Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139
Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.18 no.1 São Paulo jan./jun. 2018
https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v18n1p66-82
Comparação do protocolo adaptado de avaliação motora utilizando a escala Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) no TEA
Comparison of the adapted motor assessment protocol using the Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) scale in ASD
Comparación del protocolo adaptado de evaluación motora utilizando la escala Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) en el TEA
Ricardo Henrique Rossetti QuintasI; Ariane Cristina Ramello de CarvalhoII; Carolina Lourenço Reis QuedasIII
IUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: ricardo.quintas@uol.com.br
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: ariane.ramello@gmail.com
IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: carolinaquedas@gmail.com
RESUMO
A dificuldade de compreensão em crianças com TEA em relação às instruções fornecidas nos diversos instrumentos avaliativos torna mais trabalhosa a coleta de informações importantes para um diagnóstico, o que pode impactar as pontuações padronizadas da escala. O objetivo deste estudo foi verificar se há diferença entre dois protocolos de avaliação da escala Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) no desempenho de crianças com TEA. Avaliaram-se 18 indivíduos com TEA em relação às suas habilidades motoras. Para tanto, adotou-se a escala MABC-2 com dois protocolos diferentes. No protocolo tradicional (P-TR), utilizou-se a descrição fornecida em seu manual, com comandos verbais e demonstração para a descrição das atividades. Após 15 dias, esses comandos foram reavaliados. Nesse caso, empregou-se o protocolo com auxílio de cartões de imagem (P-CI) como recurso para descrição das atividades, com o propósito de diminuir os comandos verbais. Os resultados indicam que os indivíduos com TEA se beneficiaram do P-CI quando comparado ao P-TR, em relação a todas as habilidades avaliadas (destreza manual Z = -154, habilidades com bola Z = -1,885, equilíbrio Z = -1,074, desempenho global Z = -2,206). Os suportes visuais podem ser introduzidos no protocolo de avaliação da escala MABC-2 quando utilizada em indivíduos com TEA, considerando os benefícios desses suportes nas avaliações e na prática educacional.
Palavras-chave: Destreza motora. Transtorno do espectro autista. Desenvolvimento. MABC-2. Desordens motoras.
ABSTRACT
The difficulty of comprehension in children with ASD in relation to the instructions provided in the various evaluation instruments makes it difficult to collect information that is important for a diagnosis and can impact the standardized scale scores. The objective of this study was to verify if there is difference between two evaluation protocols of the MABC-2 scale in the performance of children with ASD. Eighteen children was assessed with ASD in relation to their motor skills using the Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) scale using two different protocols. The first, traditional protocol (P-TR) used the description provided in its manual using verbal commands and demonstration to describe the activities. After fifteen days, they were reevaluated using the protocol with image cards support (P-CI) as a resource for description of activities by decreasing verbal commands. The results show that individuals with ASD benefited from the P-CI protocol when compared to the P-TR protocol in all skills assessed (hand skill Z = -154, skills with ball Z = -1.885, balance Z = -1.074, performance global Z = -2.206). Visual supports may be introduced into the MABC-2 protocol when used in individuals with ASD, considering the benefits of such supports in assessments and educational practice.
Keywords: Motor skills. Autism spectrum disorder. Development. MABC-2. Motor disorders.
RESUMEN
La dificultad de comprender en los niños con TEA en relación con las indicaciones proporcionadas en las instrumentos de evaluación, dificultando la recolección de información para un diagnóstico, pudiendo impactar en las puntuaciones de la escala. El objetivo de este estudio fue verificar la diferencia entre dos protocolos de la MABC-2 en el desempeño de niños con TEA. Se evaluaron 18 individuos con TEA en relación a las habilidades motoras utilizando la variable de evaluación de la memoria para niños (MABC-2) con dos protocolos diferentes. El primer protocolo tradicional (P-TR) utilizó la descripción suministrada en su manual para la descripción de las actividades, después de quince días ellos fueron reevaluados utilizando el protocolo con la ayuda de tarjetas de imagen (P-CI) como recurso para descripción de actividades. Los resultados indican que los individuos con TEA se beneficiaron del protocolo P-CI en comparación con el protocolo P-TR en todas las habilidades (destreza manual Z = -154, habilidades con balón Z = -1,885, equilibrio Z = -1,074, rendimiento global Z = -2.206). Los soportes visuales pueden ser introducidos en el protocolo MABC-2 cuando se usan en individuos con TEA, considerando los beneficios de los soportes en evaluaciones y prácticas educativas.
