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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj vol.12 no.1-2 Fortaleza jun. 2012

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Pós-modernidade e mercado informal de drogas ilegais: O jovem na criminalidade

 

Postmodernity and the informal market of illegal drugs: Youth in criminality

 

Postmodernidad y mercado informal de drogas ilegales: El joven en la criminalidad

 

La post-modernité et le marché informel de drogues illicites: La jeunesse dans la criminalité

 

 

Jacqueline de Oliveira MoreiraI; Andréa Máris Campos GuerraII; Domingos Barroso da CostaIII

IDoutora em Psicologia Clínica (PUC/SP), Mestre em Filosofia (UFMG), Professora Adjunta III da PUC/MG, Professora do Mestrado da PUC/MG, Psicóloga Clínica. End.: Rua Congonhas, 161 - São Pedro. CEP 30330100 - Belo Horizonte - MG. E-mail: jackdrawin@yahoo.com.br
IIDoutora em Teoria Psicanalítica (UFRJ) com Études Approfondés em Rennes II (França), Mestre em Psicologia Social (UFMG), Professora do Departamento de Psicologia da UFMG e Psicanalista. End.: UFMG - FAFICH - Av. Antônio Carlos, 6627, sala F4030 - Pampulha. CEP 31.270-901 - Belo Horizonte - MG. E-mail: aguerra@uai.com.br
IIIMestre em Psicologia (PUC-Minas). Defensor Público no Rio Grande do Sul. Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Criminologia pelo IEC da PUC-Minas/Acadepol-MG e em Direito Público, pela Unigranrio/Praetorium. End.: Rua Xavier de Gouveia, 240, apto. 201 - Grajaú. CEP 30430-710 - Belo Horizonte - MG. Email: dobarcos@hotmail.com

 

 


RESUMO

No presente texto, discute a inserção de jovens - moradores de territórios com alto índice de criminalidade violenta - no mercado informal de drogas ilegais. Essa discussão representa um resultado parcial da pesquisa "A construção do laço social de jovens moradores de territórios com alto índice de criminalidade violenta". Neste ensaio, a partir de fragmentos das falas dos jovens, discute-se a sua vinculação com o mercado das drogas, articulando os temas do hedonismo, do individualismo e do consumismo. Pensa-se que o quadro social atual condiciona os sujeitos a uma postura de alienação e de descompromisso uns com os outros. Soma-se a esse quadro a situação economicamente instável dos jovens em estudo. Foi possível evidenciar, por meio de relatos no âmbito da pesquisa, o ócio, a falta de oportunidades, o fator econômico, o hedonismo e o consumismo como elementos determinantes do condicionamento da entrada no tráfico de drogas. A invisibilidade desses atores sociais transforma-se em reconhecimento social, o que, somado aos privilégios financeiros obtidos com maior rapidez, fortalece a decisão pelo crime. A visibilidade imediata e ruidosa é alcançada por meio do poder e temor provocados pela ostentação de armas, as quais canalizam uma revolta insignificada, porque despida da capacidade de transformação política, social e até mesmo subjetiva. Sem ter consciência disso e acreditando que a violência traz visibilidade, a massa de jovens já marginalizados que ingressa na criminalidade faz justamente o que um sistema preestabelecido deles espera, pronto para absorvê-los e, assim, confirmar sua posição marginal.

Palavras-chave: Juventude, pós-modernidade, criminalidade.


ABSTRACT

The aim of this paper is to discuss the inclusion of young people - residents of areas of high violence rates - in the illegal drugs' informal world. This article presents a partial result of a broader research named "The construction of social bonds by young people who live in areas of high violence rates". From discourse fragments of these young people, the article discuss their links with the drug market, articulating the notions of hedonism, individualism and consumerism. The current social context seems to lead groups of young adults to alienation and non-commitment to each other. In addition to that, the young people studied have an unstable economic situation. Idleness, lack of opportunities, economical factors, hedonism and consumerism are the key factors in determining the entry in the drug trade, according to discourses. The invisibility of these social actors is then transformed into social recognition, which, along with the financial privileges obtained rapidly, strengthen the option for crime. An immediate visibility is reached through power and fear, linked to weapons display, that direct to a meaningless revolt, as it does not have the capacity to change the political and social scenario, or even lead to subjective changes. Unaware of this fact and believing that violence can bring some sort of visibility, those already marginalized youngsters do exactly what is expected of them by the system, that absorbs them, confirming their condition of marginality.

Keywords: Youth, postmodernity, criminality.


RESUMEN

En el presente texto, discutiremos la inserción de jóvenes - que viven en territorios con alto índice de criminalidad violenta - en el mercado informal de drogas ilegales. Esa discusión representa un resultado parcial de la investigación "La construcción del vínculo social de jóvenes que viven en sitios con alto índice de criminalidad violenta". En este ensayo, iremos, desde fragmentos de las hablas de los jóvenes, pensar la vinculación de los mismos con el mercado de las drogas articulando con los temas del hedonismo, del individualismo y del consumismo. Pensamos que el cuadro social actual condiciona los sujetos a una postura de alienación y de no compromiso con el otro. Es sumado a ese cuadro la situación económicamente inestable de los jóvenes en estudio. Fue posible apurar, por medio de la investigación científica, relatos que evidencian la desocupación, la falta de oportunidades, el factor económico, el hedonismo y el consumismo como elementos determinantes en el condicionamiento de la entrada en el tráfico de drogas. La invisibilidad de esos actores sociales se transforma en reconocimiento social; sumado a los privilegios financieros obtenidos con mayor rapidez, fortalecen la decisión por el crimen. La visibilidad inmediata y ruidosa alcanzada a través del poder y temor provocados por la ostentación de armas, las cuales canalizan una revuelta insignificada, porque desnudada de capacidad de transformación política, social e incluso subjetiva. Sin tener conciencia de eso y creyendo que la violencia traerá visibilidad, la masa de jóvenes ya marginalizados que ingresa en la criminalidad hace justo lo que un sistema preestablecido espera de ellos, listo para absorberlos y, así, continuar su posición marginal.

Palabras-clave: Juventud, postmodernidad, criminalidad.


RÉSUMÉ

Dans le présent texte, nous discuterons de l'inclusion des jeunes - qui résident dans les zones ayant un fort taux de criminalité violente - dans le marché informel des drogues illicites. Cette discussion représente un résultat partiel de la recherche "La construction du lien social pour les jeunes vivants dans des zones ayant un taux élevé de criminalité violente".Dans cet essai, nous allons, à partir de fragments de discours des jeunes, penser au lien qui les relie au marché de drogue en abordant des thèmes sur l'hédonisme, l'individualisme et la consommation excessive. Nous pensons que le cadre social actuel amène l´individu à adopter une attitude d'aliénation et de désengagement envers l'autre. À cela s´ajoute la situation financière instable des jeunes étudiants. Il a été possible de déterminer, par la recherche scientifique, des rapports qui montrent l'oisiveté, le manque d´opportunités, le facteur économique, l'hédonisme et la consommation excessive comme des facteurs clés qui conditionnent l'entrée dans le monde de la drogue. L´invisibilité de ces acteurs sociaux se transforme en reconnaissance social; en s´ajoutant aux privilèges financiers obtenus avec une grande rapidité, ils renforcent la décision pour le crime. La visibilité immédiate et bruyante obtenue par le pouvoir et la peur lesquels sont provoqués par l'exhibition d'armes, qui canalisent une insignifiante révolte parce que dépouillée de la capacite de transformation politique, sociale et même subjective. Sans s'en rendre compte et croyant que la violence apportera de visibilité, la masse de jeunes gens déjà marginalisés qui entrent dans le crime fait exactement ce qu´un système pré-établi attend d´eux, prêt à les absorber et ainsi, confirmer leur position marginale.

