondo o resgate de sua autoestima.

Para a obtenção dos dados foram utilizados: a) desenho temático, visando identificar a imagem que os educadores possuem da criança abrigada. Trata-se de uma técnica projetiva, que pode ser definida como "procedimento para o estudo da personalidade que apresenta como situação-estímulo algo pouco estruturado e mal definido, vago e impreciso, que não tem um significado estabelecido pela opinião do experimentador e ao qual o sujeito possa imprimir um sentido particular" (Tardivo, 1992, p.8). Esse instrumento, segundo Fiorin (1989), objetiva explicar a realidade, classificando-a, ordenando-a e estabelecendo relações e dependências com uma função interpretativa. Quando se analisa um texto figurativo, deve-se descobrir o tema subjacente às figuras adotadas para que elas tenham sentido. O tema, por sua vez, reveste o esquema narrativo. Para o referido autor, o nível dos temas e das figuras constitui um local privilegiado de manifestação da ideologia, que pode ser percebida em sua completude mediante a análise de vários discursos que tratam de um mesmo tema de maneiras distintas. Esse tema, ampliado e apreendido sob diversos espectros, consiste em uma configuração discursiva. A aplicação da técnica baseou-se na padronização estabelecida por Tardivo (1992); e b) a observação: buscando registrar as ações desses educadores em horário de convivência com as crianças, ou seja, as interações que aconteceram em um determinado momento no espaço institucional.

A observação ocorreu mediante registro cursivo que, segundo Danna e Mattos (1999), consiste na atividade de, "dentro de um período ininterrupto de tempo, registrar o que ocorre na situação" (p.56). De acordo com as autoras, "Esta técnica será fundamentada na teoria psicanalítica em que seu objeto 'será a intencionalidade (consciente e inconsciente) do sujeito observado'" (Ciccone, 2000, p. 33). Para a observação foi mantida uma distância entre o observador e o observado e foram registradas as atitudes, manifestações corporais, interações verbais e não verbais, conforme Ciccone (2000).

O primeiro passo foi a aplicação individual do desenho temático conforme a padronização sugerida por Tardivo (1992), mediante aprovação da coordenadora do abrigo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte das educadoras. A instrução foi "desenhe a imagem que você possui da criança em situação de abrigo". Depois de concluído, solicitaram-se esclarecimentos e comentários verbais sobre o desenho elaborado. O tempo de realização da tarefa foi indeterminado.

O segundo passo consistiu na observação por meio do registro cursivo, que ocorreu nos diversos momentos de interação entre o educador e as crianças. Para isso, as pesquisadoras realizaram plantões de observação em diferentes espaços do abrigo e em diferentes horários, como no refeitório durante a alimentação; nos quartos, na preparação para dormir; na sala de TV; no pátio, em atividades de lazer, e no banheiro, na preparação para o banho. Os registros foram elaborados de forma independente, por cada uma das pesquisadoras, em um período de 10 minutos, a fim de assegurar maior precisão na obtenção dos dados.

Analisou-se cada um dos desenhos produzidos pelos educadores conforme os referenciais estabelecidos por Tardivo (1992). Sendo assim, o trabalho de análise dos desenhos aconteceu primeiramente na leitura constante dos elementos gráficos presentes, associando-os a núcleos mais representativos com relação à imagem que o educador faz da criança em situação de abrigo. Conforme preconiza o autor, foram criadas categorias que continham as imagens e elementos destinados a alguma indicação de edificações e/ou ações no desenho elaborado. Desse modo, foi possível entender que as análises partiram de dados empíricos da realidade para a construção das categorias do trabalho.

Para os dados provenientes da observação, foi igualmente elaborada uma análise qualitativa do material registrado a partir de uma visão psicanalítica. A análise de cada uma das sessões de observações foi posteriormente relacionada aos desenhos produzidos por cada um dos educadores de modo a se relacionar a imagem e a atitude do educador diante da criança.

 

Resultados e Discussão

A partir das informações colhidas na análise, tanto da produção gráfica quanto das observações, apresentam-se os resultados, destacando-se a interpretação dos desenhos, elaborada a partir dos indicadores propostos por Tardivo (1992), bem como a análise das observações que, interpretadas sob a perspectiva psicanalítica, foram relacionadas aos conteúdos dos desenhos temáticos.