Palabras-clave: Destreza motora. Trastorno del espectro autista. Desarrollo. MABC-2. Desordenes motoras.
INTRODUÇÃO
O transtorno do espectro autista (TEA) está classificado na categoria dos transtornos do neurodesenvolvimento, de acordo com os critérios estabelecidos na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5), o qual caracteriza esse transtorno como uma condição de início na infância, marcada por comprometimentos persistentes na comunicação social recíproca e na interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Schwartzman e Araújo (2011) ressaltam que indivíduos com TEA apresentam causas neurobiológicas que os afetam de forma abrangente, com comprometimentos qualitativos e quantitativos principalmente nas áreas de interação social, comunicação e comportamento, seguindo critérios clínicos de acordo com o nível do prejuízo funcional.
Nos últimos anos, os relatos em pesquisa demonstraram um aumento na prevalência do transtorno. Nos Estados Unidos, a estimativa é de um caso a cada 68 nascimentos e com maior incidência em meninos (um em cada 54) do que em meninas (um em 252). Entre 2006 e 2008, houve um aumento de 23% no número de casos nos Estados Unidos (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2012). No Brasil, um estudo-piloto, realizado na cidade de Atibaia, no interior de São Paulo, avaliou 1.470 crianças entre 7 e 12 anos e encontrou uma prevalência de 27,2 casos por dez mil crianças, isto é, uma frequência de quase 0,3% (PAULA et al., 2011).
As razões sobre o aumento da prevalência do TEA ainda são fonte de discussão entre especialistas da área, e alguns fatores poderiam influenciar, neste aumento, a maior divulgação sobre o transtorno na sociedade. A maior procura pela realização do diagnóstico poderia ser um desses fatores. Outros fatores que também poderiam ser considerados para justificar esse aumento estariam relacionados a aspectos ambientais e genéticos (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2012).
Dessa forma, a busca pela compreensão dos sinais e sintomas do TEA torna-se um grande desafio. De acordo com Liu e Breslin (2013), a comunicação é uma das maiores preocupações, já que os prejuízos na compreensão de expressões verbais e não verbais limitam a interação social de crianças com TEA (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2000). Por essa razão, um estudo realizado por Schneider e Goldstein (2009) apontou que crianças com TEA teriam mais facilidade para compreender informações visuais do que auditivas.
Tissot e Evans (2003) descrevem a possibilidade de recursos visuais como uma ferramenta para aprendizagem no TEA, incluindo o uso de fotografias ou figuras para fortalecer a informação referente ao que se pretende ensinar ou para melhor compreensão dos comandos verbais, melhorando, assim, o nível de entendimento desses indivíduos em relação à comunicação em diferentes ambientes. Bilikis, Nazean e Rodina (2015) descrevem algumas possibilidades de intervenções comportamentais utilizando como ferramenta os recursos visuais e tecnológicos, a fim de ampliar as possibilidades de aprendizado para crianças que apresentem algum tipo de dificuldade de aprendizagem.
Métodos de comunicação alternativa são utilizados como recurso terapêutico para o TEA. Ferreira et al. (2017) apontam a importância desses instrumentos de comunicação alternativa e destacam o programa Picture Exchange Communication System (PECS), que atualmente é um dos instrumentos mais utilizados com indivíduos com TEA não verbais em várias partes do mundo. O PECS é composto por cartões de imagens e figuras que auxiliam na comunicação. Além disso, segundo Dooley, Wilczenski e Torem (2001), os cartões de imagens diminuem os comportamentos inapropriados e melhoram a atenção e organização para realização de uma determinada tarefa.