Mots-clés: Jeunesse, post-modernité, criminalité.


 

 

Introdução

No artigo intitulado "Construindo idéias sobre a juventude envolvida com a criminalidade violenta" (Guerra et al., 2010), produzido como primeira reflexão a partir da pesquisa "A construção do laço social de jovens moradores de territórios com alto índice de criminalidade violenta", financiada pela Fapemig e FIP-PUC Minas, buscava-se entender as dinâmicas psíquicas que determinam a escolha de alguns jovens pelo enlaçamento com a realidade da criminalidade, sendo um dos motivadores da pesquisa o elevadíssimo número de homicídios de crianças, adolescentes e jovens neste País. No Mapa da Violência no Brasil 1997-2007 (Waiselfisz, 2010), verificou-se que Belo Horizonte apresentava uma taxa de 32,6 homicídios por cada 100 mil jovens no ano de 1997, elevada para 137,1 em 2007, o que fez com que Minas Gerais passasse de um dos cinco estados mais tranquilos do País, em 1997, para a quarta posição no ranking da violência, em 2007. No ano de 2007, especificamente, as vítimas na faixa de 15 a 24 anos de idade chegaram a representar 36,6% do total de homicídios no País, lembrando que apenas 6,5% da população jovem dos aglomerados está inserida no crime (Beato, 2011). No mais recente mapa da violência no Brasil (Waiselfisz, 2012), Minas Gerais se destacou como o único estado na região Sudeste no qual os índices de homicídios entre jovens aumentaram. Além disso, Cano e Santos (2007) verificam que, no contexto brasileiro, seis em cada sete homicídios são cometidos com arma de fogo, e a probabilidade de ser vítima de homicídio é 14 vezes superior para os adolescentes do sexo masculino, em comparação com os adolescentes do sexo feminino, e quase quatro vezes mais alta para os negros em relação aos brancos. É importante notar, ainda, que a violência tem maior impacto sobre a população adolescente do que sobre outras faixas etárias, já que, enquanto para a população em geral, 6% das mortes ocorrem por homicídio, esse índice sobe para 44% no caso da população adolescente, ou seja, na faixa etária que vai de 12 a 18 anos. A correlação entre esses dados de homicídio e o crescimento do mercado informal de drogas ilícitas tem se evidenciado.

Aponta-se, naquela pesquisa, a articulação entre os objetivos determinantes da opção dos jovens pelo mundo da criminalidade e a dimensão subjetiva implicada nessa escolha (Guerra et al., 2010), mas privilegia-se a reflexão sobre os atravessamentos psíquicos, com base no entendimento de que a teoria psicanalítica, no seu encontro com o social, promove três tipos clássicos de relação: a psicanálise do social, a psicanálise no social e a psicanálise implicada e aplicada ao social.

Segundo Moreira (2007), pode-se pensar que, na primeira modalidade, a psicanálise ocupa a posição de sujeito, caso em que a teoria psicanalítica operaria uma leitura crítica sobre os fenômenos sociais. Por outro lado, tem-se a psicanálise no social, em que a posição de sujeito é ocupada pelo social, que molda ou influencia a psicanálise, provocando questionamentos internos à teoria; e, por fim, a psicanálise aplicada e implicada com o social, em que as intervenções ultrapassam o setting analítico, dialetizando a posição de sujeito e de objeto entre os dois termos, pois tanto a psicanálise quanto os fenômenos sociais são objetos e sujeitos, simultaneamente.

Na primeira modalidade, a psicanálise do social, encontram-se duas possibilidades de leitura: uma inaugurada por Freud (1913/1976b, 1921/1987, 1929/1976a), que busca compreender as estruturas e dinâmicas das relações sociais; e outra que tenta oferecer uma modalidade diagnóstica do social. No que se refere à tentativa de se pensar clinicamente a realidade social, há que se ter cautela para não se incorrer no risco de se contribuir para uma posição reducionista, que enxerga a complexa realidade social apenas a partir de uma perspectiva.

A análise das intrincadas conformações da realidade exige o diálogo entre diferentes olhares, principalmente quando se toma por objeto de investigação questões como a criminalidade e, mais especificamente, o consumo e o comércio ilegal de drogas. Desse único recorte emergem realidades subjetivas, sociais e legais, razão pela qual se mostraria pouco eficiente ou esclarecedora uma abordagem que não levasse em conta as perspectivas do sujeito, da sociedade e da Lei, em sua mútua interferência. Afinal de contas, é de se destacar que, se não existe sujeito fora da sociedade (cultura) e não existe cultura sem leis que a estruturem, pode-se concluir que esses três elementos - sujeito, sociedade e Lei - são interdependentes, já que sustentam um ao outro (Costa, 2009).

Nesse sentido, não é possível reduzir a compreensão da relação do jovem com a ação criminosa a uma determinação exclusivamente econômica, ou política, ou psíquica, ou histórica, ou familiar. Assim, neste texto, tentar-se-á pensar a relação do jovem com a criminalidade a partir de uma articulação entre vários fatores que se considera determinantes para esse enlace, com especial atenção para as questões psíquicas e sociais, em que se incluem os problemas econômicos e, por via reflexa, jurídicos. Entretanto, antes de se entrar no ponto nodal desta reflexão, é preciso contextualizar seu pano de fundo, o laço social. Sabe-se que existem ao menos três grandes aportes teóricos para se pensar o laço social: o romantismo de Jean-Jacques Rousseau, o materialismo dialético de Karl Marx e a psicanálise de Sigmund Freud - aqui interpretada pelo viés de Jacques Lacan. Foi nessa terceira via que se aportou para se pensar o tema deste estudo. O laço social, na perspectiva psicanalítica, inclui um elemento heterogêneo à linguagem: o objeto, conceituado por Lacan como objeto a. Baseado na ideia freudiana (Freud, 1895/1980) de que o desejo segue linhas orientadas à recuperação de um objeto mítico, desde sempre perdido, Lacan (1957/1998) retoma a expressão - também freudiana - de que o objeto que é buscado é sempre diferente do objeto que é encontrado, para assinalar que é justamente nesse hiato que se situa o desejo. Dessa forma, o sujeito se inscreve no laço social a partir do aparato da linguagem, mas também daquilo que a causa ou que a ela escapa.