Ressalta-se também que os nomes adotados para a apresentação dos fragmentos dos registros das observações das crianças e respectivas educadoras são fictícios, buscando-se assegurar as exigências éticas. Outro aspecto que merece destaque são os relatos das sessões de observação dos momentos de convivência, conforme especificado no método. Optou-se por apresentar o material de modo a selecionar alguns momentos das sessões e sua análise correspondente, apresentando fragmentos, ou seja, recortes dos registros das observações ilustrativos da análise. Essa seletividade, embora reconhecidamente árdua de ser elaborada, deve-se principalmente à complexidade e ao volume dos registros coletados.

 

Análise da Educadora 1 (E1)

Ao se observar a interação da E1, parece possível afirmar que a ausência de um objetivo claro e consistente em sua conduta de trabalho desencadeia uma postura aparentemente tensa e controladora, pois se vê que a todo instante age de forma a que nada fuja de seu controle, de acordo com suas próprias regras e normas, como se pode ilustrar a partir deste fragmento de registro:

...Antonio (8 anos) esta andando no refeitório. E1 verbaliza: "E Antônio passeando!" Gabriela se dirige ao balcão em direção à educadora. Roberta (que estava próxima da educadora e do balcão) pega bolacha dá para Gabriela. Neste momento a educadora leva a criança para uma mesa. Joana (6 anos) ainda continua cortando as bolachas e E1 fala: "Já faz tempo que você está aqui, pare de brincar e coma!".

Para Bazon e Biasoli-Alves (2000), os educadores sociais devem ser orientados para que deem sentido à sua prática, de modo a compreenderem o impacto de seus gestos e o objetivo que possui seu trabalho. O fato também de realizar um desenho com a perspectiva de futuro para a criança demonstra, além do olhar promissor, certo distanciamento da realidade presente vivida pela criança. Da mesma forma, não mantém uma interação com as crianças, ou seja, ela não percebe a criança hoje, mas sim no futuro, o que dificulta o processo de comunicação. A forma como o ser humano relaciona-se com o mundo está intimamente atrelada à forma de integração do indivíduo (Avoglia, 1997). Também é importante ressaltar que a não interação dessa educadora com a criança e a ausência de afetividade dificulta seu desenvolvimento, como argumentam Siqueira e Dell'Aglio (2006).

 

Análise da Educadora 2 (E2)

O afeto é fundamental na construção de um relacionamento saudável, promovendo o desenvolvimento de todos que estão inseridos nessa ação (Siqueira & Dell'Aglio, 2006). Contudo, ao se analisar o desenho e os registros da observação identificou-se que a educadora mostra sinais indicativos de resistência diante das manifestações afetivas das crianças. Especialmente no que se refere à produção gráfica, ressalta-se a ausência de cores e, na observação, o pouco contato estabelecido com as crianças nos momentos de convivência. Observou-se que a comunicação verbal ocorre de forma autoritária e somente intervém quando alguma delas faz algo que desaprova. Os comportamentos adequados das crianças sequer são percebidos pela E2. Suas intervenções não contribuem para uma ação educativa que proporcione o crescimento sadio e a dignidade das crianças, assim como relata Gasparini (2007).

Calligaris (1994) reflete que, ao cuidar de crianças em situação de risco, essa pessoa pode estar investindo em sua própria salvação e nem sempre essa ação está preenchida de ações educativas. Pode-se perceber também que o fato de manter-se afastada física e afetivamente das crianças, distanciando-se da realidade cotidiana do lar, demonstra sua fragilidade em lidar com as mesmas, o que a leva a delegar sua responsabilidade como educadora às crianças ou a suas famílias, situação possível de se visualizar neste fragmento de observação:

Educadora, permanece sentada, há quatro crianças em volta dela, Roberta (8 anos) aproxima-se dela, a educadora pergunta: "Quem ta lá?". Roberta responde: "Lucas e Beti". Educadora verbaliza: "Vai lá e pede pra eles virem pra cá colocar o chinelo!" Roberta faz o solicitado.

Fabio (9 anos) e Antonio (9 anos) estão brincando com bonecos, aviões e carrinhos na lateral do parque.