Em virtude da ampla gama dos comprometimentos no TEA, o processo de avaliação torna-se um grande desafio clínico e também para a pesquisa, até mesmo em função da escassez de instrumentos avaliativos devidamente validados para esse público específico. Os comprometimentos motores no TEA estão evidenciados na literatura, conforme estudos de Paquet et al. (2016) e Downey e Rapport (2012), contudo os instrumentos utilizados nesse processo não apresentam uma validação para essa população, o que poderia dificultar o entendimento das instruções dos testes por crianças com TEA. Green et al. (2009), ao utilizarem, na Inglaterra, a escala Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) para a avaliação motora em indivíduos com TEA, demonstraram que 79,2% das crianças diagnosticadas com TEA apresentam déficits motores significativos e necessitam de intervenção. A maior parte da população avaliada apresentava quociente de inteligência (QI) inferior a 70, ou seja, esses indivíduos poderiam não ter compreendido as instruções necessárias para realização das tarefas motoras, comprometendo o resultado final. Em outro estudo, Whyatt e Craig (2012) avaliaram crianças com TEA entre 7 e 10 anos por meio da escala MABC-2 e observaram comprometimentos motores, principalmente nas atividades de equilíbrio e habilidades com bola. Os autores relataram as dificuldades de compreensão dos indivíduos em relação à instrução da tarefa, o que poderia ser considerado um viés a ser estudado. Berkeley et al. (2001) ressaltaram que a falta de compreensão dos participantes em relação às instruções poderia impactar as pontuações padronizadas da escala.
Breslin e Rudisill (2011) destacaram a importância dos suportes visuais como facilitadores para a avaliação das habilidades motoras no TEA, já que isso poderia facilitar a atenção desses indivíduos para a tarefa e ajudar na descrição das atividades a serem realizadas de maneira mais concreta. Esse processo facilitaria a organização das informações a serem apreendidas pelos indivíduos, reduzindo o viés da falta de compreensão das tarefas a serem realizadas nas avaliações das habilidades motoras.
Esses autores adotaram a escala Test of Gross Motor Development (TGMD-2) utilizando dois protocolos diferentes, com o objetivo de analisar o uso dos cartões de imagem como recurso para o processo de avaliação. Os resultados descrevem maior pontuação das habilidades motoras quando utilizado o recurso do cartão com imagem, em contraponto ao protocolo tradicional (P-TR) descrito no manual da escala, ressaltando, assim, a importância da utilização desse recurso para avaliação dos indivíduos com TEA.
Liu e Breslin (2013) avaliaram 25 indivíduos com TEA utilizando a escala MABC-2 com protocolos diferentes. No P-TR, utilizaram-se as descrições contidas no manual da escala. No segundo protocolo, havia recursos de imagens e instruções verbais mais curtas para a descrição da execução das atividades. O grupo foi avaliado pelos dois protocolos, com a diferença entre as avaliações de uma semana, e os resultados apontaram para comprometimentos motores dos indivíduos avaliados. Porém, apesar de o protocolo com recurso visual ter apresentado melhores resultados, a maior parte do grupo permaneceu com desempenho inferior à média na escala, apresentando dificuldades motoras significativas.
Até o momento, foram encontrados apenas dois estudos que descrevem a utilização dos recursos de imagem como ferramenta auxiliar para avaliação do desempenho motor dos indivíduos com TEA. Entretanto, em seus métodos, não se adotaram instrumentos capazes de delinear as habilidades cognitivas no grupo estudado, sendo esse um viés para a pesquisa (LIU; BRESLIN, 2013). Como o espectro do autismo é de ampla magnitude de comprometimentos, esse poderia ser um fator limitante nas pesquisas descritas na literatura.
A hipótese do estudo é que indivíduos com diagnóstico de TEA apresentam desempenho motor inferior à média estabelecida na escala MABC-2 e que se beneficiariam com a utilização de um protocolo utilizando os cartões de imagem como uma ferramenta complementar, aumentando os percentis nas avaliações das habilidades motoras em contraponto ao P-TR descrito em seu manual. Portanto, o objetivo desta pesquisa foi verificar possíveis diferenças na avaliação motora de crianças com TEA, por meio do protocolo MABC-2 no formato tradicional, segundo comando verbal, em relação à aplicação da mesma escala com apoio de imagens.
