Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139
Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.18 no.2 São Paulo jul./dez. 2018
https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v18n2p65-82
Avaliação de problemas emocionais/comportamentais em pré-escolares na perspectiva dos pais e das mães
Assessment of pre-scholar emotional/behavioral problems on the fathers and mothers' perspective
Evaluación de problemas emocionales/comportamentales en pre-escolares en la perspectiva de los padres y de las madres
Marina Monzani da RochaI; Ana Carolina Fernandes da MattaII
IUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: marinamonzani@gmail.com
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: anafdamatta@hotmail.com
RESUMO
Ainda que ambos os pais convivam com seu filho no mesmo contexto, a interação de cada um com este é diferente, assim como suas próprias percepções sobre os comportamentos desta criança. Nesse sentido, este trabalho teve como objetivo verificar as concordâncias e discordâncias nas avaliações dos problemas emocionais/comportamentais de crianças pré-escolares a partir da perspectiva de pais e mães. Para tanto, 19 pais e mães de crianças com idades entre 2 e 4 anos, estudantes de escolas municipais infantis, responderam ao CBCL/1,5-5 (Child Behavior Checklist). A correlação de Spearman entre as pontuações dos informantes variou de -0,171 a 0,464 para as diferentes escalas do instrumento. O teste dos postos sinalizados de Wilcoxon para amostras pareadas não indicou diferenças significativas entre os escores médios obtidos. Os índices de concordância da pontuação na faixa normal ou clínica do CBCL/1,5-5 variaram de não concordante à concordância moderada, sendo a maior concordância encontrada nas escalas Problemas de oposição e desafio (Kappa = 0,477) e Problemas com o sono (Kappa = 0,441). Ainda que tenham sido encontradas mais semelhanças do que diferenças entre as avaliações feitas pelos pais e mães sobre o comportamento das crianças desta amostra, defende-se a importância de avaliações a partir de múltiplos informantes para o rastreio de problemas e/ou melhor compreensão do quadro clínico.
Palavras-chave: Comportamento infantil. Avaliação. Lista de checagem. Pré-escolares. Pais.
ABSTRACT
Even if both parents live with their child in the same context, the interaction that each one of them has with her is different, as is their perceptions about this child's behavior. This study aimed at verifying the agreements and disagreements on the assessment of emotional/behavior problems by parents of preschool children. For that, 19 fathers and mothers of children aged 2-4 years old, students of municipal children's schools, answered the CBCL/1.5-5 (Child Behavior Checklist). The Spearman's correlation scores between informants' scores varied from -0.171 to 0.464 for the different CBCL/1.5-5 scales. The related-samples Wilcoxon signed rank tests did not indicate significant differences between the mean scores. Concordance indexes considering CBCL/1,5-5 scores in the normal vs. clinical range varied from non-agreement to moderate agreement. The highest agreement found was for the Oppositional Defiant Problems (Kappa = 0.477) and Sleeping Problems (Kappa = 0.441). Even if more similarities than differences were found, it is defended the importance of multiple informants' assessment for screening behavioral problems and to achieve a better comprehension of the clinical condition.
Keywords: Child behavior. Evaluation. Checklist. Preschoolers. Parents.
RESUMEN
Aunque las figuras parentales convivan con su hijo en el mismo contexto, la interacción de cada uno con el mismo es diferente, así como sus propias percepciones sobre las conductas del niño. En este sentido, este trabajo tuvo como objetivo verificar concordancias y discordancias en las evaluaciones de los problemas emocionales/comportamentales realizados por padres y madres de niños pre-escolares. Para tanto, 19 padres y madres de niños de edades entre 2 y 4 años, estudiantes de escuelas municipales infantiles, respondieron al CBCL/1,5-5 (Child Behavior Checklist). La correlación de Spearman entre la puntuación de la evaluación de cada padre varía de -0,171 a 0,464 para las distintas escalas del CBCL/1,5-5. La prueba de los puestos señalizados de Wilcoxon para muestras pareadas no indicó diferencias significativas entre la media de las puntuaciones obtenidas. Los índices de concordancia de la puntuación en la faja normal o clínica del CBCL/1,5-5 varían de no concordante a concordancia moderada, siendo la mayor concordancia encontrada en las escalas Problemas de oposición de desafío (Kappa = 0,477) y Problemas con el sueño (Kappa = 0,441). Aunque hayan sido encontradas más similitudes que diferencias entre las evaluaciones hechas por los padres y madres, se defiende la importancia de las evaluaciones a partir de múltiples informantes para el rastreo de problemas y/o mejor comprensión del marco clínico.