Levando-se em consideração a hipótese da linguagem como estrutura comum a todo ser falante, estrutura articuladora da possibilidade de convivência pelo uso da palavra e do corpo, estrutura constituída pela presença de um elemento terceiro, referente - o simbólico - e daquilo que dele escapa - o real ou seu correlato, o objeto que toma forma para cada sujeito -, pode-se definir o laço social como uma estrutura simbólica sustentada pela linguagem e pelo que ela não alcança (real), que, a partir da configuração que define o campo da alteridade, mantém o sujeito no discurso e, consequentemente, na relação com os objetos (corpo, eu, outros sujeitos, ideais...) (Guerra, 2012).

Apoiando-se na hipótese de Endo (2011) pode-se pensar que, no plano político em que todo sujeito da linguagem se insere, esse campo de impossibilidade estrutural manifesta-se como o hiato ou o irrepresentável da própria política. Nesse ponto de escape, instala-se a vida nua, desregulável e matável, fora de toda jurisdição por demarcar exatamente o ponto de entrada inaugural no mundo regulado simbolicamente pelo "para todos", pela regulação jurídica. A vida nua, encarnada na figura do homo sacer, "nomeia algo como a relação 'política' originária, ou seja, a vida, enquanto, na exclusão inclusiva, serve como referente à decisão soberana" (Agamben, 2002, p. 92). O homo sacer se refere, assim, a uma pessoa que é simplesmente posta fora da jurisdição humana, sem ultrapassar para a divina. Ela permanece no limbo, na fronteira, no entre, como a linha do horizonte ou como os jovens nos aglomerados.

A morte insancionável que cada um pode cometer em relação a ele é sua violência. Mediante a morte, assim qualificada, o homo sacer adquire seu valor político. Segundo Agamben (2002, p. 91), "o homo sacer apresentaria a figura originária da vida presa no bando soberano e conservaria a memória da exclusão originária através da qual se constitui a dimensão política". Por conseguinte, como afirma Endo (2011), o homo sacer mantém a imagem ilusória de unidade do sistema, sem falta, sem a contradição, sem o disruptivo do real que vem quebrar toda a unidade, pois esta é sempre imaginária. Não se pode, portanto, pensar a entrada no mercado de drogas ilícitas sem tomá-la como uma estratégia política para a criminalização e exclusão dos mais pobres nos lugares de produtores ou consumidores no capitalismo, sancionada social, política e juridicamente. Nesse sentido, se há certa escolha da parte dos jovens pelo caminho da criminalidade, também há, na contramão e por parte do mundo adulto, uma falha na transmissão de referências identificatórias e na fidedignidade em oferecer-se como exemplo, em ser uma Lei integradora e justa.

Sem essa via de mão dupla que resguardaria a incidência da lei, seu exercício democrático e seu efeito sobre o sujeito e sobre a civilização, a resposta do jovem parece se conformar subjetivamente ao real silencioso que determina esse campo de irrepresentabilidade política e o destina à morte insancionável. Como se verifica, mesmo vivendo no contexto histórico de previsão legal de proteção integral a seus direitos, a partir da efetiva aplicação dos princípios reguladores do Estatuto da Criança e do Adolescente, esses jovens têm esses direitos sistematicamente violados e negligenciados por uma lógica política mais ampla, que os subsume com contundência. Logo, exposto o pano de fundo no qual a situação dos jovens se inscreve, passa-se ao objeto-tema desta investigação.

 

Sobre a Pesquisa

A pesquisa qualitativa denominada "A construção do laço social de jovens moradores de territórios com alto índice de criminalidade violenta" possuiu como objetivo principal investigar as estratégias subjetivas, coletivas, comunitárias e sociais de estabelecimento do laço social de jovens envolvidos direta ou indiretamente com a criminalidade violenta, moradores de territórios de alta concentração de violência urbana. Sabe-se que, em última instância, a ideia de laço social remonta às reflexões rousseaunianas sobre o contrato social, mas a discussão desse estudo centra-se na atual contribuição da psicanálise sobre o laço social. Metodologicamente, o estudo estruturou-se em dois tempos. No primeiro, realizou-se um mês de observação participante, em novembro de 2008, nas oficinas do Programa de Controle de Homicídios Fica Vivo!1, da Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, a fim de se estabelecer um laço com os jovens, sujeitos da pesquisa, e, ao mesmo tempo, colher informações gerais acerca de sua participação no laço social. Julga-se importante enfatizar que essa pesquisa se inscreve no contexto histórico de previsão legal de proteção integral aos direitos da criança e do adolescente, mas os jovens entrevistados não apresentam relação direta com os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mesmo porque só dois entre eles tinham menos de 18 anos no momento de realização da pesquisa.

Em seguida, realizaram-se oito entrevistas com 13 jovens moradores do aglomerado onde a investigação aconteceu. Os jovens tinham entre 13 e 27 anos e, salvo o jovem da entrevista 7, todos estavam envolvidos diretamente com a criminalidade, mais especificamente com o tráfico de drogas. Uma das entrevistas foi perdida por motivos técnicos.

Quanto à análise dos dados, orientou-se pela análise da enunciação (Bardin, [s. d.]), tomando-se a palavra do jovem como ponto estratégico e fundamental para a pesquisa:

Na altura da produção da palavra, é feito um trabalho, é elaborado um sentido e são operadas transformações. [] O discurso não é um produto acabado, mas um momento num processo de elaboração, com tudo o que isso comporta de contradições, de incoerências, de imperfeições. Isto é particularmente evidente nas entrevistas em que a produção é ao mesmo tempo espontânea e constrangida pela situação (Bardin, [s. d.], p. 170-171).

Assim, trabalharam-se as entrevistas colocadas lado a lado, sem as identificações de quem as respondeu. Elas foram agrupadas pelo tema da pesquisa - o laço social - e cada tema oportunizou a elaboração de palavras-chave.

Do discurso articulado a partir da fala dos jovens entrevistados chegou-se a um diagrama - mais que uma grade, como sugere Bardin - que, antes de se tornar prisão da palavra reduzida a uma categorização estanque, pôde revelar o ponto de abertura, de encontro e também de desencontro, de produção de sentido e de falta de sentido dos jovens em relação à sua posição no laço social.

Dessa forma, com base no entendimento da palavra como ato de enunciação de um discurso, passou-se à análise dos dados, culminando na apresentação de esquemas discursivos, tais como os que advieram das categorias aqui apresentadas e relacionadas à pós-modernidade. O uso dessa estratégia de coleta e análise de dados traduziu-se pela necessidade de aproximação do campo semântico dos jovens, ou seja, do conjunto de elementos que compunham a lógica que confere sentido a seu posicionamento no laço social. Assim, não só as palavras e seus encadeamentos, mas também as gírias, as falas truncadas, os momentos de silêncio ou as interrupções nas cadeias de sentido funcionaram como índex que permitiu articular e relacionar as falas. Buscou-se a semântica latente extraída da articulação sintática dos termos então ordenados.

Especialmente em relação à pós-modernidade, pano de fundo da pesquisa, uma questão e novas categorias se revelaram como necessárias à elucidação da composição da rede social dos jovens: como se podem compreender os atravessamentos dos ideais de vida da pós-modernidade na escolha desses jovens por uma atividade criminosa?