MÉTODO
Participaram do estudo 18 indivíduos (17 meninos e uma menina) com idade entre 11 e 16 anos, com diagnóstico médico de TEA e frequentadores de uma escola de referência no atendimento a essas pessoas. Os convites para a participação no estudo foram realizados por meio de comunicado descrito pela instituição no caderno de recados de cada participante, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) contendo as informações referentes aos procedimentos que seriam adotados para a avaliação. Além disso, disponibilizou-se o telefone de contato dos pesquisadores aos responsáveis para esclarecimento das possíveis dúvidas. Foi ressaltado que os participantes do estudo estariam livres para interromper a participação na pesquisa quando desejassem. Utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão: indivíduos com diagnóstico médico de TEA que pudessem compreender e entender os comandos verbais necessários para as avaliações e que fossem autorizados por meio da assinatura do TCLE pelos pais ou responsáveis. Excluíram-se os indivíduos com alguma patologia que comprometesse o seu desempenho motor ou afetasse as avaliações descritas no estudo e aqueles que não concluíssem todos os processos de avaliação do estudo.
Os dados foram coletados na própria instituição, em ambiente adequado, de acordo com os requisitos estabelecidos nos manuais dos instrumentos utilizados. A pesquisa foi dividida em três fases:
Na primeira fase, avaliou-se o desempenho cognitivo por meio da Escala Wechsler Abreviada de Inteligência (Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence -WASI), aplicada por uma psicóloga com experiência na avaliação de indivíduos com TEA.
Na segunda fase, os participantes foram convidados a realizar as tarefas de habilidades motoras. Nessa etapa, utilizou-se a escala MABC-2 com o P-TR, que possibilita ao avaliador descrever as atividades a se-rem realizadas verbalmente e com exemplos, sendo ministrada pelo pesquisador principal, que tem experiência na utilização desse instrumento para avaliação de indivíduos com TEA.
A terceira fase do estudo foi realizada após três semanas da segunda fase, quando os indivíduos recrutados para o estudo foram reavaliados em sua função motora pela escala MABC-2. Nessa etapa, utilizou-se um protocolo com cartões de imagens (P-CI) retirados do próprio manual da escala. Esses cartões foram confeccionados pelo pesquisador principal. Todos os cartões foram apresentados aos participantes da pesquisa, e minimizaram-se as instruções em relação aos procedimentos que seriam adotados, sendo relatadas apenas as regras das atividades.
Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da universidade sob o Parecer n. 1.717.700.
Instrumentos
Escala Movement Assessment Battery for Children - second edition (MABC-2)
Trata-se de uma escala de avaliação motora que avalia crianças e adolescentes de 3 a 16 anos, dividida em três áreas de habilidades: destreza manual, habilidades com bola e equilíbrio estático/dinâmico. Esse instrumento traça um perfil motor nessas áreas e descreve o desempenho global do indivíduo, com média de tempo de aplicação de 40 minutos. A MABC-2 é utilizada para avaliar e identificar indivíduos que estão em risco para o desenvolvimento motor, com base nas três áreas de avaliação e no perfil motor global de cada pessoa, que pode ser classificado em um sistema de semáforos que descreve o atraso motor do indivíduo avaliado utilizando como comparação os percentis estabelecidos como padrão de desenvolvimento descrito em seu manual. Esse sistema está assim dividido:
Zona vermelha, com o percentil < 5: indica que o indivíduo tem dificuldade de movimento significativo e requer intervenção.
Zona âmbar: sugere que o indivíduo está em risco de ter alguma dificuldade de movimentação e requer acompanhamento, situando-se entre o percentil 6 e 15.
Zona verde, com o percentil > 15: indica que o indivíduo não apresenta qualquer tipo de dificuldade de movimentação (HENDERSON; SUGDEN; BARNETT, 2007).
Escala Wechsler Abreviada de Inteligência - WASI
É um instrumento abreviado que avalia a inteligência geral verbal (QI) fornecendo escores padronizados em três categorias: QI total, QI verbal e QI de execução. Em sua versão abreviada, é possível estabelecer um QI total utilizando apenas dois subtestes: vocabulário e raciocínio matricial, com tempo médio de aplicação de aproximadamente 15 minutos, versão utilizada no presente estudo (WAGNER; CAMEY; TRENTINI, 2014).