Palabras clave: Conducta infantil. Evaluación. Lista de verificación. Pre-escolares. Padres.
INTRODUÇÃO
Ao longo do desenvolvimento das crianças, espera-se que elas adquiram diversas competências para resolver os problemas que lhe são apresentados no dia a dia. Essas competências são distribuídas em diversas áreas, como comunicação e linguagem, motora, cognitiva e comportamental (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Esse processo de desenvolvimento pode ser prejudicado pela interação da criança com diferentes fatores de risco, sejam eles ambientais, biológicos, psicológicos ou psicossociais (CARNEIRO; DIAS; SOARES, 2016). Tal interação pode levar a atrasos no desenvolvimento e ao surgimento de problemas de comportamento.
São considerados "problemas" os comportamentos que ocorrem com uma frequência e/ou intensidade muito altas ou muito baixas em relação a uma nor-ma social que as pessoas significativas ao meio da criança assumem como esperado. Eles são nomeados dessa forma por atrapalharem o acesso da criança a novas contingências de reforçamento que favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento (BOLSONI-SILVA; DEL-PRETTE, 2003). A partir dessa concepção de problema de comportamento, entende-se que estes podem ser dificuldades normais do desenvolvimento, comportamentos que ocorrem no cotidiano, mas que são considerados problemáticos por acontecerem em intensidade ou frequência maior ou menor do que o esperado, e por trazerem prejuízos para a pessoa ou para aqueles que estão ao seu redor.
Mesmo que diferentes membros da família interajam com a criança de maneira variada, em geral existe uma expectativa no que se refere a como a criança se comporta; justamente quando os pais percebem comportamentos diferentes dos esperados por seu mundo social, pode ocorrer o encaminhamento para atendimento em serviços de saúde mental (ROCHA; EMERICH; BRAGA-PORTO, 2017). Ainda que haja variação quando se discute a quantidade de crianças que apresentam problemas além do esperado para sua idade e sexo, uma revisão da literatura indicou que 13,4% das crianças de todo o mundo apresentam alterações comportamentais passíveis de diagnóstico (POLANCZYK et al., 2015). Os autores do trabalho discutem o fato de que esse número pode ser ainda maior quando consideramos os problemas que já impactam significativamente a vida da criança e da família, mas não atingem os critérios para a elaboração de um diagnóstico psiquiátrico.
Nesse contexto, entende-se que a avaliação comportamental realizada com crianças na faixa etária pré-escolar é de suma importância, uma vez que permite a identificação precoce de dificuldades, o que leva a um melhor prognóstico (ZEPPONE; VOLPON; DEL CIAMPO, 2012). Sabe-se que a presença de problemas emocionais/comportamentais nos anos iniciais são preditores de problemas no futuro, e caso não tenha sua respectiva psicopatologia identificada e tratada, com o passar dos anos, os seus riscos subjacentes tendem a piorar (BASTEN et al., 2016; KESSLER et al., 2005).
Considerando-se o universo das crianças pré-escolares, os pais, ou aqueles que exercem o papel parental, por serem os responsáveis pelos cuidados e desenvolvimento de seus filhos, são os informantes que podem auxiliar o profissional a compreender as diferentes esferas da vida da criança (ANGOLD; EGGER, 2007; COSTELLO; EGGER; ANGOLD, 2005; MAJOR; SEABRA-SANTOS, 2014). Para obter tais informações, é comum o uso de entrevistas e questionários padronizados (MCCONAUGHY, 2013).
A maior parte dos trabalhos sobre avaliação do comportamento infantil obtém informações apenas com a mãe da criança, especialmente devido ao papel histórico que a figura materna carrega em si, assumindo a responsabilidade de cuidadora e dona de casa, enquanto o pai é visto apenas como uma figura provedora (ROCHA-COUTINHO, 2003). Entretanto, a perspectiva do pai é de extrema importância, tanto pela influência que este exerce na vida da criança, quanto pelo papel cada vez mais ativo que ele assume na criação dos filhos na sociedade moderna (CABRERA et al., 2014; SOUZA; BENETTI, 2009). Os diferentes lugares ocupados por homens e mulheres e seus diferentes papéis na família implicarão a maneira como irão interagir, perceber e se pronunciar em relação às suas crianças, sobretudo no que diz respeito às suas características comportamentais e de desenvolvimento (BORSA; NUNES, 2008). Ainda que as figuras parentais convivam com a mesma criança, sob o mesmo ambiente, "a qualidade da relação parental e a quantidade de tempo que cada um dedica aos(às) filhos(as) são diferentes" (BORSA; NUNES, 2008, p. 318), e isso interfere nas suas visões e percepções.