Essa reflexão teve por pressuposto a autonomia subjetiva, ideia que surge na modernidade (Renaut, 1948/1998). A autonomia moderna, anunciada pelo Humanismo do Renascimento, centrou-se na razão e evoluiu no sentido de conceber o ser humano como um fim em si mesmo, impassível de reificação pela vontade alheia. Trata-se de um ponto marcante na filosofia kantiana, que hoje, inclusive, permeia as constituições ocidentais, primariamente orientadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana2. O homem do humanismo é aquele que não aceita mais acatar normas e leis oriundas nem da natureza das coisas nem de Deus, mas que pretende fundá-las, ele próprio, a partir de sua razão e de sua vontade.3

Kant (1785/1980) irá propagar esse ideal em sua filosofia da moral ao defender a tese de que o homem deve agir moralmente segundo os preceitos da razão, não devendo submeter-se a nenhuma inclinação sensível, pois, se um afeto determinar sua ação, essa não será livre. Para Kant, a ideia de autonomia aparece como a possibilidade de o sujeito humano autodeterminar-se livremente. Os modernos definem "ato livre" como uma vontade capaz de autodeterminação. No entanto, se se for fiel ao raciocínio kantiano, não se pode afirmar que os jovens são plenamente livres em suas escolhas, porque há diferentes determinações mundanas e inclinações sensíveis subjacentes a tais. Afinal, seguindo o pensamento clássico de Ortega y Gasset (1929/2002), é impossível pensar o sujeito fora de suas circunstâncias. Por outro lado, defender a ideia de um determinismo psíquico, social e econômico é retirar dos jovens a condição de sujeitos, protagonistas da construção de sua própria história. Como se vê, qualquer análise a que se proceda deve considerar esses dois extremos entre os quais se movimenta o ser humano, sob pena de não se chegar a conclusões minimamente fiéis à sua complexa realidade.

Fundando-se no paradoxo da condição humana, o conflito entre determinações estruturais e autonomia subjetiva não pode encontrar uma saída fácil, situada em uma das extremidades, fazendo-se necessário sustentar a condição de oscilação e conflito permanente entre os dois polos. Assim, do mesmo modo que a sociedade moderna induzia o sujeito a escolhas que se podiam acreditar seguras e duradouras, crê-se que a cultura pós-moderna, com seu apego ao transitório, ao fugidio, ao contingente (Harvey, 1992), com seu temor intenso à velhice e à morte, com a alteração no senso de tempo, com o fascínio pela celebridade, o medo da competição (Lasch, 1983) e sua aposta na busca do prazer (Bauman, 1998), intervém e interfere na escolha dos jovens por uma vida de riscos, muitas vezes marginalizada e agenciada por bandos criminosos. Como bem aponta Sennet (2008), o sujeito contemporâneo experimenta a estabilidade como morte, o que o conduz a uma busca sôfrega por situações provisórias das quais possa facilmente se desvencilhar para continuar sua caminhada, ainda que não saiba aonde pretende chegar4. Isso significa que, se na Modernidade o pêndulo do conflito mencionado tendia à busca obsessiva pelos ideais de racionalidade, assiste-se contemporaneamente à massificada submissão ao determinismo de contingências e impulsos, por mais que se manifestem breves, precários, fugidios ou deletérios. De um extremo ao outro, passou-se de um culto ao ideal da razão humana e à felicidade coletivamente partilhada - que apontava para um futuro -, a uma adoração do real do sensível e imediato, fincado no presente de um gozo individualista, sem projeções, próprio de uma sociedade que deixou de focar-se na produção para sustentar-se a partir do máximo de consumo.

Nesse sentido, novas categorias se fizeram notar na fala dos jovens entrevistados no tocante à sua posição no laço social dentro do contexto da pós-modernidade, a saber: o fator econômico, o ócio, o consumismo, a falta de oportunidade e o hedonismo (consumo de drogas). Esses elementos exigiram uma nova reflexão, que se apresenta a seguir.

 

 

A Questão das Drogas na Sociedade de Consumo

O (AB)USO: Hedonismo e Consumismo

Considerando-se o discutido nas seções anteriores, parece que o primeiro ponto de reflexão sobre o atravessamento da pós-modernidade na relação dos jovens com o crime e, especificamente, com o comércio e consumo de drogas, parte da lógica que rege o mercado, fundada num postulado básico de Economia, a chamada lei da oferta e da procura. Afinal, só é possível vender um produto - oferta - se para ele existirem consumidores - procura - e, considerada a condição cindida inerente à existência humana, marcada pelo desamparo e pelo sofrimento já denunciados por Freud (1929/1976a), nada mais economicamente promissor que o comércio de drogas, as quais se apresentam como uma das saídas fáceis à tão precária condição humana.

"A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós, proporciona-nos muito sofrimento, decepções e tarefas impossíveis" (Freud, 1929/1976a, p. 93). Para suportar a vida, o sujeito precisa de medidas paliativas, entre as quais se destaca o uso de substâncias tóxicas, que o torna insensível à realidade da vida. O homem vive em busca de evitar o desprazer e se conformar com pequenas porções de prazer, encontrando a intoxicação como um dos movimentos que possibilitam esse exercício de evitação de desprazer e alcance de um prazer indireto. Segundo Freud, "o serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduo quanto povos lhes concedem um lugar permanente na economia de sua libido" (Freud, 1929/1976a, p. 97). Em suma, as substâncias tóxicas oferecem uma sensação imediata de prazer e, mais ainda, promovem um amortecimento de preocupações, representando um refúgio da realidade.

A teoria freudiana oferece a fundamentação psíquica para a compreensão da fuga do homem ao desprazer por meio de sustâncias tóxicas, mas as condições históricas podem sobredeterminar a origem psíquica desse movimento. Todo sujeito humano é histórico, ou seja, se encontra enlaçado com outros sujeitos em um determinando recorte de tempo e espaço. Dessa forma, como já frisado, percebe-se que a história, por meio da relação do sujeito com o campo da alteridade, influencia suas ações e conformações psíquicas.

Nesse sentido, não se pode esquecer que se está em uma etapa avançada do desenvolvimento industrial, representada, para muitos, pela expressão "sociedade de consumo", por bem significar o movimento massivo de consumo de bens e serviços, o que abrange a crescente empresa das drogas, lícitas e ilícitas, com destaque para o aumento na produção e no consumo das chamadas drogas sintéticas, como o ecstasy. Funcionando a partir da lógica de mercado, pode-se concluir que a empresa do tráfico de drogas somente apresenta os índices absurdos de crescimento contemporaneamente observados porque a demanda é cada vez maior. Certo é que a procura ilimitada pelo gozo, característica marcante da sociedade de consumo, tem ampliado sobremaneira o número de usuários de drogas que, num mundo esvaziado de ideais e, logo, de futuro, procuram no imediato prazer da intoxicação um escape ao oco existencial que não conseguem significar por falta de repertório simbólico.