Análise de dados
Os dados foram transcritos, e converteram-se as pontuações brutas em percentis (destreza manual, habilidades com bola, equilíbrio, motor global) de acordo com as tabelas de normatização descritas no manual do instrumento, as quais foram estabelecidas por meio de análise descritiva em mínimo, máximo, média e desvio padrão. Os dados foram compilados, e utilizou-se para avaliação dos resultados o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20. Realizou-se o teste de Wilcoxon com o propósito de calcular a diferença dos percentis do P-TR e P-CI nas três áreas de habilidades e no motor global.
RESULTADOS
Os resultados obtidos na presente pesquisa em relação à variável estudada estão descritos na Tabela 1, a qual apresenta os resultados da escala MABC-2 (destreza manual, habilidades com bola, equilíbrio, desempenho global) para cada participante. Nesse caso, utilizou-se o P-TR do manual da escala que incentiva o avaliador a descrever as atividades a serem realizadas a partir de comandos verbais para aplicação da escala.
A Tabela 1 evidencia que a maior parte do grupo TEA (n = 13) apresentou comprometimentos motores significativos, com desempenho global abaixo do percentil 5, zona vermelha, isto é, esses indivíduos necessitam de intervenção. Dois participantes se classificaram na zona âmbar, com percentis entre 6 e 14; nesse caso, eles podem desenvolver algum tipo de comprometimento motor e exigir acompanhamento. Três participantes apresentaram percentis iguais ou superiores a 15, ou seja, não apresentaram qualquer tipo de dificuldade em habilidades motoras quando se utilizou o P-TR.
A Tabela 2 apresenta os resultados de cada participante utilizando P-CI em todas as dimensões avaliadas pela escala MABC-2 (destreza manual, habilidades com bola, equilíbrio, desempenho global).
Em relação ao P-CI, foram identificados pelo sistema de semáforos 12 participantes que apresentaram desempenho motor global abaixo ou igual ao percentil 5, com comprometimento motor significativo. Apenas um participante do estudo foi classificado na zona âmbar, a qual indica risco de comprometimento motor e requer reavaliação e acompanhamento. Quatro participantes se classificaram na zona verde, que representa a não identificação de qualquer comprometimento motor.
As tabelas 1 e 2 demonstram, na avaliação pelo P-CI, que os participantes obtiveram melhores resultados quando comparados com o P-TR, porém a maior parte do grupo avaliado, independentemente do protocolo, apresenta comprometimentos motores significativos quando comparado à distribuição normal da escala.
As análises descritivas (mínimo, máximo, mediana, desvio padrão) em relação às variáveis estudadas por meio dos dois protocolos utilizados (MABC-2 P-TR e P-CI) e do QI e a análise da diferença entre os dois protocolos foram realizadas por meio do teste de Wilcoxon. Os resultados estão descritos na Tabela 3.
Em relação ao teste WASI (QI), ficou evidenciado que o grupo obteve uma média de 72,40%, representando que a maior parte do grupo obteve pontuações inferiores a 70, o que é considerado um índice limítrofe para deficiência intelectual. As medidas descritivas apresentadas na Tabela 3 apontam para melhores medianas obtidas no P-CI. Por meio do teste de Wilcoxon, é possível verificar um maior efeito em relação à avaliação do desempenho motor. Dessa forma, quando o grupo foi avaliado com o P-CI, obteve melhores resultados em relação à avaliação com o P-TR. Esse efeito pode ser observado em todos os domínios da escala (destreza manual -154; habilidades com bola -1,885; equilíbrio -1,074; desempenho Global -2,206).
Para maior clareza dos resultados obtidos, o Gráfico 1 apresenta a diferença entre as médias avaliadas pelos tipos de protocolo da MABC-2 utilizados.
No Gráfico 1, é possível observar que o desempenho do grupo em que se utilizou o P-CI foi muito superior em desempenho global em relação ao grupo P-TR.