A inclusão de ambos os pais no processo de avaliação dos comportamentos de sua(s) criança(s) nem sempre gera informações concordantes. Na verdade, discrepâncias entre os relatos de diferentes informantes são esperadas (ACHENBACH; RESCORLA, 2000; BORSA; NUNES, 2008; DE LOS REYES; KAZDIN, 2005; MAJOR; SEABRA-SANTOS, 2014; ROCHA; FERRARI; SILVARES, 2011; SOLLIE; LARSSON; MØRCH, 2012; MASCENDARO; HERMAN; WEBSTER-STRATTON, 2012) e os níveis de concordância entre informantes variam entre baixo e moderado (ACHENBACH; MCCONAUGHY; HOWELL, 1987), sendo este "um dos mais consistentes achados em pesquisas em psicologia clínica infantil" (DE LOS REYES; KAZDIN, 2005, p. 483).
Quando se analisa o relato de pais sobre os comportamentos de seu filho, algumas questões precisam ser consideradas, como as expectativas sociais e da história individual de cada um, a experiência que possuem com crianças ou, até mesmo, a saúde mental dos pais, visto que essas variáveis podem interferir na capacidade de avaliar os comportamentos dos filhos (COLLISHAW et al., 2012; KAGAN et al., 2002). Estudos indicam que a concordância entre os informantes é maior no que se refere às dificuldades externalizantes, que incluem comportamentos agressivos e de violação de regras, e que baixos índices de concordância são encontrados para os problemas internalizantes, como ansiedade e depressão (BORSA; NUNES, 2008; SALBACH-ANDRAE; LENZ; LEHMKUHL, 2009). Outros trabalhos afirmam que mães costumam relatar mais problemas que os pais na avaliação dos problemas de comportamento das crianças quando respondem a instrumentos padronizados, provavelmente por conta do contexto ou da situação em que a criança é observada (ALAKORTES et al., 2017; SOLLIE; LARSSON; MØRCH, 2012). Por outro lado, a contribuição da figura paterna é igualmente pertinente à da mãe ao relatar sintomas de ansiedade e depressão de seus filhos, principalmente se a outra figura parental se encontra sob constante estresse (MASCENDARO; HERMAN; WEBSTER-STRATTON, 2012). Na verdade, entende-se que as discrepâncias nos relatos podem ajudar a fornecer informações acerca da dinâmica familiar e como isso afeta o comportamento da criança em diferentes contextos, fator relevante no planejamento do manejo clínico.
Dessa forma, uma avaliação abrangente do repertório comportamental da criança deve incluir informações obtidas com diferentes informantes e uma análise das convergências e divergências identificada no relato deles. O presente trabalho se insere no contexto da avaliação do comportamento de crianças a partir da percepção do pai e da mãe e teve como objetivo verificar as semelhanças e diferenças nas respostas que ambos fornecem sobre os comportamentos de seus filhos pré-escolares em um instrumento padronizado de avaliação.
MÉTODO
Delineamento
Foi realizado um estudo transversal de caráter quantitativo para avaliar a concordância parental quanto às informações fornecidas por ambos a respeito de alterações comportamentais de seu filho.
Considerações éticas
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Parecer n. 1.511.742). Todos os aspectos previstos na Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram preservados.
Participantes e procedimento
Os pais de alunos com idade entre 2 e 4 anos matriculados em duas escolas infantis de um município da Grande São Paulo foram convidados para uma reunião na escola para participar do estudo. Dos 225 alunos cujos responsáveis compareceram à reunião e concordaram em responder ao questionário sobre os comportamentos do filho, 19 (8,4%) contaram com a presença do pai e da mãe e foram alvos de análise do presente trabalho. A pesquisa foi realizada na própria escola e os pais tiveram o auxílio de assistentes de pesquisa para responder às questões apresentadas. A Tabela 1, a seguir, apresenta a caracterização da amostra.