Cabe salientar que não se objetiva neste texto atribuir à sociedade de consumo a exclusiva responsabilidade pelo uso de drogas, conforme dito, uma das formas mais arcaicas de busca pelo prazer por parte do homem, que por ela se rege, como afirmou Freud:

Como vemos, o que decide o propósito da vida é simplesmente o programa do princípio do prazer. Esse princípio domina o funcionamento do aparelho psíquico desde o início. Não pode haver dúvida sobre sua eficácia, ainda que o seu programa se encontre em desacordo com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo quanto com o microcosmo (Freud, 1929/ 1976a, p. 24).

O que ora se afirma, cumpre ressaltar, é que os standards de sustentação da sociedade de consumo - o gosto pelo fugidio, pelo precário, a cultura hedonista de busca pelo prazer imediato - catalisam a procura e, por conseguinte, a oferta de drogas, lícitas ou ilícitas, com especial enfoque para estas. Posto isso, superando-se as questões que instigam o consumo, passa-se, agora, a cuidar de outras nuances que fomentam e incrementam a oferta, investigando a dinâmica das circunstâncias subjetivas, sociais e legais que amparam o crescimento do comércio ilícito de drogas.

 

O Comércio: Fator Econômico5

Num contexto social conturbado, em que o consumo desenfreado cada vez mais dita comportamentos, o tráfico de entorpecentes emerge como alternativa de ganho financeiro - com objetivo de lucro ou mesmo com vistas à simples sobrevivência - para muitos indivíduos aos quais não foi garantido o acesso aos meios legítimos da ascensão exigida pelo capitalismo globalizado, conforme abordado por Robert Merton, em Estrutura Social e Anomia, de 1938 (Merton, 1970).

Percebe-se que o mercado informal e ilegal da droga alimenta-se de valores pós-modernos, os quais fundam a sociedade de consumo, sustentando-se na busca pelo prazer (Bauman, 1998) e pela fuga da realidade (Harvey, 1992). Intrinsecamente vinculada à economia de mercado, a estruturação dessa sociedade de consumo abre espaço a mercados paralelos, dada a variedade de produtos associada ao alto número de consumidores. É importante enfatizar, ainda, que cada época produz um campo de exclusão, como argumenta Bauman:

os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais (Bauman, 1998, p. 10).

Os excluídos da cultura pós-moderna são aqueles que não podem consumir. Assim, a criação do mercado informal viabiliza, para alguns, a aceitação social, pois lhes oferece a senha da inclusão numa sociedade de consumo, qual seja, o poder de compra. É interessante ressaltar que todos os entrevistados anunciam que o tráfico possibilita o acesso ao recurso financeiro:

Entrevista 1 - "A fome não espera, né?"

Entrevista 2 - "Na construção civil é acima de R$600,00 que pagam pra um pedreiro. Agora trabalhar de servente de pedreiro não presta não, sô. Servente tem no meio da esquina [...] Pô, veio! O pessoal tá ganhando bem aí, eu vou entrar no mundão [tráfico]."

Entrevista 3 - "[] mantinha 200 real todo mês de compra, tinha a nossa casinha que eu pagava aluguel."

Entrevista 4 - "Ah! Não sei, viu, acho que é dinheiro, né! A gente não aguenta ficar sem dinheiro. Aí vêm aqueles, negocia que volta pros trem."

Entrevista 5 - "O que eu falo é a real, eu sou traficante, entendeu? A situação financeira é difícil, né? Aperta mais e mais."

Entrevista 6 - "Dá. Direto eu carrego uma areia, um (?). Mas mesmo assim é raro, é uma vez ou outra no mês. Aí é difícil, né? É difícil. Você acaba indo pra aquele lado do dinheiro fácil."

Esse recurso financeiro pode ser usado para fortalecer a postura consumista, pois na contemporaneidade a busca pelo prazer por meio de objetos é prioritária. Pretende-se o prazer por meio do consumo de bens, de drogas, de tudo que seja passível de coisificação, o que também inclui pessoas. O que importa é consumir e, assim, aderir aos fins impostos pela sociedade contemporânea, sob a promessa de uma totalidade de prazer imune à insatisfação. Ou seja, conforme já alertava Merton (1970) na primeira metade do século passado - em tese encampada por autores como Young (2002) -, numa sociedade em que os fins superam os meios6 é mais do que esperado e natural que, progressivamente, sejam abandonadas as vias legítimas de alcance dessas metas, mostrando-se normal a opção pelos atalhos que conduzam ao ideal culturalmente imposto, ainda que contrariem a lei.

...quando os canais de mobilidade vertical se fecham em uma sociedade que exalta a opulência econômica, a ascensão social e a igualdade de todos os seus membros, a conduta desviada se converte na "reação normal" dos estratos menos favorecidos, que são os que experimentam uma pressão - e uma frustração - mais intensa (Molina & Gomes, 2002, p. 352).

A imposição subjacente dos fins da cultura atual de consumo não escolhe destinatários, alcança a todos, principalmente considerando-se o acesso difuso aos mais variados meios de comunicação, que ditam os modelos de comportamento necessários à obtenção de reconhecimento social. Por outro lado, as oportunidades de acesso aos meios legítimos de alcance dos ideais de consumo impostos não são distribuídas com equidade, o que gera um movimento de inclusão cultural e exclusão social (Young, 2002).

Nessa dinâmica de inclusão cultural e exclusão social, nada mais previsível que o ingresso na criminalidade por parte dos jovens que não têm acesso às vias legítimas de ascensão social, em especial aqueles que se unem aos grupos delinquentes dedicados ao tráfico, os quais mais se assemelham a empresas, contando com uma estrutura que, por mais rudimentar que seja, se organiza a partir da distribuição de funções de chefia, gerenciamento, venda, embalagem, vigilância, entre outras. Sem vislumbrar chances de competir pelos caminhos legais na corrida supostamente meritocrática que permite o acesso aos bens, à visibilidade e, logo, ao reconhecimento social segundo as exigências da sociedade de consumo, nada mais sedutor que o tráfico de drogas, com suas promessas de lucro rápido e status (visibilidade e reconhecimento), ainda que por vias oblíquas.

Em suma, esse destacado movimento de inclusão cultural e exclusão social acaba por fomentar a adesão dos historicamente marginalizados aos meios clandestinos de acesso ao banquete farto, à diversão total prometida pela cultura de consumo na qual estão imersos. Porém, é por esse mesmo processo que, num circuito perverso, terminam por ser encampados pelo sistema penal, pronto para acolhê-los em suas malhas punitivas e, assim, confirmar seu status de marginalizados, de socialmente excluídos.

À crença num lucro rápido e fácil soma-se a visibilidade e o reconhecimento que o ingresso em grupos criminosos garante a esses jovens, principalmente ao se considerar a ostentação e o uso de armas de fogo. Afinal, a violência também gera poder, e este, sujeição, razão pela qual, empunhando um revólver, uma pistola ou mesmo um fuzil, aqueles antes invisíveis acabam tomando forma, passando a ser nomeados e temidos por suas vítimas.