Antonio fala: "Fábio, me dá um carrinho!".

Fábio fala: "Não vou dá!"

Antonio fala com a educadora: "Educadora 2, ele não quer me dá o carrinho!".

A educadora intervém: "Dá pra ele Antônio, você está com dois."

Fábio: "Não estou não".

Educadora 2 verbaliza: "Estou vendo outro em sua mão!"

A criança não devolve o brinquedo.

 

Análise da Educadora 3 (E3)

O material gráfico integrado à observação da interação com a Educadora 3 aponta a presença de sentimentos de insegurança e inadequação, que pode ser associada ao ambiente institucional e à forma como se relaciona com as crianças. Tais características parecem se constituir como base para se compreender o não oferecimento de situações prazerosas às crianças nos momentos de interação. Denota agir dentro daquilo que lhe é estabelecido como regra e como rotina institucional. Contudo, quando algo foge do seu controle responde de modo a punir as crianças, justificando racionalmente tal atitude como sendo uma estratégia para aprendizagem.

Recortou-se este fragmento de observação para se ilustrar a análise em tela:

E3 pede para Roberta (11 anos): Roberta vem tomar banho. Priscila fica parada esperando a educadora secá-la. Roberta vem para o quarto, tira a roupa. E3 pergunta: cadê o seu xampu e sabonete? Roberta responde: pegaram meu sabonete, eu não sei onde está. E3 verbaliza: vá buscar seu sabonete. Roberta diz: mas eu estou pelada e os meninos estão aqui em cima. E3 pede: se enrole na toalha e vá buscar o seu sabonete. Roberta tenta entrar no banheiro e diz: eu posso usar o sabonete da Priscila. E3 segurando a menina diz a umas das observadoras: elas sempre fazem isso, eu não deixo com que elas fiquem tomando banho uma com as coisas das outras por questão de higiene, cada uma tem as suas coisas. E3 pede novamente: vai buscar o seu sabonete ou então você vai ficar sem tomar banho. E3 abre uma frestinha da porta e chama Adriana: Adriana vem tomar banho porque a Roberta não vai tomar banho. Roberta se troca e fala: então eu não vou tomar banho. E 3 diz: então fica sem tomar banho, fica fedida. A educadora sai do quarto para buscar a Adriana. Roberta retira a roupa rapidamente e entra no chuveiro. A educadora volta para o quarto e retira todos os xampus e sabonetes que estavam no banheiro e diz para Roberta: você vai tomar banho sem sabonete, quero ver agora você tomar banho assim. E3 diz para uma das observadoras: sabe tenho que fazer isso se não elas não aprendem. E3 ajuda a Priscila a colocar as últimas peças de roupa e pede: Priscila espere para eu pentear seu cabelo. E3 sai do quarto e vai buscar a Adriana. Enquanto isso Roberta toma banho sem sabonete.

As atividades dos educadores são codeterminadas por eles mesmos e também por sua participação na instituição, ou seja, por meio das normas "inconscientes" da instituição (Guirado, 1987). Também é possível observar que o educador, ao realizar uma tarefa, não atribuiu sentido à sua prática, assim como orientam os pesquisadores Bazon e Biasoli-Alves (2000).

As constantes justificativas da E3 às pesquisadoras enquanto observavam também denotam resistência e insegurança persecutória, gerada pela ansiedade diante do que estas poderiam supor a respeito de sua conduta no trato com as crianças.

Para essa educadora a imagem da criança abrigada é daquela que pede esmolas nas ruas, anda suja e sem higiene, descabelada e advinda de um lar despreparado para contribuir para o seu desenvolvimento, conforme Figura 1. Ao se olhar com piedade para a criança, afasta-se dela enquanto um indivíduo e da sua capacidade de superar os desafios impostos pela vida (Calligaris, 1994).

 

 

Análise da Educadora 4 (E4)

É possível perceber que a afetividade identificada na análise do desenho da E4 é igualmente expressa no seu relacionamento com as crianças. Destaca-se este momento da observação:

E4 fala para a criança que está sentada no sofá: Adriana vai lá em cima e coloca o pijama nas meninas pequenas. Adriana assim faz. E4 coloca a mão na cabeça e fala: Gente esqueci uma coisa, vou precisar da ajuda de vocês! Danilo (8anos) pergunta: do que? Educadora responde: Esqueci que agente já escovou os dentes! Danilo fala: eu não escovei! Antonio (9anos) fala: eu escovei! A E4 fala: Bom saber, então a gente vai ter que escovar de novo, e você Danilo ia dormir sem escovar os dentes de novo! Danilo dá um sorriso espontâneo.