Instrumentos
A caracterização da amostra, no que se refere a dados sociodemográficos, foi realizada a partir do preenchimento de uma ficha elaborada para a realização da pesquisa. Os comportamentos das crianças foram avaliados utilizando o Inventário de Comportamentos de Crianças entre 1,5 e 5 anos (CBCL/1.5-5) (ACHENBACH; RESCORLA, 2000), inventário desenvolvido para que pais e cuidadores avaliem os problemas comportamentais de suas crianças. São listados 99 itens de problemas que podem ser apresentados por crianças dessa faixa etária e para os quais o respondente deve indicar se observou tal comportamento nos últimos dois meses no repertório de seu filho usando uma escala Likert que varia de 0 (não é verdadeiro) a 2 (muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro). Os itens são agrupados em escalas: Reatividade emocional, Ansiedade/depressão, Queixas somáticas, Retraimento, Problemas com sono, Problemas de atenção e Comportamento agressivo. As quatro primeiras escalas são reunidas na soma de escala Problemas internalizantes, enquanto as duas últimas são reunidas em Problemas externalizantes. A soma de todos os itens do questionário gera a escala Total de problemas emocionais/comportamentais. Além dessas escalas, em razão da sobreposição dos itens de problemas apresentados neste instrumento com os critérios do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders/Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os resultados da avaliação utilizando o CBCL/1,5-5 são apresentados também em escalas orientadas pelo DSM: Problemas afetivos, Problemas de ansiedade, Problemas do espectro do autismo, Problemas de déficit de atenção/Hiperatividade e problemas de oposição e desafio.
A resposta dada em cada item respondido no CBCL/1,5-5 é somada às dos outros itens que compõem a mesma escala para assim se obter o escore bruto, que é convertido em escore T padronizado, permitindo a comparação da pontuação com a distribuição dos escores obtidos a partir da amostra normativa e da comparação dos escores dentre todas as escalas do instrumento. Os escores T são classificados como normais, limítrofes e clínicos, sendo que a faixa limítrofe pode ser agrupada com a faixa clínica em casos de pesquisa, de maneira a evitar falsos negativos (ACHENBACH; RESCORLA, 2000). Altos escores nas escalas não correspondem diretamente a um diagnóstico, mas sim indicadores de altos índices de problemas na área avaliada na percepção do respondente.
A versão brasileira do CBCL/1,5-5 foi traduzida para o português, retrotraduzida para o inglês e aprovada para uso pelos autores do instrumento. Dois estudos foram realizados para analisar as propriedades psicométricas desta versão. Pires et al. (2014) encontraram elevados Índices de Correlação Intraclasse (CIC) para as somas de escalas Problemas internalizantes (CIC = 0,99), Problemas externalizantes (CIC = 0,99) e Total de problemas emocionais/comportamentais (CIC = 0,98), além de Alphas de Cronbach variando de 0,69 (Queixas somáticas) a 0,94 (Total de problemas emocionais/comportamentais). Os resultados encontrados pelas autoras indicam confiabilidade satisfatória das medidas realizadas com o instrumento. Além disso, Mota (2015), evidenciou que a versão brasileira do CBCL/1,5-5 é capaz de identificação de casos de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em comparação com casos diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e com crianças que apresentam desenvolvimento típico.
Procedimentos para análise dos dados
As respostas dadas ao CBCL/1,5-5 foram analisadas utilizando o software ADM, desenvolvido especialmente para essa finalidade. Também foi utilizado o software SPSS 21.0 para análises estatísticas, sendo estas: 1. teste dos postos sinalizados de Wilcoxon para determinar se há diferenças, em média, entre as respostas de ambos os informantes; 2. correlação bivariada de Spearman entre as respostas de pais e de mães, para verificar se existe correlação entre as pontuações obtidas pela criança a partir dos dois informantes. Para interpretação do resultado, foram adotados os critérios de Hair et al. (2009): valores maiores ou iguais a 0,70 (em módulo) indicam uma forte correlação, valores entre 0,30 e 0,70 (em módulo) indicam correlação moderada e valores entre zero e 0,30 (em módulo) indicam uma correlação fraca entre as variáveis; 3. teste Kappa, para verificar a concordância entre os informantes na frequência observada de casos com pontuação na faixa clínica. Para todas as análises, foi definido o nível de significância como p menor do que 0,05.
RESULTADOS
Inicialmente, foi realizado o teste de comparação das médias obtidas pelas crianças nas escalas do CBCL/1,5-5 a partir das informações fornecidas pelos dois informantes. Os resultados podem ser observados na Tabela 2.
O teste dos postos sinalizados de Wilcoxon realizado para comparar as respostas de pais e mães para as mesmas escalas do CBCL/1,5-5 não indicaram diferença significativa na pontuação bruta obtida. Ainda que seja possível observar alguma diferença entre as pontuações a partir das avaliações feitas pelos pais e pelas mães acerca do comportamento das crianças, essa não atingiu os critérios estatísticos.
Em seguida, foi realizada a análise de correlação entre a pontuação obtida pela criança nas escalas do CBCL/1,5-5 a partir da resposta de ambos os informantes. Os índices são apresentados na Tabela 3.
Foram encontradas correlações positivas significativas entre as respostas dos dois informantes para as escalas Reatividade emocional, Ansiedade/depressão, Problemas com sono, Problemas de ansiedade e Problemas de oposição e desafio. Todas as correlações variaram de fracas a moderadas.
Por fim, para verificar a concordância entre os informantes quanto aos problemas indicados estarem na faixa clínica ou normal, foram utilizadas tabelas 2x2 com o cálculo dos valores Kappa. Os resultados obtidos são apresentados na Tabela 4.
Os índices Kappa variaram de não concordante (valores menores que zero) à concordância moderada (valores entre 0,4 e 0,59). As escalas nas quais foi observada maior concordância entre informantes foram: Problemas de oposição e desafio (84,2%; Kappa = 0,477) e Problemas com o sono (89,5%; Kappa = 0,441).
DISCUSSÃO
Este estudo teve o intuito de verificar as concordâncias e discrepâncias entre as respostas fornecidas pelos pais e pelas mães na avaliação dos comportamentos de seus filhos com idades entre 2 e 4 anos usando o CBCL/1,5-5 (ACHENBACH; RESCORLA, 2000). A partir das análises realizadas, pôde-se observar que, em média, não há diferença nas pontuações obtidas a partir das respostas de ambos os informantes. Esses resultados são similares aos do estudo de Yuh (2017) realizado com pais e mães de crianças pré-escolares coreanas e de Van der Veen-Mulders et al. (2017) com pais e mães de crianças holandesas. É possível hipotetizar que a correspondência entre a pontuação do pai e da mãe pode se dar em razão de ambos observarem a criança no mesmo contexto, especialmente em casa, e sob a perspectiva de cuidado parental. Além disso, pode sugerir que há concordância entre ambos os responsáveis pela criança no que se refere às expectativas apresentadas com relação ao comportamento desta (DE LOS REYES et al., 2016). Essa hipótese é especialmente relevante em uma amostra com baixo índice de discórdia conjugal, como a reportada no presente estudo (21%).
No entanto, alguns estudos realizados com pais e mães de crianças pré-escolares apontam resultados semelhantes aos encontrados com crianças mais velhas: mães costumam relatar mais problemas que os pais na avaliação utilizando instrumentos padronizados (ALAKORTES et al., 2017; BORSA; NUNES, 2008; SALBACH-ANDRAE; LENZ; LEHMKUHL, 2009; SOLLIE; LARSSON; MØRCH, 2012; MASCENDARO; HERMAN; WEBSTER-STRATTON, 2012). Tais diferenças nas respostas de pais e mães aos inventários que avaliam os problemas emocionais/comportamentais de seus filhos costumam ser atribuídas às diferenças no comportamento da criança nos diferentes contextos/interações. Além disso, características dos informantes podem afetar a forma como eles respondem ao questionário, como percebem o comportamento da criança e nos parâmetros que possuem sobre o comportamento infantil (MASCENDARO; HERMAN; WEBSTER-STRATTON, 2012). Dessa forma, o estudo das variáveis presentes nos diferentes contextos é fundamental para a interpretação dos resultados obtidos na comparação das percepções de pais e mães sobre os problemas emocionais e comportamentais de seus filhos.
Estudos de correlação entre as pontuações obtidas nas escalas na avaliação de diferentes informantes evidenciam correlações baixas a moderadas (ACHENBACH; MCCONAUGHY; HOWELL, 1987; DE LOS REYES; KAZDIN, 2005; DE LOS REYES et al., 2015; GRIETENS et al., 2004; YUH, 2017). Resultados semelhantes foram encontrados no presente estudo, com correlações levemente mais elevadas para os Problemas internalizantes (rs = 0,302) que para os Problemas externalizantes (rs = 0,225). Esses valores, no entanto, estão abaixo dos encontrados na meta-análise de De Los Reyes et al. (2015), que englobou 341 estudos de correspondência entre pais e mães na avaliação dos problemas dos filhos. Os índices encontrados por De Los Reyes et al. (2015) foram 0,48 para Problemas internalizantes e 0,58 para Problemas externalizantes, configurando, nos dois casos, correlações moderadas. Ainda que os valores obtidos no presente trabalho estejam abaixo da média indicada no estudo de meta-análise, eles devem ser interpretados levando em consideração a faixa etária das crianças avaliadas e o tamanho amostral.
Por fim, a análise do índice de concordância entre pais e mães no que se refere à classificação dos problemas na faixa clínica ou normal do CBCL/1,5-5 evidenciou índices de concordância de não concordante à concordância moderada. A maior concordância foi encontrada nas escalas Problemas de oposição e desafio (Kappa = 0,477) e Problemas com o sono (Kappa = 0,441). O fato de ambas agruparem itens que são facilmente observáveis no ambiente deve ter contribuído para que 89,5% e 84,2% dos pais, respectivamente, chegassem a classificações semelhantes na avaliação dos problemas de seus filhos. As escalas com menor concordância entre os pais foram as somas de escala do instrumento: Problemas internalizantes (57,9%), Problemas externalizantes (57,9%) e Problemas totais (47,4%). Essas são as escalas com maior número de itens do CBCL/1,5-5, sendo que a Escala total engloba todos os 99 itens analisados, o que diminui a probabilidade de concordância. Ainda assim, esses valores estão abaixo dos encontrados em outros estudos, como o de Grietens et al. (2004), no qual a concordância entre pais e mães de crianças com idades entre 5 e 6 anos foi de 81,4% para a Escala total do CBCL.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que os dados encontrados no presente trabalho sejam consistentes com os da literatura internacional e que contribuam para a compreensão dos padrões de concordância e discordância entre pais e mães de crianças pré-escolares no Brasil, faz-se necessário analisar os resultados apresentados à luz de suas limitações. Sugere-se que, para que haja dados estatísticos mais significantes, sejam realizados novos estudos com amostras mais amplas e representativas de crianças pré-escolares e com a possibilidade de análise das diferenças em função das diferentes estruturas familiares. Nesse sentido, seria importante analisar os dados considerando as variáveis sexo da criança, discórdia conjugal, composição familiar, renda e escolaridade dos pais, por exemplo. Além disso, trata-se de uma amostra de crianças da população geral, não encaminhada para serviços de saúde mental. Dessa forma, os resultados não podem ser generalizados para contextos clínicos. Assim, sugere-se que novos estudos sejam feitos com amostras encaminhadas para serviços de saúde mental, bem como com a comparação dos resultados de concordância e discordância obtidos por pais e mães na avaliação dos problemas de seus filhos nesses dois contextos. Por fim, ter dados sobre a saúde mental dos responsáveis e da interação com a criança poderia enriquecer a análise dos dados. Assim, tais variáveis deverão ser consideradas em estudos futuros.
Deve-se notar ainda que, quando convidados para participar da pesquisa, poucos casais compareceram e apenas 19 pais se disponibilizaram para responder aos questionários, dificultando, assim, a realização de análises estatísticas mais robustas. Esse dado pode ser interpretado, mais uma vez, como evidência dos diferentes lugares ocupados por homens e mulheres e seus papéis na família (BORSA; NUNES, 2008) e da importância de termos ambos os informantes no processo de avaliação dos problemas emocionais/comportamentais dos filhos. Isso se torna especialmente importante se considerarmos que pais e mães identificam diferentes tipos de problemas quando avaliam seus filhos e que, dessa forma, cada um contribui de maneira única para a compreensão do caso.
Apesar das limitações, os resultados do presente estudo fornecem uma base para investigações sobre a relação entre as avaliações de pais e mães de crianças pré-escolares. Ainda que não exista um padrão ouro sobre como combinar as respostas dos múltiplos informantes no processo de avaliação, essa é a recomendação feita nos trabalhos e guias de avaliação baseada nas evidências e dados trazidos ao longo desta escrita. Portanto, reforça-se a ideia da importância de se realizar a avaliação dos problemas emocionais/comportamentais infantis com ambos os pais, assim obtendo diferentes percepções e ponderando-se o resultado entre as figuras parentais.
REFERÊNCIAS
ACHENBACH, T. M.; MCCONAUGHY, S. H.; HOWELL, C. T. Child/adolescent behavior and emotional problems: implications of cross-informant correlations for situational specificity. Psychological Bulletin, v. 101, n. 2, p. 213-232, Mar. 1987. [ Links ]
ACHENBACH, T. M.; RESCORLA, L. A. Manual for the Aseba Preschool Forms & Profiles. Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children, Youths, & Families, 2000. [ Links ]
ALAKORTES, J. et al. Parental reports of early socioemotional and behavioral problems: does the father's view make a difference? Infant Mental Health Journal, v. 38, n. 3, p. 363-377, 2017. doi: 10.1002/imhj.21644 [ Links ]
ANGOLD, A.; EGGER, H. L. Preschool psychopathology: lessons for the lifespan. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 48, n. 10, p. 961-966, 2007. doi: 10.1111/j.1469-7610.2007.01832.x [ Links ]
BASTEN, M. et al. The stability of problem behavior across the preschool years: an empirical approach in the general population. Journal of Abnormal Child Psychology, v. 44, n. 2, p. 393-404, 2016. doi: 10.1007/s10802-015-9993-y [ Links ]
BOLSONI-SILVA, A. T.; DEL-PRETTE, A. Problemas de comportamento: um panorama da área. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 5, n. 2, p. 91-103, 2003. [ Links ]
BORSA, J. C.; NUNES, M. L. T. Concordância parental sobre problemas de comportamento infantil através do CBCL. Paidéia, v. 18, n. 40, p. 317-330, 2008. doi: 10.1590/S0103-863X2008000200009 [ Links ]
CABRERA, N. J. et al. The ecology of father-child relationships: an expanded model. Journal of Family Theory and Review, v. 6, p. 336-354, 2014. doi: 10.1111/jftr.12054 [ Links ]
CARNEIRO, A.; DIAS, P.; SOARES, I. Risk factors for internalizing and externalizing problems in the preschool years: systematic literature review based on the Child Behavior Checklist 11/2-5. Journal of Child and Family Studies, v. 25, n. 10, p. 2941-2953, 2016. doi: 10.1007/s10826-016-0456-z [ Links ]
COLLISHAW, S. et al. How far are associations between child, family and community factors and child psychopathology informant-specific and informant-general? Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 50, n. 5, p. 571-580, 2012. doi: 10.1111/j.14697610.2008.02026.x [ Links ]
COSTELLO, E. J.; EGGER, H.; ANGOLD, A. 10-year research update review: the epidemiology of child and adolescent psychiatric disorders: i. methods and public health burden. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, v. 44, n. 10, p. 972-986, 2005. doi: 10.1097/01.chi.0000172552.41596.6f [ Links ]
DE LOS REYES, A.; KAZDIN, A. E. informant discrepancies in the assessment of childhood psychopathology: a critical review, theoretical framework, and recommendations for further study. Psychological Bulletin, v. 131, n. 4, p. 483-509, 2005. doi: 10.1037/0033-2909.131.4.483 [ Links ]
DE LOS REYES, A. et al. The validity of the multi-informant statistical interactions as measures of informant discrepancies in psychological assessment of children and adolescents. Psychological Bulletin, v. 141, n. 4, p. 858-900, 2015. doi: 10.1037/a0038498 [ Links ]
DE LOS REYES, A. et al. Can we use convergence between caregiver reports of adolescent mental health to index severity of adolescent mental health concerns? J. Child. Fam. Stud., v. 25, n. 1, p. 109-123, Jan. 2016. doi: 10.1007/s10826-015-0216-5 [ Links ]
GRIETENS, H. et al. Comparison of mothers', fathers', and teachers' reports on problem behavior in 5-to-6 years-old children. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, v. 26, n. 2, p. 137-146, 2004. doi: 10.1023/B:JOBA.0000013661.14995.59 [ Links ]
HAIR, J. F. et al. Análise multivariada de dados. Tradução A. S. Sant'Anna. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009. [ Links ]
KAGAN, J. et al. One measure, one meaning: multiple measures, clearer meaning. Development and Psychopathology, v. 14, n. 3, p. 463-475, 2002. doi: 10.1017/S09545 79402003048 [ Links ]