A arte já se ocupou do fenômeno que se analisa e, para fins de ilustração, podem-se mencionar os documentários Notícias de uma guerra particular (Lund & Salles, 1998-1999) e Ônibus 174 (Padilha, 2002), que bem descortinam a realidade aqui descrita. Enquanto aquele deixa explícita a sedução que o uso de armas e o ingresso no movimento do tráfico de drogas exercem sobre indivíduos cada vez mais novos, este exibe em tempo real a ação de um jovem que prolonga um frustrado assalto a ônibus e acaba tendo seu nome reconhecido nacionalmente, atraindo a atenção de todo o Brasil para si e para o ato que protagonizava, o qual acaba alcançando um desfecho dramático em razão da intempestiva, desastrada e desastrosa intervenção policial, que culminou na morte de uma refém e do assaltante - este por asfixia, já dentro de um camburão da polícia militar fluminense. Em Ônibus 174 é interessante notar, ainda, o quanto, diante da presença das câmeras, o até então desconhecido Sandro passa a desempenhar um papel, a garantir o espetáculo daqueles que o assistiam pela TV, em descompasso com a personalidade introvertida que muitos dos entrevistados lhe atribuíam.

Semelhante performance é também notada em alguns dos adolescentes infratores entrevistados no documentário Notícias de uma guerra particular ao narrarem em cores épicas a forma como assassinavam devedores do tráfico, combatiam e executavam policiais militares. De suas falas emergem as fantasias e a sede de se imporem pelo medo à sociedade que os segrega e da qual se segregam nos morros em que o poder legal do Estado não se instala. Com as mesmas ilusões e padrões de consumo, nas frestas deixadas pelo poder institucionalizado, esses indivíduos historicamente marginalizados conformam uma subcultura diferenciada, com seus próprios meios de ascensão, muitas vezes pautados na violência como forma de submeter aqueles a quem atribuem a culpa por sua condição de socialmente excluídos. Identificando os culpados, legitimam sua conduta e se desresponsabilizam por seus atos, fechando um ciclo de justificação que, de certa forma, os imuniza em relação às leis emanadas da autoridade institucionalizada, ainda que, via de regra, seja sobre eles que todo o rigor dessas leis repetidamente recai.

Nesse contexto, sem pretensões maiores que o alcance da condição de consumidores - em sua acepção mais ampla -, os já marginalizados que ingressam no tráfico de drogas marginalizam-se ainda mais, fazendo com que tudo permaneça como sempre foi, sem que nada se altere na sociedade. Aliás, é de se concluir que a própria ilegalidade do comércio de drogas se presta à conservação desse status quo, uma vez que garante a repressão violenta das camadas marginalizadas, gerando um saldo de violência e mortes talvez muito maior do que aquele gerado pelo consumo de drogas em si (Costa, 2006).

Pode-se concluir afirmando-se que a exclusão produz a invisibilidade, e a construção de qualquer mercado informal, legal ou ilegal, cria condições de possibilidade para consumir. O consumo possibilita a inclusão e o reconhecimento, tornando, pois, o sujeito visível. O mercado informal ilegal produz, também, uma visibilidade social, mesmo que seja pelo avesso. Assim, ofertando ganhos materiais imediatos, percebe-se que a empresa do narcotráfico tem angariado colaboradores cada vez mais jovens, que nela ingressam como peças descartáveis, seduzidos pelas aparentes vantagens de uma vida criminosa e marginal.

 

Extraterritorialidade: O Ócio e a Falta de Oportunidades

O território geográfico do aglomerado no qual se realiza a pesquisa possui um campo de futebol, uma praça e um galpão abandonado, todos funcionando como espaços de lazer. Não há escola, posto de saúde ou outro posto público disponível para seus moradores. Nessas condições, cercados pelos bandos inimigos no tráfico, os jovens encontram dificuldades para circular em outros espaços do aglomerado, nos quais a oferta pública ou privada de recursos poderia funcionar como elo entre todos eles e o espaço que habitam. Presos nos aglomerados, o ócio e a dificuldade de sair para estudar e/ou trabalhar somam-se à falta de perspectivas de que qualquer ação proativa de inserção formal poderia se realizar.

Ora, sabe-se que as noções de território e de cidade nasceram, não por acaso, juntamente com a de nação, na passagem do Feudalismo para o Capitalismo. Era preciso reterritorializar o poder, e isso foi feito com a organização do Estado-Território e com o nascimento das cidades, nas quais os cidadãos se ocupavam de seus ofícios e de suas famílias. A história do processo de centralização de poder e de enunciação da sociedade moderna necessitou de transformações econômicas, políticas e teórico-filosóficas, que ocorreram ainda nos séculos XVII e XVIII, em função da ascensão da burguesia e decorrente necessidade de um novo modelo de estado, o Estado Moderno. Fosse por meio de Hobbes, com a teoria filosófica do Estado Absolutista, de Locke, com a proposição do Estado Constitucional, ou de Rousseau, com a teoria do Contrato Social, fato é que as novas filosofias do período apoiavam-se na ideia do estado natural, em que todos os homens nasceriam livres e com direitos (em oposição à origem divina do poder que justificou o modelo feudal).

Esses direitos passaram a ser defendidos por normas máximas mediante a promulgação das constituições. Assim, o Estado de Direito, herdeiro das revoluções Americana e Francesa, bem como da Declaração dos Direitos do Homem, floresceu estreitamente articulado à ideia de cidadão. O homem livre, as cartas constitucionais e o Estado-Território são genitores de uma nova forma de pensar o humano em suas relações sociais e políticas.

A fundação da cidade expressa a subversão da ordem feudal, na qual o camponês estava atrelado ao proprietário da terra por laços de subordinação pessoal. [] É na cidade que o homem adquire a emancipação material e moral, como bem demonstrou Max Weber. [] A multiplicação das cidades e as formas de vida que elas ensejam levaram à subversão da ordem feudal contra as formas de opressão (Ribeiro, 2004, p. 3).

Aí se tem a origem da concepção de território como espaço geopolítico e administrativo com a qual se trabalha hoje, porém, não da mesma maneira de séculos atrás. A desilusão pós-moderna em relação à busca moderna por verdades eternas e imutáveis vai construindo o espaço para o efêmero, o caótico, o descontínuo e o fragmentário, com reflexos também no uso do território. Segundo Milton Santos,

[v]ivemos com uma noção de território herdada da Modernidade incompleta e do seu legado de conceitos puros, tantas vezes atravessando os séculos praticamente intocados. É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de análise social. Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por isso mesmo, carece de constante revisão histórica. O que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco da perda do sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro (Santos, 1994, p. 18).

Santos (1994) entende o território enquanto território usado, e, nesse sentido, ele não é forma, mas objeto e ação, sinônimo de espaço humano, habitado. Ele não descuida da determinação econômica nem da dinâmica política sobre o território, mas, certamente, implica sua apropriação sociossimbólica como elemento fundamental de análise do espaço geoafetivo e simbólico.