Observa-se uma interação positiva com as crianças, sempre dialogando, provendo a reflexão sobre condutas e normas estabelecidas pelas próprias crianças entre si e pela instituição. Além disso, mostra-se comunicativa e preocupada em justificar às crianças alguns de seus atos. Nesse sentido, considera-se a reflexão de Papalia e Olds (2000) quando afirmam que as crianças, quando recebem atenção empática, zelosa e responsiva por parte de seus cuidadores, tendem a desenvolver essas mesmas qualidades.

Na produção gráfica (Figura 2), vê-se uma criança com características depreciativas, suja e com carências de figuras parentais e afetividade de um lar, o que permite pensar que sua postura, enquanto educadora, busca compensar as carências e o desamparo das crianças, mesmo que isso ocorra a partir de suas crenças pessoais

 

 

Análise da Educadora 5 (E5)

O material analisado indica que essa educadora se percebe e atua como detentora do saber e da informação, impossibilitando a autonomia da criança. A educadora, nesse caso, procura assumir o controle total diante da situação, como forma de evitar a insegurança, massificando sentimentos e deixando de lado a singularidade das crianças. Tal postura contraria o que Gulassa (2006) relata como sendo a função do abrigo. Para o autor, o abrigo deve proporcionar reflexão, oferecendo um ambiente de busca do próprio potencial, recuperação do desejo de conquista e preservação do ser na sua diferença.

Especificamente no desenho identifica-se resistência em demonstrar a afetividade e sua forma de relacionar-se com as crianças, durante a observação das pesquisadoras, mostrou-se pouco afetiva: em alguns momentos desconsiderou os desejos manifestados pelas crianças, bem como o valor simbólico que as crianças atribuem a alguns objetos.

Rodrigo (9 anos) está na sala fazendo cópia de um texto do livro. Samara (9 anos) também entra na sala. A educadora 5 chega pega na blusa da Samara e fala: eu não gosto desta blusa porque você não a tira, tá até suja, não dá nem tempo de lavar. Samara olha para a educadora e dá um pequeno sorriso. A educadora 5 continua: sinto até vontade de jogar a blusa no lixo pra ver você usando outra blusa, você tem bastante roupa. Educadora 5 sai da sala.

Conforme Winnicott (1957/1982), o papel do educador é comparado ao da família no desenvolvimento infantil; a qualidade de afeto, do amor, dado e recebido, faz-se de grande relevância para o desenvolvimento da criança.

 

Análise da Educadora 6 (E6)

O grafismo indica baixo nível de energia, falta de ânimo e exaustão emocional. Esses aspectos, quando relacionados com o registro das observações, apontam para a ausência de um vínculo que promova uma interação mais saudável entre as crianças. Vale ressaltar que, para Targano (1982), a capacidade do ser humano de adaptar-se ativamente na sociedade e desempenhar um papel de qualidade está relacionada à qualidade de sua saúde mental. Pode-se perceber também que o fato de a educadora contatar as crianças de modo impessoal e superficial, denota um relacionamento pouco afetuoso, marcado rigidamente pelo respeito às normas e regras da instituição. Desse modo, garantindo a manutenção das regras institucionais, acredita que assegura o cumprimento de seu papel enquanto educadora.

Joana (5 anos) está em pé no canto da sala olhando para fora através da janela. A educadora pergunta: Joana se você quer assistir à TV? Joana movimenta a cabeça afirmativamente e a educadora complementa: então senta ou saia da sala. Joana senta.

Danilo (9 anos) entra na sala, a educadora verbaliza: Danilo tire os sapatos! Renato sobe as escadas com um cabo de vassoura na mão dizendo: vou bater no Danilo! Educadora 7 segura o cabo e fala: me dá o cabo de vassoura. Danilo diz: não e eu vou bater nesse menino. A educadora pergunta: da onde é esse cabo? Dá vassoura ou do rodo? Renato puxa o cabo da mão da educadora e fala: vou bater naquele menino. Danilo sai da sala correndo e desce as escadas. Renato desce atrás ainda com o cabo de vassoura na mão.

Sobre esse registro, pode-se apoiar em Charlot (2002) quando argumenta que uma modalidade entendida como violência é caracterizada quando as vítimas são os próprios atendidos, exemplificada no tipo de relacionamento estabelecido entre todos os que compõem uma instituição.

 

Considerações Finais

Considerando-se a finalidade deste estudo pode-se perceber que a representação da imagem do educador social, obtida por meio do desenho, refere-se à constituição psíquica dessas educadoras, sendo que tais imagens parecem interferir, nesse caso, no relacionamento educador-criança. Observa-se que a qualidade da relação interpessoal estabelecida entre essas educadoras e as crianças se constitui em um importante indicador para o desenvolvimento destas. Nesse sentido, o presente estudo aponta as educadoras como modelos identificatórios para essas crianças.

O espaço institucional especificamente aqui analisado parece imprimir sua marca na qualidade da interação entre as educadoras e as crianças. De maneira mais específica, as educadoras apresentadas como 1, 2, 3 e 4 expressaram, em suas produções gráficas, comprometimentos de ordem psicoafetiva, que certamente atingem a forma como se relacionam com as crianças, conforme registrado na fase de observação. Alguns comportamentos caracterizam tal postura, como no momento em que uma determinada norma institucional é colocada em prática pela educadora, sem nenhuma justificativa para a criança, não favorecendo a construção de sua subjetividade e interações.

Destacam-se as características de natureza afetiva analisadas nos desenhos das educadoras 4 e 6, especificamente. Porém, as sessões de observações não registram essa afetividade na interação com as crianças, não há contato físico, nem expressões incentivadoras, possivelmente indicando que, embora presente, a afetividade parece encontrar certa resistência para ser manifestada.

Em um sentido mais amplo, a convivência com o ambiente institucional pareceu igualmente favorecer a presença de sentimentos de insegurança e inadequação e a ausência de perspectivas positivas para o futuro das crianças abrigadas aqui analisadas. Tais sentimentos as impossibilitam de promover o desenvolvimento de uma interação mais criativa, educativa e saudável e, em contrapartida, geram elevados níveis de ansiedade, diante dos quais se defendem utilizando mecanismos ligados à racionalização, justificando suas atitudes como sendo o "melhor para aquelas crianças". Desse modo, asseguram o controle da situação e cumprem o papel estabelecido pelas regras institucionais, protegendo-se da necessidade de lidar com contextos novos ou inesperados.

Outro aspecto que se salienta refere-se ao fato de predominar entre as educadoras a concepção de que o abrigo é um lugar provisório e inapropriado para o desenvolvimento infantil, de que o lugar mais favorecedor para o desenvolvimento da criança é o seu lar, com a presença dos pais. Essa consideração remete à reflexão acerca do quanto as educadoras se eximem e se tornam descomprometidas com a tarefa da educar as crianças, sob o entendimento de que, uma vez que se trata de um espaço de passagem, por mais que façam, será sempre insuficiente.

É importante relatar que foram também identificados sintomas de cansaço, esgotamento, falta de energia vital e exaustão emocional nas educadoras, tanto em suas produções gráficas quanto nas observações, o que certamente sinaliza a importância de um maior investimento na promoção da saúde de profissionais que ocupam essas funções de significativa importância na saúde mental infantil. A elaboração deste trabalho reafirma conclusões apresentadas em outros estudos sobre a necessidade de educadores melhor preparados, privilegiando a capacitação, desde que não se limite a uma questão meramente tecnicista, mas que considere as dimensões psicológica, pedagógica e social para a realização de uma efetiva ação educativa em um espaço diferenciado, como é o caso do em que ocorre o acolhimento institucional. Dessa forma, será possível oferecer às crianças em situação de abrigo um ambiente que possa favorecer, ainda que minimamente, seu desenvolvimento integral.

 

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Recebido em 17 de setembro de 2009
Aceito em 15 de novembro de 2010
Revisado em 19 de maio de 2011

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