DISCUSSÃO
Os resultados apresentados na presente pesquisa demonstram que P-CI com auxílio de imagens apresentou melhores resultados em relação ao P-TR descrito no manual da escala MABC-2 em relação à avaliação do grupo TEA. O manual da escala estimula o avaliador a fornecer as informações necessárias para aplicação das atividades propostas na escala, porém não descreve como essas instruções devem ser fornecidas para encorajar os profissionais a utilizar abordagens que possam garantir que os participantes compreendam as instruções (GREEN et al., 2009).
A introdução de suportes visuais permitiu que os indivíduos com TEA obtivessem melhores pontuações. Esse achado sugere que o P-CI pode ser um facilitador para a avaliação dos indivíduos com TEA, auxiliando na compreensão das regras e das tarefas a serem realizadas para a avaliação da escala MABC-2 (LIU; BRESLIN, 2013).
Na avaliação motora de indivíduos com TEA, Liu e Breslin (2013) e Breslin e Rudisill (2011) utilizaram os recursos visuais em dois diferentes instrumentos avaliativos (MABC-2, TGMD-2). Nos estudos desses autores, não foram avaliadas as habilidades cognitivas, o que comprometeu a descrição do grupo avaliado. Na presente pesquisa, foi introduzida a avaliação QI para melhor descrição do grupo, em que ficou evidenciado que sete participantes da pesquisa obtiveram QI < 70 (38,88%), ou seja, maior dificuldade de compreensão em relação aos comandos utilizados para avaliação da escala MABC-2, e 11 participantes do estudo apresentaram QI > 70 (61,11%), ou seja, menor comprometimento em relação às suas habilidades cognitivas e maior compreensão das atividades propostas.
Independentemente do grau de comorbidades cognitivas, os indivíduos com TEA parecem ter se beneficiado do P-CI. Porém, independentemente do protocolo utilizado, a maior parte do grupo apresentou comprometimentos motores significativos: 72,22% dos participantes da amostra que utilizaram o P-TR foram classificados na zona vermelha, e 66,66% foram classificados na zona vermelha quando se adotou o P-CI.
De acordo com a literatura, os indivíduos com TEA têm comprometimentos motores, independentemente do grau de desempenho cognitivo (MIERES et al., 2012; WAELVELDE et al., 2010). Esse tipo de comprometimento pode ser considerado como sintoma e não uma comorbidade em relação ao TEA (FOURNIER et al., 2010), e estar associado às deficiências nas imitações e ao mau planejamento motor desses indivíduos (DZIUK et al., 2007).
Stapes e Reid (2010), em pesquisa utilizando a escala TGM-2, relatam as dificuldades de compreensão quanto à interpretação dos comandos verbais fornecidos a crianças com TEA e ressaltam que somente as demonstrações práticas não foram confiáveis para a avaliação do desempenho das tarefas. Esses autores propõem a adaptação do protocolo de avaliação com o objetivo de simplificar a complexidade das instruções verbais, obtendo resultados mais confiáveis. De acordo com Breslin e Liu (2015), para que se possa assegurar a confiabilidade das avaliações motoras, é necessário garantir a compreensão das instruções desses indivíduos em relação à tarefa. Para esses autores, os suportes visuais podem ser facilitadores importantes para essa compreensão.
O estudo realizado por Allen et al. (2017) teve como objetivo avaliar a validade e a confiabilidade da terceira edição da escala TGMD para crianças com TEA. Nesse estudo, os autores utilizaram o P-TR e P-CI. Os resultados demonstraram que os dois protocolos são confiáveis para a avaliação de crianças com TEA e apresentaram altos índices de confiabilidade. Contudo, as crianças com TEA, quando avaliadas com o P-TR, apresentaram valores significativamente mais baixos quando comparados com o P-CI.
Os déficits na função cognitiva em crianças com TEA contribuem para a diminuição da compreensão de informações auditivas, expressões corporais, imitação de movimento e gestos expressivos, conforme afirmações de Green et al. (2009) e Zachor, Ilanit e Itzchak (2010), o que compromete a aquisição de habilidades motoras e afeta o seu desempenho (GREEN et al., 2009).
Os achados relatados na presente pesquisa poderiam fornecer mais evidências em relação ao funcionamento e processamento das informações visuais, em contraponto às informações verbais no TEA, como relatado por Tissot e Evans (2003) e Breslin e Rudisill (2011), que ressaltam a importância dos suportes visuais para a avaliação e educação em crianças com TEA, em virtude da maior pontuação obtida na avaliação motora com o P-CI. Esses cartões poderiam ser um grande diferencial nas avaliações do desempenho motor dos indivíduos com TEA (BRESLIN; RUDISILL, 2011). Esses e outros autores sugerem ainda a necessidade de adaptações em relação aos protocolos de avaliação motora, sustentando a hipótese de que a não compreensão das instruções verbais poderia influenciar nos resultados dos escores padronizados das escalas de avaliação (LIU; BRESLIN, 2013; WHYATT; CRAIG, 2012).
Esta pesquisa demonstra evidências científicas em relação às avaliações motoras no TEA e aponta para o benefício dessas adaptações que são pouco exploradas nos meios científicos. Além disso, avaliações com suportes visuais poderiam contribuir para a ampliação da escala MABC-2 em indivíduos não verbais diagnosticados com TEA.
Entre as limitações deste estudo, destaca-se o número pequeno de participantes, o que restringe o potencial de generalização dos resultados. Além disso, as avaliações realizadas por um único pesquisador podem ter influenciado o resultado final.
CONCLUSÕES
Concluímos que os suportes visuais podem ser introduzidos no protocolo de avaliação da escala MABC-2 quando utilizada em indivíduos com TEA, considerando os benefícios desses suportes nas avaliações e na prática educacional.
Esta pesquisa amplia as possibilidades de recursos para as avaliações de indivíduos com TEA, levantando a discussão de que adaptações aos protocolos já descritos nos manuais dos instrumentos poderiam ajudar nos procedimentos de avaliação com essa população específica, requerendo a ampliação de mais pesquisas na área. Outro estudo já está sendo elaborado para comparar o desempenho entre grupos distintos em relação aos diferentes tipos de protocolos, uma vez que, no presente estudo, o mesmo grupo de sujeitos foi submetido aos dois tipos de protocolo.
REFERÊNCIAS
ALLEN, K. A. et al. Test of Gross Motor Development-3 (TGMD-3) with the use of visual supports for children with Autism Spectrum Disorder: validity and reliability. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 47, n. 3, p. 813-833, Mar. 2017. [ Links ]
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4. ed. Washington, DC: APA, 2000. [ Links ]
BERKELEY, S. L. et al. Locomotor and object control skills of children diagnosed with autism. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 18, n. 4, p. 405-416, Oct. 2001. doi: https://doi.org/10.1123/apaq.18.4.405 [ Links ]
BILIKIS, B.; NAZEAN, J.; RODINA, A. Visual Hybrid Development Learning System (VHDLS) framework for children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 45, n. 10, p. 3069-3084, 2015. [ Links ]
BRESLIN, C. M.; LIU, T. Dou you know what I'm saying? Strategies to assess motor skills for children with autism spectrum disorder. Journal of Physical Education, Recreation & Dance, v. 86, n. 1, p. 10-15, 2015. doi: https://doi.org/10.1080/073030 84.2014.978419 [ Links ]
BRESLIN, C. M.; RUDISILL, M. E. The effect of visual supports on performance of the TGMD-2 for children with autism spectrum disorder. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 28, n. 4, p. 342-353, Oct. 2011. [ Links ]
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Prevalence of autism spectrum disorders. Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, v. 61, n. 3, p. 1-19, 2012. [ Links ]
DOOLEY, P.; WILCZENSKI, F.; TOREM, C. Using an activity schedule to smooth school transitions. Journal of Positive Behavior Interventions, v. 3, n. 1, p. 57-61, 2001. [ Links ]
DOWNEY, R.; RAPPORT, M. J. K. Motor activity in children with autism: a review of current literature. Pediatric Physical Therapy, v. 24, n. 1, p. 2-20, 2012. doi: 10.1097/PEP.0b013e31823db95f [ Links ]
DZIUK, M. A. et al. Dyspraxia in autism: association with motor, social, and communicative deficits. Dev. Med. Child. Neurol., v. 49, n. 10, p. 734-739, Oct. 2007. doi: 10.1111/j.1469-8749.2007.00734.x [ Links ]
FERREIRA, C. et al. Selection of words for implementation of the Picture Exchange Communication System - PECS in non-verbal autistic children. CoDas, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 1-4, 2017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172015285 [ Links ]
FOURNIER, K. A. et al. Motor coordination in autism spectrum disorders: a synthesis and meta-analysis. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 40, n. 10, p. 1227-1240, Oct. 2010. doi: 10.1007/s10803-010-0981-3 [ Links ]
GREEN, D. et al. Impairment in movement skills of children with autistic spectrum disorders. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 51, n. 4, p. 311-316, Apr. 2009. doi: 10.1111/j.1469-8749.2008.03242.x [ Links ]
HENDERSON, S. E.; SUGDEN, D. A.; BARNETT, A. Movement Assessment Battery for Children-2 Examiners's Manual. England: Pearson Education, 2007. [ Links ]
LIU, T.; BRESLIN, C. M. The effect of a picture activity schedule on performance of the MABC-2 for children with autism spectrum disorder. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 84, n. 2, p. 206-212, 2013. doi: 10.1080/02701367.2013.784725 [ Links ]
MIERES, A. C. et al. Autism spectrum disorder: an emerging opportunity for physical therapy. Pediatric Physical Therapy, v. 24, n. 1, p. 31-37, Spring 2012. [ Links ]
PAQUET, A. et al. The semiology of motor disorders in autism spectrum disorders as highlighted from a standardized neuro-psychomotor assessment. Frontiers in Psychology, v. 7, Sept. 2016. [ Links ]
PAULA, C. S. et al. Autism in Brazil: perspectives from science and society. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 2-5, jan./fev. 2011. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302011000100002 [ Links ]
SCHNEIDER, N.; GOLDSTEIN, H. Using social stories and visual schedules to improve socially appropriate behaviors in children with Autism. Journal of Positive Behavior Interventions, Apr. 2, 2009. doi:10.1177/1098300709334198 [ Links ]
SCHWARTZMAN, S. J.; ARAÚJO, C. A. de (Org.). Transtornos do espectro do autismo. São Paulo: Memnon, 2011. [ Links ]
SCHNEIDER, N.; GOLDSTEIN, H. Using social stories and visual schedules to improve socially appropriate behaviors in children with autism. Journal of Positive Behavior Interventions, Apr. 2, 2009. doi: 10.1177/1098300709334198 [ Links ]
STAPES, K. L.; REID, G. Fundamental movement skills and autism spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 40, n. 2, p. 209-217, Feb. 2010. doi: 10.1007/s10803-009-0854-9 [ Links ]
TISSOT, C.; EVANS, R. Visual teaching strategies for children with autism. Early Child Development and Care, v. 173, n. 4, p. 425-433, 2003. doi: https://doi.org/10.1080/0300443032000079104 [ Links ]
WAELVELDE, H. van et al. Stability of motor problems in young children with or at risk of autism spectrum disorders, and development coordination disorder. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 52, n. 8, Aug. 2010. [ Links ]
WAGNER, F.; CAMEY, S. A.; TRENTINI, C. M. Análise fatorial confirmatória da escala de inteligência Wechsler abreviada - versão português brasileiro. Avaliação Psicológica, Itatiba, v. 13, n. 3, p. 383-389, dez. 2014. [ Links ]
WHYATT, C.; CRAIG, C. Motor skills in children aged 7-10 years, diagnosed with autism spectrum disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 42, n. 9, p. 1799-1809, Sept. 2012. doi: 10.1007/s10803-011-1421-8 [ Links ]
ZACHOR, D. A.; ILANIT, T.; ITZCHAK, E. B. Autism severity and motor abilities correlates of imitation situations in children with autism spectrum disorder. Research in Autism Spectrum Disorder, v. 4, n. 3, p. 438-443, July/Sept. 2010. doi: https://doi.org/10.1016/j.rasd.2009.10.016 [ Links ]
Recebido em: 17.01.2018
Aprovado em: 05.04.2018