O autor também traça uma diferença conceitual importante para a análise da acentuação das desigualdades socioespaciais, a diferença entre espaço, território e lugar. Enquanto o espaço seria a totalidade verdadeira - semelhante ao casamento entre configuração territorial, paisagem e sociedade -, o território seria a configuração de vida que esse espaço apresenta. Nesse sentido, as formas do território podem, durante muito tempo, permanecer as mesmas, "mas, como a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a mesma configuração territorial nos oferecem, no transcurso histórico, espaços diferentes" (Santos, 1996, p. 77). Esses espaços diferentes, as espacialidades singulares, são resultado das articulações entre a sociedade, o espaço e a natureza. Dessa forma, o território poderá adotar espacialidades particulares, conforme aconteça o movimento da sociedade em seus múltiplos e diferentes aspectos.

Finalmente, o uso do território se dá pela dinâmica dos lugares. O lugar, então, é proposto como o espaço do acontecer solidário. Esses atos de solidariedade definem usos e geram valores de múltiplas naturezas, sejam culturais, antropológicos, econômicos, sociais etc. Como a solidariedade pressupõe coexistência, pressupõe o espaço geográfico, que é palpável e recebe os impactos do mundo. Daí tornar-se o espaço da resistência, dada a possibilidade real e efetiva de troca de informação e de construção política. Assim, o lugar, não importando sua dimensão, é a sede da resistência da sociedade civil.

Como, então, pensar na ocupação do território e no uso do lugar pelos jovens dos aglomerados a partir dos escassos recursos públicos e tradicionais de ocupação e promoção da cidadania de que dispõem? Como entender sua inserção no mercado de drogas ilícitas, convivendo com outros modos de inserção, tal qual o do movimento hip hop? Que estatuto conferir ao discurso da "falta de oportunidades" e do "ócio" nesse contexto?

Verifica-se que o discurso do ócio associa-se ao da falta de oportunidades:

Entrevista 7 - "Animar, tem nada, nóis fica aqui preso. O que faz animar mesmo é só o Fica Vivo! Futebol pra distrair."

Entrevista 6 - "Isso aí é a vida, né? Porque a gente não tem nada pra fazer. Cê fica sem nada pra fazer, ai cê acaba pensando em besteira, né?"

Entrevista 5 - "Ah, fico à toa mesmo."

Ao lado do discurso do ócio, ouvem-se novamente relatos que contradizem uma determinação socioeconômica na decisão pelo crime e, ao contrário, apontam para dialéticas pessoais vivenciadas a partir de relações ambivalentes com o território, a cidade e a própria história. Tal é o caso de Z, oficineiro do Fica Vivo!, que perdeu os dois braços aos dez anos, eletrocutado numa queda da laje. Hoje Z, com 24 anos, é casado, pai de uma menina de dois anos, dono de uma lan house e líder local. Nota-se essa contradição nas palavras de outro jovem (entrevista 2), que vive a ambiguidade de permanecer ou sair do tráfico de drogas ilícitas, "É meio difícil, mas a gente tá tentando aí pra ver se consegue. Eu leio, pego o jornal, mas até pra servente eles tá pedindo experiência, seis mês de experiência na carteira, tem que tá provado na carteira. É por causa disso mermo."

Ao que parece, portanto, há um discurso que vai se instituindo e fortalecendo identificações ao nível da inserção social e da ocupação do território. Ele diz respeito mais a posições subjetivas que vão se moldando a partir das determinações sócio-históricas e contextuais que propriamente à conformação de destinos imutáveis e previsíveis que essas mesmas determinações conformariam.

Há um uso e uma ocupação de uma posição de extraterritorialidade por alguns jovens que os identificam aos excluídos e justificam suas escolhas, como se eles não fossem por elas responsáveis. Na entrevista 2, V revela:

É, uê. Cê tá no meio ali, mesmo que ocê não tá vendendo, ocê é traficante. Cê fica na rua, porque, aê, tem nada procê fazer. Igual eu tava ali, aí vem os comprador, te vê ocê ali, ocê não tá fazendo nada. Então ou ocê tá na atividade vendo se polícia vai chegá ou ocê tá traficando, entendeu?

Dessa forma, o ócio e a falta de oportunidades tornam-se, nesse discurso, mote para a entrada no tráfico e uma consequência para o uso do lugar que habitam. Esses jovens se incluem a partir da identificação à posição de excluídos do mercado formal e do mercado de consumo. "Sem oportunidades", colocam o tráfico como o caminho mais acessível à obtenção de renda e de objetos de consumo. Rendem-se ao apelo do capital pela via mais rápida e fácil na obtenção do prazer e da satisfação imediatos. Temem a morte, mas viver o momento fala mais alto.

Diferentemente, porém, do arranjo discursivo pré-determinista assim orientado, verifica-se a marca de escolhas que traduzem um desejo de reconhecimento e visibilidade, podendo mesmo chegar ao nível de uma inserção na lógica da filiação. Tal é o caso de B, na entrevista 4, ao falar da dificuldade em guardar o dinheiro que ganha no tráfico, pois ele é utilizado para garantir uma posição de reconhecimento no aglomerado.

Como se pode verificar, os jovens ocupam seu território e o redesenham a partir de sua inserção no tráfico, fazendo do lugar onde vivem fonte de resistência à exclusão que eles próprios engendram por meio desse discurso. Não que ele seja amparado numa ilusão. É notória a pobreza nos aglomerados, a falta de intervenção do poder público e o preconceito forjado contra essas regiões nas grandes metrópoles. O que se verifica, todavia, é a presença de soluções as mais díspares para a forma de ocupação desse território - geográfico e discursivo.

As armas, as armadilhas, o poder, o dinheiro e a visibilidade que daí advêm ganham o colorido de soluções plurais resistentes ou aderentes ao discurso da falta de oportunidades e do ócio. Enquanto alguns jovens se tornam MCs, interpelam o Estado e resistem ao apelo consumista e hedonista da pós-modernidade, outros se rendem ao capital e encontram nele justificativa para um estilo de vida marcado pelo imediatismo e pelo individualismo. Pouco trabalho e muita renda alimentam esse imediatismo e a falta do sentimento de futuro. Trata-se, neste último caso, de um círculo vicioso discursivo que carece da espiral dialética que abriria novas opções de ocupação e resistência ao discurso da pós-modernidade.

 

Considerações Finais

Em relação à pós-modernidade e sua incidência no discurso dos jovens envolvidos direta ou indiretamente com a criminalidade violenta, pôde-se apurar um modo relacional que sofre a interferência direta de suas características. O apelo hedonista, o fator econômico, o consumismo e a falta de oportunidades conformam um plano discursivo que confere ao jovem uma justificativa ideológica - amparada pela realidade precária de recursos materiais - para a entrada no crime. O funcionamento sociológico da pós-modernidade não justifica, por si mesmo, tal escolha, mas, certamente, cria condições para seu fortalecimento. Como lembra o poema "O sistema/3":

Quem não banca o vivo, acaba morto. Você é obrigado a ser fodedor ou fodido, mentidor ou mentido. Tempos de o que me importa, de o que se há de se fazer, do é melhor não se meter, do salve-se quem puder. Tempo dos trapaceiros: a produção não rende, a criação não serve, o trabalho não vale. No rio da Prata, chamamos o coração de bobo. E não porque se apaixona: o chamamos de bobo porque trabalha muito (Galeano, 2000, p. 178).

Não se pode esquecer, ainda, a visibilidade que a criminalidade oferece para o sujeito apagado no nada da sua existência; uma visibilidade imediata e ruidosa alcançada por intermédio do poder e do temor provocados pela ostentação de armas, as quais canalizam uma revolta insignificada, porque despida de capacidade de transformação política, social e até mesmo subjetiva. Sem ter consciência disso e acreditando que a violência trará visibilidade, a massa de jovens já marginalizados que ingressa na criminalidade faz justamente o que um sistema preestabelecido deles espera, pronto para absorvê-los e, assim, confirmar sua posição marginal.

Tudo permanece como sempre foi, num circuito fechado de gozo mortífero em que esses jovens se inserem, sem vislumbrar saídas significantes, mesmo porque, como desvela o poema citado, isso requereria muita "disciplina e esforço constante, próprios a um trabalho de coração, coisa de bobo7", como pensam. No reverso de um discurso marcado muitas vezes por bravatas de valentia, mostra-se a covardia dos que preferem a morte por não terem coragem e forças para dar significado à própria vida.

Surpreendentemente, percebe-se que os jovens que ingressam na criminalidade estão muito mais inseridos no sistema que criticam a partir de um discurso vazio que aqueles que se dedicam a trabalhos convencionais ou a movimentos culturais, políticos e sociais. Com relação àqueles, não há impulso transformador, sendo-lhes tão imperceptíveis as cordas a que se amarram tais quais fantoches que sequer conseguem deixar o espaço geográfico que ocupam, e onde se matam uns aos outros.

Já marginalizados, ao se apoiarem na violência e no crime, esses jovens tão-somente consolidam sua posição de contraponto aos que consomem; a sujeira que indicará quem são os limpos e servirá de argumento para as medidas que visem a excluí-los da paisagem.

É importante ressaltar que, no mundo contemporâneo, o imediatismo do gozo impede a formação de laços, os quais, opressores ou não, marcavam a Modernidade e seus ideais de felicidade futura, coletivamente partilhada. Esse gozo, de forma célere e em cores vivas, manifestadas precipuamente em comportamentos violentos e antissociais, se anuncia deletério à cultura, fora da qual não se concebe a existência humana, reclamando o resgate ao desejo que se constrói em torno de uma falta que habita o subjetivo ao fazê-lo devir, assim permitindo sua constante e renovada significação. Enfim, revela-se o gozo desorientado pós-moderno, que se lança ao abismo do desconhecido, num clamor por uma Lei que, sem sufocá-lo, permita ao sujeito contemporâneo constituir-se como ser histórico a partir de ideais que lhe transcendam e aos quais aceda na significação de sua existência, possibilitando-lhe enganar a morte.

Sem essa Lei que viabilize um convívio transformador com a falta, o consumo e, logo, a criminalidade sempre se mostrarão como os meios mais próximos e sedutores para a busca por um prazer que amorteça as agruras de uma existência que já se inicia marginalizada. Se não dão significado a uma vida, abreviam seus sofrimentos com ilusões de satisfação plena, a partir das quais muitos jovens trilham um encontro antecipado com a morte.

 

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Recebido em 10 de junho de 2010
Aceito em 14 de dezembro de 2010
Revisado em 23 de março de 2011

 

 

1 O Programa de Controle de Homicídios "Fica Vivo!", instituído pelo Decreto n. 43.334, de 20/05/2003, é coordenado pela Superintendência de Prevenção à Criminalidade e tem como objetivo reduzir o número de homicídios, favorecendo a organização comunitária e dos jovens. O trabalho alia ações preventivas, que mobilizam os jovens com idade entre 12 e 24 anos das comunidades em oficinas educativas, culturais e profissionalizantes, e de patrulhamento ostensivo feito pelo Grupamento Especializado de Áreas de Risco (GEPAR) da Polícia Militar de Minas Gerais. A implantação do Fica Vivo! já foi concluída em 25 comunidades de Minas Gerais. Foram realizadas 630 oficinas e aproximadamente 19.000 atendimentos a jovens, reduzindo em 20% o número de homicídios nessas regiões. São dois seus níveis de intervenção: 1) Proteção Social, que oferece suporte social e oportunidades de profissionalização, bem como lazer, educação e cultura aos jovens, intervindo inclusive nas questões relativas à comunicação com esse segmento, por meio do Núcleo de Referência do programa; 2) Intervenção Estratégica, que tem como função a realização de ações conjuntas de órgãos do sistema penal, tais como Ministério Público, Polícia Civil e Polícia Militar, dentre as quais se destacam as repressivas.
2 A esse respeito, cabe destacar que o resgate do sentido ético do Direito e a colocação do princípio da dignidade da pessoa humana como valor máximo e como legitimadora de boa parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais tiveram por marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, justamente após a 2ª Guerra Mundial, quando se desvelavam para o mundo os horrores praticados pelos nazistas em nome de uma lei que se resumia à mera técnica, simples forma capaz de veicular qualquer ideologia. Diante da utilização perversa e escravizante da lei pelos regimes totalitários, a Declaração serviu como alerta ao mundo sobre os perigos de se esvaziar o Direito de valores e ideais éticos, reduzindo-o à mera forma da lei, a uma simples técnica, como fez prevalecer a hoje superada corrente do Positivismo Jurídico.
3 Daí, inclusive, as bases de fundação do Estado de Direito, após a Revolução Francesa - marco da Modernidade -, que, pondo fim ao ancien régime, retirou o poder absoluto das mãos de um rei investido por Deus para transferi-lo à Lei, então vista como a expressão máxima da razão humana, num resgate do ideal aristotélico segundo o qual se define a lei como "inteligência sem paixão".
4 Para o mencionado autor, esse apego ao fugidio inclusive determina a corrosão do caráter, cujas bases têm sua fundação vinculada a valores estáveis que permitam ao sujeito orientar a condução de sua vida em parâmetros coerentes e integrados aos ideais subjacentes à vida em sociedade. Valores, pois, que o permitiriam fazer coexistir sua liberdade com a dos demais membros da sociedade.
5 Há muito, o comércio de drogas se mostra um grande negócio, já tendo sido, inclusive, o motivo declarado da guerra entre a China e a Inglaterra, em 1840: a Guerra do Ópio. Segundo João Gaspar Rodrigues: "A Inglaterra produzia ópio na China (através da British East India Company) e o vendia aos chineses, obtendo altos lucros. Quando estes últimos tentaram reprimir a venda ilegal da droga, a Inglaterra declarou guerra à China, obrigando-a a liberar a importação da droga e, como resultado, em 1900, metade da população adulta masculina chinesa era dependente da droga" (Rodrigues, 2001, p. 68).
6 Esse é o caso de uma sociedade que se funda no consumo, superando um modelo que se arrimava nos processos de produção.
7 Aqui, vale destacar que "bobo" é, muitas vezes, a forma como esses jovens também denominam o relógio, por trabalhar de graça.

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