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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.8 no.15 São Paulo jun. 2008
RESENHA
Assédio moral no trabalho
Mobbing in the workplace
Asedio moral en el trabajo
Eduardo Pinto e Silva*
Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR - Brasil
Assédio Moral no Trabalho
Autores: Maria Ester de Freitas, Roberto Heloani e
Margarida Barreto.
São Paulo: Cengage Leaning, 2008
O livro Assédio moral no trabalho, de autoria de Maria Ester de Freitas (FGVSP), Roberto Heloani (UNICAMP e FGV-SP) e Margarida Barreto (Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa-SP e PUC-SP), apresenta estrutura clara, didática e concisa e enfoca o tema do terror psicológico no trabalho de forma aprofundada e comprometida, social e politicamente, com as necessárias, senão urgentes, transformações sociais e organizacionais. Ao abordar a questão do assédio moral de forma contextualizada às atuais configurações políticoinstitucionais, sócio-culturais e organizacionais do mundo do trabalho, contribui sobremaneira para a construção de uma abordagem crítica e processual do fenômeno, constituindo-se como referência obrigatória tanto para aqueles que buscam orientações e conhecimentos introdutórios sobre o assunto como para os que já nele se embrenharam.
O grande mérito da publicação reside na abordagem do assédio moral no trabalho como problema fundamentalmente social e organizacional, intrinsecamente relacionado às mudanças do sistema produtivo, contrapondose, assim, às compreensões psicologizantes, patologizantes e a-históricas, frequentemente presentes nas discussões de temas co-relacionados, tal como as do bullying escolar e do stress.
A recusa radical à compreensão psicologizante e a-histórica se evidencia logo nas reflexões introdutórias, na qual os autores consideram que vivemos numa sociedade na qual predomina a competição generalizada e nas quais os valores sociais são reduzidos ao valor do mercado. A violência, compreendida como eminentemente social, latente e induzida, é relacionada a um processo de corrosão dos vínculos sociais e dos valores coletivos e de exacerbação do individualismo. Tais aspectos são relacionados às mudanças do sistema produtivo e às novas formas de gestão e organização do trabalho que, sob o discurso do reconhecimento da subjetividade, a instrumentalizam.
A sociedade e o trabalho, sob a égide da lógica e da ideologia gerenciais, concretizam a reificação e rentabilização dos indivíduos através de estratégias mistas de coerção e sedução. O trabalho, fundamento do ser social e de sua identidade, torna-se, paradoxalmente, atividade em que os indivíduos são negados e instrumentalizados, redundando em inúmeros processos sócio-organizacionais de assédio moral que colocam em xeque as políticas de afetividade e os ditos programas de comprometimento das empresas que, baseados nas teorias da inteligência emocional, pregam a empatia e o contentamento geral num ambiente no qual predominam o cinismo, o sarcasmo, a negação dos afetos e a competição e indiferença em relação ao outro.
Os autores explicitam o risco do debate do terror psicológico no trabalho, protagonizado por "facínoras organizacionais" (p.41) de carne e osso, ser "confinado a um mero conflito entre indivíduos psicologizados" e redundar na atribuição de culpa a "indivíduos perversos, quando sabe-se que essa relação perversa nutre-se da institucionalização e do encorajamento de um modelo de gestão fundado em maus-tratos, em práticas sádicas" (p.13).
A argumentação, baseada em vários exemplos de pesquisas de Barreto sobre o assédio moral no Brasil (Uma jornada de humilhações, 2000; Assédio moral: a violência sutil, 2005) e de renomados autores europeus, assim como em uma série de considerações de seus aspectos jurídicos e políticos, nacionais e internacionais, aponta que o fenômeno, embora histórico, se intensifica nas atuais mudanças do sistema produtivo e da gestão: "o modo como o trabalho está organizado e é gerido favorecem relações violentas"; o imperativo da flexibilidade é relacionado à proliferação de "regras incertas, mutáveis, promessas não cumpridas, reconhecimentos negados, punições arbitrárias, exigências de submissão de uns e arrogância de outros" (p.12).
Sendo assim, apresentam importante definição do conceito de assédio moral, tanto do ponto de vista epistemológico quanto político: "o assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, freqüente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional" (p.37).
No entanto, algumas considerações sobre a discussão sobre os estudos pioneiros e sobre o termo bullying, utilizado na Inglaterra para referir-se tanto ao fenômeno do assédio moral no trabalho como à violência entre estudantes nas escolas, merecem ser explicitadas, levando-se em conta o pragmatismo que compreendemos neles se fazer presente.
Os autores indicam que, no início dos anos oitenta, Heinz Leymann, doutor em Psicologia do Trabalho e professor na Universidade de Estocolmo, realizou suas primeiras pesquisas e estudos sobre ambiente de trabalho e saúde, chegando a resultados preocupantes sobre o sofrimento no trabalho. Ao alargar suas pesquisas para toda a região escandinava e países de língua alemã, Leymann guiou-se por uma preocupação prática - o combate e prevenção do fenômeno – assim como por um aprofundamento do conhecimento teórico, materializado na publicação de Pérsecution au travail, em 1993, na qual se utilizou dos termos em inglês mobbing e psicoterror (terror psicológico).