KESSLER, R. C. et al. Lifetime prevalence and age-of-onset distribution of DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Archive of General Psychiatry, v. 62, n. 6, p. 593-602, 2005. doi: 10.1001/archpsyc.62.6.593 [ Links ]
MAJOR, S.; SEABRA-SANTOS, M. J. Pais e/ou professores? Acordo entre informadores na avaliação socioemocional de pré-escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Porto Alegre, v. 30, n. 4, p. 373-383, 2014. [ Links ]
MASCENDARO, P. M.; HERMAN, K. C.; WEBSTER-STRATTON, C. Parent discrepancies in ratings of young children's co-occurring internalizing symptoms. School Psychology Quarterly, v. 27, n. 3, p. 134-143, 2012. doi: https://doi.org/10.1037/a0029320 [ Links ]
MCCONAUGHY, S. H. Clinical interviews for children and adolescents: assessment to intervention. 2. ed. Nova York: Guilford Press, 2013. [ Links ]
MOTA, A. D. P. Identificação de transtornos do espectro de autismo com Child Behavior Checklist (CBCL): evidências de sensibilidade. 2015. Tese (Doutorado)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. [ Links ]
PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. [ Links ]
PIRES, M. L. N. et al. Reprodutibilidade e consistência interna do CBCL/1,5-5 e problemas de comportamento em uma amostra de crianças pré-escolares. In: REUNIÃO ANUAL DE PSICOLOGIA, 44., 2014, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto, 2014. [ Links ]
POLANCZYK, G. V. et al. Annual research review: a meta-analysis of the worldwide prevalence of mental disorders in children and adolescents. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines, v. 56, n. 3, p. 345-365, 2015. doi: 10.1111/jcpp.12381 [ Links ]
ROCHA, M. M.; EMERICH, D. R.; BRAGA-PORTO, P. F. Desafios atuais na prática clínica infantil. In: MIYAZAKI, M. C. O. S.; TEODORO, M. L. M.; GORAYEB, R. Propsico - Programa de atualização em psicologia clínica e da saúde: ciclo 1. Porto Alegre: Panamericana, 2017. p. 101-140. [ Links ]
ROCHA, M. M.; FERRARI, R. A.; SILVARES, E. F. M. Padrões de concordância entre múltiplos informantes na avaliação dos problemas comportamentais de adolescentes. Estudos de Psicologia, v. 11, n. 3, p. 948-964, 2011. [ Links ]
ROCHA-COUTINHO, M. L. O papel de homens e mulheres na família: podemos falar em reestruturação? Psicologia Clínica, v. 15, n. 2, p. 93-107, 2003. [ Links ]
SALBACH-ANDRAE, H.; LENZ, K.; LEHMKUHL, U. Patterns of agreement among parent, teacher and youth ratings in a referred sample. Eur Psychiatry, v. 24, n. 5, p. 345-351, 2009. doi: 10.1016/j.eurpsy.2008.07.008 [ Links ]
SOLLIE, H.; LARSSON, B.; MØRCH, W. Comparison of mother, father, and teacher reports of ADHD core symptoms in a sample of child psychiatric outpatients. Journal of Attention Disorders, v. 17, n. 8, p. 1-12, 2012. doi: 10.1177/1087054711436010 [ Links ]
SOUZA, C. L. C.; BENETTI, S. P. Paternidade contemporânea: levantamento da produção acadêmica no período de 2000 a 2007. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 19, n. 42, p. 97-106, 2009. doi: 10.1590/S0103-863X2009000100012 [ Links ]
VAN DER VEEN-MULDERS, L. et al. Predictors of discrepancies between fathers and mothers in rating behaviors of preschool children with and without ADHD. Eur Child Adolescent Psychiatry, v. 26, n. 3, p. 365-376, 2017. doi: 10.1007/s00787-016-0897-3 [ Links ]
YUH, J. Do mothers and fathers perceive their child's problems and prosocial behaviors differently? J. Child. Fam. Stud., v. 26, n. 11, p. 3045-3054, 2017. doi: 10.1007/s108 26-017-0818-1 [ Links ]
ZEPPONE, S. C.; VOLPON, L. C.; DEL CIAMPO, L. A. Monitoramento do desenvolvimento infantil realizado no Brasil. Revista Paulista de Pediatria, v. 30, n. 4, p. 594-599, 2012. doi: 10.1590/S0103-05822012000400019 [ Links ]
Recebido em: 17.08.2018
Aprovado em: 04.09.2018