O pioneirismo de Hirigoyen, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta familiar, na discussão do assédio moral na França, também é devidamente reconhecido. Seu primeiro livro foi publicado em 1998, sob o título Harcélement moral: la violence perverse au quotidien e foi amplamente divulgado, inclusive nos primeiros estudos brasileiros, publicados pelos autores do livro aqui em discussão. Estes apresentam a definição do conceito de assédio moral da autora (p.29), no qual ela refere-se a atitudes ou procedimentos repetitivos que degradam as condições de trabalho e que atentam contra a dignidade, saúde e vida profissional, assim como a sua classificação do fenômeno (p.33- 34) em quatro grupos: deterioração proposital das condições de trabalho; isolamento e recusa de comunicação; atentado contra a dignidade; violência verbal, física ou sexual. Tal classificação, permeada por um senso prático, é explorada pelos autores numa perspectiva oposta à do pragmatismo, a saber: a da dimensão dialética do assédio moral e das suas múltiplas formas, não limitadas às posições ou relações formais de poder. Por fim, aludem também às reconsiderações que a autora francesa fez em seu segundo livro, Malaise dans le travail" (2001), no qual reconheceu uma tendência ao enfoque psicológico da interação agressor-vítima em Harcélement moral e no qual então buscou analisar o contexto mais geral da violência na sociedade.
Consideramos necessário considerar que o termo bullying foi pioneiramente empregado em 1978 pelo norueguês Dan Olweus, não citado pelos referidos autores, em trabalho intitulado Agression in the schools: bullies and whipping boys, e, portanto, foi inicialmente mais circunscrito ao ambiente escolar. Vale mencionar que já em 1973, em Personality and agression, publicado pelos editores Cole e Jansen por ocasião do Nebraska Symposium on Motivation, Olweus buscou demonstrar motivações psicológicas para compreensão de atitudes agressivas. Já em 1993, Olweus publicou Bullying at school: what we knom and what we can do, no qual novamente discutiu o contexto escolar e reiterou sua visão psicologizante e pragmática, que consideramos, de algum modo, ainda que indiretamente, fator de influência nos aspectos psicológicos e classificatórios da primeira obra de Hirigoyen, provavelmente a mais lida referência sobre o assédio moral no mundo e referência obrigatória dos estudos nacionais.
Em 1994, Smith e Sharp, também não citados, publicaram na Inglaterra School bullying: insigths and perspectives, no qual fazem referências à obra de Olweus. Smith (professor de Psicologia do Departamento de Psicologia da Universidade de Sheffield) e Sharp (psicóloga educacional do Barnsley Psycholgical Service) adotam a visão psicologizante de Olweus e do pragmatismo neobehaviorista de combate do fenômeno através do treinamento da assertividade das vítimas ("Assertiveness training for bullied pupils", p.121-131), ainda que não o confinem na escola e entre os pares, pois afirmam que o "bullying pode ser descrito como sistemático abuso de poder" que "pode ocorrer em vários contextos, incluindo o local de trabalho e o doméstico" , assim como "forças armadas, prisões e escolas" (Smith & Sharp, 1994, p.2), aspecto também considerado por Freitas, Heloani e Barreto.
Portanto, julgamos que esses dados históricos sobre o conceito de bullying e dos substratos pragmáticos que possa ter imprimido na discussão do assédio moral, até mesmo nas contribuições mais criticas, poderiam ter sido melhor explicitados pelos autores, de forma que suas próprias preocupações de caráter didático-classificatório e jurídicoinstitucional não venham a ser engolfados pelo furor do pragmatismo das organizações empresariais e das consultorias, motor do assédio moral no trabalho.
As considerações apresentadas são parte do ofício de resenhar uma obra que, não obstante, deve e necessita ser apontada como contribuição teórica imprescindível, ainda que a leitura das pesquisas de Barreto (2000; 2005) continue a ser a mais valiosa fonte de dados empíricos sistematizados e analisados em nosso país.
Referências
Barreto, M. M. S. (2000). Uma jornada de humilhações. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. PUC, São Paulo. [ Links ]
Barreto, M. M. S. (2005). Assédio moral: a violência sutil. Análise epidemiológica e psicossocial no trabalho no Brasil. Tese de Doutorado, não publicada, em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
Hirigoyen, M-F. (2001). Malaise dans le travail. Harcelement moral: Demeler le vrai du faux. Paris, Editions La Decouverte and Syros. [ Links ]
Olweus, D. (1993). Bullying at School: What We Know and What We Can Do. Cambridge, MA: Blackwell Publishers [ Links ]
Smith, P. & Sharp, S. (1994). School Bullying. Insights and perspectives. London: Routledge. [ Links ]
Endereço para correspondência
Eduardo Pinto e Silva
E-mail: dups@ig.com.br
Recebido em: 20/05/2008
Aceito em: 23/06/2008
* Psicólogo pela PUC-SP, mestre e doutor em Educação pela UNICAMP, Professor Adjunto da UFSCAR - Brasil, Departamento de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCAR.